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RESUMO DE ARTIGO: Machado de Assis e o olhar irônico no país dos bacharéis

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resumo de artigo: machado de assis e o olhar irônico no país dos bacharéis
(FERNANDES, Pádua. 2011)
hermenêutica jurídica
faculdade de direito, 3° período; setembro de 2020
Camila Amizadai
introdução:
· “País dos bacharéis”: o termo bacharéis, aqui, refere-se aos que fazem “uso instrumental e tecnicamente duvidoso do Direito (...) e a produção legal da ilegalidade”
· Contexto histórico: fim do século XIX, início do século XX. Toca-se, portanto, em temas como a abolição da escravidão, a proclamação da República, a chegada do liberalismo, a política do café com leite, o direito ao voto, etc.;
· Crítica a ausência de uma cultura cívica de respeito às leis (caracterizada por uma valorização apenas ornamental das ideias, da quebra das formalidades) e a falta de eficácia social do Direito no Brasil, sendo esta última o assunto principal do artigo.
dicotomia entre jurídico e social: lei escrita e costume
· Contraste bem demarcado entre o ordenamento jurídico e a realidade social no Brasil do início do século XX: Proclamação da República em 1889, debate crescente acerca do governo republicano e sua Constituição.
- Importante relembrar neste trecho os conceitos de Norma e Costume: A Norma (aqui representada pela lei escrita) é um imperativo de conduta caracterizado pela coercitividade e pela imperatividade, é o componente principal do ordenamento jurídico e o Costume, por sua vez, é o conjunto de hábitos e tradições reiteradas de determinada sociedade, não estando, portanto, ratificado. Ambos inevitavelmente relacionam-se, podendo influenciar-se, todavia, são intrinsecamente distintos. 
· Normas só são criadas para proteger bens ameaçados. Caso a sociedade esteja em perfeita harmonia em relação às normas, e os bens, protegidos, o Direito faz-se desnecessário.
· A harmonia supracitada não é possível, uma vez que as sociedades são heterogêneas e mutáveis. Trataria-se, então, apenas de ratificar costumes. Outrossim, mesmo que fosse possível codificar e ratificar o costume na forma de lei, ele apenas serviria para reiterar padrões de dominação já existentes – o que vai contra a ideia de Direito como instrumento de justiça (o conceito de justiça, por si, aliás, deve ser repensado).
· O problema de um país que há pouco se intitula republicano: apenas ratificar costumes e o controle oligárquico ou pensar na eficácia social das normas, num viés democrático?
· Visão machadiana: recusa do idealismo jurídico, o qual diz que o Direito por si só acarreta mudanças sociais – é preciso pensar no todo, nas condições sociais e sua transformação. Sem que haja essa visão conjunta, gera-se a ineficácia das normas.
o medalhão e a ineficácia do direito
”Nesse ramo dos conhecimentos humanos tudo está achado, formulado, rotulado, encaixotado; é só prover os alforjes da memória. (...) proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as já achadas por outros. Foge a tudo que possa cheirar a reflexão, originalidade” – Machado de Assis, em A Teoria do Medalhão.
· A ineficácia do Direito é amplamente favorável ao conservadorismo e a o status quo, principalmente no que se refere a manutenção do poder político a serviço da aristocracia. 
· O medalhão (entendido aqui como figura de prestígio social) não pensa os problemas sociais e as suas causas, mas apenas enuncia um lugar comum, reproduzindo ideias anteriores e sua incompetência.
· A ineficácia do Direito é alcançada ao passo em que favorece a reprodução do sistema político – “continuísmo”. 
· Os medalhões, segundo Machado, ignoram ou pouco prestigiam as figuras de real prestígio intelectual, como José de Alencar. 
· A classe jurídica do Brasil seria, em sua maioria absoluta, composta por “medalhões”: juristas presos em seu próprio ciclo de ideias pressupostas, frutos do continuísmo político e da perpetuação de estruturas “patriarcais”. 
A AMBIGUIDADE NA RELAÇÃO COM O DIREITO E A PRODUÇÃO LEGAL DA ILEGALIDADE
· A fachada liberal encobre interesses e relações pessoais da elite. Trata-se de um acolhimento meramente ornamental do “livre mercado” e demais pressupostos importados da política liberal, como prova de modernidade e combustível do orgulho nacional. Enquanto o Brasil era governado pelos paradoxais republicanos escravistas, marcado por contradições práticas e teóricas, integrava-se ao Capitalismo mundial. (SCHWARZ, 2001)
· Todavia, apesar de “fora do lugar”, as ideias liberais exerciam função prática na sociedade brasileira: o livre comércio e a representação parlamentar, estruturalmente liberais, eram defendidos pela oligarquia rural. 
· O ponto de debate encontra-se aqui: enquanto o direito sofria influência de ideais liberais e poderia ser usado de maneira democrática (pelo interesse do povo) deu-se apenas, contraditoriamente, em defesa da esfera privada – mais especificamente, da oligarquia. 
· Não obstante, a nível “público”, o tráfico de escravos foi uma clara produção de ilegalidade por meio da legalidade: após sua proibição em 1831 e a intensificação do mesmo enquanto atividade clandestina, a arrecadação de impostos caiu; a partir daí, o Tesouro deixou de exigir o título que legitimaria a posse de escravo, possibilitando assim a “privacidade” do contribuinte e voltando a arrecadar. As compras ilegais eram ocultadas por via legal, o Tesouro recebia seus impostos e o Direito era violado (in)diretamente. O Estado não permitia o tráfico, mas tributava sobre ele. 
· Efetividade paradoxal do Direito: negá-lo por intermédio da sua própria aplicação. 
· Crítica a Lei Áurea como meio eficaz de libertação dos escravos: novamente, o idealismo do Direito – a norma por si só não muda nada.
à quisa de conclusão: cultura jurídica brasileira e a normalidade do vazio
· Observações sobre o personagem Simão Bacamarte, protagonista em O Alienista: um medalhão, operando em Itaguaí – “Ser medalhão é atingir aquela plenitude do vazio interior que estava nas dobras da teoria da normalidade do finado Dr.Bacamarte” (BOSI, 2007)
· Poética da dissimulação: o uso da ironia machadiana como instrumento de crítica feroz a prática de ilegalidades por meio da legalidade e a “ineficácia social das normas jurídicas sob a apropriação privatista das regras”.

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