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Aula 5 - A hermenêutica filosófica e o Direito

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HERMENÊUTICA E 
ARGUMENTAÇÃO 
JURÍDICA
Magnum Eltz
Revisão técnica:
Gustavo da Silva Santanna 
Bacharel em Direito
Especialista em Direito Ambiental Nacional 
e Internacional e em Direito Público
Mestre em Direito
Professor em cursos de graduação 
e pós-graduação em Direito
Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB -10/2147
E51h Eltz, Magnum Koury de Figueiredo.
Hermenêutica e argumentação jurídica [recurso
eletrônico ] / Magnum Koury de Figueiredo Eltz , Juliana
Kraemer Micelli Teixeira, Melissa de Freitas Duarte ;
[revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna]. – Porto Alegre:
SAGAH, 2018.
ISBN 978-85-9502-409-0
1. Direito – Filosofia. 2. Hermenêutica (Direito). I
Teixeira, Juliana Kraemer Micelli. II. Duarte, Melissa de
Freitas. III.Título.
CDU 340.132.6
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A hermenêutica 
filosófica e o Direito
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Reconhecer a importância de Gadamer no estudo da hermenêutica 
filosófica.
  Analisar como a historicidade é fundamental para o estudo da her-
menêutica jurídica.
  Aplicar o círculo hermenêutico ao problema dos preconceitos.
Introdução
A hermenêutica filosófica é o ramo da filosofia responsável pela criação 
de métodos interpretativos. Um dos seus principais sistematizadores foi 
Hans-Georg Gadamer, com a obra Verdade e método, na qual, a partir dos 
trabalhos de Heidegger, Schleiermacher e Dilthey, desenvolveu uma nova 
hermenêutica filosófica.
Neste capítulo, estudaremos a importância de Gadamer para a her-
menêutica, as relações entre o historicismo e a hermenêutica jurídica, o 
círculo hermenêutico e o problema dos preconceitos.
Gadamer e o estudo da hermenêutica filosófica
Gadamer é parte importante da evolução da ciência da hermenêutica geral ou 
hermenêutica fi losófi ca. O seu trabalho principal foi sistematizar os estudos 
dos seus antecessores, como Heidegger, Dilthey, Hegel e Schleiermacher, 
em busca de uma “hermenêutica universal”, que reconhecesse a importância 
da análise histórica e das características pessoais do hermeneuta como parte 
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da composição da convicção que é passível de novas análises ao longo do 
tempo, tornando o processo hermenêutico vivo e mutável. Segundo Streck 
(1999, p. 463):
[…] é necessário observar/advertir o leitor para a diferença que existe entre a 
hermenêutica clássica, vista como pura técnica de interpretação (Auslegung), 
e a hermenêutica filosófica, de matriz gadameriana, que trabalha com um 
“atribuir sentido” (Sinngebung), isso porque “en la compreensión hermenéutica 
entendida al modo gadameriano se pone también en juego la autocomprensión, 
revelándose en ella la propia dimensión del sujeto: ‘Es también [...] siempre la 
obtención de una autocomprensión (Selbsvertändnisses), más amplia y pro-
funda. Pero eso significa que la hermenéutica es filosofía y, en tanto filosofía, 
filosofía práctica’. De acuerdo con Gadamer, tal comprensión posee siempre 
una dimensión linguística. Así, ‘la comunidad de toda comprensión, que se 
basa en sua carácter linguístico (Sprachlichkeit), me parece que constituye 
un punto esencial de la experiencia hermenéutica’”.
O processo de desenvolvimento dessa “nova hermenêutica filosófica” 
inicia-se na crítica ao historicismo reconstrutivo de Schleiermacher e Dilthey 
em contraste com a integração tradicional de Hegel:
A arte não é mero objeto da consciência histórica, no entanto a sua compre-
ensão coimplica sempre uma mediação histórica. Como se irá determinar, 
face a isso, a tarefa da hermenêutica?
Schleiermacher e Hegel poderiam representar as duas possibilidades extremas 
de resposta a essa pergunta. As suas respostas poderiam ser designadas com 
os conceitos de reconstrução e integração. Tanto para Schleiermacher como 
para Hegel, no começo se encontra a consciência de uma perda e alienação 
frente à tradição, que é a que move a reflexão hermenêutica. Entretanto, eles 
determinam a tarefa da hermenêutica cada um de maneira bem diferente 
(GADAMER, 1999, p. 264-265).
Conforme Gadamer (1999, p. 265), “Schleiermacher [...] está inteiramente 
empenhado em reconstruir na compreensão a determinação original de uma 
obra. Pois arte e literatura, que nos são transmitidas do passado, nos chegam 
desenraizadas de seu mundo original”. Ou seja, para que se possa compreender 
determinado objeto de estudo, é necessária uma digressão histórica para 
entender a vontade do seu criador: “Assim, uma obra de arte está enraizada, 
na realidade, também no seu solo e chão, no seu contexto. Ela já perde o seu 
significado ao ser retirada desse contexto e, ao entrar em circulação, é como 
algo que foi salvo do fogo e agora traz as marcas de queimado” (SCHLEIER-
MACHER apud GADAMER, 1999, p. 265).
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Sobre Hegel, por outro lado, Gadamer (1999, p. 267) escreve:
As obras da musa são agora o que são para nós — belos frutos arrancados 
da árvore; um destino amável nô-los ofereceu, como uma jovem presenteia 
aqueles frutos; não existe a vida real da sua existência, não existe a árvore 
que os perfizeram a sua sustância, nem o clima que perfez a sua determina-
ção, nem a mudanças das estações que dominavam o processo do seu devir. 
As obras devem ser interpretadas tal como se encontram de acordo com o contexto 
atual, uma vez que as condições originárias da obra não podem ser reproduzidas na 
contemporaneidade pelo intérprete, sendo a digressão histórica importante, mas não 
condicional à interpretação ou mesmo à aplicação de determinada obra.
Hegel define a dificuldade de interpretação por meios históricos ao avaliar 
o comportamento das novas gerações diante de obras de arte, que chama de 
labor exterior:
[...] que talvez retire uma gota de chuva ou um pozinho desses frutos, e que 
em lugar dos elementos interiores da realidade do ético, que os rodeava, que 
os produziu e lhes deu alma, erige o aparado prolixo dos elementos mortos da 
sua existência externa, da linguagem, do histórico, etc., não para adentrá-los, 
experimentando-lhe a vida, mas somente para imaginá-los (HEGEL apud 
GADAMER, 1999, p. 267-268).
Nas palavras de Gadamer (1999, p. 268), “[...] a investigação do ocasional, 
que complementa o significado das obras de arte, não está em condições de 
reconstruir este”. Para construir a sua própria visão sobre a hermenêutica, 
Gadamer (1999) busca as raízes da hermenêutica clássica em Lutero:
Naturalmente o sentido literal da Escritura não se entende univocamente em 
todas as suas passagens nem a todo momento. Pois é o conjunto da Escri-
tura Sagrada o que guia a compreensão do individual — da mesma forma 
que, ao inverso, esse conjunto só pode ser apreendido quando se realizou a 
compreensão individual. Essa relação circular do todo e das partes não é, em 
si, nenhuma novidade. A retórica antiga já sabia disso, ela que comparava 
o discurso perfeito com o corpo orgânico com relação entre a cabeça e os 
membros. Lutero e seus seguidores transferiram essa imagem conhecida da 
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retórica clássica ao procedimento da compreensão e desenvolveram como 
princípio fundamental e geral de uma interpretação de texto o fato de que 
todos os aspectos individuais de um texto devem ser compreendidos a partir 
do contextus, do conjunto, e a partir do sentido unitário para o qual o todo 
está orientado, o scopus (GADAMER, 1999, p. 275-276).
Dessa forma, a digressão histórica deve ser precedida pela compreensão 
do contexto em que os autores da obra a realizarame a finalidade desta de 
acordo com ele. Assim, as distinções entre o tempo do intérprete e da criação 
da obra podem ser identificadas, sem perder a sua essência teleológica.
Em crítica ao pensamento de Dilthey, seguidor da escola de Schleiermacher, 
para o qual a hermenêutica deve conceber um organon histórico pautado pela 
dogmática historicista, não libertando o hermeneuta da leitura do seu objeto, 
mas apenas deslocando para a leitura histórica a construção dogmática, Ga-
damer (1999, p. 401-402) evidencia que:
Toda interpretação correta tem que proteger-se contra a arbitrariedade da 
ocorrência de “felizes ideias” e contra a limitação dos hábitos imperceptíveis do 
pensar, e orientar sua vista “às coisas elas mesmas” (que para os filólogos são 
textos com sentido, que também tratam, por sua vez, de coisas). Esse deixar-se 
determinar assim pela própria coisa, evidentemente, não é para o intérprete 
uma decisão “heroica”, tomada de uma vez por todas, mas verdadeiramente “a 
tarefa primeira, constante e última”. Pois o que importa é manter a vista atenta 
à coisa, por meio de todos os desvios a que se vê constantemente submetido o 
intérprete em virtude das ideias que lhe ocorram. Quem quiser compreender 
um texto realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido 
no texto, o intérprete prelineia um sentido do todo.
Assim, a partir de um retorno ao estudo dogmático da coisa em Heidegger, 
Gadamer (1999) sustenta que a digressão histórica não é livre do viés do 
hermeneuta, de modo que o contexto histórico e o contexto atual importam 
para o resultado interpretativo, que não é livre de falhas, de modo que não se 
pode falar em um produto transcendental como um organon histórico:
A tarefa hermenêutica se converte por si mesma num questionamento pautado 
na coisa, e já se encontra sempre determinada por ele. Com isso, o empreen-
dimento hermenêutico ganha um solo firme sob seus pés. Aquele que quer 
compreender não pode se entregar, já desde o início, à casualidade das suas 
próprias opiniões prévias e ignorar o mais obstinada e consequentemente 
possível a opinião do texto — até que este, finalmente já não possa ser ou-
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vido e perca a sua suposta compreensão. Quem quer compreender um texto, 
em princípio, deve estar disposto a deixar que ele diga alguma coisa por si. 
Por isso, uma consciência formada hermeneuticamente tem que se mostrar 
receptiva, desde o princípio, para a alteridade do texto. Mas essa receptivi-
dade não pressupõe nem “neutralidade” com relação à coisa, nem tampouco 
autoanulamento, mas inclui a apropriação das próprias opiniões prévias e 
preconceitos, apropriação que se destaca destes. O que importa é dar-se conta 
das próprias antecipações, para que o próprio texto possa apresentar-se em 
sua alteridade e obtenha, assim, a possibilidade de confrontar a sua verdade 
com as próprias opiniões prévias.
Heidegger oferece uma descrição fenomenológica completamente correta, 
quando descobre no suposto “ler” o que “lá está” a pré-estrututura da com-
preensão (GADAMER, 1999, p. 405).
Em resumo, em Gadamer (1999), a hermenêutica filosófica se torna um 
ramo consciente das suas próprias limitações e da necessidade de adequação da 
compreensão aos tempos correntes, tanto quanto é importante a compreensão 
do contexto histórico original da obra objeto de estudo pelo hermeneuta. É 
nesse sentido que define Streck (1999, p. 464) que:
[...] a (nova) hermenêutica pretendida por Gadamer surge no horizonte de 
um problema totalmente humano, diz Fernandez-Largo: a experiência de 
encontrarmo-nos frente à totalidade do mundo como contexto vital da própria 
existência. A partir disso, a pergunta acerca de como é possível o conheci-
mento e quais são as suas condições passa a ser um problema menor dentro da 
globalidade da questão referente ao compreender da existência no horizonte 
de outros existentes. O que a nova hermenêutica irá questionar é a totalidade 
do existente humano e a sua inserção no mundo. Se Schleiermacher havia 
liberado a hermenêutica das suas amarras com a leitura bíblica, e Dilthey, da 
dependência das ciências naturais, Gadamer pretende liberar a hermenêutica 
da alienação estética e histórica, para estudá-la em seu elemento puro de 
experiência da existência humana.
Em decorrência, Gadamer vai dizer que a interpretação trabalha sempre com 
conceitos prévios, cuja tendência é a de serem substituídos progressivamente 
por outros mais adequados. Esse constante reprojetar — no qual consiste o 
movimento, no sentido de compreender e interpretar — constitui o processo 
que descreve Heidegger, que somente entra na problemática da hermenêutica 
e críticas da história com o fim de desenvolver, a partir delas, desde o ponto 
de vista ontológico, a pré-estrutura da compreensão. Gadamer, pelo contrário, 
persegue a questão de como, uma vez liberada das inibições ontológicas do 
conceito científico de verdade, a hermenêutica pode fazer justiça à histori-
cidade da compreensão.
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Desse modo, conforme conclui Streck (1999, p. 464): 
[...] a compreensão só alcança as suas verdadeiras possibilidades quando as 
opiniões prévias com as quais inicia não são arbitrárias. Em razão dessa cir-
cunstância, é importante que o intérprete não se dirija aos textos diretamente, 
desde as opiniões prévias que lhe subjazem, senão que examine tais opiniões 
enquanto a sua legitimação, isto é, enquanto a sua origem e validade. 
Assim, é possível concluir que a importância de Gadamer para a (nova) 
hermenêutica filosófica é uma posição autocrítica em que se reconhece a 
falibilidade do hermeneuta frente aos próprios pré-conceitos a que está sujeito 
no seu processo interpretativo e a necessidade de renovação da interpretação 
para diferentes cenários e contextos históricos. Isso sem perder de vista, no 
entanto, a busca por uma finalidade da obra sob estudo, que pode ser extraída, 
com todas as ressalvas anteriores, a partir de um estudo histórico contextual 
do objeto de interpretação.
É possível dizer que a importância de Gadamer para a hermenêutica encontra-se no 
reconhecimento da importância da historicidade de Schleiermacher e Dilthey e na 
contemporaneidade do produto hermenêutico de Hegel, portanto, dos aspectos e 
contextos históricos do objeto do estudo, bem como do próprio hermeneuta.
A historicidade e o estudo 
da hermenêutica jurídica
Gadamer, como visto, é responsável pela criação de uma “nova hermenêutica” 
a partir da noção da unifi cação do estudo histórico com as peculiaridades 
do contexto do próprio intérprete. Ele cria uma visão realista dos limites da 
interpretação e da necessidade de coleta de dados contextuais históricos e 
autuais para apreender o fruto da compreensão alcançada pelo intérprete. No 
campo jurídico, o autor encontra campo fértil para explorar a necessidade de 
cisão ou verdadeira unifi cação das ciências hermenêuticas dentro da sua tese, 
bem como a importância das discussões sobre a historicidade e a interpretação 
das normas no campo jurídico.
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Segundo o autor, a objetivação da ciência deu-se pelo movimento 
historicista:
Em geral, tende-se a supor que foi somente a consciência histórica que elevou 
a compreensão a ser um método da ciência objetiva, e que a hermenêutica 
alcançou a sua verdadeira determinação somente quando se desenvolveu como 
teoria geral da compreensão e da interpretação de textos. A hermenêutica 
jurídica não teria a ver com esse nexo, pois não procura compreender textos 
dados, já que é uma medida auxiliar da práxis jurídica e inclina-se a sanar 
certas deficiências e casos excepcionais no sistema da dogmática jurídica. 
Por consequência, não teria a menor relação com a tarefa de compreender a 
tradição, que é oque caracteriza a hermenêutica espiritual-científica (GA-
DAMER, 1999, p. 428).
Em sintonia com o movimento positivista, no entanto, a dogmática como 
objeto de uma ciência pura do Direito excluiria do seu objeto uma análise 
aprofundada da lei, pois é na própria norma que o jurista deveria encontrar 
o sentido da norma. No entanto, segundo o alerta de Gadamer (1999, p. 482-
483), neste raciocínio:
[...] tampouco a hermenêutica teológica poderia ainda arrogar-se um signi-
ficado sistemático e autônomo. Schleiermacher a havia reconduzido cons-
cientemente à hermenêutica geral, considerando-a simplesmente como uma 
aplicação especial desta. Mas, desde então, a teologia científica afirma a 
sua capacidade de competir com as modernas ciências históricas, tendo por 
base que a interpretação da Sagrada Escritura não deve guiar-se por leis e 
nem por regras diversas das que presidem a compreensão de qualquer outra 
tradição. Nesse sentido, não haveria porque existir uma hermenêutica espe-
cificamente teológica. 
Hoje em dia, parece uma tese paradoxal tentar renovar a velha verdade e a 
velha unidade das disciplinas hermenêuticas ao nível da ciência moderna. 
O passo que levou à moderna metodologia espiritual-científica supõe-se 
que era precisamente a sua desvinculação com respeito a qualquer liame 
dogmático. A hermenêutica jurídica tinha se separado do conjunto de uma 
teoria da compreensão, porque tinha um objetivo dogmático, enquanto que, na 
direção inversa, a hermenêutica teológica se integrou na unidade do método 
histórico-filológico, precisamente ao se desfazer da sua vinculação dogmática.
A partir desse raciocínio, integrador das ciências hermenêuticas como 
resultado de um pensamento antidogmático e evolucionista como um todo, 
Gadamer passa, então, ao debate sobre o papel do historiador do Direito, em 
tese um intérprete mais relacionado às ciências do espírito em relação ao 
jurista, como um cientista dogmático para extrair as possibilidades de relação 
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entre uma e outra ciência. Sobre o historiador e o jurista, Gadamer (1999, 
p. 483-484) afirma:
Que existe uma diferença é evidente. O jurista toma o sentido da lei em virtude 
de um determinado caso dado. O historiador jurídico, pelo contrário, não 
tem nenhum caso de que partir, mas procura determinar o sentido da lei, na 
medida em que coloca construtivamente a totalidade do âmbito de aplicação 
da lei diante dos olhos. [...] Enquanto historiador, ele está obrigado a fazer 
justiça às mudanças históricas pelas quais a lei passou. A sua tarefa será de 
intermediar compreensivamente a aplicação originária da lei com a atual.
Não me pareceria suficiente limitar a tarefa do historiador do Direito à “recons-
trução do sentido original do conteúdo da fórmula legal”, e, ao contrário, dizer 
do jurista que “ele deve, além disso, pôr em concordância aquele conteúdo, 
com a atualidade presente da vida”. Uma delimitação desse tipo implicaria que 
o labor do jurista é o mais amplo, e incluiria em si também o do historiador. 
No entanto, a diferenciação temática que determinou a separação entre o 
historicismo e o positivismo é frágil, conforme afirma o autor:
É verdade que o jurista sempre tem em mente a lei em si mesma. Mas o seu 
conteúdo normativo tem que ser determinado com respeito ao caso ao qual se 
trata de aplicá-la. E, para determinar com exatidão esse conteúdo, não se pode 
prescindir de um conhecimento histórico do sentido originário, e só por isso o 
intérprete jurídico tem que vincular o valor posicional histórico que convém 
a uma lei, em virtude do ato legislador. Não obstante, não pode sujeitar-se a 
que, por exemplo, os protocolos parlamentares lhe ensinariam com respeito 
à intenção dos que elaboraram a lei. Pelo contrário, está obrigado a admitir 
que as circunstâncias foram sendo mudadas e que, por conseguinte, tem 
que determinar de novo a função normativa da lei (GADAMER, 1999, 484).
Assim, o jurista parte da lei em si mesma como um início da sua jornada 
interpretativa e, é verdade, deve aplicá-la de acordo com o sentido extraído 
de um contexto que possui na atualidade, em contraste com o sentido original 
da lei. Isso porque a continuidade do Direito pressupõe a mutabilidade do 
conteúdo normativo, adaptável aos tempos distintos da sua criação.
Já sobre o papel do historiador, reflete Gadamer (1999, p. 485-486):
Bem outra é a função do historiador do Direito. Aparentemente, a única 
coisa que ele tem em mente é o sentido originário da lei, qual o seu valor e 
intenção no momento em que foi promulgada. Mas como chegará a reconhecer 
isso? Ser-lhe-ia possível compreendê-lo sem se tornar primeiro consciente da 
mudança de circunstâncias que separa aquele momento da atualidade? Não 
estaria obrigado a fazer exatamente o mesmo que o juiz, ou seja, distinguir o 
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sentido originário do conteúdo de um texto legal desse outro conteúdo jurídico, 
em cuja pré-compreensão vive como homem atual? Nisso me parece que a 
situação hermenêutica é a mesma, tanto para o historiador como para o jurista, 
ou seja, ante todo e qualquer texto, todos nos encontramos numa determinada 
expectativa de sentido imediato. Não há acesso imediato ao objeto histórico 
capaz de nos proporcionar objetivamente seu valor posicional. O historiador 
tem que realizar a mesma reflexão que deve orientar o jurista.
Assim, conforme afirma o autor:
[...] o conteúdo fático do que compreendem de um e de outro modo vem a ser 
o mesmo. A descrição que fazíamos antes do comportamento do historiador é 
insuficiente. Só existe conhecimento histórico quando em cada caso o passado 
é entendido na sua continuidade com o presente, e isto é o que realiza o jurista 
na sua tarefa prático-normativa, quando procura realizar a sobrevivência 
do direito como um continuum e salvaguardar a tradição da ideia jurídica 
(GADAMER, 1999, p. 486). 
É nesse sentido que sustenta o autor que o juiz procura corresponder à 
ideia jurídica da lei, intermediando-a com o presente. É evidente uma me-
diação jurídica. O que tenta reconhecer é o significado jurídico da lei, não o 
significado histórico da sua promulgação ou certos casos quaisquer da sua 
aplicação. Assim, não se comporta como historiador, mas se ocupa da sua 
própria história, que é o seu próprio presente. Por consequência, pode, a cada 
momento, assumir a posição do historiador, face às questões que implicitamente 
já o ocuparam como juiz (GADAMER, 1999).
Se a historicidade é imprescindível para a compreensão do conteúdo 
normativo, o mesmo nexo relacional é verdadeiro para a compreensão do 
significado da norma: 
O historiador que pretende compreender a lei a partir da sua situação histórica 
original não pode ignorar a sua sobrevivência jurídica: ela lhe fornece as questões 
que ele coloca à tradução histórica. E isso não vale, na realidade, para qualquer 
texto, que tenha de ser compreendido precisamente no que diz? Não implica 
isso que sempre é necessária uma tradução? E não se dá essa tradução sempre, 
em qualquer caso, nos moldes de uma mediação com o presente? Na medida 
em que o verdadeiro objeto da compreensão histórica não são eventos, mas 
sim seu “significado”, essa compreensão não estará descrita corretamente, se 
se fala de um objeto em si e de uma aproximação do sujeito a ele. [...] O caso da 
hermenêutica jurídica não é, portanto, um caso especial, mas está capacitado 
para desenvolver à hermenêutica histórica todo o alcance dos seus problemas 
e reproduzir, assim, a velha unidade do problema hermenêutico, na qual o ju-
rista e o teólogo se encontram com o filólogo (GADAMER, 1999, p. 487-488).
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Para Gadamer (1999), portanto, é na hermenêutica jurídica que a sua tese 
encontra maior expoente e confirmação,uma vez que o trabalho do jurista é o 
mesmo do hermeneuta da sua teoria geral, ou seja, determinar nos diferentes 
intérpretes o significado da norma original e o seu sentido atual. Para tanto, 
utiliza-se da sua própria determinação, pela qual extrai o significado a partir 
do contexto histórico e atual em uma dialética histórico-contextual sobre o 
próprio objeto de origem, ou seja, o aspecto dogmático submete-se a uma 
reconstrução e integração, unificando o sistema hermenêutico como uma 
teoria geral aplicável às ciências do espírito como um todo.
Os elementos históricos de um objeto de interpretação jurídico devem sempre ser 
confrontados com os desenvolvimentos histórico-sociais da atualidade, pois o conteúdo 
literal de determinada lei modifica-se de acordo com a visão do leitor. Essa visão, aliás, 
dá-se pela sua formação e convívio com a sociedade contemporânea, sendo o sentido 
histórico uma referência válida, porém nem sempre adequada à aplicação da lei pelo jurista.
O círculo hermenêutico e o problema 
dos preconceitos
É possível resumir a teoria de Gadamer em uma construção elaborada da 
hermenêutica a partir do problema dos preconceitos dos intérpretes e do círculo 
hermenêutico, que estuda a partir do trabalho de Heidegger. Como visto, para 
Gadamer (1999), a hermenêutica não é livre da bagagem do intérprete, e é 
no método do círculo de autocompreensão e da compreensão que é possível 
identifi car a presença de elementos virtuosos ou viciosos na pré-compreensão 
do intérprete, ao estabelecer uma dialética com o objeto de estudo — tomando o 
cuidado de não inferir do texto os seus próprios conceitos não-fundamentados.
Para Gadamer (1999), as consequências da derivação do pensamento de 
Heidegger da chamada estrutura circular da compreensão, a partir da tempora-
lidade da pré-sença, não são necessariamente inovadoras, mas constituem um 
verdadeiro caminho para otimizar o percurso da compreensão e da interpretação:
Por isso, voltaremos agora à descrição de Heidegger sobre o círculo hermenêu-
tico, com o fim de tornar fecundo para o nosso propósito o novo e fundamental 
significado que ganha aqui a estrutura circular. Heidegger escreve: “O círculo 
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não deve ser degradado a círculo vicioso, mesmo que este seja tolerado. Nele vela 
uma possibilidade positiva do conhecimento mais originário, que, evidentemente, 
só será compreendido de modo adequado quando a interpretação compreendeu 
que a sua tarefa primeira, constante e última permanece sendo a de não receber 
de antemão, por meio de uma ‘feliz ideia’ ou por meio de conceitos populares, 
nem a posição prévia, nem a visão prévia, nem a concepção prévia (Vorhabe, 
Visicht, Vorbegriff ), mas em assegurar o tema científico na elaboração desses 
conceitos a partir da coisa, ela mesma” (GADAMER, 1999, p. 400-401).
O círculo hermenêutico de Heidegger, portanto, consiste na interação entre 
a entrega do intérprete ao objeto de estudo, desprendendo-se de conceitos 
populares, posições prévias ou mesmo uma visão ou concepção prévias ao 
estudo, denotando que o ponto de partida do hermeneuta deve ser a extração 
da ideia pelo próprio objeto de estudo, não dos seus “pré-conceitos”.
O que Heidegger diz aqui não é, em primeiro lugar, uma exigência à práxis da 
compreensão, mas antes descreve a forma de realização da própria interpretação 
compreensiva. A reflexão hermenêutica de Heidegger tem o seu ponto alto não 
no fato de demonstrar que aqui esta perfaz um círculo, mas, antes, que esse 
círculo tem um sentido ontológico positivo. A descrição como tal será evidente 
para qualquer intérprete que saiba o que faz (GADAMER, 1999, p. 401-402).
Ao estabelecer que o círculo hermenêutico de Heidegger é um método de 
interpretação compreensiva, no sentido de construção da obtenção do sentido 
ontológico (significado do objeto do estudo) positivo, em oposição a uma interpre-
tação “mal-entendida” a partir da proteção contra as “felizes ideias” (pensamento 
arbitrário), Gadamer (1999) ressalva que a literalidade dos filólogos tampouco 
é ideal, visto que é limitada à leitura do hermeneuta e às suas inferências. Isso 
é justamente o que Heidegger visa alertar ao intérprete, no sentido de que o 
contexto da coisa deve ser compreendido antes da transposição dos valores do 
intérprete à compreensão, para que seja realizada a sua produção com base no 
objeto, não em fontes heterodoxas, maculando o objeto em um momento primário 
de construção da própria compreensão da mensagem do objeto de estudo.
Como alerta Gadamer (1999, p. 400), “[...] quem quer compreender um texto, 
realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o 
intérprete prelineia um sentido do todo. Naturalmente que o sentido somente 
se manifesta porque quem lê o texto lê a partir de determinadas expectativas e 
na perspectiva de um sentido determinado”. Para que essas inferências sejam 
polidas no processo de interpretação, alerta o autor que “[...] a compreensão 
do que está posto no texto consiste precisamente na elaboração desse projeto 
prévio, que, obviamente, tem que ir sendo constantemente revisado com base 
11A hermenêutica filosófica e o Direito
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no que se dá conforme se avança na penetração do sentido” (GADAMER, 
1999, p. 401-402). Esse ciclo está entre a compreensão, a interpretação e a 
reconstrução do conhecimento, é o chamado ciclo hermenêutico enquanto 
método de aquisição do sentido do objeto.
Sobre a importância do conhecimento prévio do intérprete, Gadamer (1999, 
p. 404) admite que,
[...] no entanto, examinando-o mais de perto, reconhecemos que também as 
opiniões não podem ser entendidas de maneira arbitrária. Da mesma forma que 
não é possível manter muito tempo uma compreensão incorreta de um hábito 
linguístico, sem que se destrua o sentido do todo, tampouco se podem manter 
às cegas as próprias opiniões prévias sobre as coisas, quando se compreende 
a opinião do outro. Quando se ouve alguém ou quando se empreende uma 
leitura, não é necessário que se esqueçam todas as opiniões prévias sobre o 
seu conteúdo e todas as opiniões próprias. 
No entanto, como bem sintetiza o autor, “[...] o que se exige simplesmente é 
a abertura à opinião do outro ou à do texto. Mas essa abertura já inclui sempre 
que se ponha a opinião do outro em alguma relação com o conjunto de opiniões 
próprias, ou que a gente se ponha em certa relação com elas” (GADAMER, 
1999, p. 404). Gadamer (1999) reafirma que o intérprete faz parte do círculo 
de aquisição de conhecimento, ao combinar os seus conceitos próprios com 
a compreensão adquirida. É uma condição de técnica a compreensão pura 
do objeto e das suas circunstâncias de criação, o que não é necessário para o 
desenvolvimento do produto da interpretação. 
Dessa forma, ao trabalhar o círculo hermenêutico e o problema dos pre-
conceitos (opiniões não fundamentadas), Gadamer (1999) absorve a técnica 
circular na sua própria teoria da hermenêutica. Nela, o contexto histórico e a 
literalidade do texto compõem o primeiro passo da aquisição do conhecimento. 
O diálogo com as opiniões e pressuposições do autor ocorre em momento 
prévio e posterior ao estudo, compondo-se uma verdadeira dialética circular 
entre os estudiosos do objeto e as suas conclusões.
GADAMER, H.-G. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica 
filosófica. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
STRECK, L. L. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
A hermenêutica filosófica e o Direito12
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da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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