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PEDAGOGIA 1º PERIODO
HISTORIA DA EDUCAÇAO
LUDIMILA SANTOS SILVA
202003251755
OBJETIVOS
IDENTIFICAR AS CARACTERISTICAS DOS MODELOS EDUCACIONAIS NO DISCURSO DA HISTORIA, BEM COMO SUAS CONTRIBUIÇOES PARA A FORMAÇAO DOS SUJEITOS E DAS SOCIEDADES.
RECONHECER A IMPORTANCIA DO DIALOGO PRODUTIVO ENTRE HISTORIA E PEDAGOGIA,
ENUMERAR AS CONTRIBUIÇOES DOS POVOS E DOS FATOS HISTORICOS DA CONTRIBUIÇAO DOS MODELOS DE FORMAÇAO DO SUJEITO E NA INSTITUIÇAO DO CONHECIMENTO.
POR ENTRE CAMPAINHAS E CORREDORES: ORGANIZAÇÃO DO TEMPO E DO ESPAÇO NO GRUPO ESCOLAR CÉSAR BASTOS (1947-1961)
1. INTRODUÇÃO
2. A implantação dos grupos escolares teve início em São Paulo, a partir de 1890 e serviu de referência aos demais estados, que, ao seu modo e de acordo com suas condições financeiras, buscavam instalar este novo molde de ensino primário. Denominada, inicialmente, de escola graduada ou seriada, esse modelo pressupunha um sistema de ensino mais ordenado, de caráter estatal e, estabelecia normas de relações intraescolares constituídas de acordo com a racionalidade científica e a divisão do trabalho. Além do mais, os grupos escolares trouxeram, em seu bojo, a necessidade de constituição e diferenciação de um espaço específico para o funcionamento da escola pública.
Dada a relevância da escola primária, que ora se estabelecia no projeto modernizador republicano, considerou-se o imperativo de que a mesma fosse dotada de um prédio próprio. Para tanto, este espaço, que caracterizava o lugar da educação escolar, deveria ocupar posição de destaque. Além de legitimar um novo espaço para a educação, os grupos escolares instauraram, também, novas referências de tempos e ritmos. O intuito de delimitar o tempo passou a ser estabelecido pelo detalhamento das matérias de ensino, calendários e horários escolares, o que tornou necessária a presença de instrumentos como relógios, campainhas e sinetas. Sob esta vertente, o presente trabalho - situado no âmbito da história e historiografia da educação brasileira - apresenta resultados finais da investigação científica (em nível de Mestrado) concluído em 2013, sobre o processo de gênese, constituição e cotidiano do Grupo Escolar César Bastos, criado e instalado na cidade de Rio Verde/GO, no ano de 1947. Para tanto, tem-se como objetivo verificar como ocorreu o processo de apropriação do espaço e tempo escolar por esta instituição de ensino, no período de 1947 a 1961. A opção pela construção acerca de interpretações sobre o modo de apropriação de tempos e espaços, realizados pelo Grupo Escolar, justifica-se por não haver, no âmbito local e regional, estudos neste campo (em nível de Mestrado ou Doutorado), pois até o momento, esta constitui a única pesquisa acadêmica concluída que abarca o ensino primário difundido pelos grupos escolares no Estado de Goiás. Anseia-se, também, elaborar um estudo que esteja inserido no cerne dos debates contemporâneos, buscando captar a relação particular/geral e suas imbricações. Com relação ao corpus documental, este trabalho versará na análise das seguintes fontes: Regulamento do Ensino Primário do Estado de Goiás (1949), entrevista com ex-professores e ex-alunos, livro de ponto de funcionários e fotografias. No entanto, há que se considerar que as fontes históricas resultam de produções humanas e, para tanto, serão consideradas como formas de expressão da materialidade investigada. 2. A ORGANIZAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL COMO MECANISMO DE VIGILÂNCIA E CONTROLE Os grupos escolares trouxeram, em seu bojo, a necessidade de constituição e diferenciação de um espaço específico para o funcionamento da escola pública. Dada a relevância da escola primária, que ora se estabelecia no projeto modernizador republicano, considerou-se a necessidade de que a mesma fosse dotada de um prédio próprio, visto que se formulava uma nova “[...] configuração da escola como um lugar, situada em edifício próprio especialmente escolhido e construído para ela, dotando-a dessa maneira, de uma identidade” (SOUZA, 1998, p. 122). 11 Este espaço, que caracterizava o lugar1 da educação escolar, deveria ocupar posição de destaque. Para tanto, “ocupavam não apenas os ‘melhores prédios’, mas aqueles mais centrais” (FARIA FILHO, 2000, p. 42). Dessa forma, os edifícios dos grupos escolares deveriam “convencer, educar, dar-se a ver!” SOUZA (1998, p. 123). Corrobora tal assertiva o edifício do primeiro grupo escolar de Rio Verde/GO, que possuía um prédio majestoso e encontrava-se instalado no centro da cidade, ocupando lugar de destaque ao lado de outras instituições públicas. No entanto, com o passar dos anos, devido ao aumento da população nas áreas urbanas e a crescente procura por escolas primárias, a história dos grupos escolares começa a tomar outros rumos: passando de palácios a pardieiros (FARIA FILHO, 2000). De acordo com Carvalho (1988), o Estado de São Paulo, em 1948, deu início à prática de improvisação, por meio da construção de escolas nos pátios dos grupos escolares, em terrenos particulares ou públicos. Em Rio Verde/GO, a ausência do Estado pode ser evidenciada por meio da análise da gênese do Grupo Escolar César Bastos. O edifício do segundo grupo escolar da cidade foi uma construção erguida por cidadãos da comunidade rioverdense e teve, como elemento difusor, o ex-deputado federal César da Cunha Bastos. O prédio do Grupo Escolar ocupava uma área2 na periferia da cidade e reunia crianças de toda parte da cidade, inclusive da zona rural. Na frente do edifício, construído em alvenaria, erguia-se um grande portão, sendo que todo o terreno ocupado pelo grupo encontrava-se cercado por um alto muro de tijolos, de modo a obstaculizar a relação da escola com a rua, pois: O muro configuraria, simbólica e materialmente, a delimitação de um espaço próprio, apartado da rua e que se auto-institui como significativo, ao mesmo tempo em que produz aquela como lugar maléfico às crianças (FARIA FILHO, 2000, p. 62). Após a entrada pelo portão, alunos, funcionários, pais e demais pessoas que visitavam a instituição de ensino tinham acesso, ao lado do passeio de concreto, a um pequeno jardim com umas poucas plantas e quase nenhuma grama, que ia ter às entradas do edifício. A entrada compunha a parte central do prédio, de modo a quebrar “a rigidez do traçado retilíneo retangular” (SOUZA, 1998, p. 132). 1 Segundo Souza (1998), a noção de lugar pressupõe a construção do espaço, a sua ocupação e utilização; permite compreender a estrutura física do lugar nos limites da dimensão sociocultural. Nesse sentido, as formas tendem a ser físicas e humanas a uma só vez. 2 Não foram encontradas fontes relativas à planta da unidade escolar ou meio de aquisição do terreno. De acordo com a entrevistada Guimarães (2012), certamente o terreno foi adquirido por meio de requerimento junto à Prefeitura Municipal de Rio Verde, o que era muito comum na época. 12 FIGURA 1 - Entrada do Grupo Escolar César Bastos Fonte: Escola Estadual de Tempo Integral César Bastos Por detrás dos muros, do portão, das paredes e jardim, a disposição e distribuição do espaço escolar refletiam um projeto particular, com vistas a civilizar e moralizar as crianças e, por extensão, suas famílias. Desse modo: No interior do edifício-escola configura-se uma gramática espacial na qual a distribuição do espaço corresponde aos usos e às funções diferenciadas, à fragmentação e às especializações de atividades, à disposição de objetos, ao deslocamento e encontro dos corpos, enfim, a toda uma geometria de inclusão e exclusão (SOUZA, 1998, p. 138). Dentro dessa divisão espacial, as salas de aula foram projetadas nas laterais, de forma ordenada e linear, distribuídas igualmente entre os dois lados da escola, a partir de um eixo central. O seu interior era retangular3 e o sistema de abertura se dava por meio de quatro janelas, sendo duas localizadas para o lado de fora e duas voltadas para o pátio interno. Vale ressaltar que as janelas que ficavam para o lado de fora do prédio eram feitas de madeira e vidro e as internas eram apenas de madeira, de modoa dar visibilidade e imponência aos que passavam na rua. Além das salas de aula, logo na entrada principal havia duas salas pequenas, destinadas à administração da escola, o que permitia controlar a entrada e saída dos alunos, acompanhar o andamento das atividades escolares e impedir a entrada de pessoas não autorizadas. Este local era composto pela sala da diretora e secretaria. 3 De acordo com Souza (1998), a disposição retangular da sala de aula facilita a visualização e disposição das carteiras e concentração da atenção dos alunos em uma das extremidades, isto é, onde fica o professor e o quadro negro. 13 Sobre este cômodo destinado à secretaria, a ex-diretora, dona Gélcia, afirmou que ele nunca foi utilizado para esse fim, pois servia como local para preparo de um leite em pó que o Estado mandava para o lanche das crianças e, como não havia secretária na escola, todo o trabalho relativo a essa profissional era feito por ela, que mantinha tudo arquivado em sua sala (SILVA, 2012). A localização na esquina permitia que a luminosidade entrasse de todos os lados e seu modelo simétrico, lugar de onde foram banidas as figuras circulares “não permitia se perder numa curva nem o olhar poderia se enganar em algum desvio ou devido à escassez de luminosidade” (PINTO, 2009, p. 106). O edifício escolar apresentava o formato em “U”, como pode ser evidenciado na figura abaixo: FIGURA 2 - Homenagem ao aniversário de César da Cunha Bastos Fonte: Arquivo pessoal da senhora Baby Bastos De acordo com Bencostta (2005), a arquitetura dos grupos escolares nesses moldes indica que os projetos nesse formato buscam ocultar o espaço interno. No caso do Grupo Escolar este formato resguardava até mesmo a entrada das salas de aula, pois suas portas se encontravam todas para o pátio descoberto, desprotegidas, até mesmo de corredores. Os sanitários se localizavam na parte externa do prédio escolar, fora da zona edificada. Dessa forma, ir ao sanitário significava “um passaporte para o refúgio, um momento para gazear” (SOUZA, 1998, p 141). Assim, o prédio do Grupo Escolar se constituía, portanto, em um edifício simples, apenas com os cômodos indispensáveis para o seu funcionamento: salas de aula, diretoria, sanitários e pátio para o recreio. O pátio do César Bastos significava o único espaço adequado para congregar todos os festejos da unidade escolar. Nele, além das atividades culturais e cívicas, também eram realizadas as atividades de educação física e o recreio dos alunos. 14 Segundo o ex-aluno, Sr. Jairon, era nesse espaço onde os meninos brincavam de bicicleta (DUARTE, 2013). Assim, o pátio consistia no “único lugar dentro da escola onde os corpos poderiam se movimentar com maior liberdade, sem chocar com os móveis e com as fronteiras imediatas” (SOUZA, 1998, p. 144). De acordo com os entrevistados, no Grupo Escolar não eram desenvolvidas atividades dirigidas durante o recreio. No entanto, apesar de meninas e meninos ocuparem o mesmo espaço, havia um limite de convivência: as meninas brincavam de um lado e os meninos de outro, sem se misturar, o que ocorria também na sala de aula. Era no pátio, também, que se realizavam as filas antes de entrar para a sala de aula, impedindo que os alunos adentrassem àquele espaço no mesmo ritmo que vinham da rua. Nesse sentido, “o pátio escolar significava a ‘passagem’ de uma ordem a outra, de uma cultura a outra, onde a fila cumpria o importante papel de imposição de uma postura espacial-corporal necessária à ordem escolar” (FARIA FILHO, 2000, p. 63). Além de legitimar um novo espaço para a educação, os grupos escolares instauraram, também, novas referências de tempos e ritmos. Assim, “a escola primária republicana pôs em marcha uma organização racional do ensino na qual o emprego do tempo ganha relevância e significado” (SOUZA, 1998, p. 214). O intuito de delimitar o tempo passou a ser estabelecido pelo detalhamento das matérias de ensino, calendários e horários escolares, o que tornou necessário a presença de instrumentos como relógios, campainhas e sinetas. Com relação ao aproveitamento do tempo pelos grupos escolares, o Regulamento do Ensino Primário do Estado de Goiás estabeleceu uma série de prescrições. A primeira delas foi o calendário escolar, determinando o início e o término do ano letivo, as interrupções e a duração do exercício escolar. Desse modo, a legislação determinava o seguinte: Art. 18 – O ano escolar será de oito meses, dividido em dois períodos letivos, entre os quais se intercalarão períodos de férias, a saber: a) Períodos letivos de 1º de março a 30 de junho e de 1º de agosto a 30 de novembro; b) Períodos de férias de 15 de dezembro a 15 de fevereiro e de 1º a 31 de julho. § 1º - Haverá trabalhos escolares diariamente, exceto aos domingos, feriados nacionais e estaduais, e dias festivos. § 2º - Haverá duas provas escritas anuais: a primeira de 20 a 30 de junho e a segunda de 20 a 30 de novembro. § 3º - Os exames finais, orais e práticos devem ser realizados de 1º a 15 de dezembro, havendo uma segunda chamada, de 15 ao último dia de fevereiro, para os alunos que, por motivo de doença impeditiva de trabalho escolar, ou por motivo de luto em consequência do falecimento de pessoa de sua família (pais e irmãos) não puderem prestar ditos exames no tempo próprio. Art. 19 – Fora dos dias mencionados no parágrafo 1º do artigo anterior, as aulas não poderão ser suspensas sem prévia autorização da Secretaria de Educação, salvo se algum acontecimento local extraordinário justificar a 15 suspensão, a qual será levada ao imediato conhecimento da mesma Secretaria, cabendo exclusivamente a esta aprová-la ou não. § Único – Em caso negativo, isto é, julgado improcedente o motivo da suspensão, proceder-se-á ao desconto dos vencimentos e punição do responsável, devendo ser prorrogado o período letivo, a juízo da Secretaria da Educação (GOIÁS, 1949, p. 2). Bem se vê que o calendário escolar proposto pelo Regulamento refletiu não apenas uma concepção pedagógica, mas, também, concepções sociais, isto porque a semana e o dia correspondem aos módulos convencionais do tempo escolar e do tempo social do trabalho. Seis dias da semana eram destinados aos trabalhos escolares e o domingo era o dia de descanso e repouso. No entanto, cabe aqui lembrar que mesmo considerando os dias festivos como momentos de descanso, estes eram apropriados, pela escola, como dias letivos, principalmente quando motivados por comemorações de caráter cívico, ocasião em que a escola oferecia e participava de espetáculos, ou, em algumas ocasiões, “era o próprio espetáculo” (FARIA FILHO, 2000, p. 71). Ainda, segundo esse autor, os regulamentos propõem a constituição de um tempo artificial imposto às professoras, às diretoras, aos alunos e, mesmo, às famílias. Com relação ao funcionamento das aulas, a legislação estabelecia: Art. 82 – As aulas funcionarão: a) Das 12 às 16 horas nos Grupos Escolares e Escolas Isoladas que possuam um só turno; das 7,30 às 11,30 horas e das 12 às 16 horas, nos mesmos estabelecimentos, quando possuírem dois turnos. Art. 83 - O período de aula compreenderá dois tempos: o primeiro, de 2 horas e o segundo de 1 ½ horas, havendo entre eles um intervalo de meia hora para o recreio e merenda. Art. 84 – O recreio será ao ar livre, sob a vigilância dos professores e inspetores de alunos, onde houver (GOIÁS, 1949, p. 5). Deste modo, verifica-se que o horário escolar era legitimado como um dos eixos organizadores da rotina da comunidade envolvida, posto que fixava o tempo de trabalho e atividades pedagógicas, bem como os momentos destinados ao descanso, lazer e ociosidade. Além do mais, o tempo escolar se articulava com uma rede disciplinar, pois, “ele educa, modela e conforma, prestando-se aos desígnios da civilização” (SOUZA, 1998, p. 222). Inicialmente, em 1948, ano de instalação em prédio próprio, o Grupo Escolar César Bastos funcionou apenas no tuno vespertino e atendeu a quatro turmas de alunos, regidas pelas professoras Ena Maria Ferreira - que também exercia a função de diretora -, Silviade Souza Barros, Adelice Bueno de Freitas e Eunice Gomes Monteiro (GECB, 1947-1961). Em 1949, a demanda por vagas obrigou a diretora a determinar o funcionamento da escola em dois turnos: das 7 às 11 horas e das 12 às 16 horas. Observa-se que as aulas do turno matutino não atendiam ao horário proposto no Regulamento: das 7h30min às 11h30min, o que tornou a tentativa de controle do 16 Estado um tanto falha, isto porque, a diretora buscou organizar o tempo do Grupo “de acordo com outros parâmetros que não os da linearidade e fixidez dos regulamentos” (FARIA FILHO, 2000, p. 71). Outro item que evidencia o não atendimento às normas propostas no Regulamento refere-se à questão do recreio. De acordo com a legislação, esse momento de descanso deveria ser acompanhado por diretores ou professores, que deveriam se manter “entre as crianças, corrigindo-lhes com firmeza e carinho as faltas, os vícios de educação e linguagem” (GOIÁS, 1949, p. 5). No entanto, de acordo com a ex-aluna, Maria Lemes, ninguém ficava olhando os alunos na hora do recreio, para ver se os meninos se misturavam às meninas, uma vez que era proibida a brincadeira entre as crianças de sexo diferente. “A diretora de vez em quando passava por lá” (LEMES, 20013). Apesar de a escola atender em dois turnos, a procura por vagas crescia a passos largos. No início do ano letivo, ou seja, no dia 07 de março de 1949, de acordo com a diretora, em ofício enviado ao Secretário de Educação, havia duzentos alunos matriculados, sendo cem no turno matutino e cem no vespertino, o que excedia o limite de atendimento previsto para o Grupo Escolar. Assim, no dia 20 de abril de 1949, a diretora enviou outro ofício, desta vez ao Governador do Estado, em forma de abaixo assinado, informando sobre o desejo da mesma em ampliar o prédio do Grupo Escolar, com vistas a expandir o número de vagas. Para tanto, informa a necessidade de aquisição de outro terreno, que segundo ela, já teria sido solicitado ao prefeito, sem resposta positiva por parte do dirigente municipal, que se encontrava com má vontade “em conceder as justas pretensões do povo por julgar que venha a favorecer a facção política que se encontra em oposição ao governo Municipal4 ” (GECB, 1949). Tendo seu pedido indeferido, em 9 de maio do mesmo ano, o número de alunos matriculados chegou a duzentos e setenta. Segundo a diretora, havia uma lista de espera com vários nomes de crianças, “aguardando a creação de nova cadeira, afim de que seja aberta as aulas que se instalarão em uma sala nova, feita para esse fim” (GECB, 1949b). O tamanho da demanda pelo ensino primário evidencia o pouco atendimento oferecido pelo poder público para as crianças em idade escolar. A insistência da diretora pela ampliação do edifício suscita alguns questionamentos que, as fontes não deixaram evidências para serem respondidas. O Grupo Escolar possuía quatro salas de aula e funcionava em dois turnos, então atendia a oito turmas. Assim, se dividir os duzentos alunos mencionados no ofício do dia 07 de março pelas oito turmas, o total de alunos seria de vinte e cinco. Seria, realmente, o prédio escolar pequeno para o atendimento desse quantitativo de crianças ou a diretora estava a aproveitar dos vínculos políticos para conseguir algum benefício? 4 Como mencionado anteriormente, César da Cunha Bastos, fundador do Grupo Escolar, pertencia à UDN, partido do Governador do Estado e oposição ao PSD, partido do Prefeito de Rio Verde da época. Percebe-se pelo documento, uma luta política travada entre o dirigente municipal e o dirigente estadual, o que deixava, à mercê, a instituição de ensino. 17 Acredita-se que a maior procura por educação escolar se relacionava a alunos que buscavam o aprendizado das primeiras letras e, valendo-se das proposições instauradas pelo Regulamento concernentes ao quantitativo de alunos por sala de aula, a diretora quis fazer valer a lei5 , que determinava: “Art. 67 – A matrícula máxima permitida nas diferentes classes nos Grupos Escolares será de 30 alunos para o primeiro ano; 35 para o segundo ano; 40 alunos para as demais séries do curso primário elementar e complementar” (GOIÁS, 1949, p. 4). Apesar das tentativas, pelo menos até o ano de 1961, o pedido da diretora ainda não havia sido atendido e o Grupo Escolar permanecia com quatro salas de aula. Com o passar dos anos houve um grande aumento do número de alunos e o prédio escolar tornou-se, realmente, insuficiente para atender a demanda, o que ocasionou o atendimento em três turnos diários de aula. O rápido crescimento da cidade reclamava a ação urgente para a ampliação da rede de escolas, especialmente do ensino primário. No entanto, nem mesmo o aumento da alíquota da participação dos municípios propostos pela Constituição Federal de 19466 , foi suficiente para tirar da inércia o poder público, apesar da crescente e inadiável necessidade de expansão da rede escolar. Assim uma estratégia utilizada pelo Estado para enfrentar a falta de escolas foi a fragmentação do horário escolar. No Estado de São Paulo, como afirma Carvalho (1988), tal iniciativa teve início no ano de 1928, com aulas em três turnos de três horas e sem recreio e, a partir de 1955, com duração de duas horas, funcionando a escola em quatro turnos, durante o dia. De acordo com esta autora, as escolas com mais de dois turnos se concentravam nos bairros habitados, principalmente, por segmentos da classe de renda mais baixa, evidenciando a diferença de tratamento dado pelos poderes públicos aos problemas sociais, conforme afetem esta ou aquela classe social. Acontece, assim, “a lei do cuidado inverso: quanto mais pobre é a população, menor é a quantidade e a qualidade dos cuidados que recebe” (CARVALHO, 1988, p. 87). A partir de 1957 o Grupo Escolar passou a atender em três turnos, durante o dia, com aulas de duração de 3 horas. O primeiro turno se iniciava às 7h30min e terminava às 10h30min, o segundo ia das 11h às 14 h e o terceiro começava às 14h e perdurava até às 17h. Provavelmente a limpeza da escola era realizada no intervalo entre o primeiro e o segundo turno, pois não há espaço de tempo livre entre o segundo e terceiro turnos. Das nove turmas atendidas, seis eram de alunos do primeiro ano, o que comprova a crescente demanda da população em busca de educação escolarizada. Apesar do expressivo aumento das turmas de alfabetização a partir de meados da década de 1950, como pode ser evidenciado na tabela abaixo, Rio Verde ainda contava com um grande número de analfabetos. De acordo com o 5 Sob a vertente do Regulamento, o número de alunos informados no ofício do dia 09 de maio excederia o determinado pela legislação para as turmas de primeiro ano. 6 A Constituição Federal determinava um aumento de 10 para 20% nas quotas de impostos municipais que deveriam ser destinados à educação. No entanto, o município de Rio Verde não dispensou mais do que 11,7% de sua arrecadação ao ensino. 18 recenseamento realizado em 1956, a cidade abarcava uma população, acima de 5 anos, de 4.572 habitantes sendo que, destes, 3.090 sabiam ler e escrever, o que representa um percentual de 68, 3%. TABELA 1 - Crescimento do número de turmas de 1º ano no período de 1954 a 1958 Período Nº de turmas Quantidade de alunos Índice 1954 3 79 100 1955 5 118 149 1956 5 144 189 1957 6 172 217 1958 9 217 275 Fonte: GECB (1954-1958) Os dados apontam o índice de crescimento de 275% no número de alunos que finalizaram o 1º ano no Grupo Escolar no período de 1954 a 1958. Certamente, a matrícula inicial excedeu bastante esse percentual. No entanto, os dados apresentados constam na Ata de Exames Finais (1954-1958) da instituição de ensino, sendo avaliados, apenas, os alunos frequentes. Os números apresentados revelam a importância do estabelecimento de ensino frente à alfabetização da população rio-verdense. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS As organizações do tempo e dos espaços escolares impõem regras, valores e condutas que são interiorizadas pelos sujeitos envolvidos no processo educacional. Logo, o que se verificou no Grupo Escolar CésarBastos, foi a utilização racionalizada do tempo e dos espaços, de modo a garantir o controle sistemático do trabalho das professoras e a disciplina dos alunos Essa investigação procurou reconstruir a história de uma instituição escolar que se localiza no interior do estado de Goiás. Acredita-se que este trabalho, em consonância com outros que exploram a temática dos grupos escolares possa contribuir para a ampliação dos estudos sobre a história da escola pública primária, principalmente no que tange à investigação de períodos posteriores à instalação dos primeiros grupos escolares, que remontam ao final do século XIX e início do século XX. Além do mais, como foi explicitado na introdução, parcas são as pesquisas sobre o ensino primário goiano, principalmente no período delimitado para este estudo, a saber, de 1947 a 1961, o que permite assinalar que o presente trabalho representa um valioso material de pesquisa sobre a História da Educação de Goiás. 19 REFERÊNCIAS BENCOSTTA, Marcus Levy Albino (org.). História da Educação, arquitetura e espaço escolar. São Paulo: Cortez, 2005. CARVALHO, Celia Pezzola de. O difícil acesso à escola primária pública: Estado de São Paulo, 1945-1964. 230f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, 1988. DUARTE, Jairon Nogueira. Entrevista concedida em 22/01/2013. (30 min.). Nasceu no dia 29/01/1940 e foi aluno do Grupo Escolar César Bastos no período de 1951 e 1952, cursando o 1º e 2º anos. Escolaridade: Segunda série ginasial. Profissão: marceneiro. FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Dos pardieiros aos palácios: cultura escolar e urbana em Belo Horizonte na Primeira República. Passo Fundo: UPF, 2000. GECB. Ata relativa aos exames finais. Rio Verde, 1954-1958 ________. Livros de pontos dos funcionários. Rio Verde, 1947-1961. ________. Ofício nº 15: Abaixo assinado. Rio Verde, 1949. ________. Solicitação de nova sala de aula. Rio Verde, 1949b. GOIÁS.

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