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RECREAÇÃO E LAZER CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD Recreação e Lazer – Prof. Ms. Robson Amaral da Silva Olá! Meu nome é Robson Amaral da Silva. Sou licenciado em Educação Física pela Universidade Federal de São Carlos (CEF/ UFSCar – 2006), especialista em Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG – 2008) e mestre em Educação pela UFSCar (PPGE/UFSCar – 2010). Atualmente, sou professor do Claretiano – Centro Universitário de Batatais nos cursos de Bacharelado (presencial e a distância) e Licenciatura (presencial e a distância). Sou pesquisador da Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana, membro do Núcleo de Estudos de Fenomenologia em Educação Física (Nefef/UFSCar), pesquisador da linha Práticas Sociais e Processos Educativos e Estudos Socioculturais do Lazer. Ultimamente, também tenho me debruçado sobre questões afetas ao lazer e à recreação, publicando artigos científicos em periódicos nacionais e internacionais, além de capítulos de livros relacionados a essa temática. E-mail: robsonsilva@claretiano.edu.br Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação RECREAÇÃO E LAZER Robson Amaral da Silva Batatais Claretiano 2014 Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação © Ação Educacional Claretiana, 2012 – Batatais (SP) Versão: dez./2014 790.1 S583r Silva, Robson Amaral da Recreação e lazer / Robson Amaral da Silva – Batatais, SP : Claretiano, 2014. 174 p. ISBN: 978-85-8377-238-5 1. Lazer. 2. Ludicidade. 3. Educação. 4. Recreação. 5. Políticas do lazer. I. Recreação e lazer. CDD 790.1 CDD 658.151 Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Dandara Louise Vieira Matavelli Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A. Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Patrícia Alves Veronez Montera Raquel Baptista Meneses Frata Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Simone Rodrigues de Oliveira Bibliotecária Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Revisão Cecília Beatriz Alves Teixeira Eduardo Henrique Marinheiro Felipe Aleixo Filipi Andrade de Deus Silveira Juliana Biggi Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz Rafael Antonio Morotti Rodrigo Ferreira Daverni Sônia Galindo Melo Talita Cristina Bartolomeu Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico, diagramação e capa Eduardo de Oliveira Azevedo Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami de Souza Wagner Segato dos Santos Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana. Claretiano - Centro Universitário Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo – Batatais SP – CEP 14.300-000 cead@claretiano.edu.br Fone: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006 www.claretianobt.com.br SUMÁRIO CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 7 2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO .......................................................................... 9 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 19 UnidAdE 1 – RECREAÇÃO E LAZER: APONTAMENTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS NO CAMPO DA EDUCAÇÃO FÍSICA 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 21 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 21 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 22 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 23 5 RECREAÇÃO E LAZER: VÍNCULOS HISTÓRICOS .............................................. 24 6 LAZER: ASPECTOS CONCEITUAIS .................................................................... 66 7 RECREAÇÃO: (BREVES) APOnTAMEnTOS COnCEiTUAiS .............................. 75 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 77 9 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 78 10 E-REFERÊnCiAS ................................................................................................ 79 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 79 UnidAdE 2 – DIMENSÕES POLÍTICAS DO LAZER 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 83 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 83 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 84 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 84 5 O LAZER COMO DIREITO SOCIAL .................................................................... 85 6 O PROCESSO HISTÓRICO DE POLÍTICAS DE LAZER NO BRASIL ..................... 95 7 POLÍTICAS: UNIVERSAIS OU FOCALIZADAS? .................................................. 109 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 114 9 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 114 10 E-REFERÊnCiAS ................................................................................................ 115 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 117 UnidAdE 3 – INTERFACES ENTRE O LAZER E A EDUCAÇÃO 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 119 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 119 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 120 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 120 5 A EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE ..................................................... 121 6 RECONHECENDO O CAMPO DE ESTUDOS DO LAZER .................................... 127 7 ARTICULAÇÕES ENTRE O LAZER E A EDUCAÇÃO ........................................... 130 8 ARTICULAÇÕES ENTRE A EDUCAÇÃO E O LAZER ........................................... 138 9 OS CONTEÚDOS CULTURAIS DO LAZER .......................................................... 140 10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................144 11 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 145 12 E-REFERÊnCiAS ................................................................................................ 145 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 145 UnidAdE 4 – LAZER: FORMAÇÃO E ATUAÇÃO PROFISSIONAL 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 149 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 149 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 150 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 151 5 CONHECENDO OS PROFISSIONAIS DO LAZER ............................................... 151 6 A ANIMAÇÃO CULTURAL ................................................................................. 155 7 PADRÕES DE ORGANIZAÇÃO DA CULTURA .................................................... 158 8 POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO ................................................................ 164 9 COMENTANDO UM EXEMPLO DE ATUAÇÃO NO CAMPO DO LAZER ........... 169 10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ....................................................................... 172 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 172 12 E-REFERÊnCiAS ................................................................................................ 173 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 173 CRC Caderno de Referência de Conteúdo Conteúdo ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Introdução aos estudos do lazer e da recreação. Lazer, ludicidade e educação. Formação e atuação profissional no campo do lazer e da recreação. Políticas (públicas) de lazer. Pesquisa aplicada ao lazer. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 1. INTRODUÇÃO Caro aluno, seja muito bem-vindo! Agora iniciaremos os estudos de Recreação e Lazer, que compõe os cursos de Graduação na modalidade EaD. No Caderno de Referência de Conteúdo, você encontrará as quatro unidades básicas que compõem o material, preparadas es- pecialmente para que você possa realizar seus estudos relativos a esta obra. Com isto, esperamos que você tenha contato com con- hecimentos que irão contribuir para seu processo de formação e atuação profissional no campo da Educação Física, em especial no que se refere à área de recreação e lazer. © Recreação e Lazer8 Na Unidade 1, trazemos à baila uma discussão sobre a ocor- rência histórica do lazer e da recreação. O lazer e a recreação percorreram trajetórias diferentes, mas são fenômenos que apresentam interfaces diretas. Ainda na pri- meira unidade, apresentamos e discutimos os conceitos veicula- dos por estudiosos nesses campos, com o propósito de superar o senso comum, muitas vezes presente na abordagem dos temas. O lazer e a política são as temáticas que perpassam a Uni- dade 2. Para discussão desses aspectos, o lazer foi compreendido como um direito social, e, para isso, percorreu um processo históri- co-social que envolveu necessariamente a reflexão em torno de temas como cidadania, participação popular e reivindicações so- ciais – que o levaram a ser visto como uma das dimensões da vida humana que pode contribuir para a superação das desigualdades sociais. A Unidade 3 trata da relação entre lazer e educação. Seu principal objetivo é apresentar a vocês as interfaces que o campo do lazer vem construindo em sua articulação com a educação (e vice-versa). Como ponto de partida, tornou-se necessário discutir o con- ceito de "campo". Há um reconhecimento do lazer como um pro- cesso educativo, cuja reflexão e vivência precisam ser sistematiza- das em vários âmbitos, atingindo especialmente o contexto da educação não formal, pois caracteriza um locus importante para a intervenção dos profissionais da Educação Física que trabalham com o lazer. Os desafios postos para a sociedade e os educadores neste século 21 também são abordados, bem como a questão dos con- teúdos culturais do lazer, o que representa uma rica possibilidade para o desenvolvimento da educação em uma perspectiva lúdica. "Lazer: formação e atuação profissional" é o título da quarta unidade. Nela, são abordadas questões afetas ao processo forma- 9 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo tivo dos profissionais que irão trabalhar neste campo e os possíveis espaços que por ele podem ser ocupados. A perspectiva da animação cultural é tomada como elemen- to central na busca da construção de uma intervenção significativa no âmbito da cultura, seja ela erudita, popular ou de massa. De posse desses breves comentários, você pode construir um pequeno esboço dos assuntos que serão tratados, podendo, dessa forma, se preparar de maneira adequada para este "jogo do saber". Uma vez realizado este contato inicial, por meio da exposição das principais temáticas a serem desenvolvidas, apresentaremos, a seguir, no tópico Orientações para estudo, algumas orientações de cunho motivacional, dicas e estratégias que o auxiliarão em seus estudos. 2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO Abordagem geral Prof. Ms. Robson Amaral da Silva Aqui, você entrará em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões no estudo de cada unidade. Desse modo, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento básico necessário a partir do qual você possa construir um refe- rencial teórico com base sólida – científica e cultural – para que, no futuro exercício de sua profissão, você a exerça com competência cognitiva, ética e responsabilidade social. A proposta deste estudo está pautado em duas premissas básicas: a primeira consiste no reconhecimento de que, conforme nos ensinou o grande educador Paulo Freire, educar é um ato po- lítico-pedagógico: político por ser carregado de intencionalidades, sejam elas para reproduzir o sistema vigente ou para transformá- © Recreação e Lazer10 -lo, e pedagógico no sentido de abarcar métodos e processos de ensino e de aprendizagem, envolvendo tanto aqueles que ensinam quanto aqueles que aprendem. A segunda premissa que sustenta as reflexões contidas neste material articula-se com a primeira, pois considera o lazer e a rec- reação como ações socioeducativas, cujas intencionalidades bus- cam contribuir no processo de humanização dos indivíduos, com vistas à construção de uma sociedade mais justa, digna e solidária, por meio de seus processos metodológicos. O profissional da Educação Física que atua no campo do lazer e da recreação é também um educador. Daí vem a necessidade de aprofundar conhecimentos sobre questões que alimentam a área da educação na atualidade, buscando articulações com o campo de estudos do lazer e da recreação. Afinal, um simples "par ou ím- par" – recurso geralmente usado para "selecionar" os jogadores de uma equipe –, por exemplo, carrega, em sua essência, uma inten- ção político-pedagógica pouco problematizada pelos profissionais que atuam na área. Sendo assim, este material didático tem como desafio maior compreender a inter-relação dessas duas dimensões da vida hu- mana – a educação e o lazer – com outras que também estão pre- sentes (como a política e a economia, por exemplo), fornecendo subsídios para que você possa atuar significativamente no campo da recreação e do lazer. Essas dimensões se relacionam de forma direta e mútua quando se pensa, de um lado, nas possibilidades que a educação encontra para atingir seuspropósitos, tendo o lazer e a recrea- ção como aliados, e, de outro, nas possibilidades que a recreação e o lazer encontram na educação, para que os sujeitos possam aprender a vivenciá-los de maneira crítica e criativa. Dito de outro modo, é o que chamamos de "duplo aspecto educativo do lazer" (e que será detidamente abordado ao longo dos nossos estudos), tal como destacado por autores como Requixa (1979, 1980) e Mar- 11 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo cellino (2010), que o entendem como instrumento e fim, veículo e objeto de educação. Para aprofundar o entendimento dessa perspectiva de edu- cação, consideramos fundamental compreender o conceito de "lúdico", elemento muito presente nas pesquisas e nas interven- ções que articulam o recreação/lazer e a educação. A partir daí, sugerimos a análise de possibilidades de trabalho para que o edu- cador possa desenvolver habilidades na perspectiva de uma edu- cação comprometida com o lazer. Na esteira desse pensamento, a perspectiva da animação cultural tem muito a acrescentar no campo do lazer/recreação. A partir dela, poderemos identificar o papel do profissional de lazer no sentido de potencializar o alcance dos cidadãos aos mais dife- rentes bens culturais que se apresentam em ruas, bairros e mu- nicípios, entendendo a importância política de sua atuação. Para tanto, é necessário identificar a animação cultural como uma tec- nologia educacional de intervenção e uma poderosa ferramenta pedagógica que permite nortear nossas ações. Ao tomarmos a relação lazer/recreação, educação e animação cultural como temas fundamentais, ampliamos o entendimento cor- rente de que o lazer seria uma mera mercadoria a ser consumida, e passamos a dimensioná-lo na esfera dos direitos sociais. Aqui cabe uma "parada" para refletirmos sobre o pensamento de Linhales (1998, p. 78), ao pensar o lazer nesta condição (de direito social): O que hoje consideramos como direitos sociais pressupõe a ga- rantia e a provisão, por parte do Estado, de políticas capazes de dar suporte ao bem-estar de todos os cidadãos. Os conteúdos ou áreas sociais implicados na promoção do bem-estar constituem di- reitos mínimos e universais conquistados historicamente. Devem ser compreendidos como uma construção decorrente dos múlti- plos conflitos e interesses que legitimam as chamadas democracias capitalistas contemporâneas. Dando continuidade à discussão sobre o lazer como direito social, é importante incluir um novo componente no debate que relaciona Estado e sociedade: mercado e estratégias de indução © Recreação e Lazer12 ao consumismo. É preciso considerar que o lazer não pode ser um momento exclusivo do consumo nem estar a serviço do consumo. Isso pode impedir o indivíduo ou os grupos sociais de diversificar formas alternativas e próprias de lazer. Os meios de comunicação de massa a serviço da indústria cultural mobilizam como uma avalanche sensorial o psiquismo dos ouvintes com mensagens de nível medíocre (qualitativamente fa- lando), empobrecendo a comunicação concreta do homem com seu meio, com os outros e reduzindo as dimensões emancipató- rias do lazer. Como afirma Gomes (2008, p. 76-77), Uma sociedade dominada pela lógica da produção e do consumo (alienado) de bens e de serviços é, precisamente, uma sociedade que se apresenta como a única habilitada a produzir o lazer, en- quanto uma de suas valiosas mercadorias – ao passo que deveria representar uma condição fundamental para a promoção da quali- dade de vida dos sujeitos, enquanto cidadãos que buscam momen- tos lúdicos e enriquecedores no seu dia a dia. Não há preocupação com uma análise mais consistente sobre o significado sociocultural e político na vida das pessoas, bem como sobre as contradições que o permeiam em nosso contexto. Concebido apenas pela lógica do mercado, ao lazer restaria promover o entretenimento e a dis- tração alienantes, algo para se matar o tempo e para escapar do tédio. O lazer/recreação necessita de ser visto e efetivado como um momento de crescimento da pessoa em vista de uma melhor qualidade de vida. Como prática sociocultural em permanente construção, se configura em formas de conhecimento, saberes en- raizados na cultura, manifestação da linguagem, forma de signifi- cação coletiva do mundo e possibilidades éticas e estéticas que contribuam para o processo de humanização dos indivíduos por meio de experiências educativas (ISAYAMA; LINHALES, 2006). Nesse sentido, o lazer merece ser efetivado como descanso e não apenas para recuperar a força de trabalho em vista do próprio trabalho. Ele deve incluir a dimensão da distração como relaxa- mento, diversão e, sobretudo, deve ser o motor do desenvolvim- 13 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo ento humano pela dimensão lúdica da vida, pelo conhecimento de novas culturas, pela apreciação da beleza, pela produção estética e pelo desenvolvimento das próprias potencialidades. Munidos dessas argumentações, iniciamos nossos estudos. Esperamos que esta caminhada seja um prazer (elemento funda- mental para o entendimento tanto da recreação como do lazer), ainda que por vezes seja árdua, pois trata-se do ato de estudar. Você está preparado para este desafio? Então, vamos lá! Desejo bons estudos a todos! Glossário de Conceitos O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá- pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados em Recreação e Lazer. Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos: 1) Cultura: de acordo com Chauí (1994), "é a maneira pela qual os humanos se humanizam por meio de práticas que criam existência social, econômica, política, reli- giosa e artística" (p. 295). Daolio (2008) afirma que as definições contemporâneas para esse termo têm consi- derado, além da produção material e externa aos seres humanos, as maneiras de compreender a cultura, que também incorporam os processos contínuos e dinâmi- cos de orientação e significação empreendidos pelos ho- mens, ou seja, um processo de manipulação simbólica. O autor nos alerta para o fato de que os profissionais da Educação Física não atuam diretamente sobre o corpo ou sobre os movimentos em si, mas, sim, tratam dos se- res humanos em suas manifestações culturais, relacio- nadas ao corpo e ao movimento humano. 2) Indústria cultural: expressão que aparece pela primeira vez no livro Dialética do Esclarecimento, de Max Horkhei- mer e Theodor W. Adorno, e que foi cunhada para substi- tuir, com maior precisão, o termo cultura de massa. Com © Recreação e Lazer14 essa mudança, os autores visavam não confundir uma cultura produzida popularmente com o processo de pro- dução conforme os princípios da indústria. Os autores percebiam que produções ligadas ao rádio, ao cinema, às revistas ilustradas, entre outras, eram adaptadas ao consumo das massas, baseando-se no princípio de sua comercialização, e não em seu próprio conteúdo e confi- guração (BASSANI; VAZ, 2008). 3) Lúdico: para Gomes (2004), o lúdico pode ser entendido como uma "expressão humana de significados da/na cul- tura referenciada no brincar consigo, com o outro e com o contexto. Por essa razão o lúdico reflete as tradições, os valores, os costumes e as contradições presentes em nossa sociedade. Assim, é construído culturalmente e cerceado por vários fatores: normas políticas e sociais, princípios morais, regras educacionais, condições con- cretas de existência" (p. 145, grifos da autora). Esquema dos Conceitos-chave Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Esquema dos Conceitos-chave. O mais aconselhávelé que você mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas próprias percepções. É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações entre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais com- plexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você na or- denação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino. Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque- mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimen- to de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendizagem. 15 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es- colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda, na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es- tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim, novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem pontos de ancoragem. Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape- nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci- so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con- siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei- tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog- nitivas, outros serão também relembrados. Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimento, por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tor- nar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhe- cimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabele- cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapascon- ceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010). © Recreação e Lazer16 Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave de Recreação e Lazer. Como pode observar, esse Esquema dá a você, como dis- semos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im- portantes deste estudo. Ao segui-lo, você poderá transitar entre um e outro conceito e descobrir o caminho para construir o seu processo de ensino-aprendizagem. Por exemplo, de acordo com o esquema, lazer/recreação são fenômenos que não podem ser entendidos isoladamente; devem ser relacionados aos aspectos históricos, econômicos, políticos, culturais e sociais. Ao desconsiderarmos essas relações, estaremos esvaziando a compreensão desses fenômenos, favorecendo, dessa forma, a utilização destes como mercadoria, e não como uma prática social que pode contribuir para o processo de edificação de uma socie- dade mais justa, digna e solidária. O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien- te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza- das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD, 17 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio con- hecimento. Questões autoavaliativas No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas. Responder, discutir e comentar essas questões, bem como relacioná-las com a prática do ensino de Recreação e Lazer, pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, medi- ante a resolução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profissional. As questões de múltipla escolha são as que têm como respos- ta apenas uma alternativa correta. Por sua vez, entendem-se por questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada, inalterada. Já as questões abertas dissertativas obtêm por res- posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado; por isso, normalmente, não há nada relacionado a elas no item Gabarito. Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus colegas de turma. Bibliografia Básica É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio- grafias complementares. © Recreação e Lazer18 Figuras (ilustrações, quadros...) Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte- grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra- tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con- teúdos, pois relacionar aquilo que está no campo visual com o con- ceitual faz parte de uma boa formação intelectual. Dicas (motivacionais) Este estudo convida você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo de emancipação do ser humano. É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao com- partilhar com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele à maturidade. Você, aluno na modalidade EaD, necessita de uma forma- ção conceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugerimos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas. É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode- rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ- ções científicas. Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas. No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os 19 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas, pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure- cimento intelectual. Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores. Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a esta obra, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você. 3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASSANI, Jaison José; VAZ,Alexandre Fernadez. Indústria Cultural. In: GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo (Org.). Dicionário crítico de Educação Física. 2. ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2008. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994. DAOLIO, Jocimar. Cultura. In: GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo (Org.). Dicionário crítico de Educação Física. 2. ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2008. GOMES, Christianne Luce. Lúdico. In: ______. (Org.). Dicionário crítico do lazer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 141-146. ______. Lazer, trabalho e educação: relações históricas, questões contemporâneas. 2. ed. rev. ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. ISAYAMA, Helder Ferreira; LINHALES, Meily Assbú. Introdução. In: ______ (Org.). Sobre lazer e política: maneiras de ver, maneiras de fazer. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p. 7-15. LINHALES, Meily Assbú São as políticas públicas para a Educação Física/Esportes e Lazer, efetivamente, políticas sociais? Motrivivência, Florianópolis, v. 10, n. 11, p. 71-81, 1998. MARCELLINO, Nelson Carvalho Lazer e educação. 15. ed. Campinas: Papirus, 2010. REQUIXA, Renato. As dimensões do lazer. Revista Brasileira de Educação Física e Desportos, Brasília, n. 45, p. 54-76, 1980. ______. Conceito de lazer. Revista Brasileira de Educação Física e Desportos, Brasília, n. 4, p. 11-21, 1979. Claretiano - Centro Universitário 1 EA DRecreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física 1. OBJETIVOS • Conhecer questões pertinentes ao campo de estudos so- bre o lazer e a recreação. • Aprofundar conhecimentos sobre concepções e funda- mentos do lazer e da recreação, reconhecendo-os como objeto de estudos sistematizados. • Compreender o processo de constituição histórica do lazer e da recreação em nossa sociedade, identificando características que permaneceram ou sofreram modifica- ções ao longo dos tempos. • Discutir, conceitualmente, aspectos relacionados ao lazer e à recreação. 2. CONTEÚDOS • Recreação e lazer: vínculos históricos. © Recreação e Lazer22 • Aspectos históricos da recreação. • Ocorrência histórica do lazer. • Sociedade greco-romana. • Sociedade medieval. • Sociedade urbano-industrial. • Sociedade contemporânea. • Lazer: aspectos conceituais. • Recreação: (breves) apontamentos conceituais. 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Tenha em mãos o Glossário para que você consulte os conceitos relativos a esta unidade, assim como o Esque- ma dos Conceitos-chave. Essas ferramentas irão facilitar seu estudo. 2) Por se tratar de uma unidade que trata de fatos históri- cos relacionados à recreação e ao lazer, faça uma leitura atenta deste conteúdo e acesse outras informações rela- cionadas à temática a fim de comprovar ou reelaborar o conteúdo tratado. 3) Durante a leitura tente apreender o movimento histórico e todo o contexto que o envolve. Lembre-se, a recreação e o lazer não estão isentos do contexto político, social, econômico e cultural das diferentes etapas históricas. 4) Faça uma consulta à bibliografia indicada no tópico Re- ferências Bibliográficas, ao final desta unidade, visando aprofundar os principais conceitos abordados. 5) Para um enriquecimento de seu estudo, navegue nos si- tes indicados no tópico E-Referências, ao final da unida- de, favorecendo, dessa forma, o seu processo educativo. 6) Tenha empenho e dedicação em seus estudos. Sempre que tiver alguma dúvida, entre em contato com profes- 23 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física sores e tutores do Centro Universitário Claretiano para saná-las. 7) Recomendamos o filme Gladiador (EUA, 2000), dirigido por Ridley Scott, que retrata de maneira adequada as manifestações em Roma no período histórico estudado. 8) Assista ao filme O nome da rosa (Alemanha, 1986), diri- gido por Jean-Jacques Annaud, baseado no livro com o mesmo título, de autoria de Umberto Eco. Ele fornece um exemplo de como era um mosteiro medieval e das contradições nele presentes. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE No cotidiano de muitas pessoas, é comum a menção aos vocábulos "lazer" e "recreação". Se sairmos às ruas perguntando o significado de ambos os termos, veremos que dificilmente uma pessoa não saberá anunciar um entendimento para essas ex- pressões. Às vezes, a referência a esses termos se dá de forma sepa- rada, ou seja, há a utilização de apenas uma das palavras (recrea- ção ou lazer), e, em outras ocasiões, a associação entre ambas é recorrente, indicando, dessa forma, a possibilidade de um vínculo relacional. A associação entre a recreação e o lazer pode ser verificada em algumas áreas do conhecimento, o que gera dúvidas no que se refere aos significados, à especificidade e à abrangência desses termos. De acordo com Gomes (2003), é possível identificar diversas interpretações sobre os significados e as relações historicamente construídas entre recreação e lazer. Para a autora, poderá ha- ver uma identificação entre os termos (ambos compartilhando o mesmo significado), um entendimento que considera a recreação como uma função do lazer ou uma compreensão que aponta para a existência de significados distintos para a recreação e o lazer. © Recreação e Lazer24 Nesta unidade, iremos realizar um passeio pela história da recreação e do lazer, buscando compreender os caminhos percor- ridos por esses fenômenos, a fim de entender a relação destes entre si e, posteriormente, com o campo de estudos e a atuação profissional da Educação Física. Além dessa incursão histórica, teremos a oportunidade de compreender os sentidos dos termos "recreação" e "lazer" medi- ante o contato com autores que se dedicaram a essa discussão. É sobre essas questões que nos debruçaremos neste pri- meiro momento. Bons estudos a todos! 5. RECREAÇÃO E LAZER: VÍNCULOS HISTÓRICOS Diante da breve exposição introdutória desta unidade, uma pergunta pode ser feita como ponto de partida para nossas re- flexões: por que é comum a associação entre recreação e lazer nos estudos e vivências no cotidiano de nosso país? Essa relação muitas vezes é recorrente em nossa área, e a prova disso são os estudos de Bramante (2011), Bruhns (1997), Gomes (2003), Isayama (2002) Pimentel (2003) e Pinto (2001), só para citar alguns autores. Entretanto, em muitos casos, essa inter- face não é encontrada em outros campos do conhecimento, como podemos observar nas publicações de Magnani (2000), Freitas (1999), Teixeira (1999) e Oliveira (2001), autores ligados a áreas como Antropologia, Economia, Psicologia Social e Comunicação Social. Dessa forma, para responder à indagação formulada e estim- ular você a pensar sobre essa relação tão usual em nossa área e no cotidiano de muitas pessoas, buscaremos referências na história, no sentido de elucidar os vínculos que, ao longo dos tempos, fo- ram construídos entre a recreação e o lazer. 25 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física De antemão, já teríamos condições de apontar um elemento interessante, mas não suficiente, que serve de indicativo para o entendimento dessa relação. De acordo com Werneck (2003, p. 17-18), "essa aproximação entre a recreação e o lazer é uma res- posta histórica à forma como a Educação Física vem lidando com esses saberes na formação profissional e no mercado de trabalho em nosso país". Diante dessa afirmação, devemos procurar entender como a Educação Física lidou com os saberes que emanavam dos cam- pos da recreação e do lazer, ao mesmo tempo que incorporava es- ses conhecimentos à formaçãode seus agentes. Certamente, esse processo possuía implicações diretas na sociedade da época, for- jando indivíduos alinhados com o projeto societário que se alme- java, e contando, para isto, com o auxílio dos profissionais que se formavam. Autores como Gomes (2008) e Melo (2003) apontam que o desenvolvimento de práticas recreativas foi responsável pela cria- ção dos cursos de formação profissional em Educação Física em nosso país. Aspectos históricos da recreação A história da recreação no Brasil está atrelada à instituição escolar e, poderíamos dizer, à própria história da Educação, com destaque para o ensino público primário (educação infantil). A sua ocorrência ao longo do século 19 aparece como instru- mento educativo a serviço do projeto médico-higienista que visava disseminar ideias e programas relacionados à saúde, à aquisição de hábitos higiênicos, à atenção sobre a infância e ao bem-estar físico e moral por meio do controle corporal da população brasileira. Tais ações deveriam culminar na modificação de comportamentos e modos de vida herdados do período colonial (MARCASSA, 2004). © Recreação e Lazer26 Esse modelo que se pretendia ver edificado procurava atuar na saúde biológica e social da população, possuindo ingerência no cotidiano dos indivíduos. Buscava-se uma reformulação das con- sciências e dos saberes sobre o corpo e seus cuidados, sobre as práticas corporais e sua importância para a época. Nesse sentido, as atribuições da escola se modificam, e essa instituição adquire uma nova responsabilidade em face do ideário de progresso social que norteia as ações pedagógicas que ali se desenvolvem (MAR- CASSA, 2004). Não obstante, o controle corporal que se impõe à população brasileira vê na recreação um instrumento pedagógico de grande valor e cuja orientação era disciplinar as práticas corporais desfru- tadas no tempo livre, para que elas não se flexibilizassem com a preguiça. A recreação torna-se, então, uma estratégia de controle dos tempos, espaços e práticas realizadas na escola, sobretudo nos interstícios entre as atividades obrigatórias (MARCASSA, 2004). A tão temida lassidão não combinava com os pensamentos e atitudes que os idealizadores desse projeto societário tentavam propagar. A ociosidade poderia levar os indivíduos à vagabunda- gem, à capoeiragem (também vista como algo negativo) e aos ví- cios que seriam prejudiciais ao desenvolvimento físico e moral das pessoas. Diante desse quadro, a recreação atua decisivamente no sentido de propor atividades "sadias", capazes de distinguir afir- mativamente o corpo higienizado e o relapso corpo herdado da tradição colonial (MARCASSA, 2004). As reconhecidas atividades "sadias" seriam possibilitadas mediante um programa escolar que incluísse a vivência de jogos, brincadeiras e exercícios ginásticos rigorosamente planejados e capazes de desenvolver os comportamentos e atitudes esperados para a época, sem desperdício de tempo. Para Marcassa (2004, p. 197), essas atividades deveriam seguir "um ritmo lógico de funcionamento, desde a duração e a freqüência do regime alimentar, as horas de sono, as atividades 27 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física intelectuais e até mesmo o recreio". Como podemos observar, o tempo destinado para as atividades escolares deveria ser rigoro- samente disciplinado. É por meio das atividades recreativas que os limites entre tempo de trabalho e tempo livre são constituídos e assimilados desde as etapas iniciais do processo de escolarização das crianças (educação infantil), respondendo a interesses político-ideológicos. Dessa forma, forja-se, no interior da sociedade, um sistema de re- compensa ao esforço empreendido no trabalho (e aqui incluímos o trabalho escolar), essencial às exigências do mundo do trabalho e da sociedade liberal e capitalista que se desenvolvia (MARCASSA, 2002). De forma sintética, Marcassa (2004, p. 198) se expressa para apontar o papel da recreação nesse período histórico: [...] sob os preceitos da ordem, da disciplina e do comportamento saudável incorporados à escola, a recreação manifesta-se como co- adjuvante do processo educativo para o alcance da melhor forma de recuperação das forças para o retorno ao trabalho, incluso aí o trabalho escolar, a diminuição da delinqüência e a ocupação ad- equada do tempo livre, fazendo-se protagonista da construção da harmonia e do progresso. E tamanho era o "dever civilizador" das atividades escolares que ele acaba justificando não só a efervescên- cia de movimentos políticos e sociais pela instrução da população brasileira, como também reforçando, cada vez mais, a prática da recreação como estratégia de controle do tempo livre, tanto dentro, como fora da escola (Grifos nossos). Diante dessas primeiras palavras acerca da trajetória históri- ca da recreação em nosso país, podemos perceber que ela par- ticipa da história da educação na condição de um vigoroso recurso disciplinar, inicialmente destinado à educação infantil, mas à qual a ela não se restringe, alcançando também o processo formativo, moral e cívico de jovens e adultos. Com o passar do tempo, mais precisamente das três pri- meiras décadas do século 20, assistimos, no cenário educacional brasileiro, à emergência de novas concepções político-pedagógi- cas, sintetizadas no que podemos chamar de "escolanovismo" ou, simplesmente, "Escola Nova". © Recreação e Lazer28 Para uma análise crítica dessa nova concepção político-ped- agógica, leia a obra Escola e democracia, de Saviani (2002). As mudanças advindas da difusão desse ideário pedagógico acenam para a edificação de uma escola renovada, capaz de superar a pedagogia tradicional. Nos dizeres de Saviani (2002, p. 7), A pedagogia nova começa, pois, por efetuar a crítica da pedagogia tradicional, esboçando uma nova maneira de interpretar a edu- cação e ensaiando implantá-la, primeiro, através de experiências restritas; depois, advogando sua generalização no âmbito dos sis- temas escolares. No interior dessas transformações, passam a ter centrali- dade alguns aspectos que não figuravam como (tão) essenciais para a educação até então, tais como: qualidade de ensino, ênfase nos métodos e processos pedagógicos e processo de ensino e de aprendizagem centrado no aluno, para citar apenas alguns. Muito embora possamos perceber que mudanças ocorreram no interior da escola (principalmente no que se refere aos méto- dos de ensino e de aprendizagem), a importância dos jogos, das brincadeiras e da ginástica "para a formação da personalidade, da civilidade, da disciplina e da liberdade" (MARCASSA, 2004, p. 199) foi reafirmada no combate à fadiga e à degradação física e moral dos indivíduos. Temos, dessa forma, a continuidade de uma perspectiva funcionalista e utilitária para a recreação no contexto escolar e extraescolar. Apesar do destaque conferido aos três conteúdos (jogos, brincadeiras e ginástica), no interior do movimento escolanovista um embate se estabelece visando salientar à qual deles caberia uma maior eficácia na consolidação da ordem burguesa e capitalis- ta em curso. Enquanto Fernando de Azevedo defendia a utilização da Ginástica Sueca como forma ideal para o emprego do tempo livre e ocupação útil do corpo e da mente, Anísio Teixeira busca- va destacar o papel dos jogos e brincadeiras no amoldamento do caráter e da personalidade infantil, afirmando que esses conteú- dos responderiam melhor aos anseios das crianças (MARCASSA, 2004). 29 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física De acordo com Werneck (2003, p. 25), o fato é que estamos diante de um contexto em que, por meio das atividadesrecreati- vas, "o controle é dissimulado em um suposto clima de ‘esponta- neidade’ e ‘liberdade’ proporcionado pela vivência do jogo que, como uma ‘receita’, colabora com o processo de reprodução cul- tural". Dessa forma, os jogos (com regras, de recreio ou envolvendo outras atividades corporais) realizados nos diferentes espaços con- tribuem para o amoldamento das personalidades e condutas de toda a comunidade (seja escolar ou não escolar), no sentido de adaptar os sujeitos às novas relações de trabalho que eram gesta- das no processo de consolidação da ordem burguesa e capitalista. Vimos afirmando que a história da recreação não se circun- screve somente ao âmbito escolar, sendo utilizada em outros tem- pos e espaços sociais. A partir da década de 1920, em nosso país, encontramos os primeiros equipamentos públicos de lazer, os chamados Cen- tros de Recreio, que utilizam a prática da recreação com o obje- tivo de proporcionar uma ocupação adequada do tempo de lazer e diversão. Esses espaços foram criados paralelamente aos proje- tos de urbanização e modernização dos grandes centros urbanos brasileiros (MARCASSA, 2004). A experiência pioneira com a estruturação de programas de recreação surgiria em Porto Alegre, por iniciativa de Frederico Gaelzer, em fins da década de 1920, logo se propagando para out- ras cidades do Rio Grande do Sul (MELO, 2003). De acordo com Gaelzer, o Serviço de Recreação Pública tinha como objetivo evitar que os jovens se sujeitassem à delinquência e à ociosidade, contando para isso com a ocupação adequada das horas de lazer (MARCASSA, 2004). Essa experiência na capital gaúcha se torna diferenciada para a época, pois os locais públicos deveriam possibilitar a prática de © Recreação e Lazer30 atividades físicas e recreativas direcionadas, o que constitui uma experiência educativa inovadora no referido período em nosso país. Para isso, era imprescindível que houvesse equipamentos e serviços especializados a fim de orientar e educar os frequenta- dores desses espaços, a exemplo do trabalho que vinha sendo de- senvolvido com êxito em vários países, especialmente os Estados Unidos (GOMES, 2008). Outra iniciativa de destaque no cenário nacional ocorreu em 1935, em São Paulo, com a criação do Serviço Municipal de Jogos e Recreio, coordenado por Nicanor Miranda. Para ele, de acordo com Marcassa (2004, p. 200): [...] os centros de recreio, além de equacionar o problema higiênico, recreativo e educacional, eram necessários à ordem so- cial e municipal, uma vez que a recreação era capaz de promover a saúde física e mental do cidadão exausto nas metrópoles devido aos múltiplos contratempos provocados pela vida moderna. Durante a gestão de Miranda, são criados os Parques de Jo- gos, que abrigavam os programas de Parques Infantis, e os Clubes de Menores Operários. No que se refere a essa última iniciativa, a preocupação central das ações desenvolvidas em seu contexto visavam contribuir para a preparação e a integração da força jo- vem de trabalho ao mercado cada vez mais competitivo e industri- alizado (MARCASSA, 2004). É a partir dessa ação (a instituição dos Clubes de Menores Operários) que, no ano de 1943, foi criado o Serviço de Recreação Operária (SRO) do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio com o mesmo propósito. O marco legal (Portaria de nº 52, publicada no Diário Oficial da União em 21 de setembro) que institui o SRO foi assinado pelo Ministro Alexandre Marcondes Filho, e teve como primeiro ges- tor e presidente Arnaldo Lopes Sussekind. O SRO era um órgão incumbido de difundir e coordenar atividades nos setores cultural, desportivo e de escotismo (RODRIGUES, 2006; WERNECK, 2003). 31 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física Werneck (2003) nos aponta que, nesse contexto (estávamos vivendo os anos finais da fase ditatorial do governo de Getúlio Var- gas), o usufruto "adequado" das horas de lazer dos trabalhadores, bem como de sua família, tornava-se uma condição sem a qual os repousos assegurados pela legislação, ao se firmarem os contratos de trabalho, não poderiam atingir seus objetivos. A eliminação da fadiga gerada pelo trabalho era o principal fundamento da pro- posta desenvolvida. Nas experiências destacadas anteriormente, a utilização de atividades físicas (jogos, esportes, ginásticas, caminhadas, tor- neios, dança etc.) eram estimuladas e destacadas em relação a outras manifestações, como as de cunho artístico, por exemplo (MELO, 2003). Muito embora a não ocupação ou a utilização inadequada das horas de lazer continuasse se configurando como um prob- lema social que poderia colocar em risco a lógica capitalista, pas- samos a observar uma mudança no significado e na utilização da recreação no contexto histórico em questão. Diferentemente dos ideários médico-higienistas (como mero recurso disciplinador e gerador de corpos e mentes saudáveis) e escolanovistas (como uma atividade útil para organização e em- prego apropriado do tempo livre do trabalho), o sentido atribuído à recreação incide sobre os anseios da sociedade do capital, ou seja, do controle de todas as dimensões da vida humana, seja den- tro ou fora do trabalho. Sendo assim, conforme Marcassa (2004, p. 200), a recreação responde [...] como um conjunto de atividades operacionais, como conteúdo a ser desenvolvido no tempo/espaço de lazer, à necessidade de re- posição, manutenção e preparação da força de trabalho, ou mel- hor, como fenômeno submetido à lógica da política e da economia do trabalho. Como se vê, a recreação passa a ser um instrumento orga- nizador dos lazeres dos indivíduos. Muito além de um conjunto de atividades que visam proporcionar prazer àqueles que desfru- © Recreação e Lazer32 tam de seus conteúdos, em um suposto clima de espontaneidade e liberdade, ou de uma "bem-intencionada" formação moral e física, a recreação atende a interesses hegemônicos, forja subje- tividades, reproduz valores e princípios necessários à manutenção e à reprodução da organização societária capitalista. Após percorrer as trilhas da história da recreação em nosso país, passaremos, agora, a realizar uma incursão sobre a história do lazer. Ocorrência histórica do lazer Após realizarmos um estudo introdutório sobre a ocorrência histórica da recreação, é importante discutir, também, as distintas abordagens que tratam da emergência histórica do lazer em nossa sociedade. É uma tarefa difícil de ser realizada, pois, como salien- ta Marcellino (1996), situar o lazer historicamente é um trabalho controverso no meio acadêmico. Entretanto, trata-se de um em- preendimento a que devemos nos dedicar com grande satisfação, especialmente em se tratando de uma disciplina que se propõe a discutir aspectos relacionados à recreação e ao lazer. Vamos lá! Basicamente, podemos distinguir dois posicionamentos distintos quanto à emergência histórica do lazer. De um lado, en- contramos autores que defendem a tese de que o lazer sempre existiu, afirmando que se o homem sempre trabalhou, também deveria dispor de momentos de "não trabalho", períodos que se- riam preenchidos com atividades de repouso e divertimento. Como esses momentos não eram vistos como frações isola- das na dinâmica social, acredita-se que trabalho e lazer se entrela- çavam. O "tempo natural" (estações do ano, períodos chuvosos ou não, luminosidade natural) balizava as ações cotidianas dos indi- víduos, e as manifestações culturais vivenciadas nesse período es- tavam intimamente ligadas ao trabalho produtivo. Por essa razão, os adeptos dessa corrente acreditam que o surgimento do lazer antecede a era moderna, apresentando-se de maneiras distintas ao longo dos tempos. 33 Claretiano - Centro Universitário© U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física Essa visão é alvo de controvérsias. Muitos autores questio- nam os apontamentos sobre o lazer antes do estabelecimento das modernas sociedades urbano-industriais, pois, nesse contexto, afirmam eles, o lazer ainda não se constituía em um fenômeno com características próprias, conforme podemos observar nos dias atuais. Representantes dessa tendência consideram que o lazer surge em conformidade com o sistema capitalista nos centros ur- banos-industrializados, período no qual passamos a observar uma clara cisão entre "tempo de trabalho" e de "não trabalho", fruto das transformações decorrentes da Revolução Industrial. Nesse momento histórico, a organização temporal das ativ- idades cotidianas não está mais submetida ao "tempo natural", expressando-se na forma de "tempo mecânico". Essa polêmica sobre a ocorrência histórica do lazer em nossa sociedade representa uma ótima oportunidade para problema- tizarmos a questão, para que você possa refletir sobre o tema a partir dos argumentos e objeções elaborados pelos adeptos das duas correntes de pensamento que debatem o assunto. Seguidores da tese de que o lazer sempre existiu, que sem- pre fez parte do cotidiano das pessoas, tais como De Grazia (1966), Medeiros (1975) e Munné (1980), situam a origem desse fenô- meno nas fases mais remotas da história humana. Para alguns, o ponto de partida da gênese do lazer pode ser localizado nas socie- dades arcaicas, para outros, remonta à Antiguidade grega. De acordo com Ethel Bauzer Medeiros (1975, p. 1), o lazer "corresponde a uma das necessidades básicas do ser humano", não sendo, portanto, preocupação característica das sociedades industriais. A autora parte da literatura para indicar o que alguns poetas já diziam, ao longo dos tempos, sobre o lazer, bem como sobre uma das formas mais tradicionais de ocupá-lo: a recreação. © Recreação e Lazer34 Esse tipo de manifestação (o lazer) poderia ser expresso por meio de uma série de atividades recreativas, como: jogos, danças campestres, banquetes, músicas, pescarias, contos de poesia, fol- guedos populares, bailes e festas, feiras e romarias. Para De Grazia (1966), outro adepto dessa primeira corrente, os povos primitivos e as civilizações do Oriente, do Egito ou da Pér- sia, que antecederam a Antiguidade grega, não tinham lazer. Em sua visão, falar das origens do lazer significa reportarmo- nos às ideias constituídas na antiga Grécia, notadamente marcada pela vida social dos filósofos, cujo esplendor ocorreu por volta do século 5º antes de Cristo. Gomes (2008) afirma que o pensamento grego é utilizado como ponto de partida devido a sua potenciali- dade em fornecer elementos que auxiliem na elucidação dos va- lores associados ao lazer. Outro autor que pode ser citado é Frederic Munné (1980), também partidário da tendência de que o lazer antecede à Mod- ernidade e se situa na Antiguidade. De acordo com esse estudioso, o "cio" é um modo típico de nos comportarmos no tempo, o qual se estrutura em quatro áreas de atividade: 1) tempo psicobiológico: destinado a necessidades fisioló- gicas e psíquicas; 2) tempo socioeconômico: fundamentalmente relativo ao trabalho; 3) tempo sociocultural: em que nos dedicamos à vida em sociedade; 4) tempo de "ócio": ou seja, de lazer, destinado a ativida- des de desfrute pessoal e coletivo (MUNNÉ; CODINA, 2002). A partir desse pensamento, poderíamos concluir que o lazer sempre fez parte da vida dos indivíduos. A tese de que a ocorrência histórica do lazer antecede às sociedades pré-industriais é contestada por alguns autores como: Dumazedier (1979), Marcellino (1983), Melo e Alves Junior (2003) 35 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física e Mascarenhas (2005). As críticas endereçadas ao pensamento que advoga pela existência do lazer desde os tempos arcaicos são marcadas fortemente pelo pensamento de Dumazedier. O autor salienta que, nas sociedades do período arcaico, tra- balho e jogo, embora diferentes, possuíam significações de mesma natureza na vida da comunidade. Como trabalho e jogo se mes- clavam, apresentando oposição mínima (ou inexistente), o autor considera o lazer um conceito inadequado para o período arcaico. Dumazedier (1979) não acredita que a ociosidade dos filóso- fos da antiga Grécia ou da aristocracia medieval possa ser chama- da de lazer. Para ele, esses privilegiados, cultos ou não, sustenta- vam sua ociosidade com o suor do trabalho alheio. Tal ociosidade não se define em relação ao trabalho, não o complementa nem o compensa, apenas o substitui. Para o autor, o lazer pressupõe o trabalho. O autor reconhece que o tempo fora do trabalho é tão antigo quanto o próprio trabalho, mas defende de forma enfática a ideia de que o lazer possui traços específicos, característicos da civiliza- ção nascida da Revolução Industrial. Recentemente, Melo e Alves Junior (2003, p. 2) apresenta- ram suas contribuições para a defesa desse modo de compreender a ocorrência histórica do lazer, afirmando que: A contínua busca de formas de diversão não significa ter sempre existido o que hoje chamamos por lazer, na medida em que tais formas de diversão guardam especificidades condizentes com cada época, que devem ser analisadas com cuidado. Por certo, existem similaridades com o que foi vivido em momentos anteriores – e mesmo por isso devemos conhecê-los –, mas o que hoje enten- demos como lazer guarda peculiaridades que somente podem ser compreendidas em sua existência concreta atual. O fato de haver equivalências não significa que os fenômenos sejam os mesmos. E, continuando com as reflexões acerca da emergência his- tórica sobre o lazer, Melo e Alves Junior (2003, p. 2) apontam que [...] somente a partir de determinado momento da história que se começa a utilizar a palavra lazer para definir um fenômeno social; © Recreação e Lazer36 antes, outras palavras denominavam outros fenômenos, similares mas não iguais. Esse momento pode ser apontado como a Revolução Indus- trial, conforme vimos anteriormente. Continuando nessa linha, também podemos situar as contri- buições de Mascarenhas (2005, p. 230), quando este afirma: A ruptura com o ritmo "natural" de trabalho, uma imposição pecu- liar ao capitalismo industrial, como não poderia ser diferente, im- plicou numa verdadeira revolução do tempo social, opondo tempo livre e tempo de trabalho. A possibilidade de alternância contínua dos momentos de trabalho e não-trabalho começa aí a ser suplan- tada. Nesta direção, a produtividade expressa pela nova disciplina do relógio torna-se a grande inimiga do ócio, invadindo a esfera do tempo livre e buscando conciliá-lo ao trabalho. É então neste movimento de administração do tempo livre, de peleja contra os valores, hábitos e comportamentos inerentes ao ócio, que pode- mos localizar o aparecimento do lazer, fenômeno condizente com a ideologia da sociedade industrial. Sintetizando o que discutimos até então, as questões po- dem ser colocadas nos seguintes termos: de um lado, temos os estudiosos que conferem a existência do lazer, já desde os primór- dios da humanidade, não havendo a necessidade de reconhecer a Revolução Industrial e as suas transformações como ponto de partida para o surgimento do lazer; do outro, um grupo de autores que se baseia nesse período histórico para defender que, a partir das tensões e transformações sociais promovidas por esse evento histórico, teríamos a gênese do lazer. Os argumentos elaborados por Dumazedier, um dos defen- sores da segunda perspectiva, conforme pudemos observar, tam- bém são alvo de questionamentos. Uma leitura cuidadosa da obra Lazer: necessidadeou novi- dade?, de Ethel Medeiros (1975), indica que a autora se empenha em mostrar que o lazer sempre existiu, refutando, dessa maneira, a tese oposta. 37 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física Medeiros (1975, p. 1) traz em seu texto as seguintes indaga- ções: Será o lazer, como querem alguns, preocupação característica da sociedade industrial, que a ele recorre para contrabalançar a me- canização, a rotina e a impessoalidade da linha de fabricação em série? Ou corresponde a uma das necessidades básicas do ser hu- mano, apenas mais aguçada nos nossos dias pelo ritmo veloz, ten- sões e insegurança do mundo moderno? Considerando as provocações apontadas anteriormente por Medeiros (1975), ao longo do texto, a autora transcreve trechos de poemas para mostrar o porquê de ser adepta da posição que advoga ser o lazer um fenômeno presente nas sociedades arcaicas. Munné (1980), ponderando sobre os argumentos de Du- mazedier, considera equivocada a conclusão do sociólogo francês de que o lazer seja um produto da civilização moderna. De acordo com seu ponto de vista, Dumazedier reduz, por definição, qual- quer possível manifestação histórica do lazer à mera desocupação ou ociosidade, o que não seria procedente. Os argumentos elaborados por Dumazedier, especialmente no que diz respeito à consideração do lazer como típico da civiliza- ção industrial, revelam seu esforço por conferir à chamada "socio- logia do lazer" o estatuto de ciência (GOMES, 2004b). Um dos expoentes da sociologia do lazer foi o inglês Stanley Parker. Para um maior detalhamento de seu pensamento, recomendamos a leitura da obra Sociologia do Lazer (PARKER, 1978). Esse aspecto, geralmente negligenciado pelos autores da área, mostra que o autor precisava defender esse pressuposto para que o lazer fosse reconhecido como uma parte especializada da teoria sociológica. Atitude curiosa não é? Vejamos o porquê disso. Para Dumazedier (1979), toda teoria sociológica precisa apresentar três propriedades: ser deduzida de uma teoria mais ge- © Recreação e Lazer38 ral; possuir uma coerência lógico-dedutiva e demonstrar que ne- nhum fato importante está em contradição com ela. Para a sociologia do lazer ser reconhecida como um ramo especializado da sociologia, os pesquisadores do lazer deveriam, entre outros procedimentos: 1) fazer um recorte do objeto estudado; 2) elaborar hipóteses e verificá-las; 3) utilizar estratégias metodológicas tidas como confiáveis; 4) formular quadros de referência; 5) apontar categorias de análise. Os encaminhamentos anteriores seriam imprescindíveis para se distinguir a sociologia do lazer dos outros ramos já esta- belecidos na área: sociologia do trabalho, sociologia da família, sociologia da religião, dentre outros. Caso não houvesse essa dife- renciação, os estudos sobre o lazer acabariam penetrando em out- ros campos, pois as manifestações culturais vivenciadas antes da Revolução Industrial se mesclavam com as outras dimensões da cultura. Seguindo esse raciocínio, se as pessoas associassem o lazer com as ações religiosas, por exemplo, as pesquisas sobre o tema poderiam se encaixar perfeitamente na sociologia da religião, não sendo necessária uma sociologia do lazer. Tomando a mesma linha de pensamento, para exemplificar, verifica-se que a integração entre lazer e religião é muito comum em nosso meio, uma vez que é muito difícil separar o lazer de de- terminados ritos e festejos religiosos. Reconhecer a coerência e o mérito do arcabouço teórico for- mulado por Dumazedier não significa que tenhamos de acatar todas as suas ideias. As evidências revelam que o lazer não é um fenôme- no observável apenas nas civilizações industriais avançadas. O fato de essa ideia ser comumente aceita mostra que faltam aprofundamentos e análises consistentes sobre a produção teóri- 39 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física ca de Dumazedier, um dos primeiros a defender essa proposição. Evidentemente, a era Moderna foi fundamental para que o lazer se estabelecesse como um fenômeno autônomo, normativo e orga- nizado, configurando-se na forma como o conhecemos hoje. Esse período também foi palco para o estabelecimento de importantes reivindicações operárias, o que ressalta o valor desse movimento histórico e social para o lazer (GOMES, 2004b). Ao mesmo tempo que há diferenças marcantes entre o pas- sado e o presente, também há correlações importantes a serem avaliadas. Conhecer e considerar as peculiaridades de outras reali- dades que compõem a nossa história pode fornecer contribuições significativas para apreendermos o processo de constituição do lazer. A vivência das manifestações e das tradições culturais da hu- manidade também pode nos auxiliar a compreender os significa- dos comumente atribuídos ao lazer. Mesmo que algumas ideias devam ser repensadas e revistas, esse é um lado da questão que ressalta a importância das pesquisas dos autores que afirmam não ser o lazer um fenômeno recente (GOMES, 2004b). Tal suposição convida-nos a recuar na nossa história com o intuito de investigar e compreender alguns dos princípios que influenciaram a consti- tuição do lazer. Neste instante, é importante possuirmos em nossos horizon- tes o alerta realizado por Gomes (2004b, p. 138), ao nos colocar que "é demasiado arriscado definir, com exatidão, o momento histórico em que o lazer se configura na sociedade ocidental" e sugerir que "conhecer e considerar as peculiaridades [...] de outras realidades que compõe a nossa história pode fornecer expressivas contribuições para apreendermos o processo de constituição do lazer". Nesse movimento, torna-se relevante considerar as contri- buições daqueles que se debruçaram sobre os tempos antigos, sobre a época medieval e também sobre a Modernidade, identi- © Recreação e Lazer40 ficando elementos que nos auxiliem a compreender o processo de constituição histórica do lazer em nossa sociedade, procurando entendê-lo em relação ao trabalho. Dessa forma, no próximo tópico, realizaremos um recuo ao passado, em uma tentativa de conhecer algumas características que possam nos auxiliar na compreensão do processo de consti- tuição histórica do lazer em nosso meio. Diversos caminhos poderiam ter sido seguidos, porém, pela riqueza de elementos, três contextos devem ser privilegiados: a sociedade greco-romana da Antiguidade; a feudal, da Idade Mé- dia; e a urbano-industrial, da Modernidade. Sociedade greco-romana Foi aproximadamente no século 5º a. C. que ocorreu o "flo- rescimento cultural do mundo grego", como o denominam os his- toriadores. Essa época é conhecida como a fase clássica da Grécia, representada pelo apogeu de Atenas: capital das artes, da ciência, da filosofia e da política, fervilhante de novas ideias. Os atenienses demonstravam paixão pela perfeição. Suas construções eram imponentes, a arquitetura e o artesanato prima- vam pela riqueza de detalhes; os jogos olímpicos eram motivados pela busca da excelência. Os jogos aconteciam no monte Olimpo e eram, antes de tudo, um evento de cunho religioso, no qual deveriam ser ofereci- dos sacrifícios e orações a Zeus. Além de Zeus, muitos outros deuses eram cultuados pelos gregos. Acredita-se que o teatro, a tragédia, a comédia e a decla- mação da poesia tiveram origem nos rituais realizados pelas se- guidoras de Dionísio, o deus do vinho. A Grécia clássica abrigava uma centena de anfiteatros, e neles se encenavam muitas peças sobre vários temas. 41 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física Em geral, quandoas heranças gregas são consideradas nas discussões sobre o lazer, os autores que debatem o assunto não se debruçam sobre os significados das práticas culturais, como as citadas anteriormente. Na maioria das vezes, são estabelecidas re- flexões sobre o ócio, o que nos remete ao termo grego skholé, que também é de grande valor para a compreensão do processo de constituição histórica do lazer (GOMES, 2008). Apesar de seu caráter contemplativo e reflexivo, skholé não significava passividade, mas um exercício em forma elevada, atribuí- do à alma racional. Implicava, necessariamente, as condições de paz, reflexão, prosperidade e liberdade em face das necessidades da vida de trabalho. Como dependia de certas condições educa- cionais, políticas e socioeconômicas, representava um privilégio reservado a uma pequena parcela da sociedade (GOMES, 2008). A palavra skholé era um termo que, no uso comum, signifi- cava um tempo desocupado, um tempo para si mesmo que gerava prazer intrínseco. Entre os filósofos gregos, quem mais empregou essa palavra foi Aristóteles; para ele, o lazer era um estado filosó- fico no qual se cultivava a mente por meio da música e da contem- plação (DE GRAZIA, 1966). Esse estado seria alcançado apenas por aqueles que con- seguiam libertar-se da necessidade de trabalhar, pois o trabalho produtivo era visto como indigno. O ideal clássico de lazer indi- cava, portanto, distinção social, liberdade, qualidade ética, relação com as artes liberais e busca do conhecimento. Skholé era associado à vida contemplativa, exercício nobre ao qual somente poucos poderiam se entregar. Para Aristóteles (s.d), nem todos poderiam se entregar ao ócio, pois a maioria se ocupava com a produção do que era necessário e útil e com o ex- ercício da guerra – como os artesãos, os lavradores e os guerreiros. Mas, para esse filósofo, valia muito mais gozar da paz e do repouso proporcionados pelo ócio, que era o inverso da vida ativa. © Recreação e Lazer42 Para você, o que a expressão "vida ativa" representava naquela época? A expressão vita activa designava três atividades humanas fundamentais. A primeira delas é o labor, atividade que correspon- dia ao processo biológico do corpo humano, relacionada às neces- sidades vitais, assegurando a sobrevivência do indivíduo e a per- petuação da espécie. Poiesis designava a obra do homo faber, ser humano que maneja instrumentos, capaz de produzir e fabricar um mundo artificial de objetos, nitidamente distinto de qualquer ambiente natural. A praxis, por sua vez, era a única atividade que era exercida diretamente entre os homens sem a mediação dos objetos ou da matéria. O recurso que predominava era o discurso, a palavra. Tratava-se da ação no campo ético e político, como sub- linha Arendt (1993) (GOMES, 2008). Aristóteles foi aluno de Platão. De acordo com a filosofia platônica, tal como expresso em suas Leis, um verdadeiro cidadão não deveria trabalhar, e sim dedicar-se integralmente à vida con- templativa. De fato, acreditava-se que um cidadão virtuoso não "trabalhava". Quando este destinava um tempo às suas tarefas políticas (caso desempenhasse algum cargo público), ou a seus af- azeres econômicos (como administrar seus domínios, cultivados pelos escravos), não estava "trabalhando", apenas zelando pela vida habitual do espaço público e do privado, como pontua Veyne (2002). Tamanho era o desprezo pelo trabalho que, de acordo com Platão, uma cidade bem feita seria aquela na qual os cidadãos fos- sem alimentados pelo trabalho rural de seus escravos, e os ofícios fossem relegados às pessoas "comuns". Uma vida virtuosa deveria ser ociosa. Para Aristóteles, os escravos, os camponeses e os com- erciantes não poderiam ter uma vida virtuosa, próspera e cheia de nobreza: podem-no somente aqueles que dispõem dos meios para organizar a própria existência, fixando para si mesmos um objetivo ideal (VEYNE, 2002). 43 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo da Educação Física Dessa maneira, apenas os ociosos correspondiam, moral- mente, ao ideal humano, merecendo ser reconhecidos como ci- dadãos. Acreditava-se que os trabalhadores não saberiam gov- ernar a cidade, não podiam, não deviam, não mereciam e nem pensavam em fazê-lo: era impossível praticar a virtude levando-se uma vida servil ou de trabalho braçal. A pobreza era naturalizada por Platão, não sendo compreendida como uma decorrência de relações sociais marcadas pela desigualdade. Essas foram algumas das ideias que marcaram a sociedade clássica grega. No entanto, com as conquistas de Alexandre da Macedônia, imortalizado como "o Grande", passou-se da idade grega para a helenística. Alexandre estendeu o império da Grécia às fronteiras da Índia, mas acabou sucumbindo diante da dificul- dade de controlar o vasto território conquistado a partir de um ponto situado na periferia. Roma foi bastante influenciada pela cultura helênica. A civi- lização, a literatura, a arte e a própria religião provieram quase inteiramente dos gregos. Para Veyne (2002), o Império Romano foi a civilização helenística nas mãos brutais de um aparelho de Es- tado − constituído por imperador e Senado ─ de origem latina. Por essa razão, diz-se que Roma foi um império fundado na violência e protegido por ela. Roma estabeleceu-se como núcleo militar e legislativo, local- izado no centro do cruzamento de fios que constituíam a enorme teia do Império. A supremacia de Roma assentava-se em sua força militar, e os povos conquistados eram defendidos pelos soldados romanos. Administrar a grande área conquistada pelos romanos não foi uma tarefa simples. Roma determinou uma moeda única e pavi- mentou estradas, possibilitando ao seu exército agir rapidamente diante de ataques inimigos. Apenas um cônsul poderia comandar um exército, sendo grande a corrupção e a incompetência. Embora o latim fosse a língua oficial, cerca de uma dúzia de línguas circu- © Recreação e Lazer44 lava nas ruas e nas praças romanas. As construções públicas eram sempre grandiosas, para que o cidadão comum pudesse participar da vida romana. Como esclarece Veyne (2002, p. 41), em Roma, "todo homem público fazia carreira pelo pão e pelo circo". O pão era a base da alimentação de Roma, geralmente produzido em casa, pelas mul- heres. O império cresceu à custa do pão: os romanos construíram com maestria aquedutos e cisternas, com os quais aproveitavam a água das chuvas, transformando tudo em produtividade e riqueza. Entretanto, a queda de Roma deveu-se igualmente ao pão, ou mel- hor, à falta de pão para o povo. Da mesma maneira que em terra grega, os concursos atléti- cos e os jogos foram grandes acontecimentos em Roma, e em to- das as cidades do império foram os grandes espetáculos públicos: tratava-se do circo, representado por algumas das práticas cult- urais que marcaram esta civilização (GOMES, 2008). Banhos públicos, banquetes e festas; representações teatrais, corridas de carros no circo e combates de gladiadores na arena do Coliseu eram muito apreciados. Os notáveis eram os responsáveis pelo financiamento dos espetáculos públicos que anualmente ale- gravam a cidade. Quem fosse nomeado pretor ou cônsul deveria, de espontânea vontade, desembolsar grandes quantias para pro- porcionar esses divertimentos ao povo romano (GOMES, 2008). Os espetáculos típicos de Roma espalhavam-se pelos anfite- atros do império, e o povo era fascinado pela morte e pela violên- cia. Na luta de gladiadores, o interesse central da arena repousava na morte de um dos combatentes. Para o vencedor, a glória, para o derrotado, a morte – ou a piedade, caso sua vida fosse poupada. Veyne (2002) ressalta que a decisão de vida ou morte era tomada pelo mecenas que proporcionava o espetáculo e pelo público.
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