Prévia do material em texto
RECREAÇÃO LÚDICO-PEDAGÓGICA Luciane Bonace 2 SUMÁRIO 1 CORPO, MOVIMENTO, INFÂNCIA, CURRÍCULO E EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ................................................................................. 3 2 EDUCAÇÃO DO CORPO E RECREAÇÃO ................................................... 13 3 CORPO E MOVIMENTO: BRINQUEDO E BRINCADEIRA NA ESCOLA ........ 26 4 PROPOSTAS QUE PRIVILEGIAM O CORPO E O MOVIMENTO COMO EIXO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA: EDUCAÇÃO FÍSICA E ARTE ............................. 38 5 CORPO, MOVIMENTO E LUDICIDADE NO CONTEXTO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES(AS): SABERES, PRÁTICAS, EXPERIÊNCIAS, IDENTIDADES PROFISSIONAIS E PRÁXIS .......................................................................... 50 6 CORPO, RECREAÇÃO E LUDICIDADE: TEMPOS, ESPAÇOS, PROJETOS E PLANEJAMENTOS ..................................................................................... 60 3 1 CORPO, MOVIMENTO, INFÂNCIA, CURRÍCULO E EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Nesse bloco iremos entrar em contato com algumas concepções contemporâneas de corpo e infância. Essas concepções e outros conteúdos desenvolvidos nesse bloco irão auxiliá-lo, em sua prática docente, a entender como a criança compreende/interage com seu corpo, com seus pares e com o espaço circundante, a elaborar planejamentos, planos de aula, projetos e atividades que possibilitem o desenvolvimento de objetivos, competências e habilidades, previstas na Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil, que estejam em estreito diálogo com as questões pertinentes ao movimento e ao corpo. 1.1 Concepções de corpo e movimento Existem diferentes concepções de corpo, atreladas às várias áreas de estudo, como corpo e cultura, corpo e saúde ou corpo e sexualidade, por exemplo. Ou seja, a concepção de corpo não se restringe a nenhuma categoria fixa. Dessa forma, podemos afirmar que o corpo não é somente uma construção biológica, mas também histórica, social, cultural, psicológica e espiritual, e é perpassado por questões políticas e simbólicas. Como receptores e produtores de sentidos, os corpos expressam um mundo simbólico formado por desejos, afetos, emoções, memórias e pela cultura. [...] somos resultado de uma cultura, seja nacional, regional, comunitária, educacional familiar ou educacional escolar. Juntamente com as inscrições de uma determinada cultura, embora instáveis, inscrevem-se aí também as marcas ou os efeitos de determinados sistemas econômicos e políticos, que implicam diferentes relações dos corpos nos espaços geográficos e naqueles de domínio público e particular, em que somos assujeitados (FARAH, 2010, p. 403). Nessa perspectiva, as práticas corporais, como dança, jogos (tradicionais, simbólicos, de regras), brincadeiras etc., podem revelar aspectos da identidade, cultura e sociedade. Nas relações cotidianas, o corpo, por meio de signos ligados à linguagem, aos gestos e 4 movimentos – carregados de significações culturais e mediador das interações sociais, às roupas, às instituições e aos grupos aos quais pertencemos, permite a comunicação com o outro, “nos dá visibilidade e acesso ao mundo” (FARAH, 2010, p. 402). Na Educação Infantil, questões ligadas ao corpo e ao movimento têm sido objeto de estudo principalmente a partir da década de 1990. Entretanto, ainda há considerável distanciamento entre teoria e prática, considerando que na cultura escolar ocidental o corpo foi historicamente negligenciado como forma de ser e estar no mundo, dando lugar à disciplina e à ordem, sendo a disciplina corporal uma forma de exercício de poder, pensamento que se desenvolveu na Modernidade e foi aplicado a diferentes instituições, como escolas, fábricas, hospitais e prisões, como afirma o filósofo francês Michel Foucault (1926–1984) em sua obra Vigiar e punir: história da violência nas prisões (1979). Entre fins do século XIX e início do século XX, o cotidiano das escolas brasileiras era marcado por uma pedagogia de cunho tradicional, caracterizada pelo imobilismo e pela obediência. A educação do corpo “físico” era destinada a cultivar a moral, a docilizar e domar as crianças pequenas (OLIVEIRA, 2010). Atualmente, é inquestionável a centralidade da temática “corpo” no cotidiano dos alunos da Educação Infantil. De acordo com Wallon (1973 apud OLIVEIRA, 2010), é preciso pensar a criança em sua totalidade, com suas múltiplas linguagens, e colocar no mesmo patamar todos os aspectos de seu desenvolvimento: socias, cognitivos, afetivos e motores. Para o autor, o movimento é essencial para o desenvolvimento infantil, pois atua no desenvolvimento psíquico, nas relações sociais e em seu comportamento. Também é preciso considerar que, ao longo da vida, a criança constrói, apropriando-se de diferentes linguagens (oral, escrita, gestual, do desenho), uma forma expressiva, lúdica e simbólica de entrar em contato com o mundo. O movimento é uma das formas que a criança tem de explorar o mundo ao seu redor e interagir. Por meio dessa exploração e interação, a criança pode construir conhecimentos sobre seus limites e possibilidades, conhecer e dominar o uso de diferentes objetos/instrumentos que a humanidade desenvolveu, assim como iniciar a compreensão de quais relações pode estabelecer com eles. O movimento também é parte integrante da construção da autonomia e identidade da criança (OLIVEIRA, 2010, p. 22). 5 Existe uma relação de reciprocidade entre movimento, cognição e emoção. Dessa forma, pensar a educação tendo em vista apenas a aprendizagem da escrita e da leitura é um reducionismo porque o desenvolvimento pleno vai muito além do ler e escrever. A criança aprende primeiro a se movimentar e a explorar o ambiente que a circunda, para mais tarde ler e escrever. Dessa forma, aos educadores fica o desafio de repensar suas práticas, à luz do contexto atual da educação, incorporando em seus planos de aula e estratégias didáticas conteúdos relativos ao corpo e ao movimento. 1.2 Concepção de infância na Educação Infantil Falar de corpo e movimento na Educação Infantil requer conhecimento sobre as concepções de infância. Num primeiro momento, é preciso pontuar que uma mesma sociedade, a partir de sua diversidade sócio-histórica e cultural, comporta diversas infâncias. Mas, quando a infância passa a ser objeto de interesse de pensadores e pesquisadores? Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto (“de adulto”) assim que ultrapassava o período de alta mortalidade, na sociedade burguesa, [já na Modernidade, a partir do século XIV,] ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura (KRAMER, 1995, p. 19 apud OLIVEIRA, 2003). Dessa forma, os estudos sobre a criança apontam para a preocupação que o tema adquire na Modernidade. Etimologicamente, a palavra “infância” nasce do termo infant ou in-fans, que significa “aquele que não sabe falar”, “que não deve falar”. Partindo do princípio que a humanidade se constitui na e pela linguagem, o conceito de “infância” pressupõe, inicialmente, uma ideia de sujeito desprovido de fala e de relações sociais (GOUVÊA, 2001 apud OLIVEIRA, 2003). Para Engels (1987 apud OLIVEIRA, 2003), as transformações no tratamento dado à criança são oriundas das mudanças ocorridas no núcleo familiar em decorrência das mudanças produtivas e estruturais da sociedade – a ascensão da burguesia e o início do sistema capitalista, por exemplo. Dessa forma, transformou-se também a inserção e o papel social da criança na comunidade. 6 A partir do século XVII, a educação da infância passou a ser constituída como um preocupação, principalmente por conta dos movimentos sociais que contribuíram para a construção de um sentimento de infância que, de acordo com Ariés (1981 apud OLIVEIRA,2010), não está relacionado com afeição pelas crianças, e sim pela tomada de consciência, por parte do adulto, das particularidades e do potencial de desenvolvimento destas. A criança passou a ser vista como figura da coletividade, dotada de necessidades e merecedora de atenção e intervenções educativas. A reforma protestante e a contrarreforma católica trouxeram um novo olhar sobre a criança e sua aprendizagem. Com o Iluminismo – movimento cultural ocorrido na França, Inglaterra e Holanda entre os séculos XVII e XVIII –, o pensamento pedagógico inaugurou um novo momento na educação da infância, principalmente pelas contribuições de Jean Jacques Rousseau (1712–1778) – “pai” da pedagogia contemporânea – e, posteriormente, Johann Heinrich Pestalozzi (1746–1827) e Friedrich Fröbel (1782–1852). De acordo com Cambi (1999 apud OLIVEIRA, 2003), Rousseau revolucionou as perspectivas pedagógicas do século XVIII ao colocar a criança no centro de sua teoria, elaborando uma nova imagem desta. Nesse momento, disseminou-se o conceito burguês e unidirecional de criança1, vista como “dependente, heterogênea, universal, abstrata, cuja natureza infantil independe de quaisquer condições econômicas, culturais e sociais. Todas as crianças teriam as mesmas características advindas única e exclusivamente de sua Natureza Infantil” (PINHEIRO, 2000, p. 34 apud OLIVEIRA, 2003, p. 72). Diferentemente dessa visão mais tradicional, atualmente a criança é compreendida como um sujeito de direitos, que possui identidade social e histórica, que é produtora 1 Para OLIVEIRA (2003), “é difícil encontrar registros da vida privada da infância das classes populares, por outro [lado], existe um grande acervo público do atendimento a estas, no âmbito assistencialista, a partir de documentos. Ou seja, a história da infância burguesa, contada como oficial, perpassou as instituições educacionais, enquanto a infância das classes populares passou pela história das instituições assistencialistas. E isto parece ter reforçado, historicamente, o escamoteamento da realidade social, fato que tem interferido significativamente nos contextos educativos para a infância”. 7 de conhecimento e possui características muito diferentes das do adulto. Nessa perspectiva, a criança não é mais considerada um vir a ser, ela é. Para acompanhar essa mudança de paradigma, a Educação Infantil passou de uma perspectiva assistencialista para uma proposta pedagógica que possa atender a criança de forma integral, de acordo com suas especificidades psicológicas, emocionais, físicas, sociais e cognitivas, o que exige do educador conhecimento das características, necessidades e potencialidades desse segmento. 1.3 Corpo e movimento na Educação Infantil A escola é o lugar que garante tempo e espaço para a vivência de propostas que envolvam o corpo, o movimento e a ludicidade, uma vez que parte das crianças que frequentam a Educação Infantil têm poucos momentos destinados à brincadeiras e experiências motoras fora da escola, por razões que envolvem desde sedentarismo até o uso excessivo de aparelhos eletrônicos, entre outros. A capacidade de brincar e de se movimentar com qualidade, a partir de objetivos preestabelecidos pelo professor, por meio de brincadeiras, jogos e diversas outras propostas, proporcionam às crianças o contato com determinados conteúdos da cultura lúdica e corporal que são de suma importância para seu desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo e social. O brincar é fundamental para o desenvolvimento da criança. Durante as diferentes propostas de brincadeiras, jogos e situações de faz-de-conta que podem ser implementadas pelo professor na Educação Infantil, a criança explora o espaço físico circundante, compreende as regras sociais, desenvolve habilidades físicas, aprende a lidar com emoções, como medo, frustração, ansiedade e alegria e se prepara para a vida adulta. Também desenvolve aspectos como a imaginação, a linguagem, a liderança, o raciocínio, a memória, a consciência corporal, a criatividade, a cooperação, a interação social, entre outros. Essas propostas podem incluir brincadeiras e jogos direcionados ou espontâneos, de acordo com os conhecimentos prévios, gostos, escolhas e vivências para o brincar das próprias crianças. Mesmo nas situações espontâneas, em que a autonomia, as 8 construções e representações das crianças são respeitadas, é preciso a supervisão e intervenção do professor, que propicia um ambiente lúdico, cultural e de respeito mútuo, disponibilizando tempo para essas atividades em seu planejamento, um espaço adequado para sua realização, materiais necessários, estabelecendo regras de convívio e garantindo a segurança das crianças. Ao desenvolver brincadeiras tradicionais, o professor, entre outras coisas, coloca as crianças em contato com o patrimônio cultural. Jogos e brincadeiras direcionados à Educação Infantil serão explorados nos próximos Blocos. 1.4 Corpo e movimento no currículo da Educação Infantil No Brasil, ainda é recente a compreensão da Educação Infantil como uma primeira etapa da Educação Básica, rompendo com a visão assistencialista de atendimento a essa faixa etária que foi construída ao longo dos anos, ou com a expressão “pré-escolar”, que indica uma etapa anterior e preparatória à escolarização da criança, portanto, fora da educação formal2. A partir da criação de documentos oficiais que nortearam e norteiam o ensino da primeira infância no Brasil, em especial o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI,1998), seguido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI, 1999/2009) e pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 3° versão, 2017), foi estabelecida a responsabilidade de garantir às crianças de 0 a 5 anos de idade o direito a uma educação que promova o desenvolvimento de diferentes linguagens, incluindo a linguagem corporal, e suas potencialidades. De forma bastante sintética, o RCNEI buscou estruturar e nortear o trabalho realizado com crianças de 0 a 5 anos nas escolas de Educação Infantil brasileiras. Sua principal proposta era integrar o cuidar e o educar, um dos grandes desafios desse segmento, porém, mais como uma orientação dos conteúdos e objetivos de aprendizagem, sem que a criança e sua identidade fossem o foco principal. 2 De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada em 1996, a Educação Infantil passa a ser parte integrante da Educação Básica, assim com o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. 9 Já as DCNEI representaram um avanço na direção da criança enquanto protagonista do processo de ensino e aprendizagem e serviram de fundamentação teórica para a criação da Base Nacional. As orientações da Base Nacional Comum Curricular apontam: [...] para um avanço significativo para a educação infantil principalmente quando propõe que o currículo seja pensado a partir dos saberes e experiências das crianças, o que possibilita um novo olhar tanto para as crianças e seus fazeres, quanto para os professores e suas ações e intencionalidades, bem como para as áreas do conhecimento (GABRE, 2016, p. 500). O movimento, como elemento presente no currículo da Educação Infantil, aponta para a preocupação com a formação total da criança. “Currículo [é] um projeto de educação o qual se constitui da seleção de experiências da cultura nacional, regional e educacional de cada unidade escolar e que se constrói juntamente com a seleção das habilidades, das atitudes e dos valores considerados necessários para viver em sociedade” (FARAH, 2010, p. 403). Ainda de acordo com Farah (2010), cabe ressaltar que a construção do currículo, entre outras coisas, se pauta nos documentos oficiais de âmbito federal, estadual e municipal, por isso se faz necessário compreender como questões relativas ao corpo e ao movimento são abordadas nos documentosvigentes. Para a Educação Infantil, a BNCC desenvolve-se a partir de dois eixos estruturantes das práticas pedagógicas – interações e brincadeiras –, experiências nas quais as crianças podem construir e apropriar-se de conhecimentos, o que irá possibilitar aprendizagens, desenvolvimento e socialização (BRASIL, 2017). Com base nesses eixos estruturantes e nas competências gerais da Educação Básica, elencadas na BNCC, estão previstos para a Educação Infantil seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento : conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se –; que asseguram as condições necessárias “para que as crianças aprendam em situações nas quais possam desempenhar um papel ativo em ambientes que as convidem a vivenciar desafios e a sentirem-se provocadas a resolvê-los, nas quais possam construir significados sobre si, os outros e o mundo social e natural” (BRASIL, 2017, p. 33). 10 Considerando que as aprendizagens da criança perpassam os eixos estruturantes que, por sua vez, lhes asseguram os seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento, a organização curricular da Educação Infantil na Base Nacional estrutura-se em cinco campos de experiências3. A cada campo de experiência estão atrelados objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, divididos por faixas etárias (zero a 1 ano e 6 meses; 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses; 4 anos a 5 anos e 11 meses). Entre os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, destacam-se aqueles que mais diretamente se relacionam às questões concernentes ao corpo e ao movimento: • Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais. • Explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela, ampliando seus saberes sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as artes, a escrita, a ciência e a tecnologia (BRASIL, 2017, p. 38). Dentre os cinco campos de experiências, destaca-se um por privilegiar as questões relativas ao corpo e ao movimento: Corpo, gestos e movimentos – Com o corpo (por meio dos sentidos, gestos, movimentos impulsivos ou intencionais, coordenados ou espontâneos), as crianças, desde cedo, exploram o mundo, o espaço e os objetos do seu entorno, estabelecem relações, expressam-se, brincam e produzem conhecimentos sobre si, sobre o outro, sobre o universo social e cultural, tornando-se, progressivamente, conscientes dessa corporeidade. Por meio das diferentes linguagens, como a música, a dança, o teatro, as brincadeiras de faz de conta, elas se comunicam e se expressam no entrelaçamento entre corpo, emoção e linguagem. As crianças conhecem e reconhecem as sensações e funções de seu corpo e, com seus gestos e movimentos, identificam suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo, ao mesmo tempo, a consciência sobre o que é seguro e o que pode ser um risco à sua integridade física. Na Educação Infantil, o corpo das crianças ganha centralidade, pois ele é o partícipe privilegiado das práticas pedagógicas de cuidado físico, orientadas para a emancipação e a liberdade, e não para a submissão. Assim, a instituição escolar precisa promover oportunidades ricas para que as crianças possam, sempre animadas pelo espírito lúdico e na interação com seus pares, explorar e vivenciar um amplo repertório de movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com o corpo, para descobrir 3 “O eu, o outro e o nós”, “Corpo, gestos e movimentos”, “Traços, sons, cores e formas”, “Escuta, fala, pensamento e imaginação”, “Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações”. 11 variados modos de ocupação e uso do espaço com o corpo (tais como sentar com apoio, rastejar, engatinhar, escorregar, caminhar apoiando-se em berços, mesas e cordas, saltar, escalar, equilibrar-se, correr, dar cambalhotas, alongar-se etc.) (BRASIL, 2017, p. 40-41). 1.5 Contribuições da área de Educação Física na Educação Infantil De acordo com Sayão (2002 apud OLIVEIRA 2010), a necessidade de um profissional da área de Educação Física na Educação Infantil se justifica quando as propostas pedagógicas que dizem respeito ao corpo e ao movimento não estiverem plenamente integradas ao projeto da escola. Nesse contexto, o professor de Educação Física pode contribuir para o planejamento pedagógico do professor de sala e para sua ministração, atuando de modo integrado e interdisciplinar, pode mediar as atividades programadas, orientar a escolha de seus locais de realização, dos materiais a serem utilizados e da forma mais adequada de uso. A inserção do professor de Educação Física pode propiciar às crianças experiências que irão fomentar o desenvolvimento de habilidades como sustentar-se, apoiar-se, equilibrar-se, deslocar-se etc., a partir de seus conhecimentos em práticas de circo, de ginástica e de luta, por exemplo. Em seus primeiros anos de escolarização, a criança tem seu primeiro contato com outras crianças fora do contexto familiar. Esse contato privilegia o desenvolvimento do relacionamento interpessoal, uma habilidade muito importante para sua vida escolar. Ao desenvolver seu planejamento pedagógico, o professor de sala (pedagogo) deve incluir propostas que englobem jogos, brincadeiras e atividades de exploração motora e sensorial para intensificar o contato da criança com o espaço, com seu próprio corpo (possibilidades, limites) e seus pares. Conteúdos específicos da área de Educação Física podem contribuir para esse planejamento. A partir da ideia de educação integral e do direito de conviver, requisitos para a Educação Infantil trazidos pela BNCC, as práticas corporais coletivas podem proporcionar às crianças o estabelecimento de vínculos afetivos com seus pares, tornando evidentes aspectos como a empatia e a cooperação. Também podem propiciar um convívio mais harmonioso. Os jogos cooperativos auxiliam as crianças a compreenderem a importância da construção e participação coletiva, bem como a 12 valorização de cada integrante e o cumprimento das tarefas propostas. Já os jogos competitivos despertam emoções de forma intensa e auxiliam as crianças a lidarem com as alegrias e as frustrações advindas de conquistas e derrotas. Conclusão Nesse bloco, entramos em contato com concepções contemporâneas de corpo e infância, entendemos a importância das práticas corporais na Educação Infantil e de que modo elas estão expressas nos documentos oficiais, com ênfase na Base Nacional Comum Curricular. Também foram apresentadas algumas contribuições possíveis da área de Educação Física para o processo de ensino e aprendizagem das crianças de 0 a 5 anos de idade. REFERÊNCIAS BRASIL. Base nacional comum curricular. MEC/CONSED/UNIDIME. Disponível em: <https://bit.ly/2UNeQO5>. Acesso em: jan. 2020. FARAH, M. H. S. “O corpo na escola: mapeamentos necessários”. In: Paidéia, set.-dez., 2010, vol. 20, n° 47, p. 401-410. Disponível em: <https://bit.ly/39PB8D8>. Acesso em: jan. 2020. FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1979. GABRE, S. F. “A arte na educação infantil: uma reflexão a partir dos documentos oficiais RCNEI - DCNEI – BNCC”. In: Linguagens - Revista de Letras, Artes e Comunicação, Blumenau, v. 10, n. 3, p. 491-501, set./dez. 2016. OLIVEIRA, N. R. C. Corpo e movimento na Educação Infantil: concepções e saberes que permeiam as práticas cotidianas. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2010. __________________. Concepção de infância na Educação Física brasileira: primeiras aproximações.Dissertação (Mestrado em Educação Física). Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, 2003. 13 2 EDUCAÇÃO DO CORPO E RECREAÇÃO Neste bloco, iremos trabalhar conceitos importantes relativos à educação do corpo. O primeiro deles é o conceito de cultura corporal, fundamental para compreendermos as práticas corporais como elementos da cultura. O bloco também tem como objetivo apresentar e discutir questões relativas à escolarização do corpo e do movimento, por meio de uma breve contextualização histórica e de uma reflexão sobre os documentos curriculares de referência, e à importância das atividades recreativas na escola. Esses conhecimentos irão ajudá-lo, no exercício docente, a elencar e desenvolver temas e conteúdos alinhados aos currículos de referência, à cultura infantil e ao contexto sociocultural de sua turma. 2.1 Desenvolvimento humano e cultura corporal O conjunto de crenças, comportamentos, tradições, práticas e costumes identificam e caracterizam a cultura de um povo. Esses aspectos são transmitidos de geração a geração, variam para cada sociedade ou região e impactam a forma como as pessoas são, se comportam, agem, interagem e se relacionam com o outro e com o mundo, enfim, a forma como atuam na vida cotidiana. Sendo assim, é possível afirmar que não existe uma única cultura, mas diversas culturas, que são expressas por meio das línguas faladas em um país ou região, das comidas típicas, roupas, danças, músicas, festas populares, costumes, histórias, entre outros. “O mundo cultural é um sistema de significados já estabelecidos por outros, de modo que, ao nascer, a criança encontra o mundo de valores já dados, onde ela vai se situar”, assimilando-os, incorporando-os, internalizando-os e expressando-os de diferentes formas, inclusive por meio de seu corpo (ARANHA; MARTINS, 2003 apud SÁ, s.d.). “À medida que a criança assimila os sistemas de significados sociais de uma determinada cultura, ela também se apropria da linguagem daquele meio” (SÁ, s.d.). O conceito “cultura corporal” é recente no meio educacional (década de 1980), pois, anteriormente, os conhecimentos relacionados à área de Educação Física se restringiam somente aos aspectos biológicos do corpo e mecânicos do movimento. Podemos entender a cultura corporal (ou cultura de movimento ou cultura corporal de 14 movimento) como o conjunto de conhecimentos adquiridos pelas sociedades sobre as várias formas de se trabalhar com o corpo. Esses conhecimentos abarcam “tanto os aspectos biológicos do organismo humano como também as formas simbólicas de representação do corpo e do movimento” (SÁ, s.d.). Nessa perspectiva, “pode-se afirmar que o processo cultural delimita, em grande parte, como as pessoas escolherão as formas de manifestarem-se nas mais diversas situações, inclusive, em relação às questões ligadas ao seu corpo”. Dentre as produções da cultura corporal, algumas foram incorporadas pela educação em seus conteúdos, como jogos, esportes, danças, ginástica e lutas. (MONTEIRO; SOUZA, 2008). Como observamos no Bloco 1, o corpo, como uma construção múltipla, não apenas biológica, expressa uma gama de determinantes culturais e sociais. Dessa forma, se por um lado o desenvolvimento humano pode ser semelhante em alguns aspectos, por outro será diferente em virtude de vários fatores e condicionantes socioculturais. Diferentes atividades e práticas corporais constituíram-se em determinadas épocas históricas, respondendo a determinadas necessidades humanas, estímulos ou desafios. Registros de 3 mil a. C. encontrados na China atestam a valorização de exercícios físicos e da saúde para essa civilização. Evidências tão antigas quanto essa também foram encontradas em países como Índia, Japão e Egito. Para esses povos, a saúde do corpo estava relacionada principalmente à higiene, ao equilíbrio espiritual e à preparação para guerra. Apesar dessas primeiras evidências apontarem para a Ásia, foi no Ocidente que a educação do corpo se profissionalizou, alicerçando-se em conceitos pedagógicos, e pressupondo o desenvolvimento não só do corpo, mas da mente e do espírito. Foi a antiga civilização grega que deixou um legado da educação do corpo como método sistematizado. Os gregos deram origem a diversos termos relacionados aos esportes, que são utilizados até hoje. Outra contribuição dos gregos, especificamente da cultura helênica, foram os jogos olímpicos, que iniciaram por volta de 727 a. C. e incluíam modalidades atléticas como a corrida, o pentatlo (consistia em correr, saltar à distância, arremessar disco, dardo e lutar), lutas (livre, boxe) e competições equestres (corrida de bigas, espécie de carruagem, e cavalos). O objetivo dos jogos olímpicos era demonstrar as qualidades físicas e a evolução da performance dos homens. Além disso, os jogos 15 eram uma forma de socialização entre as cidades gregas. Com a expansão do Império Romano em direção ao Mediterrâneo e do Cristianismo, que se tornou religião oficial do Império no século IV d. C., os jogos olímpicos foram desestimulados até desaparecerem. Já na Idade Média, período histórico compreendido entre os séculos V e XV, não houve desenvolvimento da educação física e corporal, pois o culto ao corpo não era aceitável para a sociedade ocidental da época. Nessa época, a Igreja (católica) era guardiã de todo conhecimento intelectual, tinha a posse dos livros e dominava sua interpretação. Somente no Renascimento – movimento intelectual e artístico surgido na Itália entre os séculos XIV e XVI e expandido para toda Europa –, com o florescimento das Ciências, das Artes, da Filosofia, da Arquitetura e da Literatura, que o estudo do corpo humano foi impulsionado. Artistas e pensadores acreditavam que o caminho para o esclarecimento e para a grandeza estava no resgate dos ideais e padrões do passado (dos gregos e romanos), no estudo do desenvolvimento humano, da natureza e da ciência. Grandes artistas renascentistas como Leonardo Da Vinci (1452–1519), Michelangelo Buonarroti (1475–1564), Donatello (1386–1466) e Rafael Sanzio (1483–1520) buscaram, assim como os gregos e os romanos, observar o corpo humano, seus movimentos e formas, por meio de inúmeros estudos e desenhos. Durante o Renascimento, o estudo da anatomia humana foi redescoberto pelos cientistas e utilizado por artistas, a exemplo de Leonardo Da Vinci, que realizou centenas de estudos e desenhos sobre as partes, sistemas e estruturas do corpo humano, bem como seus funcionamentos. Como observamos, diferentes períodos históricos produziram diferentes percepções sobre o corpo humano. Vale ressaltar que, na escola, a forma como os alunos enxergam e compreendem seu próprio corpo e sua relação com as práticas corporais, passa por questões que transcendem aquilo que é estritamente físico e corporal, para adentrar questões de ordem cultural. 2.2 Educação do corpo em ambientes educacionais O século XVIII foi marcado pela inclusão da educação física no currículo escolar, mediante a influência de pensadores como Jean-Jacques Rousseau (1712–1778) e Johann Heinrich Pestalozzi (1746–1827). A partir disso e de outras influências, exercícios físicos foram implantados pouco a pouco nas escolas europeias. No Brasil, a educação 16 física vai se consolidando nas primeiras décadas do século XX, ainda compreendida, nesse momento, apenas como forma de desenvolvimento físico ou de recreação. No âmbito das atividades escolares, o corpo tem sido objeto de estudo tanto na esfera da Educação Física quanto em outras disciplinas. Embora se relacione diretamente com essa área do conhecimento, questões relativas ao corpo estão presentes em diferentes tempos e espaços escolares, inclusive nos ambientes externos à sala de aula, uma vez que suas múltiplas formas de expressão e de produção de conhecimento integramtambém outras disciplinas do currículo (Arte, Ciências, por exemplo) e outros momentos do convívio escolar. O corpo tem se apresentado como um dos mais complexos e instigantes fenômenos e nos possibilita a compreensão da realidade na qual estamos inseridos. Neste tocante estão as relações homem-homem, homem-natureza e homem-sociedade que se configuram em elementos chaves para entendermos as formas como a escola educa o corpo. No corpo, no movimento humano e em todo o universo das práticas e técnicas corporais estão intrínsecos valores sociais, culturais, políticos e econômicos do momento histórico que perpassa a trajetória do homem em sociedade (FILHO; BANDEIRA; JORGE, 2005, p. 146). Uma das funções da escola é contribuir para a formação e desenvolvimento humanos, ampliando, entre outras coisas, a compreensão, a interpretação, a análise e a reflexão sobre os conhecimentos acerca da linguagem corporal, não se limitando ao aprendizado de habilidades motoras. Em fase de crescimento, a criança precisa do gesto e do movimento para se desenvolver. Quando impedida de se expressar corporalmente, apresenta respostas para essa contenção, como a desatenção, o deslocamento para o mundo da imaginação, a agitação corporal e conversas paralelas em sala de aula. Por isso, espaços e tempos para atividades físicas e de recreação são fundamentais para seu amplo desenvolvimento. Veja a seguir alguns termos que enfatizam corpo e movimento na escola, mas que têm diferentes significados em relação ao modo como as crianças participam deles: • Educação física inclui experiências de movimento estruturadas ensinadas por um instrutor com conhecimento. As atividades são progressivas, adequadas para o nível de desenvolvimento e facilitadas por um currículo formal. Quando um professor de educação física ensina às crianças uma série de movimentos de dança acompanhados por música, elas estão participando da educação física. 17 • Atividade física refere-se a exercícios e atividades em que as crianças se envolvem independentemente ou durante a aula de educação física. No entanto, essas atividades podem ser espontâneas, sem a necessidade de obedecer a uma estrutura. Brincar de pega-pega com os amigos durante o recreio é um exemplo de atividade física. • Recreio é um período de tempo em que as crianças podem se envolver em atividades supervisionadas por adultos que ocorrem primariamente em um playground, pátio ou ginásio. Esse período foi criado para dar às crianças um intervalo durante o turno de aula. Apesar de o recreio, em sua maior parte, não ser dirigido, algumas escolas estão progredindo para atividades mais estruturadas, de modo a envolver os alunos em atividades físicas. Conversar com os colegas (sedentário) e jogar futebol com um grupo de amigos (ativo) são exemplos de dois tipos de atividades em que as crianças podem participar durante o recreio (GRABER; WOODS, 2014, p. 14). 2.3 Atividades recreativas no contexto do desenvolvimento da criança O processo de socialização, que se dá por meio do convívio e da construção de vínculos sociais e afetivos, é fundamental para o desenvolvimento da criança. As atividades de lazer e recreação na escola são ferramentas importantes nesse processo, bem como o ambiente e outras práticas escolares. É na escola que, muitas vezes, a criança tem seu primeiro contato com o diferente, com o outro. Corroborando essa ideia, Morais afirma: À escola foi cometida a função de complementar a socialização primária da criança, iniciada principalmente na família, procedendo de forma a promover o desenvolvimento físico, cognitivo e afetivo, e ao mesmo tempo procurando que o aluno adquira uma “identidade cultural específica”, isto é, que o ser biológico seja transformado em ser social com características próprias [...] esse processo evolutivo tem como ponto de partida a família, ou seja a classe social, que corresponde a posição dos pais na divisão social de trabalho. Essa posição na hierarquia social vai influenciar como se processa a socialização da criança na família (1992, p. 173 apud OLIVEIRA et. al; 2012). O desenvolvimento humano está intimamente ligado a um processo contínuo de evolução dos aspectos psicológicos, cognitivos, físicos, afetivos e sociais, que não é determinado apenas por bases biológicas ou genéticas, mas que também é desenvolvido por meio de interações sociais e trocas entre os pares. As cantigas de roda, jogos e brincadeiras tradicionais, dinâmicas de grupo, contação de histórias etc., contribuem para o processo de socialização, para o estreitamento dos laços de amizade, para a coordenação motora e são ferramentas importantes no processo de aprendizagem da criança. Ao brincar a criança experimenta, cria, inventa, descobre, aprende, interage, desenvolve habilidades e é estimulada pela curiosidade, autonomia e autoconfiança, desvelando, 18 dessa forma, outros aspectos da linguagem e do pensamento, a concentração e a atenção (OLIVEIRA et. al, 2012). Mas, o que são atividades recreativas? Recrear, que vem do termo latim “recreare”, significa restaurar, recuperar, reanimar, renovar. As atividades de recreação são atividades lúdicas, físicas ou mentais, a que o indivíduo é naturalmente impelido, com o objetivo de satisfazer suas necessidades físicas, psíquicas ou sociais, e que lhe dão prazer e divertimento. Fazer da brincadeira uma ferramenta útil à educação foi um processo introduzido em instituições educacionais com o objetivo de tornar o espaço escolar prazeroso (SESC, s.d.). No entanto, quando se trata de recreação na escola, temos de levar em conta as transformações que têm afetado diferentes segmentos da sociedade, inclusive as crianças pequenas. Segundo pesquisas, as crianças estão entre os mais assíduos usuários da internet atualmente. Fazem parte dos chamados “nativos digitais”, aqueles que nasceram e cresceram imersas em tecnologias digitais, tais como computadores, celulares, videogames etc. Estima-se que aproximadamente 14% dos usuários de internet no Brasil são crianças com idades entre 2 e 11 anos. Além disso, a quantidade de horas dedicadas à internet cresceu 63% entre crianças (DIAS; ISAYAMA, 2014). Esse mergulho nas tecnologias digitais vem preenchendo o tempo livre das crianças e dificultando a socialização, já que, na maioria das vezes, elas interagem com os dispositivos eletrônicos de modo individual. Dessa forma, priorizar nos planejamentos de aulas ou recreios dirigidos atividades lúdicas, pode contribuir sobremaneira para o desenvolvimento motor, cognitivo e afetivo das crianças e, principalmente, para seu processo de socialização. Os temas brincar, brinquedo e brincadeira serão aprofundados nos blocos seguintes. 2.4 Corpo e movimento na BNCC – Ensino Fundamental I Um dos objetivos para o Ensino Fundamental, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, é permitir à criança utilizar diferentes linguagens para expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções da cultura, incluindo a linguagem corporal. Essa compreensão reconhece a função expressiva do movimento 19 corporal no meio social, ou seja, reconhece que gestos e movimentos são parte dos recursos de comunicação e expressão do ser humano. Na Base Nacional Comum Curricular (versão final), Ensino Fundamental – Anos Iniciais, como componente curricular, a Educação Física está incluída na área de Linguagens, juntamente com a Língua Portuguesa e a Arte. A finalidade dessa área “é possibilitar aos estudantes participar de práticas de linguagem diversificadas, que lhes permitam ampliar suas capacidades expressivas em manifestações artísticas, corporais e linguísticas, como também seus conhecimentos sobre essas linguagens, em continuidade às experiências vividas na Educação Infantil” (BRASIL, 2017, p. 63). Dentre as Competências Específicas de Linguagens para o Ensino Fundamentalpresentes na BNCC, elencamos duas que problematizam diretamente questões relativas ao corpo e ao movimento nos diferentes componentes curriculares que compõem a área: 2. Conhecer e explorar diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e linguísticas) em diferentes campos da atividade humana para continuar aprendendo, ampliar suas possibilidades de participação na vida social e colaborar para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva. 3. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao diálogo, à resolução de conflitos e à cooperação (BRASIL, 2017, p. 65). Questões relativas ao corpo e ao movimento são objeto de estudo da Educação Física. A BNCC para o Ensino Fundamental aponta que esse componente curricular: [...] tematiza as práticas corporais em suas diversas formas de codificação e significação social, entendidas como manifestações das possibilidades expressivas dos sujeitos, produzidas por diversos grupos sociais no decorrer da história. Nessa concepção, o movimento humano está sempre inserido no âmbito da cultura e não se limita a um deslocamento espaço-temporal de um segmento corporal ou de um corpo todo. Nas aulas, as práticas corporais devem ser abordadas como fenômeno cultural dinâmico, diversificado, pluridimensional, singular e contraditório. Desse modo, é possível assegurar aos alunos a (re)construção de um conjunto de conhecimentos que permitam ampliar sua consciência a respeito de seus movimentos e dos recursos para o cuidado de si e dos outros e desenvolver autonomia para apropriação e utilização da cultura corporal de movimento 20 em diversas finalidades humanas, favorecendo sua participação de forma confiante e autoral na sociedade. (BRASIL, 2017, p. 213). Na BNCC/Ensino Fundamental – Anos Iniciais, no componente curricular Educação Física, as questões relativas ao corpo e ao movimento estão distribuídas em cinco unidades temáticas: Jogos e brincadeiras, Esportes, Ginásticas, Danças e Lutas. Cada unidade temática apresenta um grupo de objetos de conhecimento para os primeiros e segundos anos e um grupo para os terceiros a quintos anos do EF. Cada objeto de conhecimento está relacionado a um conjunto de habilidades a serem desenvolvidas nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Para os Anos Iniciais, o componente curricular Educação Física apresenta dez Competências Específicas a serem desenvolvidas, que abrangem não apenas questões relativas ao corpo e ao movimento, mas relativas a aspectos culturais, sociais, midiáticos, éticos e morais: 1. Compreender a origem da cultura corporal de movimento e seus vínculos com a organização da vida coletiva e individual. 2. Planejar e empregar estratégias para resolver desafios e aumentar as possibilidades de aprendizagem das práticas corporais, além de se envolver no processo de ampliação do acervo cultural nesse campo. 3. Refletir, criticamente, sobre as relações entre a realização das práticas corporais e os processos de saúde/doença, inclusive no contexto das atividades laborais. 4. Identificar a multiplicidade de padrões de desempenho, saúde, beleza e estética corporal, analisando, criticamente, os modelos disseminados na mídia e discutir posturas consumistas e preconceituosas. 5. Identificar as formas de produção dos preconceitos, compreender seus efeitos e combater posicionamentos discriminatórios em relação às práticas corporais e aos seus participantes. 6. Interpretar e recriar os valores, os sentidos e os significados atribuídos às diferentes práticas corporais, bem como aos sujeitos que delas participam. 7. Reconhecer as práticas corporais como elementos constitutivos da identidade cultural dos povos e grupos. 8. Usufruir das práticas corporais de forma autônoma para potencializar o envolvimento em contextos de lazer, ampliar as redes de sociabilidade e a promoção da saúde. 9. Reconhecer o acesso às práticas corporais como direito do cidadão, propondo e produzindo alternativas para sua realização no contexto comunitário. 21 10. Experimentar, desfrutar, apreciar e criar diferentes brincadeiras, jogos, danças, ginásticas, esportes, lutas e práticas corporais de aventura, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo (BRASIL, 2017, p. 223). Vale lembrar que, apesar das questões relativas ao corpo e ao movimento serem objeto de estudo da Educação Física, elas também são abordadas no componente curricular Arte, na linguagem Dança. De acordo com a BNCC: A Dança se constitui como prática artística pelo pensamento e sentimento do corpo, mediante a articulação dos processos cognitivos e das experiências sensíveis implicados no movimento dançado. Os processos de investigação e produção artística da dança centram-se naquilo que ocorre no e pelo corpo, discutindo e significando relações entre corporeidade e produção estética. Ao articular os aspectos sensíveis, epistemológicos e formais do movimento dançado ao seu próprio contexto, os alunos problematizam e transformam percepções acerca do corpo e da dança, por meio de arranjos que permitem novas visões de si e do mundo. Eles têm, assim, a oportunidade de repensar dualidades e binômios (corpo versus mente, popular versus erudito, teoria versus prática), em favor de um conjunto híbrido e dinâmico de práticas (BRASIL, 2017, p. 195). Para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, no componente curricular Arte, linguagem Dança, a BNCC apresenta três objetos de conhecimento (Contextos e práticas, Elementos da linguagem, Processos de criação) que, por sua vez, estão atrelados a habilidades voltadas à apreciação, contextualização e criação de movimentos dançados, de acordo com o texto da BNCC: (EF15AR08)4 Experimentar e apreciar formas distintas de manifestações da dança presentes em diferentes contextos, cultivando a percepção, o imaginário, a capacidade de simbolizar e o repertório corporal. (EF15AR09) Estabelecer relações entre as partes do corpo e destas com o todo corporal na construção do movimento dançado. (EF15AR10) Experimentar diferentes formas de orientação no espaço (deslocamentos, planos, direções, caminhos etc.) e ritmos de movimento (lento, moderado e rápido) na construção do movimento dançado. (EF15AR11) Criar e improvisar movimentos dançados de modo individual, coletivo e colaborativo, considerando os aspectos estruturais, dinâmicos e expressivos dos elementos constitutivos do movimento, com base nos códigos de dança. 4 Para entender o código: EF – Ensino Fundamental; 15 – Habilidade a ser desenvolvida do 1° ao 5° ano; AR – Componente curricular Arte; 08 – Número da habilidade. 22 (EF15AR12) Discutir, com respeito e sem preconceito, as experiências pessoais e coletivas em dança vivenciadas na escola, como fonte para a construção de vocabulários e repertórios próprios (BRASIL, 2017, p. 201). 2.5 Corpo, movimento e cultura corporal nos currículos de referência do Ensino Fundamental I No final da década de 1990, foram publicados pelo Ministério da Educação e Cultura documentos de referência nacional para a educação denominados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Nos PCNs, a presença do conceito de cultura corporal lançou um novo olhar sobre o currículo da área de Educação Física, que não mais se apresentava unicamente voltado às questões biológicas, mas apontava preocupações com as práticas corporais como elemento da cultura. De acordo com pesquisadores (Gramorelli, 2007), o conceito de cultura corporal está presente em três documentos de orientações curriculares, produzidos em 1997, 1998 e 1999. Nesses documentos, o conceito de cultura corporal configura uma nova visão para a área, elencando conteúdos relativosao corpo e ao movimento que expressam também significados culturais e que devem compor o currículo das escolas. “A escolha do termo cultura corporal foi necessária para a ‘desnaturalização’ da Educação Física, já que contextualiza social e historicamente seu objeto de estudo, superando a redução biologicista e naturalizada de corpo”. Dessa forma, os conteúdos para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental relativos ao corpo e ao movimento elencados devem estar alinhados às manifestações mais significativas para a criança em seu contexto social e cultural. (SÁ, s.d.). Atualmente, os documentos utilizados como referência para orientar os saberes curriculares5 são os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - RCNEI (BRASIL, 1998), os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – PCN (BRASIL, 1997) e a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017). 5 De acordo com Tardif, os saberes docentes são quatro: saberes experienciais, disciplinares, profissionais e curriculares. Para mais informações, ver TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2014. 23 De acordo com os documentos oficiais, os conteúdos que devem ser oferecidos nos anos iniciais do Ensino Fundamental – jogos, brinquedos e brincadeiras –, próprios da cultura infantil, abrangem atividades significativas para as crianças, permitem o exercício do prazer e da fantasia, estimulam a criatividade e a imaginação e reafirmam a importância da ludicidade na vida escolar (SÁ, s.d.). “A criança, pelo seu brinquedo e pelo jogo, quer interagir com o mundo, o mundo real, dos objetos, e com os outros. O brincar torna-se para a criança a sua forma de expressão. No seu brincar a criança constrói simbolicamente sua realidade e recria o existente. (KUNZ, 2001, p. 95 apud SÁ, s.d.). De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, a transversalidade é uma das formas de se trabalhar os componentes curriculares, as áreas de conhecimento e temas sociais relevantes (temas transversais), em uma perspectiva integrada, superando a fragmentação disciplinar. Segundo os documentos oficiais, os temas transversais oferecem à escola a possibilidade de estabelecer uma relação entre os conhecimentos acadêmicos e a realidade da comunidade: Os componentes curriculares e as áreas de conhecimento devem articular em seus conteúdos, a partir das possibilidades abertas pelos seus referenciais, a abordagem de temas abrangentes e contemporâneos que afetam a vida humana em escala global, regional e local, bem como na esfera individual. Temas como saúde, sexualidade e gênero, vida familiar e social, assim como os direitos das crianças e adolescentes, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), preservação do meio ambiente, nos termos da política nacional de educação ambiental (Lei nº 9.795/99), educação para o consumo, educação fiscal, trabalho, ciência e tecnologia, e diversidade cultural devem permear o desenvolvimento dos conteúdos da base nacional comum e da parte diversificada do currículo (BRASIL, 2010b, art.16 apud SÁ, s.d). As aulas de Educação Física e outras práticas corporais planejadas e desenvolvidas pelo professor de referência (pedagogo) devem permitir à criança usufruir das diferentes manifestações da cultura corporal. Isso significa que essas aulas devem proporcionar à criança oportunidades de conhecer seu próprio corpo e explorar suas capacidades físicas e expressivas, assim como suas habilidades psicomotoras (correr, pular, saltar, rolar, girar, andar em “câmera lenta”, dançar etc.). 24 Conclusão Neste bloco apresentamos e discutimos o conceito de cultura corporal, de suma importância para compreendermos o novo enfoque dado à área de Educação Física, que não se limita mais aos aspectos biológicos, mas que também abarca, em relação às práticas corporais, aspectos sociais e da cultura. Compreendemos, por meio de uma breve linha histórica como corpo e movimento foram incluídos nos debates e atividades escolares e, atualmente, como são trabalhados, especificamente para o Ensino Fundamental I, nos documentos oficiais que são referência para a construção curricular. REFERÊNCIAS BRASIL. Base nacional comum curricular. MEC/CONSED/ENIDIME. Disponível em: <https://bit.ly/34medhG >. Acesso em: jan. 2020. DIAS, C; ISAYAMA, H. F. Organização de Atividades de Lazer e Recreação. São Paulo: Editora Érica, 2015. FILHO, A. L; BANDEIRA, L.B; JORGE, A. C. “A educação do corpo em ambientes educacionais”. In: Pensar a Prática, Jul./Dez; 2005. Disponível em: <https://bit.ly/2RavOUn>. Acesso em: jan. 2020. GRABER, K. C.; WOODS, A. M. Educação Física e atividades para o Ensino Fundamental. Tradução Marcelo de Abreu Almeida. Porto Alegre: AMGH Editora, 2014. GRAMORELLI. L. C. O conceito de cultura corporal nas propostas curriculares estaduais de Educação Física. Disponível em: <https://bit.ly/2V7b5BV>. Acesso: jan. 2020. MONTEIRO, R. A; SOUZA, A. S. “Cultura corporal e Educação Física: elementos para uma re-significação da prática docente”. Revista Digital. Buenos Aires, N° 126, Nov. 2008. Disponível em: < https://bit.ly/39LWMbn>. Acesso em 24 de jan. 2020. OLIVEIRA, B. C.; et al. A importância de atividades recreativas e culturais no processo de socialização de crianças de 05 a 10 anos. Disponível em: <https://bit.ly/2UNkAHK>. Acesso em: jan. 2020. SÁ, I. R. O movimento corporal da criança do primeiro ano do Ensino Fundamental. Disponível em: <https://bit.ly/2UKE93i>. Acesso em: jan. 2020. 25 SESC – Serviço Social de Comércio. “A importância do lazer e da recreação para o aprendizado na educação infantil”. In: Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer. s. d. Disponível em: <https://bit.ly/2xOXJm2>. Acesso em: jan. 2020. 26 3 CORPO E MOVIMENTO: BRINQUEDO E BRINCADEIRA NA ESCOLA Nesse bloco iremos explorar conceitos referentes ao lúdico, ao brinquedo e ao brincar. Esses conceitos objetivam acrescentar conteúdos significativos para a formação do pedagogo que, entre outras coisas, irá incorporar brincadeiras e atividades recreativas em seu planejamento de aulas, de acordo as diretrizes curriculares discutidas nos Blocos 1 e 2. Para entendermos melhor os conteúdos relativos ao brincar e ao brinquedo, bem como os diferentes tipos de brincadeiras e formas de brincar que podem ser propostos no ambiente escolar, iremos primeiramente apresentar e discutir a importância da ludicidade para o desenvolvimento da criança e para sua aprendizagem e a importância do brincar nesta fase da vida. 3.1 A importância do lúdico no desenvolvimento da criança e em sua aprendizagem O Desenvolvimento e a aprendizagem expressam duas fontes de conhecimento: uma endógena, ou seja, interior a uma pessoa, grupo ou sistema; e outra exógena, que se produz no exterior. “No primeiro [caso], algo interno (a uma pessoa, um grupo ou um sistema) expande-se e aprofunda-se, tornando-se outro, apesar de continuar sendo o mesmo. No segundo, algo externo é apropriado, atado e, por isso, acrescenta, transforma ou possibilita novas aquisições” (MACEDO; PETTY; PASSOS, 2007, p. 11). As atividades lúdicas promovem tanto o desenvolvimento da criança quanto sua aprendizagem. Valorizar a dimensão lúdica nos processos de aprendizagem significa considerá-la na perspectiva da criança, pois para ela, apenas aquilo que é lúdico faz sentido. Em suas atividades cotidianas e necessárias, como comer, beber, dormir, tomar banho, realizar as necessidades fisiológicas, é comum que a criança introduza elementos lúdicos (MACEDO; PETTY; PASSOS, 2007). Para Friedrich Fröebel, pedagogo alemão (1782–1852), o educador pode, por meio do jogo, promover a educação da criança (MIRANDA, 2016). Não obstante, deacordo com o psicanalista Sigmund Freud (1865–1939), a criança vivencia atividades lúdicas (jogos, brincadeiras, histórias) com grande intensidade e 27 satisfação. Ao brincar, jogar, contar ou ouvir histórias, a criança constrói e reconstrói mundos, cria e representa personagens e vive aventuras fantásticas. A palavra “lúdico” deriva do termo latino “ludus”, que remete a brincadeiras e jogos e significa, portanto, aquilo que se refere ao brincar e ao jogar. De acordo com Johan Huizinga (1872–1945), em sua obra Homo ludens (1980), o lúdico é um elemento da cultura e está presente em todas as formas de organização social, desde a mais primitiva até a mais sofisticada. Na pós-modernidade, compreendemos o lúdico como um comportamento próprio à criança e à sua natureza, bem como às suas necessidades e interesses. O lúdico traz em seu enredo a representação da realidade (matéria, natureza) recriada metaforicamente. Trata-se da realização de uma aparência. Pressupõe uma mudança de perspectiva para a esfera teatral ou representativa, em que as coisas são aceitas pelo que são vivenciadas. É a lógica do faz de conta, do “como se” (Campbell, 1992 apud ALVES, 2009, p. 46). A partir do “sentimento de infância”, surgido no século XVIII (abordado no Bloco 2), o lúdico foi efetivamente incorporado à educação de crianças pequenas. Os jogos e brincadeiras aos poucos passaram a fazer parte das atividades escolares. Ideias sobre a importância da atividade lúdica para o desenvolvimento e aprendizagem da criança, que circulavam na Europa até então, chegaram ao Brasil, e foram incorporadas às escolas de educação infantil. A partir da década de 1980, discute-se no Brasil a educação infantil enquanto espaço de educação da criança, não apenas de cuidado ou assistencialismo, bem como o reconhecimento de que essa educação deva ser garantida pelo Estado, sob o ponto de vista legal, e com qualidade de ensino, sob o ponto de vista pedagógico. Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 passou a assegurar o direito da criança à educação e, em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) legitimou as disposições da Constituição de 1988 sobre a educação de crianças pequenas. No contexto escolar, o lúdico se apresenta como recurso para a criança se comunicar, se relacionar com o outro, compreender a si mesma e ao mundo que a circunda, contribuindo em seu processo de desenvolvimento. Por meio de atividades lúdicas a criança forma conceitos, estabelece ideias e relações, desenvolve percepções e se 28 socializa. De acordo com Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI): [O] brincar é, assim, um espaço no qual se pode observar a coordenação das experiências prévias das crianças e aquilo que os objetos manipulados sugerem ou provocam no momento presente. Pela repetição daquilo que já conhecem, utilizando a ativação da memória, atualizam seus conhecimentos prévios, ampliando-os e transformando-os por meio da criação de uma situação imaginária nova. Brincar constitui-se, dessa forma, em uma atividade interna das crianças, baseada no desenvolvimento da imaginação e na interpretação da realidade, sem ser ilusão ou mentira (BRASIL, 1998b, p.23 apud ALVES, 2009, p. 50). Por meio de um discurso que aponta a ludicidade como fundamental para o desenvolvimento da criança e para sua aprendizagem, o RCNEI recomenda a inserção do lúdico como atividade permanente na educação infantil, que pode contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis e para o acesso aos conhecimentos da realidade social e cultural. Nessa perspectiva, o lúdico ocupa um lugar de destaque nas atividades desenvolvidas na escola. Dessa forma, um trabalho pedagógico criativo, por meio de práticas docentes e atividades lúdicas, irá favorecer a produção de aprendizagens que sejam realmente significativas para os estudantes. 3.2 A importância do brincar para a criança De acordo com Kishimoto (2010), “o brincar é uma ação livre, que surge a qualquer hora, iniciada e conduzida pela criança; dá prazer, não exige como condição um produto final; relaxa, envolve, ensina regras, linguagens, desenvolve habilidades e introduz a criança no mundo imaginário”. O brincar é fundamental para o desenvolvimento da criança e para o processo de ensino e aprendizagem, tanto que “brincar” é um dos seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento que constam nas diretrizes para a Educação Infantil da Base Nacional Comum Curricular, além de conviver, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Dessa forma, o brincar oportuniza a vivência e o exercício dos demais direitos e estabelece contato com os diversos campos de experiência.6 6 De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (2017) para a Educação Infantil, os campos de experiência são: “O eu, o outro e o nós”, “Corpo, gestos e movimentos”, Traços, sons, cores e formas”, “Escuta, fala, pensamento e imaginação”, “Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações”. 29 Do ponto de vista do desenvolvimento, o brincar possibilita à criança aprender consigo mesma e com os objetos ou pessoas envolvidas nas brincadeiras, a partir de suas possibilidades e de seu repertório. “Esses elementos, ao serem mobilizados nas brincadeiras, organizam-se de muitos modos, criam conflitos e projeções, concebem diálogos, praticam argumentações, resolvem ou possibilitam o enfrentamento de problemas” (MACEDO; PETTY; PASSOS, 2007, p. 14). A criança desenvolve brincadeiras e aprende jogos. Pode também aprender brincadeiras com seus pares ou cultura e, com isso, desenvolver habilidades, sentimentos ou pensamentos. O mesmo ocorre nos jogos: ao aprendê-los, desenvolvemos o respeito mútuo (modos de se relacionar entre iguais), o saber compartilhar uma tarefa ou um desafio em um contexto de regras e objetivos, a reciprocidade, as estratégias para o enfrentamento das situações-problema, os raciocínios (MACEDO; PETTY; PASSOS, 2007, p. 10). O brincar, de diferentes formas, em diferentes espaços e tempos e com diferentes pares, também promove a interação, a socialização, a criatividade, a expressividade, a imaginação e a motricidade, entre outras habilidades, amplia e diversifica o universo infantil, criando novas e inusitadas possibilidades de atuação e representação. As brincadeiras são ferramentas importantes para fomentar o desenvolvimento mental e o raciocínio lógico da criança, bem como desenvolver valores sociais e morais. A criança não nasce sabendo brincar, ela aprende por meio de interações e trocas com adultos, com outras crianças e com os objetos do mundo: por meio do contato com objetos diversos e brinquedos, descobre seus modos de uso; observando outras crianças e as intervenções realizadas pela professora, aprende novas brincadeiras, bem como suas regras. Depois de aprender, reproduz ou recria as brincadeiras, garantindo, desse modo, a circulação e preservação da cultura lúdica (KISHIMOTO, 2010). De acordo com os documentos curriculares de referência, os eixos que norteiam as práticas pedagógicas são “interações” e “brincadeiras”. Essa escolha indica que não se pode pensar o brincar sem o interagir. Em sala de aula, podem ser estabelecidos diferentes formas de interação: • Interação com a professora ― O brincar interativo com a professora é essencial para o conhecimento do mundo social e para dar maior riqueza, complexidade e qualidade às brincadeiras. Especialmente 30 para bebês, são essenciais ações lúdicas que envolvam turnos de falar ou gesticular, esconder e achar objetos. • Interação com as crianças ― O brincar com outras crianças garante a produção, conservação e recriação do repertório lúdico infantil. Essa modalidade de cultura é conhecida como cultura infantil ou cultura lúdica. • Interação com os brinquedos e materiais ― É essencial para o conhecimento do mundo dos objetos. A diversidadede formas, texturas, cores, tamanhos, espessuras, cheiros e outras especificidades do objeto são importantes para a criança compreender esse mundo. • Interação entre criança e ambiente ― A organização do ambiente pode facilitar ou dificultar a realização das brincadeiras e das interações entre as crianças e adultos. O ambiente físico reflete as concepções que a instituição assume para educar a criança. • Interações (relações) entre a Instituição, a família e a criança ― A relação entre a instituição e a família possibilita o conhecimento e a inclusão, no projeto pedagógico, da cultura popular e dos brinquedos e brincadeiras que a criança conhece (KISHIMOTO, 2010, p. 3). Durante o brincar, é importante o educador fazer mediações entre os pares, quando necessário, acompanhar e participar da brincadeira da criança para criar vínculos. Ao juntar-se à criança durante essas atividades, o educador pode aumentar a complexidade da brincadeira – mantendo a criança no controle da atividade e na escolha da direção do seu brincar – e experimentar outros modos de uso do brinquedo, buscando novas formas de brincar. 3.3 Diferentes formas de brincar No âmbito da cultura da infância, a brincadeira é uma ferramenta pela qual a criança se expressa, aprende e se desenvolve. Quando observamos um bebê, percebemos que por meio do ato de brincar ele estabelece um tipo interação com o adulto. À medida que a criança cresce, seu brincar sofre alterações, evoluindo de acordo com os interesses próprios da faixa etária, com as necessidades da criança e com os valores da sociedade na qual ela está inserida. Durante a infância, a criança usufrui de liberdade para escolher entre um brinquedo ou brincadeira favorita e a mediação do adulto ou de outra criança. Dessa forma, no convívio escolar, pontuamos que as brincadeiras podem ser livres ou coordenadas. 31 Apesar de muitas vezes o brincar livre e o brincar coordenado ocorrerem de forma interligada, há diferenças entre essas duas formas de brincar. O brincar livre ocorre de forma espontânea, ou seja, a criança decide livremente de qual brincadeira vai participar e de como vai participar, sem a mediação do professor, apenas com sua supervisão. Dessa forma, a iniciativa e todo o desenvolvimento da brincadeira parte da própria criança, escolhendo suas brincadeiras favoritas e a forma de desenvolvê-las com os pares. Brincando em grupo, as crianças negociam entre si as brincadeiras que serão desenvolvidas, quais serão as regras, quanto tempo irão dispor, expõem suas opiniões e defendem pontos de vista, visto que são as únicas responsáveis por tomar as decisões. São exemplos de brincadeiras livres aquelas que envolvem apenas o corpo da criança, como brincadeiras de roda (cantigas), pega-pega, pular amarelinha, ou aquelas em que são incluídos objetos simples, como o cabo de uma vassoura para simular um cavalo, uma pipa, giz, lápis ou papel para brincar de escolinha etc. O brincar livre é próprio da criança, deve ser incentivado e dispor de tempo e espaço no planejamento escolar, além de materiais, objetos e brinquedos que possam ser colocados à disposição das crianças para que escolham e desenvolvam suas brincadeiras. Porém, é a criança que irá definir como brincar. O brincar livre estimula o autocontrole e a percepção dos próprios limites da criança que, invariavelmente, sente- se atraída por coisas que nunca fez ou que a desafiam (correr, subir em árvores, pular etc.). De acordo com o psicólogo suíço Jean Piaget (1896–1980), o ato de ensinar ultrapassa o processo, chegando ao ato de aprender, por meio da construção do conhecimento pelo aluno que, nessa perspectiva, deve ser visto como um ser atuante, produtor de conhecimento e de cultura, e não um ser passivo, receptor da ação, que apenas absorve o conteúdo apresentado. Além do brincar livre, as brincadeiras podem ser coordenadas. Nelas, o professor atua como um mediador e elabora, de antemão, um objetivo a ser alcançado pelo grupo, com o intuito de promover a integração e a participação da turma. O professor-mediador 32 tem o papel de criar, de forma sistemática ou assistemática, situações que levem o aluno a se desenvolver. Para tanto, deve fomentar uma relação de respeito mútuo, de afeto e de confiança, de modo a favorecer o desenvolvimento da autonomia de seus alunos. Como mediador, o professor também deve respeitar os interesses do aluno e acompanhar seu processo de construção do conhecimento. O brincar coordenado pode ou não envolver materiais, objetos e brinquedos (conhecidos ou desconhecidos pela criança), como encaixes, sucatas, fantasias, fantoches, máscaras, caixas etc., pois a criança não depende necessariamente de objetos para brincar, podendo, de forma criativa, autônoma, imaginativa e investigativa, criar jogos e situações em que irá se desenvolver, adquirir e produzir conhecimento. 3.4 Brincadeiras tradicionais e de faz-de-conta a) Brincadeiras tradicionais Assim como a infância é uma construção histórica e social, o brincar também se insere em um processo de transformações históricas e sociais. A evolução do brincar acompanha o desenvolvimento das sociedades e, dentro desse conjunto de transformações, as brincadeiras tradicionais se configuram como patrimônio cultural da infância. Brincadeiras tradicionais são aquelas transmitidas pela oralidade, de geração a geração, e seus conteúdos provêm de fragmentos de contos, de práticas religiosas e culturais e de mitos. Nos dias atuais, percebemos que os processos de industrialização e urbanização reorganizaram alguns espaços e formas de brincar. Exemplo disso, é o avanço tecnológico que adentrou definitivamente o universo infantil. Existe hoje forte influência das tecnologias da informação e comunicação (TICs) sobre o repertório de brincadeiras infantis. Isso nos ajuda a compreender, em parte, como esses processos desencadearam o esquecimento das brincadeiras tradicionais e, consequentemente, o desaparecimento do acervo cultural da infância. Hoje, as crianças são facilmente envolvidas por recursos digitais, como jogos e aplicativos, que também cumprem o seu papel no desenvolvimento infantil, mas não substituem o brincar livre (COLHANTE, s.d.). 33 Antes do processo de industrialização, existiam poucas opções de brinquedos, o que fortalecia o brincar livre – ação que sofria e sofre influências sociais, culturais, folclóricas e religiosas – e o desenvolvimento de brincadeiras, principalmente em duplas, ou grupos. Para Kishimoto (1997), as brincadeiras tradicionais desenvolvem modos de convívio social, permitem a transmissão da cultura e garantem o lado lúdico e a situação imaginária. Os jogos e brincadeiras tradicionais, como expressão da história e da cultura, apresentam outras maneiras de brincar e interagir, de outros tempos e lugares. Devido à sua importância histórico-cultural, a tradicionalidade dessas brincadeiras é mantida nas sociedades e sua estrutura pode variar de uma região para outra ou adquirir características locais, sendo possível reconhecer variações de uma mesma brincadeira. b) Brincadeiras de faz-de-conta As brincadeiras de faz-de-conta podem receber diferentes denominações, como jogo imaginativo, simbólico, de ficção, de papéis ou sócio-dramático. O faz-de-conta estimula a imaginação (imagem em ação) e possibilita à criança representar o mundo e representar corporalmente seu imaginário. A ênfase é dada à simulação, ou faz-de-conta, e as cenas se desenvolvem de modo a não deixar dúvidas do significado que os objetos assumem dentro desse contexto. Os papéis sociais e familiares também são desempenhados com clareza: a criança torna-se imaginativamente mãe, professor, princesa, índio, policial, ladrão, artista famoso etc. Mesmo antes do século XIX, as brincadeiras de faz-de-conta já existiam de maneira simples, mas essasexperiências da infância passavam despercebidas para o adulto. Atualmente, o cinema e a televisão exercem forte influência sobre as crianças, tornando os jogos e brincadeiras imaginativos ou de faz-de-conta mais elaborados e sofisticados. De acordo com Piaget, quando brinca, a criança assimila o mundo de forma muito própria, sem compromisso com a realidade ou com os brinquedos ou objetos que utiliza para brincar, pois sua interação com o brinquedo ou objeto não depende de sua natureza, mas da função que a criança lhe atribui. Para Piaget, no jogo simbólico há a representação de um objeto por outro, ou seja, a atribuição de novos significados aos objetos do cotidiano (por exemplo, uma caixinha de fósforos transforma-se, para a 34 criança, em um carrinho ou barquinho) ou a adoção de papéis familiares e sociais (“papai”, “mamãe”, “médico”, “professor” etc.). O jogo simbólico pode ser individual ou coletivo. De acordo com o autor, o apogeu do jogo simbólico situa-se entre 2 e 4 anos de idade e declina a partir daí. É comum observar crianças imitando barulhos de canhão e roncos de avião ou conversando com seus bonecos ou com um amigo imaginário, dando-lhe instruções, por exemplo. A maior parte das brincadeiras de faz-de-conta tem grande qualidade e importância na formação social da criança, no sentido simbólico, pois envolve relações interpessoais, eventos e aventuras que englobam contextos específicos, determinados no tempo e no espaço. Por meio da imitação, a criança pode perceber a diferença entre o eu e o outro e aproximar o brincar da realidade vivida, enriquecendo sua identidade. 3.5 Brinquedo e cultura O brinquedo, suporte da brincadeira infantil, pode ser definido de duas maneiras: objeto manufaturado, fabricado por aquele que brinca, uma sucata, por exemplo, que tem valor enquanto durar a brincadeira; e objeto industrializado ou artesanal, reconhecido pelo consumidor em função de seus traços intrínsecos e que tem lugar específico no sistema social de distribuição de objetos. Nesse segundo caso, o brinquedo é a materialização de um projeto adulto destinado a crianças. Diferentemente do jogo, o uso do brinquedo pela criança é livre, aberto, e não está condicionado a regras ou princípios de utilização. O brinquedo (objeto) não condiciona a ação da criança, antes, oferece um suporte que engendrará significados durante o ato de brincar. Dessa forma, podemos afirmar que, no brinquedo, a dimensão simbólica torna-se a função principal, que é a brincadeira. O brinquedo é um meio de desencadear a brincadeira, mas também de evocar imagens, representações e universos imaginários. Torna-se fundamental para a criança pois, por meio dele, ela se comunica com o mundo, expõe sentimentos e pensamentos e expressa aspectos sociais e culturais (BROUGÈRE, 2010). Na lógica do faz-de-conta, chamada por Piaget de jogo ou brincadeira simbólica, a criança, não está limitada apenas à ação. O brinquedo tem o papel de despertar imagens 35 e sentimentos que darão sentido a essas ações. Nessa mesma linha, podemos afirmar que o brinquedo estimula a brincadeira quando abre possibilidades de ações que são coerentes com sua representatividade. De acordo com Brougère (2010), função e símbolo estão ligados e são indissociáveis no brinquedo: a representação desperta um comportamento e a função se traduz em uma representação. Por exemplo, uma boneca- bebê, que é a representação de um bebê, desperta na criança sentimentos de cuidado e carinho: ninar a boneca, trocar a fralda, alimentá-la, acaricia-la, dar banho, estimulá- la com sons e gestos, atos ligados a função maternal que está sendo representada nessa situação. A boneca, dessa forma, é símbolo e representação do real, e suporte para as ações da criança (brincadeira) dentro de uma situação pré-determinada por ela. “Antigamente, o brinquedo era entendido como uma preparação para a vida, ou seja, os pais ensinavam e preparavam seus filhos homens para as dificuldades da vida, eles aprendiam a caçar, montar, atirar, pescar, entre outros. Já as meninas [...] aprendiam a cuidar da casa e dos irmãos menores” (BÖHM, s.d; s. p.). O brinquedo, em alguns casos, irá propor à criança uma imagem de exaltação do universo adulto, transformado, neste contexto, em tema que merece atenção e interesse. “Por meio de brincadeiras, como o faz de conta, o jogo simbólico, a vivência de papeis, criando e recriando situações agradáveis ou não; a criança pode realizar atividades próprias do mundo adulto” (ALVES; BIANCHIN, 2010, s.p.). De acordo com diversos pesquisadores, o brinquedo é um produto social, dotado de traços culturais específicos, é um objeto com forte conteúdo simbólico. Como objeto portador de significados, o brinquedo remete a elementos reais ou do imaginário infantil e é dotado de valor cultural. Por meio do brinquedo e de seus significados, podemos melhor compreender determinadas sociedades e culturas. Alguns brinquedos não correspondem à realidade, mas expressam uma significação social e cultural. Por exemplo, um urso de pelúcia se afasta da realidade do animal “urso” – selvagem, ameaçador –, para ser um suporte afetivo, de explorações táteis e odoríficas, um protetor da criança. Nesse caso, a criança está diante de uma imagem 36 cultural, uma realidade social, que em nada corresponde à realidade da natureza desse animal. Para as crianças pequenas, as cores e formas dos brinquedos industrializados ou artesanais propõem um universo de magia, alegria e nostalgia da infância. Para as crianças mais velhas, propõem imagens da sociedade e/ou dos papéis sociais existentes que, muitas vezes, são parcialmente realistas. Dessa forma, através do brinquedo, a criança entra em contato com um discurso cultural sobre a sociedade, feito e dirigido a ela. Brougère também cita como exemplo a boneca Barbie, criada inicialmente para representar o luxo, o glamour e o sucesso, mas que, no brincar da criança, assume diferentes papéis, como mãe, professora e empregada doméstica, tendo sua imagem ressignificada de acordo com o contexto social e cultural da criança. Conclusão Nesse bloco discutimos a importância da ludicidade para o desenvolvimento da criança e para seu processo de aprendizagem, bem como a importância do brincar. Em seguida, foram apresentados conteúdos relativos ao brincar, à brincadeira e ao brinquedo: as possíveis formas de brincar no ambiente escolar, dois tipos de brincadeiras – tradicionais e de faz-de-conta – e a relação do brinquedo com a criança, a cultura e a sociedade. REFERÊNCIAS ALVES, F. D. “O lúdico e a educação escolarizada da criança”. In: OLIVEIRA, M. L. (org.). (Im)pertinências da educação: o trabalho educativo em pesquisa. São Paulo: Editora UNESP: Cultura Acadêmica, 2009. ALVES, L.; BIANCHIN, M A. “O jogo como recurso de aprendizagem”. In: Revista psicopedagógica. vol.27, no.83. São Paulo, 2010. BÖHM, O. Jogo, brinquedo e brincadeira na educação. Disponível em: <https://bit.ly/3bWRbQZ>. Acesso em: jan. 2020. BROUGÈRE, G. Brinquedo e cultura. 8° edição. São Paulo: Cortez, 2010. 37 COLHANTE, C. C; BARREIRO, I. M. F; PRATTA, N; VASCONCELOS, M. S. Resgatar o brincar tradicional: uma contribuição à formação de professores. Disponível em: <https://bit.ly/34frtEv>. Acesso em: jan. 2020. HUIZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. Perspectiva: São Paulo, 1999. KISHIMOTO, T. M. “Brinquedos e brincadeiras na educação infantil”. In: Anais do I Seminário Nacional: Currículo em Movimento – Perspectivas Atuais, Belo Horizonte, nov. 2010. Disponível em: <https://bit.ly/2wiCbhb>. Acesso em: jan. 2020. __________. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 2° ed. São Paulo: Cortez, 1997. MACEDO, L; PETTY, A. S; PASSOS, C. Os Jogos e o Lúdico na Aprendizagem Escolar. Porto Alegre: Artmed, 2005. [Minha Biblioteca].MIRANDA, S. A ludicidade como estratégia didática favorecedora de aprendizagens significativas criativas. In. SÁ, A. V. M; JÚNIOR, L. N. R; MIRANDA, S. (org.). Ludicidade: desafios e perspectivas em educação. Jundiaí: Paço Editorial, 2016. 38 4 PROPOSTAS QUE PRIVILEGIAM O CORPO E O MOVIMENTO COMO EIXO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA: EDUCAÇÃO FÍSICA E ARTE Tanto na Educação Infantil quanto no Ensino Fundamental, diferentes práticas e atividades privilegiam o trabalho com o corpo e o movimento. Nos Blocos 1 e 2, observamos que os documentos curriculares oficiais dão foco às questões relativas ao corpo e ao movimento, principalmente por meio dos direitos de desenvolvimento, eixos de aprendizagem, campos de experiência e habilidades dos componentes curriculares Arte e Educação Física. Dessa forma, neste Bloco iremos apresentar algumas propostas para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental I que privilegiam o trabalho com o corpo, o movimento e a ação da criança, oriundas do campo da Educação Física e da Arte, e que podem ser incorporadas a planejamentos e planos de trabalho do professor de sala, não necessariamente especialista nessas disciplinas. 4.1 Jogo como recurso pedagógico Como observamos no Bloco 3, o brincar é uma ação livre, que surge a qualquer momento, iniciada e conduzida pela criança. O brincar não tem regras ou objetivos preestabelecidos, eles podem ser acordados entre as crianças no momento da brincadeira. Por outro lado, o jogar é o brincar em um contexto de regras e com objetivos predefinidos. Nas brincadeiras, a criança diverte-se, passa tempo, expressa suas emoções e sentimentos, assume e representa papéis, faz de conta. Já no jogo, ou se ganha ou se perde. O jogo também possui delimitações, que são condições essenciais para que ele aconteça: pode haver um tabuleiro, peças, objetivos, regras, tempo, alternância entre jogadores, papéis e posições demarcadas. Jogos com regras exigem raciocínio e estratégia. A brincadeira é algo do universo infantil; já o jogo pode ser destinado tanto à criança quanto ao adulto, a exemplo do jogo de xadrez (MACEDO; PETTY; PASSOS, 2007). Na brincadeira, a criança expressa suas emoções, misturando realidade e ficção, tomando um adulto como exemplo para expressar o que ela vê e vivencia. Essa situação, por si, gera um contexto de aprendizagem. Por outro lado, o jogo possibilita a criação 39 de ações e regras que irão definir quem perde e quem ganha. A aprendizagem é adquirida por meio das regras e das responsabilidades de cada jogador. Também é preciso saber lidar com a vitória e com a derrota: algumas vezes, brincadeiras e jogos podem ocasionar sentimentos de frustração, insegurança e rebeldia. Como recurso pedagógico, o jogo, em seus vários aspectos, pode desempenhar uma função impulsionadora do desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo, social e moral e do processo de aprendizagem, pois oportuniza à criança experimentar, inventar, descobrir, aprender e imaginar. Jogando, a criança coloca desafios e questões a serem resolvidas por ela mesma, criando espaço para hipóteses e soluções para os problemas colocados. Dessa forma, configura-se como um espaço de experimentação que proporciona a transição entre o mundo interno e externo da criança. Alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem podem se beneficiar desse recurso para facilitar a compreensão de diferentes conteúdos. O jogo possibilita à criança com deficiência mental aprender de acordo com seu ritmo e capacidade. De acordo com Piaget (1967 apud ALVES; BIANCHIN, 2010), o jogo é a construção do conhecimento pois, agindo sobre os objetos, a criança, mesmo a menor, estrutura seu espaço e seu tempo, chegando à representação e finalmente à lógica. Piaget (1976) defendeu que a atividade lúdica é o berço obrigatório das atividades intelectuais da criança. Elas não são apenas uma forma de desafogo ou algum entretenimento para gastar energia das crianças, mas meios que contribuem e enriquecem o desenvolvimento intelectual. Ele afirma: "O jogo é, portanto, sob as suas formas essenciais de exercício sensório-motor e de simbolismo, uma assimilação do real à atividade própria, fornecendo a esta seu alimento necessário e transformando o real em função das necessidades múltiplas do eu. Por isso, os métodos ativos de educação das crianças exigem que se forneça às crianças um material conveniente, a fim de que, jogando elas cheguem a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência infantil" (ALVES; BIANCHIN, 2010, s. p.). Por todas as questões levantadas acima, podemos afirmar que o jogo não só pode como deve ocupar um lugar especial na prática pedagógica e, principalmente na sala de aula. Mas, para que o jogo possa ser eficaz no processo de ensino e aprendizagem, o educador precisa levar em conta determinados aspectos: 40 • Permitir que a criança avalie seu desempenho; • Promover a participação ativa de toda a turma; • Ser interessante e conter desafios (JESUS, 2010). De acordo com Bettelheim (1988 apud Alves e Bianchin, 2010), os jogos mudam à medida que as crianças crescem, pois seu interesse e sua compreensão em relação aos problemas diversos também mudam. Jogando a criança descobre o que está a sua volta, percebe os objetos e o espaço que seu corpo ocupa no mundo. Dessa forma, conforme a criança vai crescendo e se desenvolvendo emocional e cognitivamente, ela passa a adicionar seus pares nas brincadeiras, e, percebendo a presença do outro, começa a respeitar regras e limites (ALVES; BIANCHIN, 2010). 4.2 Corpo em movimento na escola Como atividade dinâmica, a educação física contribui para a formação integral da criança, por meio de atividades que proporcionam equilíbrio entre corpo, mente e o espaço, não se limitando apenas à educação do corpo físico (músculos e ossos). Para as crianças pequenas (Educação Infantil e primeiros anos do Ensino Fundamental I), as práticas devem estar voltadas mais aos aspectos lúdicos e de recreação, sendo as disputas e competições mais adequadas às crianças maiores. É incorreto presumir que a Educação Física, enquanto área do conhecimento e componente curricular que compreende o ser humano em sua totalidade, incluindo seus aspectos culturais, sociais, psicológicos e biológicos, seja apenas um tempo de lazer e recreação na escola. Ao contrário, as aulas proporcionam ao aluno conhecimento e o desenvolvimento de habilidades motoras, afetivas e sociais. Para tanto, as aulas precisam ser planejadas de acordo com o currículo, se pautar em uma proposta metodológica, levar em consideração o repertório de experiências de cada criança (aspectos culturais), a dinâmica e reação do grupo diante das atividades e práticas propostas (aspectos sociais), respeitar a singularidade de cada sujeito, suas limitações e características próprias (aspectos biológicos) e estimular os alunos ao aprendizado (aspectos psicológicos). 41 O trabalho na Educação Infantil passa por muitas questões corporais, na medida que a criança se expressa pelo corpo, pois muitas vezes ainda não adquiriu linguagem oral e/ou escrita, explora os diversos espaços escolares, brinca com seus pares, cria brinquedos, dança etc. Sendo diferentes umas das outras, em seus aspectos culturais, biológicos, sociais, afetivos, religiosos etc., as crianças necessitam de estímulos a atividades diferenciadas. Crianças de 0 a 2 anos, por exemplo, precisam explorar o espaço de convivência, explorar seu corpo, os sons que ele produz e seus diferentes sentidos. Já as crianças acima dos dois anos têm necessidade de trabalhar questões de ordem coletiva, sendo o faz-de-conta uma opção bastante usual. Elas podem vivenciar corporalmente as histórias criadas por elas mesmas ou pelos pares e criar brinquedos a serem utilizados nessasatividades. Na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), nas diretrizes para a Educação Infantil, os campos de experiência têm por objetivo apontar os saberes e conhecimentos fundamentais à criança e servir de guia aos professores para elencar seus conteúdos. Um dos campos é denominado “Corpo, gestos e movimentos”. De acordo com o texto da BNCC: Com o corpo (por meio dos sentidos, gestos, movimentos impulsivos ou intencionais, coordenados ou espontâneos), as crianças, desde cedo, exploram o mundo, o espaço e os objetos do seu entorno, estabelecem relações, expressam-se, brincam e produzem conhecimentos sobre si, sobre o outro, sobre o universo social e cultural, tornando-se, progressivamente, conscientes dessa corporeidade. Por meio das diferentes linguagens, como a música, a dança, o teatro, as brincadeiras de faz de conta, elas se comunicam e se expressam no entrelaçamento entre corpo, emoção e linguagem. As crianças conhecem e reconhecem as sensações e funções de seu corpo e, com seus gestos e movimentos, identificam suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo, ao mesmo tempo, a consciência sobre o que é seguro e o que pode ser um risco à sua integridade física. Na Educação Infantil, o corpo das crianças ganha centralidade, pois ele é o partícipe privilegiado das práticas pedagógicas de cuidado físico, orientadas para a emancipação e a liberdade, e não para a submissão. Assim, a instituição escolar precisa promover oportunidades ricas para que as crianças possam, sempre animadas pelo espírito lúdico e na interação com seus pares, explorar e vivenciar um amplo repertório de movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com o corpo, para descobrir variados modos de ocupação e uso do espaço com o corpo (tais como sentar com apoio, rastejar, engatinhar, escorregar, caminhar apoiando- se em berços, mesas e cordas, saltar, escalar, equilibrar-se, correr, dar cambalhotas, alongar-se etc.) (BRASIL, 2017). 42 Segundo o excerto da BNCC, é com o corpo que as crianças pequenas exploram o espaço ao seu redor: se esticam, engatinham, rolam, escalam. A medida em que vão crescendo, seus movimentos, mais eficientes agora, buscam por outros objetivos: correr, pular, abraçar, dançar, gesticular. Todos esses movimentos e gestos contribuem para que a criança tenha consciência de sua corporeidade, identificando potencialidades e limites, conscientizando-se também sobre o que é seguro e o que lhe causa dano ou dor. Dessa forma, esse campo de experiências pode ser trabalhado de diversas formas, de acordo com a faixa etária: • Trabalhar com música em sala de aula pode estimular as crianças ao movimento e aumentam sua atenção. • Montar pequenos circuitos com vários obstáculos e caminhos é uma forma de trabalhar movimento, equilíbrio e conhecimento do próprio corpo. Os obstáculos podem ser construídos com materiais diversos, como caixas de papelão, travesseiros ou almofadas, túneis de pano e até colchões empilhados. Os caminhos mais extensos exigem das crianças velocidade, resistência, força e flexibilidade. • As brincadeiras de imitação estimulam o reconhecimento dos movimentos do outro em seu próprio corpo. Além de imitar um de seus pares, a criança pode ser convidada a representar experiências vividas no cotidiano como “cair como um raio” e “flutuar como uma pena”. • O parque também se configura como uma possibilidade de exercício do corpo infantil, ao disponibilizar às crianças diversos brinquedos onde elas têm a oportunidade de escorregar, subir, balançar, girar etc. Na medida em que brinca e se desafia, a criança aprende sobre os limites do seu corpo. As possibilidades motoras e expressivas propiciadas pelo desenho, pelo teatro e pela dança, especificamente, serão exploradas nos subtemas a seguir. 43 4.3 Dança na escola Assim como a Educação Física, a área de Arte tem muito a contribuir em relação a práticas e propostas que privilegiam o corpo e o movimento na escola. A dança, especificamente, uma das linguagens da Arte, é uma forma de expressão artística, individual e coletiva, baseada no movimento corporal, ou movimento dançado. Durante as práticas de dança, os dançarinos podem exercitar a atenção, a percepção e a colaboração. Quem pratica dança apresenta maior facilidade em construir a imagem do próprio corpo, aspecto essencial para o crescimento, a maturidade e a consciência social dos indivíduos. De acordo com pesquisadores da área de neurociência, é ultrapassada a visão tradicional que separa corpo e mente, razão e emoção, enfatizando que é cada vez maior a relação entre o desenvolvimento da inteligência, os sentimentos e o desempenho corporal. Como a linguagem corporal (gestos e movimentos) é a primeira forma de aprendizagem da criança, ou seja, até os sete anos a criança tem um repertório gestual muitas vezes maior que o oral, é muito importante que atividades que privilegiam corpo e movimento estejam presentes no ambiente escolar, sob forma de dança, por exemplo. Em relação ao corpo e ao movimento, na Educação Infantil, é esperado que o aluno seja orientado a conhecer seu próprio corpo e a explorar as diferentes possibilidades de gestos e ritmos corporais e utilize-os em situações de interação. Especificamente em relação à dança, a BNCC traz os seguintes objetos de aprendizagem e desenvolvimento: Para os bebês (zero a 1 ano e 6 meses): “(EI01ET06)7 Vivenciar diferentes ritmos, velocidades e fluxos nas interações e brincadeiras (em danças, balanços, escorregadores etc.)” (BRASIL, 2017). 7 Essa simbologia representa: EI – Educação Infantil 01 – Indica a faixa etária – bebês de zero a um ano e seis meses ET – Campo de experiências, neste caso, “Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações”. 06 – Número sequencial da habilidade dentro do campo de experiências 44 Para as crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses): “(EI02CG03)8 Explorar formas de deslocamento no espaço (pular, saltar, dançar), combinando movimentos e seguindo orientações” (BRASIL, 2017). Para as crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses): “(EI03CG01) Criar com o corpo formas diversificadas de expressão de sentimentos, sensações e emoções, tanto nas situações do cotidiano quanto em brincadeiras, dança, teatro, música. (EI03CG03) Criar movimentos, gestos, olhares e mímicas em brincadeiras, jogos e atividades artísticas como dança, teatro e música” (BRASIL, 2017). Em relação à dança no Ensino Fundamental – Anos Iniciais, o texto da BNCC declara que: A dança se constitui como prática artística pelo pensamento e sentimento do corpo, mediante a articulação dos processos cognitivos e das experiências sensíveis implicados no movimento dançado. Os processos de investigação e produção artística da dança centram-se naquilo que ocorre no e pelo corpo, discutindo e significando relações entre corporeidade e produção estética. Ao articular os aspectos sensíveis, epistemológicos e formais do movimento dançado ao seu próprio contexto, os alunos problematizam e transformam percepções acerca do corpo e da dança, por meio de arranjos que permitem novas visões de si e do mundo. Eles têm, assim, a oportunidade de repensar dualidades e binômios (corpo versus mente, popular versus erudito, teoria versus prática), em favor de um conjunto híbrido e dinâmico de práticas (BRASIL, 2017). No Ensino Fundamental, de acordo com as habilidades de Dança elencadas, é esperado que o aluno seja capaz de compreender o funcionamento do corpo para usá-lo de forma expressiva, sensível e responsável, criar e improvisar sequências de movimentos dançados, pesquisar e apreciar manifestações culturais ligadas à dança, experienciar mudanças de velocidade, tempo, ritmo e espaço por meio da dança, reconhecer e distinguir diferentes estilos de dança, entre outras habilidades que constam no texto da BNCC, parte específicade Arte - Dança. 8 A simbologia segue o mesmo esquema descrito acima. Neste caso, a sigla “CG” se refere ao campo de experiências “Corpo, gestos e movimentos”. 45 4.4 Jogos dramáticos e jogos teatrais Neste subtema, iremos tratar de jogos dramáticos e teatrais, que podem ser utilizados em sala de aula para produzir conhecimentos, desenvolver competências e habilidades. O jogo dramático é uma atividade lúdica que não tem o intuito de ser apresentado ao público, mas que possibilita à criança a experimentação e a construção da linguagem teatral. De acordo com Bastos, Morais e Cordeiro (2015), “é um jogo subjetivo, que pode ser relacionado ao faz de conta infantil, diretamente vinculado ao imaginário, à criação e à espontaneidade, o que não significa que seja um jogo puramente individual. Não obstante, mesmo que seja coletivo, o foco está nas relações que cada indivíduo estabelece entre as formas teatrais e o seu imaginário”. O jogo dramático possui duas características importantes, pontuadas por Bastos, Morais e Cordeiro (2015): a sinceridade, em que a criança demonstra sua espontaneidade em relação ao jogo, e a absorção, quando a criança se envolve completamente naquilo que está fazendo, num processo de imersão. Esse tipo de jogo auxilia a criança no exercício de buscar e encontrar soluções para seus problemas, por meio da improvisação e do desempenho de diferentes papéis. Para Spolin (1992 apud Bastos, Morais e, Cordeiro, 2015), pesquisadora do teatro e do ensino de teatro na escola, improvisar é resolver os problemas propostos dentro de uma situação de jogo. Isso requer que a criança, ou “o jogador”, mobilize seu repertório cultural e sua capacidade de resolução de problemas, de forma intensa e vívida. Dessa forma, a criança colocará em contato aquilo que é próprio dela, individual e interior, e aquilo que é externo a ela. Ainda de acordo com Spolin, por meio do ato de improvisação a criança tem possibilidade de criar, questionar, criticar, rever situações e desenvolver sua autonomia. Fuchs (2005 apud Bastos, Morais e, Cordeiro, 2015) afirma que a improvisação compõe o jogo dramático e o jogo teatral, sendo que o primeiro abarca relações mais subjetivas com a linguagem teatral e o segundo relações mais objetivas, entre o grupo e o público. O jogo teatral, como mencionado acima, contempla a participação de um grupo que o examina, um público, acrescentando ao jogo essa relação com a plateia, o que vai exigir 46 dos participantes uma linguagem mais objetiva, que viabilize a comunicação dos jogadores/atores entre si e destes com o público. Para o autor o jogo dramático antecede o jogo teatral, pois no jogo dramático a construção da linguagem teatral ocorre por meio de símbolos individuais, que depende da relação do jogador com seu fazer teatral, e se desenvolve para o jogo teatral, que é mais socializado, se baseia nas relações entre os indivíduos, na coordenação de diferentes pontos de vista e atinge os códigos e símbolos coletivos. Ainda, Fuchs (2005, p. 28 apud Bastos, Morais e Cordeiro, 2015) diz “pode-se comparar o jogo dramático às ações egocêntricas e o jogo teatral às ações descentradas de cooperação”. Para Koudela (2001), professora da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo e pesquisadora do Teatro: o processo de jogos teatrais visa a efetivar a passagem do jogo dramático (subjetivo) para a realidade objetiva do palco. Este não constitui uma extensão da vida, mas tem sua própria realidade. A passagem do jogo dramático ou jogo de faz-de-conta para o jogo teatral pode ser comparada com a transformação do jogo simbólico (subjetivo) no jogo de regras (socializado). Em oposição à assimilação pura da realidade ao eu, o jogo teatral propõe um esforço de acomodação, através da solução de problemas de atuação (KOUDELA, 2001, p. 44 apud BASTOS, MORAIS e CORDEIRO, 2015). Nesse contexto, o jogo dramático, por suas características e sua relação com o simbólico, e o jogo teatral, por estar relacionado a fases mais adiantadas do jogo simbólico que, por sua vez, caminham em direção aos jogos de regras, oportunizam à criança realizar representações de sua realidade, o que a aproxima, de forma gradual, das regras sociais e a auxilia a levar em consideração o ponto de vista do outro no momento do jogo. Por meio da prática de jogos dramáticos, que apresentam maior liberdade em relação às ações, e de jogos teatrais, que marcam a passagem para os jogos com regras, mais intrincados, com divisão de grupos – os que atuam e os que assistem as atuações –, o professor pode contribuir para o desenvolvimento integral da criança, estimulando situações de troca, de mudanças de ponto de vista e de cooperação mútua, 47 favorecendo, dessa forma, a diminuição das características egocêntricas, inerentes à natureza infantil. Para tanto, é preciso que as instituições educacionais proporcionem tempo, espaço e recursos para o emprego de jogos dramáticos e teatrais de forma consciente e intencional. 4.5 Desenho como ação A criança apresenta algumas fases ou estágios de desenvolvimento e o seu desenhar acompanha as características psicológicas, cognitivas, sociais e afetivas dessas fases. Para a criança bem pequena (Educação Infantil), desenhar é explorar movimentos e os diferentes modos de implantá-los no papel, é rabiscar com liberdade, agir sobre uma superfície e, dessa forma, produzir ou materializar algo que possa ser visto. Para ela, o desenho é ação que produz algo para ser visto: a criança está interessada em realizar movimentos e ver o que acontece enquanto ela desenha (IAVELBERG, 2013a). Progressivamente, esses rabiscos livres vão se transformando em figuras identificáveis, como sóis, peixes e pessoas, e passam a constituir símbolos. Neste momento conceitual9, desenhar para a criança significa produzir elementos que ela considera objetos desenháveis. Primeiramente, esses elementos são desenhados separadamente e estão desarticulados entre si, apenas justapostos. Mas, aos poucos, a criança passa a articular esses símbolos e a construir imagens narrativas. Por exemplo, ela pode desenhar alguém dentro do carro ou uma pessoa em frente à sua casa. A criança também tem ciência de que agora é capaz de desenhar muitas coisas, que existem e que não existem. Para representar o plano espacial, a criança lança mão de diferentes recursos, como a transparência, o plano deitado e o rebatimento (IAVELBERG, 2013a). Com o passar do tempo, o desenho da criança tende a se aproximar mais da realidade observada. Por exemplo, se antes a criança, ao desenhar um bebê, lançava mão da transparência para representa-lo dentro da barriga de sua mãe, agora ela só irá representar o volume da barriga. Outro exemplo são os desenhos estereotipados de casinhas que no momento conceitual anterior apresentavam paredes transparentes e 9 A pesquisadora do desenho infantil e professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Rosa Iavelberg denomina os diferentes estágios de desenvolvimento do desenho da criança de momentos conceituais. Para ela, os momentos conceituais da criança são “Ação”, “Imaginação I”, Imaginação II”, “Apropriação” e “Proposição”. 48 agora apresentam janelas abertas por onde se pode observar o seu interior. Neste momento, a criança também percebe e se apropria de algumas regras de representação do espaço, como a perspectiva, por exemplo e dos diferentes modos de desenhar partes específicas de um objeto, descobre que existem diversas maneiras de desenhar e quer dominá-las (IAVELBERG, 2013). Ao desenhar, a criança usa a cognição, a sensibilidade e suas experiências com o desenho no contexto sócio-histórico e cultural em que vive. O fato de a criança sofrer influências da cultura, visão contemporânea incorporada às didáticas de arte atuais, não significa perda daliberdade expressiva, da seleção e escolha de seus temas, técnicas e de como aplica-las em seus desenhos (IAVELBERG, 2013a). De acordo com Iavelberg (2013b), para Luquet, teórico e pesquisador do desenho infantil, o desenho para a criança é um jogo, ou seja, ao desenhar, a criança reflete, intui, trabalha com diferentes materiais e diversos suportes e vive uma relação simbólica com seu trabalho. O faz-de-conta guia suas ações e a interlocução da criança com seu próprio desenho é uma forma de interação lúdica com sua produção. Na Educação Infantil as crianças aprendem conceitos, procedimentos e valores. Elas jogam, desenham, se expressam de diversas formas e evocam verbalmente situações vividas, usando sempre a imaginação. Retirar da criança a ação, o movimento, fazendo- a ficar sentada longos períodos ou fechada em sala de aula vai contra a natureza de suas necessidades e seus modos de aprendizagem. O processo de ensino e aprendizagem será muito mais efetivo se o aluno da Educação Infantil aprender a desenhar fazendo e interagindo com o mundo da arte, por meio de atos práticos, nos quais ele aprende conteúdos de arte de forma dinâmica e alinhada aos seus interesses e necessidades expressivas (IAVELBERG, 2013b). Conclusão Neste Bloco os subtemas destacaram propostas que privilegiam o corpo, a ação e o movimento da criança na escola, envolvendo as áreas de Educação Físicas e Arte. Para tanto, discutimos o jogo enquanto recurso pedagógico, a ser trabalhado em sala de aula; a ideia de corpo em movimento na escola, que abarcou as questões corporais e do movimento que perpassam a área de Educação Física e que estão presentes na BNCC; a 49 importância da dança para o desenvolvimento da criança e como proposta pedagógica do campo das Artes que trabalha o movimento dançado e diversas questões corporais; e, por fim, jogos teatrais e dramáticos e o desenho como possibilidades de práticas pedagógicas que envolvem ação e expressão no contexto da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I. REFERÊNCIAS ALVES, L.; BIANCHIN, M A. “O jogo como recurso de aprendizagem”. In: Revista psicopedagógica. vol.27 no.83 São Paulo, 2010. BASTOS, C. Z. A; MORAIS, A; CORDEIRO, A. P. “Jogos dramáticos e jogos teatrais: aproximações com a Psicologia Genética de Jean Piaget e contribuições à Educação Infantil”. In: Schème - Revista Eletrônica de Psicologia e Epistemologia Genéticas. Vol. 7, n. 1. jan./jul., 2015. IAVELBERG, R. O desenho cultivado da criança: prática e formação de educadores. 2° edição. Porto Alegre: Zouk, 2013a. __________. “Desenho na Educação Infantil”. In: Coleção Como eu ensino. São Paulo: Melhoramentos, 2013b. JESUS, A. C. A. Como aplicar jogos e brincadeiras na Educação Infantil. Rio de Janeiro: Brasport, 2010. MACEDO, L; PETTY, A. S;, PASSOS, C. Os Jogos e o Lúdico na Aprendizagem Escolar. Porto Alegre: Artmed, 2017. [Minha Biblioteca]. 50 5 CORPO, MOVIMENTO E LUDICIDADE NO CONTEXTO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES(AS): SABERES, PRÁTICAS, EXPERIÊNCIAS, IDENTIDADES PROFISSIONAIS E PRÁXIS Neste bloco, as questões relativas ao corpo, ao movimento e à ludicidade na educação foram abordadas no contexto da formação de professores, privilegiando conceitos e conteúdos referentes aos saberes e práticas docentes, à experiência do professor, às identidades profissionais e à práxis na educação. O objetivo do bloco é preparar o futuro pedagogo para atuar de forma mais autônoma, crítica e reflexiva, buscando diálogo entre teoria e prática, e constantemente repensando o “ser docente”. 5.1 Os saberes docentes Ao trabalhar conteúdos relativos ao corpo e ao movimento com alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I, o professor mobiliza diferentes tipos de saberes. De acordo Tardif (2010), na obra intitulada Saberes docentes e formação profissional, os diferentes saberes que os docentes dispõem são adquiridos por meio de suas práticas, no decorrer de sua trajetória pessoal e profissional, e influenciam sua atuação em sala de aula, significando que seu processo formativo envolve diferentes saberes que dialogam entre si. “Por meio da memória e da experiência docente, conquistadas no decorrer do percurso profissional, o docente vai construindo e reconstruindo sua identidade profissional” (TARDIF, 2010.). Sendo assim, refletindo acerca de suas vivências, fazeres e experiências, o professor constrói saberes próprios de sua profissão, muito embora não sejam reconhecidos ou valorizados no espaço escolar. O professor relaciona-se diariamente com esses saberes que, por sua vez, interferem em sua prática docente. Para o autor, o professor possui um conjunto de saberes que são complexos e heterogêneos e, na maioria das vezes, exteriores a ele. Tardif classifica os saberes docentes em quatro tipos diferentes (SILVA, et. al, s.d.): 51 • Os saberes da formação profissional; • Os saberes disciplinares; • Os saberes curriculares; • Os saberes experienciais. Os saberes da formação profissional são aqueles transmitidos aos professores durante o processo de formação inicial e continuada. São o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições educacionais que oferecem formação aos professores. Os saberes da formação profissional são constituídos pelos conhecimentos pedagógicos relacionados às técnicas e métodos de ensino, legitimados cientificamente e igualmente transmitidos a todos os professores durante seu processo de formação. Os saberes disciplinares correspondem aos saberes reconhecidos e identificados como pertencentes aos diversos campos do conhecimento. Esses saberes, produzidos e acumulados pela sociedade ao longo da história da humanidade, se encontram hoje integrados nas universidades, sob a forma de disciplinas. Os saberes curriculares são os conhecimentos relacionados à forma como as instituições educacionais fazem a gestão dos conhecimentos socialmente produzidos e que devem ser transmitidos aos estudantes. Apresentam-se sob a forma de programas escolares (objetivos, conteúdos, métodos) que os professores devem aprender e aplicar. Os saberes experienciais são aqueles que brotam da experiência e são por ela validados. Incorporam-se à experiência docente individual e coletiva sob a forma de habilidades. Resultam do próprio exercício da atividade profissional dos professores e são produzidos pelos docentes por meio da vivência de situações específicas relacionadas ao espaço da escola e às relações estabelecidas com alunos, outros professores e gestores. Cada saber supracitado exerce um papel relevante na prática do professor em sala de aula, devendo formar um conjunto de saberes que regem o ensino e determina a relevância destes no processo de aprendizagem. É importante destacar que, dos saberes atribuídos ao professor por Tardif (2010), somente um deles é dominado pelo professor, que são os experienciais, os demais são 52 exteriores a ele, ou seja, são influenciados por outros atores e fogem ao domínio docente (SILVA, et. al, s.d.). A relação do docente com os saberes não se resume a uma função de transmissão dos conhecimentos já constituídos, pois o professor, no exercício de sua profissão, também produz conhecimentos que podem ser compartilhados com pesquisadores e outros colegas de profissão. 5.2 A importância do brincar junto Principalmente na Educação Infantil, entre os papéis importantes desempenhados pelo educador, um deles é o de brincar junto com a criança, em um esquema de cooperação que, muitas vezes, é complexo. Desse modo, ao educador cabe muitas coisas, como dar apoio, estimular e divertir-se; providenciar um ambiente adequado para o jogo e a brincadeira da criança, selecionar materiais adequados; participar das atividades infantis como parceiro, dividindo o controle com a criança; supervisionar atentamente asbrincadeiras e saber distanciar-se e aproximar-se quando necessário. Também é preciso valorizar as ideias da criança e permitir o brincar livre, deixando-a mudar as regras iniciais; não reforçar papéis ou estereótipos sexistas, possibilitando que meninos e meninas brinquem juntos e sem hierarquias; ter uma atitude ativa, pois o brincar é uma atividade espontânea, em que o professor exerce um importante papel, proporcionando os meios para que as brincadeiras fluam e conhecendo melhor as crianças com quem trabalha (KISHIMOTO; SANTOS, 2016). Sobre o brincar da criança junto com o professor, Kishimoto (2016) ressalta o pensamento de Vygotsky que, por sua vez, afirma que uma prática pedagógica adequada não passa apenas pelo “deixar a criança brincar”, mas engloba também a parceria com mediadores, nesse caso adultos e materiais para brincar, pois o conhecimento não é construído individualmente, mas em parceria com outras pessoas, ou seja, por meio do encontro da cultura do adulto com a da criança os aprendizados são construídos. Dessa forma, para Vygotsky, o professor deve atuar com o aluno de forma cooperativa, criando facilitadores ou estruturas desafiadoras para que ele possa aprender por meio da ação lúdica. 53 Para Kishimoto (2016), o educador deve deixar a criança brincar e observar para, a partir daí, realizar sua proposta pedagógica, pois o brincar é para a criança sua forma muito singular de conhecer o mundo. Por meio do brincar, a criança se apropria da realidade, abrindo um espaço de aprendizagem para manifestar de modo simbólico seus sentimentos, desejos e fantasias. A autora também afirma que a imagem que o professor forma da criança é construída com base no seu repertório pessoal de experiências e nos valores adquiridos no processo de formação. Isso é de extrema importância pois a autora defende que a maneira do educador ver a criança interfere no modo de educá-la. Para ela, a criança deve ser respeitada como uma pessoa em processo de desenvolvimento e constituição de sua identidade e autonomia. A partir do momento em que existe a presença do adulto/educador no espaço da brincadeira, a criança será mediada por outros elementos que não apenas seus sentimentos, que muitas vezes são de difícil compreensão. A função do professor e da escola é de proporcionar a expansão do repertório cultural da criança de modo a integrar novos conhecimentos àqueles já existentes. O brincar tem grande importância e influência sobre a criança na infância. Por isso, cabe ao professor saber como promover processos educativos a partir dele (KISHIMOTO; SANTOS, 2016). 5.3 Jogo e formação de professores Como o processo de ensino e aprendizagem escolar organiza-se na relação entre o docente, o educando e o conhecimento, dentre as competências a serem construídas pelo professor encontra-se a capacidade de desenvolver situações que sejam propícias a esse processo. Nessa relação, o conhecimento é mediado pelo professor, que tem o papel de facilitador. Mediar é identificar algo que transita e que forma um elo entre dois polos, promovendo uma relação e justificando uma interpretação. Por meio do jogo, o professor pode estabelecer em sala de aula uma situação propícia à aprendizagem, em que sua mediação transfere as relações e competências desenvolvidas em um contexto lúdico para um contexto didático (CAMPOS, 2004). 54 De acordo com Penteado (1997), a relação aluno/professor é vivida hoje, em grande parte da realidade escolar brasileira, sob forma de uma “relação burocrática”. Para a autora, o problema que se enfrenta na capacitação de docentes é a liberação da espontaneidade e, portanto, da capacidade criadora para que o professor possa atingir um “encontro vigoroso” do educando com o conhecimento, mediado por ações, por parte do educador, que sejam realmente significativas. Segundo Penteado, isso implica em um “exercício de alteridade”, em que o educador se coloca no lugar do outro. Nessa perspectiva, uma formação docente que contemple o trabalho com jogos em sala de aula pode propiciar ao professor meios para se colocar no lugar do outro e atuar de forma mais autônoma e dinâmica, criando situações de ensino e aprendizagem que possam propiciar ao aluno a interação e assimilação dos conteúdos propostos pela estrutura curricular. Utilizando jogos em seus planejamentos de aula, o professor cria situações que possibilita o desenvolvimento de importantes habilidades como empatia, rapidez de decisão, raciocínio, trabalho em equipe, cooperação, imaginação, criatividade e capacidade de criar estratégias próprias. De acordo com Brasil (1997, p.35), “por meio dos jogos as crianças não apenas vivenciam situações que se repetem, mas aprendem a lidar com símbolos e a pensar por analogia (jogos simbólicos): os significados das coisas passam a ser imaginados por elas. Ao criarem essas analogias, tornam-se produtoras de linguagens, criadoras de convenções, capacitando-se para se submeterem a regras e dar explicações”. Uma metodologia pautada no uso de jogos em sala de aula pode servir de subsídio ao professor para o domínio de novos conhecimentos, habilidades e atitudes pautadas em um ensino ativo. O jogo, como proposta metodológica a ser desenvolvida e aplicada por professores em sala de aula, proporciona ao aluno experimentar novas formas de ação em um território protegido, que é o jogo, e promover o saber, construindo o conhecimento em seu contexto real de prática (CAMPOS, 2004). 55 5.4 O lúdico na prática docente A ludicidade, por ser essencial para o desenvolvimento infantil, como observamos no Bloco 3, merece atenção de pais e educadores e se configura como um importante recurso pedagógico e uma estratégia prazerosa de aprendizagem. Por ser um espaço genuíno de expressão da criança e de sua relação com o mundo externo, as atividades lúdicas têm um valor pedagógico intrínseco e, por isso, podem e devem ser utilizadas em sala de aula. De fato, a ludicidade faz parte da cultura da infância, mas isso não significa que ela seja desenvolvida de modo significativo no espaço escolar. O modo como as atividades lúdicas são propostas e percebidas pelo educador é decorrente de sua formação e depende também da percepção, por parte dos gestores escolares, do ato de brincar como uma atividade produtiva (SANTOS; CHAVES, 2018). Atualmente, os debates teóricos sobre o processo de ensino e aprendizagem estão cada vez mais intensificados, voltados para métodos que envolvem a participação significativa do aluno, percebendo-o como autor e construtor do próprio conhecimento. Nessa perspectiva, o professor atua como mediador entre o estudante e o conhecimento, por meio de estratégias e recursos capazes de despertar a curiosidade e o desejo de aprender (SANTOS; CHAVES, 2018). Para que o ato de brincar na escola se caracterize como uma metodologia que favoreça a aprendizagem, é necessário a mediação do professor. Sem a intencionalidade pedagógica, o desenvolvimento de brincadeiras e jogos no espaço escolar perde grande parte de sua potencialidade. Dessa forma, é importante e até necessário que o professor explore a ludicidade de diferentes formas, desde atividades direcionadas para a apreensão de conteúdos específicos, como atividades lúdicas voltadas à alfabetização, à leitura, à aprendizagem de matemática etc., até o brincar como meio de desenvolver a imaginação, a criatividade e a autonomia da criança, fazendo do jogo e da brincadeira uma constante em sua prática docente. Para Santos (2000, p.37 apud SANTOS; CHAVES, 2018), a ludicidade “na medida em que propõe estímulo ao interesse do aluno, desenvolve níveis diferentes de sua experiência 56 pessoal e social, ajuda-o a construir novas descobertas, desenvolve e enriquece sua personalidade”. A ludicidade não está apenas no ato de brincar, mas tambémna leitura e na apropriação da literatura como forma natural de descobrimento e compreensão do mundo. Nessa perspectiva, a ludicidade é um instrumento de caráter pedagógico que concebe o professor como condutor, avaliador e estimulador do processo de ensino e aprendizagem. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil ressaltam a importância da ludicidade para o desenvolvimento integral da criança e propõem objetivos e práticas pedagógicas, de acordo com as especificidades do trabalho docente, tendo em vista o brincar como atividade que contribui para a criança desvendar o mundo, aprender, criar conceitos e reformulá-los, de acordo com as experiências proporcionadas pela escola. Inúmeras são as possibilidades de atividades lúdicas a serem propostas no ambiente escolar. Mas, para que possam gerar situações de aprendizagem, devem estar significativamente interligadas com os objetivos pedagógicos. Para que sejam condizentes com a organização do trabalho pedagógico, devem estar atreladas ao currículo e visar o desenvolvimento do aluno. A proposta curricular para a Educação Infantil, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, deve ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, garantindo experiências que: • Promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança; • Favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical; • Possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos; • Propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das manifestações e tradições culturais brasileiras [...] (BRASIL, 2010, p. 25-26 apud SANTOS; CHAVES, 2018). 57 5.5 Práxis e educação De acordo com Marx (apud PEREIRA, 2016), a práxis apresenta-se como síntese entre ser, pensar e estar no mundo. É um conceito que reaviva a necessidade de participação do ser humano no ato de reconhecer a própria história nas suas dinâmicas, criações e contradições. Para o autor, a práxis efetivamente construída, união dialética entre prática e teoria, contribui para transformar realidades. A práxis é a atividade concreta pela qual os sujeitos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la transformando-se a si mesmos. É a ação que, para se aprofundar de maneira mais consequente, precisa de reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática (MARX; KONDER, 1992, p. 115 apud PEREIRA et. al, 2016). Partindo do princípio que práxis é uma possibilidade concreta de elaboração de um projeto de mudança, em que o ser humano compromete-se com a transformação de sua realidade, é possibilidade de enfrentamento crítico frente aos desafios postos pelo cotidiano, Freire (1980, p. 26 apud PEREIRA et. al, 2016) afirma que a práxis se torna possível diante da “unidade indissolúvel entre minha ação e minha reflexão sobre o mundo”. A práxis contribui para a união da ação e da reflexão pois, para o autor, dividida da prática, a teoria não passa de verbalismo inoperante e, desvinculada da prática, a teoria é ativismo alienado. Logo, a práxis é um movimento dialético entre ação e reflexão, prática e teoria, e configura-se como um componente necessário no contexto profissional do educador (PEREIRA et. al, 2016). Aliar ação e reflexão, teoria e prática, significa que, em qualquer que seja o nível, a educação não se limita à instrumentalização. Isso significa que não há formação docente que seja estritamente prática, baseada apenas na realidade escolar, mas antes, a formação deve ser de cunho crítico e estar teoricamente fundamentada, para não haver empobrecimento quando centrada apenas na vivência da sala de aula, sem muito dela avançar. Por outro lado, também não pode estar totalmente distante dessa realidade, a ponto de inviabilizar o movimento dialético da práxis. Para Roldão (2007 apud PEREIRA et. al, 2016), ao problematizar a articulação entre teoria e prática na formação do professor, talvez seja possível ponderar que a teorização 58 da prática precisa ser uma das metas a serem buscadas para o reconhecimento da profissão docente. Uma vez que, enquanto a teorização não for atrelada à prática, persistirá o pensamento de que qualquer um é competente para fazer o trabalho docente, sem a necessidade de formação. Para Freire, o aprendizado do professor, ao desempenhar sua função docente, se constata à medida que ele se compreende como sujeito não determinado, “se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e dos diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer”. Segundo o autor, “o professor é um ser de práxis, isto é, sua ação não é nem espontânea nem isolada, uma vez que se encontra imbricada pelo pensamento e, consequentemente, pela prática de outrem” (FREIRE, 2000, p.27 apud PEREIRA et. al, 2016). Conclusão Este bloco apresentou e discutiu diversos conteúdos ligados ao contexto de formação de professores. Entre esses conteúdos, foram abordados os saberes docentes (curriculares, disciplinares, da formação profissional e experienciais), a relação entre formação e prática docente e ludicidade, a importância de o professor brincar junto com a criança na Educação Infantil e o conceito de práxis na educação REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática (Ensino de primeira à quarta série). Brasília: MEC/SEF, 1997. CAMPOS, M. C. R. M. Formação de docentes em oficinas de jogos: indicadores de mediação da aprendizagem. Tese (Doutorado). Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2004. KISHIMOTO, T. M; SANTOS, M. W. (Org.) Jogos e brincadeiras: tempos, espaços e diversidade (Pesquisas em Educação). São Paulo: Cortez, 2016. 59 PEREIRA, D. A; et. al. “O conceito de práxis e a formação docente como ciência da educação”. In: Revista de Ciências Humanas – Educação, v. 17, n. 29, p. 31-45, dez. 2016 SANTOS, W. L; CHAVES, S. S. R. “O lúdico na prática docente: estratégias pedagógicas utilizadas no processo de alfabetização na Educação Infantil”. In: Revista Científica da FASETE, 2018. Disponível em: <https://bit.ly/3aN7Rdn>. Acesso em: fev. 2020. SILVA, et. al. “Os saberes docentes e suas implicações na formação e no ensino”. In: III CONEDU. Congresso Nacional de Educação. s.d. Disponível em: <https://bit.ly/2RiKT6a>. Acesso em: fev. 2020. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010. 60 6 CORPO, RECREAÇÃO E LUDICIDADE: TEMPOS, ESPAÇOS, PROJETOS E PLANEJAMENTOS Neste Bloco, iremos compreender como os conteúdos relativos ao corpo, ao movimento e à ludicidade podem ser incorporados à realidade escolar e desenvolvidos em tempos e espaços dedicados a eles ou por meio de projetos e do planejamento de aulas. Como o pedagogo irá atuar em diferentes situações de aprendizagem, em espaços e tempos específicos, e a partir de diferentes metodologias, incluindo o trabalho por projetos. 6.1 Um olhar sobre os espaços físicos e seus usos Partindo do princípio que a educação infantil deve ser constituída, fundamentalmente, como espaço privilegiado para a expressão corporal e a vivência do movimento infantil, permitindo a exploração e conhecimento do mundo, nestetópico iremos tratar dos espaços físicos da escola e sua relação com o corpo e o movimento, tendo em vista que o meio natural e social exerce influência direta sobre as possibilidades de movimento. De acordo com Oliveira (2010), os espaços se configuram como construções sociais. Nessa perspectiva, os espaços reservados à educação de crianças estão diretamente relacionados às práticas cotidianas e às concepções de infância e de educação infantil dos educadores que ali atuam. Ou seja, a organização do espaço físico afeta diretamente o modo como os professores organizam sua prática pedagógica, bem como as possibilidades de movimento para a criança. Para Salles e Faria (2006 apud SILVA, 2011), o modo como o professor organiza e utiliza o espaço escolar revela, de certo modo, suas concepções sobre o trabalho a ser realizado na educação infantil e quais são suas expectativas em relação à criança que pretende formar. Conhecer ou reconhecer tais concepções e como elas refletem na prática pedagógica pode ajudar o professor a compreender como questões relativas ao corpo e ao movimento se inserem em sala de aula. Quando falamos sobre corpo, movimento, brincadeira, jogos e ludicidade, os espaços escolares tornam-se elementos imprescindíveis para o desenvolvimento das propostas, 61 porque o espaço também está relacionado ao pedagógico, é um importante elemento nas práticas pedagógicas, pois “os espaços, seus objetos e equipamentos estão diretamente ligados à possibilidade ou não de alcance dos objetivos dos professores”(OLIVEIRA, 2010, p. 100). Segundo Silva (2011), pesquisas recentes revelam a importância do espaço físico para o desenvolvimento da criança, principalmente na educação infantil, visto que, nesse estágio, o espaço físico é o cenário onde se desenvolvem as ações humanas. Para o autor, “ao refletirmos sobre o espaço físico na Educação Infantil, temos que considerar que este é composto ‘por gosto, toque, sons, palavras, regras de uso do espaço, luzes e cores, odores, mobília, equipamentos e ritmos de vida’” (BARBOSA E HORN, 2007, p. 73 apud SILVA, 2011, p. 119). Dessa forma, a criança compreende o espaço físico como o espaço-proteção, o espaço-mistério, o espaço-descoberta, enfim, espaços de liberdade ou de opressão. As limitações do espaço físico, um problema enfrentado por muitos professores no cotidiano escolar, restringem as possibilidades de realização de um trabalho que valorize a expressão e o movimento corporal. Richter (2006), ao analisar o movimento corporal na Educação Infantil, chama atenção ao fato de que o espaço físico representa um importante elemento na organização e desenvolvimento de qualquer atividade, sendo fundamental na determinação da forma como os corpos ocupam tal espaço e nele se movimentam. Para a autora, num ambiente físico inapropriado, as crianças ficam expostas a situações de rigidez corporal e controle dos corpos, o que prejudica suas funções motoras, sensoriais, e afeta, principalmente, o processo de interação entre as crianças (SILVA, 2011, p. 120). Espaços escolares como quadras, parques, pátios, ginásios e outros, que são mais amplos, privilegiam o desenvolvimento de práticas corporais e atividades pautadas no movimento. Para as brincadeiras, em geral, espaços compartimentados, com objetos, mobília e equipamentos podem ser explorados pelas crianças, compondo lugares de possibilidades diversas para brincadeiras e outras atividades lúdicas. Esses espaços extraclasse muitas vezes são entendidos como lugares de liberdade, de recreação, de descontração, espaços de brincadeira e diversão, em oposição à seriedade e rigidez de trabalho desenvolvida em sala de aula, colocando esses dois espaços – classe e extraclasse – como opostos: trabalho X prazer. E, para muitos professores, sendo a 62 sala de aula o espaço do trabalho “sério”, não há lugar para o movimento expressivo e desbravador da criança. Mesmo com as limitações de espaço e som, visto que o barulho não pode se exceder por conta das salas de aula vizinhas, é possível planejar e desenvolver atividades recreativas e lúdicas que envolvam corpo e movimento na sala de aula, caso a escola não disponha de espaços extraclasse apropriados ou com constante disponibilidade, ou disponha de pátio e quadra em ambientes ao ar livre, sem nenhuma cobertura, ficando sujeitos à intempéries, como dias chuvosos, com intenso calor ou frios. 6.2 Brinquedoteca Devido à importância do brincar para a criança, diferentes instituições e escolas disponibilizam espaços específicos para essa atividade, chamados de brinquedoteca. De acordo com Santini (1993, p. 25 apud SESC, s.d.), a brinquedoteca “é um espaço criado com o objetivo de proporcionar condições favoráveis para que a criança brinque. É um lugar onde tudo estimula a ludicidade”. Para Cunha (1998, p. 40 apud ROSA; KRAVCHYCHYN; VIEIRA, 2010), a brinquedoteca "é um espaço preparado para estimular a criança a brincar, possibilitando o acesso a uma grande variedade de brinquedos, dentro de um ambiente especialmente lúdico". Ou seja, é um espaço físico que comporta grande variedade de brinquedos com o objetivo de propiciar à criança diversas interações e a perpetuação de uma cultura lúdica. O espaço da brinquedoteca não pode ser confundido com o ambiente de sala de aula, deve ser construído com um objetivo claro e com uma finalidade específica. Sobre essa função ou finalidade específica da brinquedoteca, a pesquisadora e professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Adriana Friedmann, aponta ser um meio de construção de conhecimentos sobre o mundo. Para a também pesquisadora e professora da mesma instituição, Tizuko Kishimoto, a brinquedoteca incentiva a autonomia e desenvolve a capacidade crítica e de escolha da criança, além de promover seu desenvolvimento, o trabalho em equipe, a socialização, a comunicação, a criatividade, a imaginação e a ludicidade (ROSA; KRAVCHYCHYN; VIEIRA, 2010). 63 As brinquedotecas podem ser de vários tipos: pedagógica, escolar, hospitalar, terapêutica, de empréstimo de brinquedos, itinerante, entre outras. Sendo de tipos diferentes, cada uma delas apresenta objetivos específicos, todos vinculados ao brincar. Nesses espaços, o brinquedo é o estimulante visual de muitas brincadeiras, ajudando o imaginário infantil a fluir. O professor, monitor, agente de recreação ou brinquedista é um elemento importante para o desenvolvimento das atividades, mediando as relações da criança com seus pares e com os brinquedos. Seu papel também inclui deixar as crianças brincarem espontaneamente, sem imposição de brinquedos ou brincadeiras; mediar possíveis conflitos; auxiliar no manuseio dos brinquedos; fazer com que a criança entenda que ela é responsável pelos brinquedos com os quais interage; brincar com as crianças, quando solicitado por elas, e proporcionar liberdade para que façam suas escolhas. Também é responsável pelo planejamento e implementação das atividades e pela exploração e aproveitamento adequados do tempo e espaço de recreação disponibilizados para a criança. Para Rosa, Kravchychyn e Vieira: o brinquedista acompanha o brincar em grupo com um enfoque mais em mediar possíveis conflitos por brinquedos. Já quando uma criança brinca sozinha, o brinquedista aproxima-se da mesma e, se convidado, participa da brincadeira. Na maioria dos casos o brinquedista acaba brincando junto ou ajudando a criança com regras, em caso de jogos (ROSA; KRAVCHYCHYN; VIEIRA, 2010, p. 19). Para os autores, o maior desafio do brinquedista (ou do professor, agente de recreação ou monitor) é o de mediar conflitos em que mais de uma criança requer o mesmo brinquedo. Ao ocorrer a mediação de modo adequado, a brinquedoteca desmistifica os sentimentos de posse, pois os brinquedos que lá estão são de uso coletivo, e objetivam provocarna criança comportamentos de responsabilidade e cooperação, conforme afirma Friedmann (1998). 6.3 Recreio escolar Recreio é o período escolar em que a criança se envolve em atividades físicas supervisionadas por adultos, que geralmente ocorrem no pátio, no ginásio ou no 64 playground da escola. O recreio foi criado para dar à criança um intervalo dos estudos e pode se caracterizar por atividades mais sedentárias, como conversas entre as crianças, ou atividades mais ativas, como jogar futebol, brincar de pega-pega ou de esconde- esconde. O recreio pode ou não ser dirigido. O recreio dirigido apresenta atividades mais estruturadas. Como um espaço e tempo essenciais para a criança, que oportuniza o desenvolvimento de habilidades físicas, sociais, emocionais e cognitivas, para que o recreio seja de qualidade ele precisa ser planejado, com expectativas de uso do tempo, hábitos seguros, regras claras e pré-estabelecidas. Sobre hábitos seguros, Graber e Woods (2014) afirmam: Os professores devem examinar periodicamente os equipamentos do recreio para garantir que ninguém se machuque com correntes enferrujadas ou gira- giras, pontas afiadas ou espaços apertados onde as crianças podem prender um braço, uma perna ou um pé. Como alguns alunos são menos respeitosos quanto à questão dos turnos, os professores encarregados de controlar o pátio devem monitorar os equipamentos para impedir que sejam monopolizados. Da mesma forma, separar os alunos de acordo com sua idade e ano escolar também resulta em maior harmonia e segurança (p. 308). De acordo com estudiosos, o brincar propicia à criança maior atenção em sala de aula. Pesquisadores afirmam que disponibilizar mais tempo curricular para as atividades físicas afeta de forma positiva os estudos. Além disso, as crianças necessitam de atividades coletivas para desenvolver suas habilidades sociais pois, muitas vezes, têm poucas oportunidades em sala de aula. O recreio também promove a criatividade, a imaginação e a resistência. Durante o recreio, as crianças podem negociar o planejamento das atividades, construir confiança, resolver conflitos e estabelecer papéis de liderança, habilidades necessárias para o crescimento social. Também não podemos ignorar a importância das amizades construídas na infância. Em muitos casos, o recreio é o momento mais apropriado para a criança criar laços afetivos com seus pares (GRABER; WOODS, 2014). O recreio também “é uma estratégia valiosa para a redução do estresse causado por demandas escolares, questões familiares e pressão dos pares” (GRABER; WOODS, 2014, p. 306). Em termos emocionais, o recreio não só ajuda a diminuir o estresse, como 65 também estimula a criança a interagir socialmente, se autoavaliar, quando aprende a se comportar adequadamente diante de seus pares, e a desenvolver confiança em si mesma como ser autônomo e independente. Outro fator relevante: o recreio fisicamente ativo promove o bem-estar físico e a saúde da criança. Com os dados alarmantes sobre a crescente obesidade infantil e juvenil observadas atualmente, recreios fisicamente ativos podem ser catalisadores do movimento oferecendo, de acordo com pesquisadores, metade das oportunidades de promoção de atividades físicas entre as crianças durante o ano letivo. Apesar da liberdade que a criança usufrui durante o recreio, algumas se sentem perdidas ou deslocadas quando não recebem orientações específicas. Se equipamentos simples, brinquedos ou brincadeiras forem sugeridos ou fornecidos, um maior número de crianças poderá partilhar desse tempo com mais prazer e satisfação. 6.4 Projetos na Educação Infantil A educação, como espaço disciplinar, interdisciplinar, transdisciplinar e multidisciplinar, apresenta fronteiras que, muitas vezes, se entrecruzam ou se tornam difusas. Essa realidade requer dos profissionais da educação a capacidade de dialogar e transitar por caminhos muitas vezes desconhecidos. Trabalhar com projetos didáticos é um caminho metodológico que permite agregar diferentes campos do saber, promovendo no aluno a construção de novos conhecimentos, com sentido e profundidade. Objetivos específicos relativos ao corpo, ao movimento e à ludicidade podem ser trabalhados em sala de aula por meio de projetos que integram diferentes áreas do conhecimento, como a Educação Física, as Artes Visuais, o Teatro, a Dança, a Música e as Ciências. Ao propor essa escolha metodológica para fomentar e desenvolver uma ação junto às crianças, o professor precisa levar em consideração alguns aspectos importantes. O primeiro deles é que é necessário ter clareza dos objetivos que se pretende alcançar: por exemplo, projetos podem objetivar o desenvolvimento do comportamento leitor da criança, a aproximação de conceitos científicos, de fatos históricos, de conhecimentos artísticos etc. Também é preciso ter foco durante o desenvolvimento de um projeto. Quando muitas áreas do conhecimento estão envolvidas em um mesmo projeto, o 66 excesso de conteúdos pode comprometer o aproveitamento do aluno, seu potencial de estabelecer conexões entre os assuntos e determinados conceitos. Outro aspecto importante é a escolha do tema. É preciso delimitar um tema específico pois, quando o planejamento e desenvolvimento de um projeto transitam por muitos temas, as crianças acabam por não aprofundar seus conhecimentos e a ação pedagógica acaba por ser superficial. Outro ponto a ser destacado: se a temática proposta estiver alinhada aos interesses da turma, não apenas do professor, às dúvidas, curiosidades e necessidades (criativas, expressivas, e até de saber mais!) dos alunos, aumentam as chances de o aprendizado ser mais significativo. Um projeto visa dar sentido às aprendizagens e isso ocorre desde o início do processo, quando o professor se atenta para o que narram seus alunos e estabelece relações entre essa escuta e os objetivos de aprendizagem propostos. Dessa forma, o professor exerce papel de mediador, provocando novos sentidos e outras curiosidades, e intervindo quando a criança solicita ou quando ele percebe essa necessidade, identificando o momento adequado para realizar perguntas mobilizadoras ou acrescentar informações. É preciso oferecer apoio constante para ampliar os saberes da turma, sempre alinhado com as intenções do projeto, com a curiosidade das crianças, com a troca de ideias no grupo, com as negociações no momento de socialização e principalmente com as oportunidades de sistematizar os conhecimentos construídos pela turma, para que possam ser retomados e revistos ao longo do projeto. Um projeto devidamente planejado confere mais oportunidades para a criança aprender: ela precisa de fato experimentar o papel de pesquisadora e ser protagonista de sua própria aprendizagem. Colocar a criança como protagonista de sua aprendizagem “significa interagir com as suas narrativas e expressões, interpretá-las e sempre relacioná-las com a intencionalidade do projeto”. Esse foco deve aparecer durante o planejamento das etapas de um projeto (CORTEZ, 2013). 67 Quando são fornecidos tempo e condições para a continuidade do pensamento em torno de um assunto, as crianças têm mais oportunidades de elaborar novas conexões e isso, com certeza, pode envolver outras áreas do conhecimento. Mas é importante não perder a dimensão das expectativas de aprendizagens e pensar em intervenções que possam tanto relacionar como aprofundar os conceitos das diferentes áreas que serão trabalhadas (CORTEZ, 2013, s.p.). Ao professor, também cabe a condução e o acompanhamento das atividades de um projeto. Fica ao encargo do professor selecionar o que é essencial para que os objetivos do projeto sejam alcançados e cuidar para que as perguntas elaboradas e dirigidas aos alunos sejam de fato mobilizadoras, ou seja, atuem como ferramentas de reflexão. Outro aspectoque precisa ser destacado no planejamento de um projeto é que é preciso ter flexibilidade. Um projeto didático precisa apresentar um problema/questão central, a partir do qual serão planejadas as ações. Cada ação planejada deve buscar relacionar os conhecimentos prévios dos alunos com os novos conhecimentos adquiridos. Para tanto, é necessário ter flexibilidade nas intervenções, pois não é possível prever as falas, pensamentos, questões e ações da criança após ser estimulada por meio de perguntas, imagens, leituras, informações, conceitos etc., e sobretudo pela socialização dos saberes com os pares. Para Cortez (2013), “ao trabalhar com projetos, o professor torna-se também um pesquisador do pensamento das crianças, dos conhecimentos pertences à cultura e da sua própria prática”. 6.5 Planejamento na Educação Infantil Como vimos anteriormente, ao trabalhar com jogos e brincadeiras em sala de aula, o professor atua como mediador desse processo, potencializando as interações da criança com os pares e com o mundo. O professor também oferece à criança situações de aprendizagem diversificadas, a fim de promover seu desenvolvimento integral, tanto físico, quanto social, emocional e cognitivo. Com isso, a educação passa a assumir caráter essencial, uma vez que impulsiona tal desenvolvimento. Para tanto, é necessário pensarmos numa educação organizada de forma intencional, planejada. Planejar na Educação Infantil deve ser uma atividade contínua, em que o professor não somente escolhe conteúdos e metodologias ou elabora atividades, mas acompanha e diagnostica os avanços e dificuldades da turma e dos alunos, individualmente, 68 verificando se os objetivos foram ou não alcançados. Também avalia a necessidade de realizar mudanças para que o processo se torne mais significativo para os alunos. O planejamento das atividades diárias pode ser definido como um instrumento que orienta a prática docente e possibilita uma reflexão sobre essa prática e sobre as metodologias utilizadas em sala de aula, pois envolve todas as ações, escolhas e situações do educador. Planejar é essa atitude de traçar, projetar, programar, elaborar um roteiro para empreender uma viagem de conhecimento, de interação, de experiências múltiplas e significativas para com o grupo de crianças. Planejamento pedagógico é a atitude crítica do educador diante de seu trabalho docente. Por isso não é uma fôrma! Ao contrário, é flexível e, como tal, permite ao educador repensar, revisando, buscando novos significados para sua prática pedagógica. O planejamento marca a intencionalidade do processo educativo. [...] Documentando o processo, o planejamento é instrumento orientador do trabalho docente (OSTETTO, s.d., p. 1). De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p. 196), cabe “[...] ao professor planejar uma sequência de atividades que possibilite uma aprendizagem significativa para as crianças, nas quais elas possam reconhecer os limites de seus conhecimentos, ampliá-los e/ou reformulá-los”. Ostetto (s.d.) explica que, de acordo com Mello (s.d.), para elencar objetivos em seu planejamento de aulas, o professor precisa possuir concepções teóricas que norteiem sua ação pedagógica, como a compreensão do desenvolvimento da criança e de seu processo de formação. Isso, por sua vez, dará sentido a sua prática docente. Nessa perspectiva, aprofundar-se em teorias e concepções sobre o processo de ensino e aprendizagem fará com que o professor atue com autonomia e intencionalidade, planejando uma rotina flexível que leve em consideração as necessidades e percalços que surgirem no percurso. Um planejamento pode assumir diferentes formatos. De acordo com Ostetto (s.d.), a forma de escrever um planejamento é muito pessoal, desde algo apenas sistematizado até um documento bastante detalhado. A elaboração do planejamento “depende da visão de mundo, de criança, de educação, de processo educativo que temos e que queremos”. Também envolve escolhas, que derivam da cultura, da formação, dos 69 valores, crenças e princípios do educador. No processo de elaboração de um planejamento, o professor exercita sua capacidade de perceber as necessidades da turma, pois o ato de planejar pressupõe um olhar atento à realidade escolar (OSTETTO, s.d., p. 2). Conclusão Neste Bloco tratamos dos diferentes tempos e espaços da escola e da inserção de questões relativas ao corpo, à ludicidade e ao movimento que podem ser trabalhadas por meio da metodologia de projetos ou de um planejamento intencional e de qualidade. REFERÊNCIAS CORTEZ, C. “O que um bom projeto para a Educação Infantil precisa ter?” In: Revista Nova Escola, ago. 2013. Disponível em: <https://bit.ly/3aRspS0>. Acesso em: fev. 2020. FRIEDMANN, A. A criança na brinquedoteca. In: FRIEDMANN, A. (org) “O direito de brincar”. 4º ed. São Paulo: Edições Sociais: Abrinq, 1998, p. 67-77. GRABER, K. C. Educação Física e Atividades para o Ensino Fundamental. São Paulo: AMGH, 2014. [Minha Biblioteca]. JESUS, D. A. D; GERMANO, J. “A importância do planejamento e da rotina na Educação Infantil”. In: II Jornada de Didática e I Seminário de Pesquisa do CEMAD: docência na educação superior: caminhos para uma práxis transformadora. Disponível em:<https://bit.ly/3bZ5jJg>. Acesso em: fev. 2020. OLIVEIRA, N. R. C. Corpo e movimento na Educação Infantil: concepções e saberes docentes que permeiam as práticas cotidianas. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2010. OSTETTO, L. E. Planejamento na Educação Infantil... Mais que a atividade, a criança em foco. s.d. Disponível em: <https://bit.ly/2Rf801J>. Acesso em: fev. 2020. 70 ROSA, F. V; KRAVCHYCHYN, H; VIEIRA, M. L. Brinquedoteca: a valorização do lúdico no cotidiano infantil da pré-escola. Barbaroi, n. 33, Santa Cruz do Sul, dez. 2010. Disponível em:<https://bit.ly/2JIqTWx>. Acesso em: fev. 2020. SILVA, W. V. O movimento corporal na educação infantil: em busca de compreensão do cotidiano da sala de aula. Dissertação (Mestrado em educação: Processos Socioeducativos e práticas escolares). Universidade Federal de São João del-Rei, 2011. SESC – Serviço Social de Comércio. “A importância do lazer e da recreação para o aprendizado na educação infantil”. In: Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer. s. d. Disponível em: <https://bit.ly/2Rg7JLE>. Acesso em: jan. 2020.