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A PEC Nº 215 E SEU IMPACTO NOS DIREITOS INDÍGENAS NO BRASIL


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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE 
VINICIUS ROCHA MOÇO 
 
São Paulo 
2018 
 
 
 
 
 
 
A PEC Nº 215 E SEU IMPACTO NOS DIREITOS INDÍGENAS NO BRASIL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
VINICIUS ROCHA MOÇO 
 
 
São Paulo 
2018 
 
 
 
 
 
A PEC Nº 215 E SEU IMPACTO NOS DIREITOS INDÍGENAS NO BRASIL 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à 
Faculdade de Direito da Universidade 
Presbiteriana Mackenzie de São Paulo como 
requisito parcial à obtenção do grau de 
Bacharel em Direito. 
 
 
 
 
 
ORIENTADOR: Prof. Dr. Flávio de Leão Bastos Pereira 
 
 
 
VINICIUS ROCHA MOÇO 
 
 
 
 
 
 
A PEC Nº 215 E SEU IMPACTO NOS DIREITOS INDÍGENAS NO BRASIL 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à 
Faculdade de Direito da Universidade 
Presbiteriana Mackenzie de São Paulo como 
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel 
em Direito. 
 
Aprovado em 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
_________________________________________________________ 
Prof. Dr. Flávio de Leão Bastos Pereira 
Universidade Presbiteriana Mackenzie 
_________________________________________________________ 
Profª. Drª. Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci 
Universidade Presbiteriana Mackenzie 
_________________________________________________________ 
Profª. Me. Patrícia Cristina Brasil Massmann 
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e 
Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aos meus amados pais pela vida e por terem 
me criado e guiado no caminho da ética; à 
minha amada esposa, por todo amor, paciência 
e apoio. 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
À minha esposa por toda ajuda material e emocional ao longo de toda graduação. 
À minha família pelo amor, apoio e motivação em todos os momentos da minha 
vida. 
À Universidade Presbiteriana Mackenzie por oferecer uma graduação de excelência e 
disponibilizar bolsas de estudo a alunos como eu. 
Ao Prof. Dr. Flávio de Leão Bastos Pereira pelo comprometimento profissional, pela 
orientação ao longo deste trabalho e pelas inúmeras lições ensinadas. 
A tod@s @s amig@s que jamais saíram do meu lado e me apoiaram ao longo de 
toda graduação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A natureza pode suprir todas as necessidades do homem, menos 
a sua ganância (Mahatma Gandhi). 
 
 
 
 
RESUMO 
A presente pesquisa tem como objetivo investigar se, e como, a Proposta de Emenda à 
Constituição nº 215, ou apenas PEC nº 215, afronta direitos indígenas vigentes no Brasil. A 
Proposta objetiva a transferência da competência de demarcação de terras indígenas do 
Executivo Federal para o Congresso Nacional, órgão que sofre forte influência da Frente 
Parlamentar Mista da Agropecuária. Os direitos indígenas são protegidos no país por diversas 
normas de direito interno e de direito internacional. Porém, tais direitos acabam sendo vistos 
como entraves ao desenvolvimento econômico do país, pois as terras indígenas são, 
historicamente, objeto de disputa para construção de grandes obras, introdução da pecuária e 
agroindústria e extração de madeira e minerais. Os índios, que não encontram qualquer 
representação no Congresso Nacional, ficam à mercê da produção legislativa da Frente 
Parlamentar Mista da Agropecuária, que impacta diretamente nos direitos desse segmento 
populacional. No entanto, constata-se que a PEC nº 215 é inconstitucional, violando as 
cláusulas pétreas referentes aos direitos e garantias individuais e ao princípio da separação de 
poderes. Além disso, conclui-se que a PEC nº 215 também afronta diversas disposições de 
tratados, convenções e declarações internacionais adotados pelo Brasil, como a Convenção 
Americana sobre Direitos Humanos, a Convenção nº 169 da Organização Internacional do 
Trabalho, a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Declaração das 
Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, podendo gerar responsabilização 
internacional do país caso a proposta seja aprovada. 
Palavras-Chave: Direito indígena à terra. Proposta de Emenda à Constituição nº 215. Sub-
representação indígena. Frente Parlamentar Mista da Agropecuária. 
 
 
 
 
ABSTRACT 
The present research aims to investigate whether, and how, the Proposed Amendment to 
Constitution Nº 215, or just PEC Nº 215, faces indigenous rights in Brazil. The purpose of the 
Proposal is to transfer the competence of demarcating indigenous lands from the Federal 
Executive to the National Congress, which is strongly influenced by the Mixed Parliamentary 
Front of Agriculture. Indigenous rights are protected in the country by various domestic and 
international laws. However, these rights are seen as obstacles to the economic development 
of the country, since the indigenous lands are, historically, object of dispute for the 
construction of large building projects, introduction of livestock and extraction of wood and 
minerals. The indigenous, who don’t have any representation in the National Congress, are at 
the mercy of the legislative production of the Mixed Parliamentary Front of Agriculture, 
which has a direct impact on the rights of this population. However, the PEC nº 215 is 
unconstitutional, violating the clauses of the individual rights and guarantees and the principle 
of separation of powers. In addition, the PEC nº 215 violates international treaties, 
conventions and declarations adopted by Brazil, such as the American Convention on Human 
Rights, Convention nº 169 of the International Labor Organization, the American Declaration 
on the Rights of Indigenous Peoples and the United Nation Declaration on the Rights of 
Indigenous Peoples, which could generate international accountability of the country if the 
proposal is approved. 
Keywords: Indigenous right to land. Proposed Amendment to Constitution Nº 215. 
Indigenous sub-representation. Mixed Parliamentary Front of Agriculture. 
 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS 
ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias 
ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade 
CADH Convenção Americana sobre Direitos Humanos 
CF88 Constituição Federal de 1988 
CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos 
CN Congresso Nacional 
DADPI Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas 
DNUDPI Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas 
EC Emenda Constitucional 
FP Frente Parlamentar 
FPMA Frente Parlamentar Mista da Agropecuária 
Funai Fundação Nacional do Índio 
IDH Índice de Desenvolvimento Humano 
INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos 
MS Mandado de Segurança 
OEA Organização dos Estados Americanos 
OIT Organização Internacional do Trabalho 
ONU Organização das Nações Unidas 
PC do B 
PDT 
PEC 
PL 
PLP 
PLS 
PMDB 
PPB 
PSOL 
PSTU 
PT 
STF 
Partido Comunista do Brasil 
Partido Democrático Trabalhista 
Proposta de Emenda à Constituição 
Projeto de Lei 
Projeto de Lei Complementar 
Projeto de Lei do Senado 
Partido do Movimento Democrático Brasileiro 
Partido Progressista Brasileiro 
Partido Socialismo e Liberdade 
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados 
Partido dos Trabalhadores 
Supremo Tribunal Federal 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11 
1 OS POVOS INDÍGENAS E A GARANTIA DO DIREITO À TERRA NO 
BRASIL ..................................................................................................................... 15 
1.1 OS ÍNDIOS E A IMPORTÂNCIA DE SUAS TERRAS .......................................... 15 
1.2 O DIREITO À TERRA INDÍGENA NO ORDENAMENTO JURÍDICO 
BRASILEIRO ........................................................................................................................... 19 
1.2.1 O Estatuto do Índio ..................................................................................................19 
1.2.2 A Constituição Federal de 1988 .............................................................................. 22 
1.2.3 O Decreto nº 1.775 e o processo de demarcação de terras indígenas no Brasil .. 25 
1.3 O DIREITO À TERRA INDÍGENA NO DIREITO INTERNACIONAL ................ 28 
1.3.1 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos ............................................... 29 
1.3.2 A Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da OIT ............................. 33 
1.3.3 A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas ........... 36 
1.3.4 A Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas ........................ 38 
2 A PEC Nº 215 E O PODER LEGISLATIVO EM ÂMBITO FEDERAL ........... 41 
2.1 AS FRENTES PARLAMENTARES ......................................................................... 45 
2.2 AS CANDIDATURAS INDÍGENAS E SEUS OBSTÁCULOS .............................. 49 
3 A PEC Nº 215 E SEU IMPACTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO 
BRASILEIRO ........................................................................................................... 60 
3.1 A PEC Nº 215 À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ........................ 62 
3.1.1 A constitucionalidade da PEC nº 215 ..................................................................... 62 
3.1.2 O controle de constitucionalidade de PEC ............................................................. 71 
3.2 A PEC Nº 215 À LUZ DAS NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL ............ 72 
 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 79 
 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 83 
 
11 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
O presente trabalho tem como objeto de investigação a Proposta de Emenda à 
Constituição (PEC) nº 215 de 2000 e se propõe a compreender os seus objetivos, as polêmicas 
que a envolvem, a sua constitucionalidade e a sua observância às normas e princípios 
emanados dos tratados e convenções internacionais aplicáveis ao Brasil. Será analisada 
também a Frente Parlamentar Mista da Agropecuária (FPMA) e as razões da baixa presença 
de representantes dos povos indígenas no Congresso Nacional. 
Estima-se, no mundo todo, que existam aproximadamente cinco mil povos indígenas, 
totalizando mais de 370 milhões de pessoas (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2018a). 
Embora seja questionável a redução da condição de indígena à cor, o Brasil começou a apurar 
sua participação na população nacional apenas em 1991, colocando a opção “índio” entre as 
classificações de cor de pele. Desde então, a população indígena saltou de 294.131, o 
equivalente a 0,2% do total de brasileiros à época (146.815.790), para 896.917, representando 
0,44% do total da população brasileira, sendo esta 190.749.191 em 2010 (INSTITUTO 
BRASILEIRO DE GEOGRÁFIA E ESTATÍSTICA, 2010). Desse total, 517 mil, ou 57,7%, 
moravam em terras indígenas oficialmente reconhecidas (terras indígenas reconhecidas com 
portaria declaratória do Ministério da Justiça). 
 Importante ressaltar que o critério utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e 
Estatística, também conhecido como IBGE, é o da autoidentificação, o que dificulta a 
obtenção de dados mais precisos, uma vez que uma pessoa de ascendência indígena pode não 
se reconhecer como tal por temer algum tipo de discriminação, e uma pessoa não indígena 
pode assim se declarar visando, por exemplo, a benefícios decorrentes de ações afirmativas 
(ANJOS FILHO, 2009, p. 498). Além disso, o Instituto Socioambiental (2018b) aponta a 
existência de 254 povos indígenas vivendo no Brasil entre os quais são utilizados mais de 150 
idiomas
1
, o que torna o Brasil um dos países mais multiculturais do mundo. 
Tamanha diversidade indica o caráter genérico da palavra “índio”, uma vez que o 
termo aponta para todo e qualquer grupo de ascendência pré-colombiana, reduzindo uma 
infinidade de povos e culturas a uma categoria sem identidade (HECK; PREZIA, 1998, p. 10). 
 
1
 O número não é preciso. O Atlas das Línguas em Perigo da Unesco aponta que há 190 idiomas em perigo de 
extinção no Brasil, sendo a principal ameaça as invasões às terras indígenas (FOLHA DE SÃO PAULO, 2018). 
12 
 
 
 
Entretanto, o vocábulo passou a designar todos os povos que descendem dos habitantes 
originários de um país ou região geográfica na época em que houve a conquista, colonização 
ou o estabelecimento das fronteiras atuais do Estado e que, independentemente da situação 
jurídica que ostentem, mantêm as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e 
políticas, ou ao menos parcela delas, independentemente da ascendência pré-colombiana 
(ANJOS FILHO, 2009, p. 272). 
Embora sejam povos diferentes, com cultura, idioma e costumes diferenciados, todos 
eles sofreram violência e expropriação de terras sistemáticas durante séculos. Seja no período 
colonial, no império ou na república, os índios e as terras indígenas foram e continuam sendo 
duramente atingidos em nome do progresso e do crescimento econômico no Brasil. Suas 
terras, objeto de disputa por todo o país, são visadas para construção de grandes obras, 
introdução da pecuária e agroindústria e extração de madeira e minerais (DAVIS, 1978, p. 21, 
62 e 137). 
Ao contrário das sociedades hegemônicas, para os povos indígenas a terra não é uma 
mercadoria, e não pode ser vendida ou comprada. É dela que retiram o seu sustento e com ela 
possuem uma relação social e religiosa. 
Nesse sentido, a perda da terra leva ao desaparecimento das tradições e da cultura, 
conduzindo a uma integração desordenada dessas pessoas à sociedade dominante jogando-os 
na extrema pobreza e miséria. Essa realidade é demonstrada em todos os relatórios do Índice 
de Desenvolvimento Humano (IDH), nos quais os povos indígenas constam entre os piores 
índices entre todas as etnias pesquisadas (ANJOS FILHO, 2009, p. 502). Embora 
representem 5% de toda população mundial, os povos indígenas representam 15% de toda a 
população vivendo em situação de pobreza (UNITED NATIONS DEVELOPMENT 
PROGRAMME, 2016, p. 78). 
É certo afirmar que os mais diversos povos indígenas possuem, cada um à sua 
maneira, seu próprio processo de desenvolvimento, uma vez que o significado de 
desenvolvimento seja “plurívoco”. Porém, o referido vocábulo ainda se confunde com o mero 
crescimento econômico, motivo pelo qual os povos indígenas ainda sejam vistos por diversas 
autoridades como atrasados e um entrave para o desenvolvimento nacional
2
. 
 
2
 Em março de 1975, o Governador de Roraima, General Fernando Ramos Pereira, disse que "uma área rica com 
ouro, diamantes e urânio, não pode dar-se ao luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas que estão 
atrasando o desenvolvimento do Brasil." (DAVIS, 1978, p. 133). Em outra situação, o General Ismarth de Aráujo 
Oliveira, enquanto presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), declarou que "é impossível deter o 
13 
 
 
 
A Constituição Federal de 1988 (CF88), em seu artigo 231, garante aos povos 
indígenas o direito às terras que tradicionalmente ocupam, sendo este direito garantido por um 
processo administrativo de demarcações de terras, conduzido pelo Poder Executivo e por seus 
órgãos técnicos. Porém, foi elaborada na Câmara dos Deputados, no ano de 2000, a PEC nº 
215 que propõe transferir ao Congresso Nacional (CN) a decisão final sobre a demarcação de 
terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação no Brasil. Órgãos de 
proteção ao índio declaram que a PEC nº 215 é um enorme retrocesso às proteções garantidas 
aos índios, pois deixaria o processo de demarcação nas mãos do Poder Legislativo, órgão que 
sofre forte influência da FPMA, conhecida popularmente como bancada da agropecuária ou 
bancada ruralista.Por outro lado, algumas autoridades defendem o texto da PEC nº 215, como o ex-
ministro da Defesa Aldo Rebelo, durante a sua passagem pelo governo entre 2015 e 2016 
(MASSALLI; RICHARD, 2016). 
Ademais, é possível notar uma enorme dificuldade dos povos indígenas em fazer 
frente às investidas do Poder Legislativo contra seus direitos, dada à presença praticamente 
nula de representantes desses povos no CN. Constata-se que as candidaturas indígenas sofrem 
com problemas particulares que dificultam o acesso de índios aos cargos eletivos. 
Dado esse cenário, infere-se que os povos indígenas são a parcela da população mais 
marginalizada da sociedade. A terra, elemento que permite os povos indígenas se 
desenvolverem como tal, praticarem sua cultura e seus costumes, tornou-se objeto de disputas 
devido às suas riquezas naturais e, por essas razões, o núcleo das reivindicações de 
praticamente todos os povos indígenas. O direito à terra é um direito fundamental e um 
mínimo existencial à cultura e identidade dos povos indígenas. 
Desse modo, o presente trabalho se propõe a investigar a PEC nº 215 de 2000, 
compreendendo os seus objetivos, as polêmicas que a envolvem, a sua constitucionalidade e a 
sua observância às normas e princípios emanados dos tratados e convenções internacionais 
aplicáveis ao Brasil. Será analisada também a FPMA e as razões pelas quais a presença de 
representantes dos povos indígenas seja praticamente nula no CN. 
Para atingir tal objetivo, a pesquisa foi dividida em três partes. Na primeira será dada 
uma visão geral dos índios no Brasil e buscar-se-á compreender a importância que tais povos 
 
processo de desenvolvimento do país com o argumento de que os índios deveriam ser protegidos e mantidos em 
seu estado puro" (DAVIS, 1978, p. 118). 
14 
 
 
 
dão às suas terras. Em seguida, serão analisadas as principais normas protetivas do direito à 
terra indígena no âmbito nacional, entre elas a CF88, o Estatuto do índio e o Decreto nº 1.775. 
Posteriormente, serão analisados os diplomas internacionais dedicados à proteção dos povos 
indígenas aplicáveis ao Brasil, com destaques para a Convenção nº 169 da Organização 
Internacional do Trabalho (OIT), a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos 
Povos Indígenas (DNUDPI) da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração 
Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas (DADPI) da Organização dos Estados 
Americanos (OEA). Desse modo será possível compreender o arcabouço jurídico de proteção 
às terras indígenas no Brasil. 
A segunda parte é dedicada à apresentação do texto da PEC nº 215 de 2000, das suas 
justificativas, da sua tramitação no CN, dos posicionamentos a favor e contra a PEC e das 
polêmicas envolvidas no tema. Além disso, será analisada a FPMA e buscar-se-á 
compreender porque os povos indígenas praticamente não possuem representatividade no CN, 
impossibilitando-os de fazer frente às investidas do Poder Legislativo contra seus direitos. 
Por fim, a terceira parte tem como objetivo verificar se a PEC nº 215 de 2000 ofende 
de alguma forma a CF88 e as normas e princípios emanados pelos diplomas internacionais 
aplicáveis ao Brasil. 
 Reforça-se que a terra é o elemento fundamental dos povos indígenas que permite seu 
reconhecimento como tal, a prática de sua cultura, sua religião e costumes. É da terra que 
esses povos retiram seu alimento, abrigo e entram em contato com seus antepassados. Logo, 
torna-se fundamental o estudo da PEC nº 215 de 2000, uma vez que se aprovada, tal norma 
modificaria o acesso ao principal direito reivindicado por um dos grupos mais negligenciado 
pelo Estado brasileiro. 
 
15 
 
 
 
1 OS POVOS INDÍGENAS E A GARANTIA DO DIREITO À TERRA NO BRASIL 
 
Antes de adentrar no estudo da PEC nº 215, mostra-se de suma relevância uma 
contextualização dos povos indígenas, a importância que dão às suas terras, e demonstrar 
como as mesmas estão protegidas pelo ordenamento jurídico brasileiro e pelo direito 
internacional. Desse modo, será possível compreender os possíveis impactos que uma 
eventual mudança legislativa poderia causar. 
 
1.1 OS ÍNDIOS E A IMPORTÂNCIA DE SUAS TERRAS 
 
Não há consenso sobre quando e como os primeiros seres humanos ocuparam o hoje 
chamado continente americano. Certo é que não existiam primatas no continente que 
pudessem evoluir para a forma humana, de modo a levar os arqueólogos e antropólogos a 
trabalharem com as hipóteses de que os primeiros habitantes da América vieram de outros 
lugares (BUENO, 2010, p. 16). As primeiras teorias apontam para um único fluxo migratório 
através do estreito de Bering, transformado em uma ponte de gelo nos períodos glaciais de 
forma a unir a Sibéria e o Alasca (BUENO, 2010, p. 16). Essas teorias indicam que a 
ocupação do continente americano teria ocorrido entre 11 mil e 11.500 anos atrás por 
populações asiáticas de origem mongol, coincidindo com os mais antigos vestígios 
arqueológicos encontrados na América do Norte. 
Porém, descobertas realizadas na América do Sul contrariam a teoria do fluxo 
migratório único. Instrumentos de pedra datados de 12.500 foram encontrados no sítio de 
Monte Verde no Chile. No sítio Toca do Boqueirão no Piauí, foram encontrados pedaços de 
carvão e cinzas (possivelmente restos de uma fogueira) datados de 50 mil anos (BUENO, 
2010, p. 16). Contudo, a comunidade acadêmica refuta a hipótese das cinzas pertencerem a 
fogueiras feitas por humanos, sendo mais provável serem provenientes de queimadas naturais. 
No sítio Lapa Vermelha, em Minas Gerais, foi encontrado um crânio de uma mulher 
(batizada de Luzia) datado de 11 mil anos
3
. Contudo, o mais intrigante foi que a 
reconstituição facial indicaram características negroides, o que levaram os arqueólogos a 
trabalharem com o chamado “Modelo das Quatro Migrações” (BUENO, 2010, p. 16). As três 
 
3
 O crânio de Luzia foi destruído no incêndio ocorrido no Museu Nacional no Rio de Janeiro em 02/10/2018. No 
entanto, fragmentos foram encontrados nos escombros e passam por um processo de recuperação (G1, 2018b). 
16 
 
 
 
últimas migrações teriam sido realizadas por populações mongóis, das quais derivam o DNA 
das populações indígenas atuais. A primeira migração teria sido de povos não mongóis, cujas 
características seriam semelhantes aos atuais africanos e aborígenes australianos. Esses povos 
teriam sido assimilados, ou substituídos, pelas populações mongóis das outras levas (BUENO, 
2010, p. 17). 
 Sejam 50 mil ou 12 mil anos
4
, certo é que quando Cristóvão Colombo desembarcou 
em 2/10/1492, não se deparou com uma terra desabitada. Estudos clássicos estimam que a 
população da América à época encontrava-se entre oito e 50 milhões de índios (RIBEIRO, 
2001 apud ANJOS FILHO, 2009, p. 276). Porém, estudos mais recentes apontam uma marca 
entre 80 milhões e 112 milhões de pessoas no continente americano. 
Do mesmo modo se deu com Pedro Álvares Cabral ao chegar em Pindorama (modo 
como os índios chamavam a terra hoje conhecida como Brasil) em 22/04/1500, momento no 
qual se deparou com membros da tribo Tupiniquim. As estimativas a respeito da quantidade 
de habitantes no Brasil naquela época são igualmente inconclusivas. 
A respeito da população nativa à época pré-colonial, o explorador e autor canadense 
John Hemming (2017, p. 723) reconhece as dificuldades em se obter uma cifra confiável e 
cita diversas fontes diferentes. O autor menciona o geógrafo Carl Sapper, segundo o qual a 
população na região onde hoje é o Brasil girava em torno de dois a três milhões. Cita também 
Alfred Koeber (menos de um milhão de habitantes), Angel Rosenblat (1,4 milhão), Julian 
Steward (1,5 milhão), Eduardo Galvão (dois milhões), entre outros. Contudo,Hemming 
(2017, p. 727) faz sua própria estimativa de 3,255 milhões de indivíduos. 
Mas por quais razões povos tão diversos, com cultura, idioma, religião e local de 
habitação diferentes, passaram a ser chamados de índios? Ocorre que, ao chegar em terra 
firme, Colombo acreditava ter alcançado as Índias, motivo pelo qual o levou a chamar as 
pessoas que ali encontrara de índios. 
Robério Nunes dos Anjos Filho esclarece que 
Como acreditava ter alcançado as Índias por uma rota marítima seguindo em direção 
oeste pelo Oceano Atlântico, o navegador chamou aquelas pessoas de índios. 
Tratava-se de um equívoco, pois as terras em que se encontrava, no local que os 
nativos denominavam Guanahani e Colombo chamou de São Salvador, não eram as 
mesmas pelas quais havia passado Marco Pólo. Hoje, aquela ilha, situada nas 
 
4
 Recentemente foram descobertos mais de 300 objetos de pedra lascada no sítio arqueológico de Santa Elina em 
Mato Grosso. Tais objetos foram datados com pelo menos 27 mil anos. Alguns desses objetos foram feitos com 
ossos de preguiças-gigantes, indicando o primeiro caso no Brasil de uma associação do homem com a 
megafauna extinta (BBC BRASIL, 2017). 
17 
 
 
 
Bahamas, chama-se Watlings. Este equívoco levou anos para ser descoberto pelos 
europeus, mas índios continuou sendo a palavra utilizada para designar todos os 
habitantes nativos daquelas plagas, que foram denominadas Novas Índias, ou Índias 
Ocidentais, em contraposição às Velhas Índias, ou Índias Orientais (ANJOS FILHO, 
2009, p. 271). 
Atualmente, o termo genérico “índio” é utilizado tanto no direito internacional quanto 
no direito nacional. Contudo, é possível se deparar com o uso dos termos “aborígines”, 
“autóctones” ou “silvícolas”, em substituição ao termo “índio”, embora possuam significados 
distintos. 
Os vocábulos “aborígine” e “autóctone” se referem a pessoas que são encontradas no 
seu lugar de origem. Percebe-se que não necessariamente há coincidência entre “aborígine” 
ou “autóctone” e “índio”, pois nem sempre as pessoas originárias de um lugar terão 
ascendência pré-colombiana. Por sua vez, “silvícola” se refere a uma pessoa que nasceu ou 
que habita a selva. Novamente, é possível verificar que nem sempre haverá coincidência do 
referido termo com a palavra “índio”, uma vez que nem todos que nascem ou habitam a selva 
são índios, e nem todos os índios nasceram e não habitam a floresta atualmente (ANJOS 
FILHO, 2009, p. 272). 
 Entretanto, o direito internacional acabou por aproximar o termo “índio” aos termos 
“aborígine” e “autóctone”, ao não restringi-lo aos descendentes dos povos que habitavam 
originalmente a América. Isso pode ser observado no artigo 1°, item 1, letra “b”, da 
Convenção nº 169 da OIT, ao afirmar que a convenção se aplicará 
aos povos em países independentes, considerados indígenas pelo fato de 
descenderem de populações que habitavam o país ou uma região geográfica 
pertencente ao país na época da conquista ou da colonização ou do estabelecimento 
das atuais fronteiras estatais e que, seja qual for sua situação jurídica, conservam 
todas as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte 
delas (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 1989). 
A legislação nacional também substituiu o termo “silvícola” pelo termo “índio” na 
CF88 e no Código Civil de 2002. 
Porém, os diversos povos indígenas não formam um todo homogêneo. Nem todos os 
povos indígenas possuem o costume de dormir em redes, nem todos organizam suas aldeias 
de maneira circular, e nem todos chamam suas casas de oca etc. Apenas no Brasil, há o 
registro de 254 povos indígenas e a catalogação de aproximadamente 150 idiomas. 
Entretanto, mesmo com tamanha diversidade cultural, um elemento se repete em 
praticamente todos esses grupos: a sua ligação com a terra. Da terra, os povos indígenas 
retiram o seu alimento, material para suas moradas e seus remédios (HECK; PREZIA, 1998, 
p. 42). A terra também está ligada às suas tradições, pois nela são realizadas suas festas e 
rituais (HECK; PREZIA, 1998, p. 49). Ademais, a terra liga os povos indígenas à sua religião. 
18 
 
 
 
Para Quíchua, no Peru, as divindades vivem nas montanhas e lagos. Já para os Yanomami, 
próximo às Guianas, nas montanhas e nas serras vivem os espíritos da natureza (HECK; 
PREZIA, 1998, p. 44). 
 O modo de utilizar a terra também diverge em relação à sociedade dominante. Os 
povos indígenas se organizam com base na posse coletiva, ou seja, não existe a ideia de 
propriedade privada. Vender a terra também é algo impensável, uma vez que não é vista como 
mercadoria (HECK; PREZIA, 1998, p. 46). 
Logo, é possível notar que conferir acesso aos povos indígenas às suas terras 
tradicionais constitui pré-requisito “à fruição de todos os demais direitos, especialmente 
considerando a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos” 
(STAVENHAGEN apud ANJOS FILHO, 2009, p. 409). O direito ao território indígena, bem 
como aos seus recursos naturais, compõe um direito mais amplo já reconhecido no direito 
internacional, sendo este o direito ao desenvolvimento (ANJOS FILHO, 2009, p. 5). Assim, 
“o conceito de desenvolvimento humano prega que cada um deve ter a possibilidade de viver 
da maneira que livremente escolheu, o que, do ponto de vista indígena, torna indispensável o 
acesso à terra e aos recursos naturais respectivos” (ANJOS FILHO, 2009, p. 407). 
Erica-Irene A. Daes, em relatório desenvolvido para a ONU, ressaltou as 
características da relação entre os povos indígenas e suas terras 
i) existe uma profunda relação entre os povos indígenas e suas terras, territórios e 
recursos; ii) essa relação envolve diversas dimensões e responsabilidades sociais, 
culturais, espirituais, econômicas e políticas; iii) a dimensão coletiva dessa relação é 
importante; e iv) o aspecto intergeracional dessa relação também é fundamental para 
a identidade, sobrevivência e viabilidade cultural dos povos indígenas. Pode haver 
outros elementos referentes aos povos indígenas e sua relação com suas terras, 
territórios e recursos que não aparecem nesses exemplos
5
 (DAES, 2001, p. 10). 
Segundo o Instituto Socioambiental (2018c), hoje no Brasil há 717 terras indígenas em 
diferentes fases do procedimento demarcatório. Segundo a organização há: 115 terras em 
identificação, ou seja, terras em estudo por grupo de trabalho nomeado pela Fundação 
Nacional do Índio (Funai); 43 terras identificadas, ou seja, terras com relatório de estudo 
aprovado pela presidência da Funai; 73 terras declaradas, ou seja, terras declaradas pelo 
 
5
 i) existe una profunda relación entre los pueblos indígenas y sus tierras, territorios y recursos; ii) esta relación 
entraña diversas dimensiones y responsabilidades sociales, culturales, espirituales, económicas y políticas; iii) la 
dimensión colectiva de esta relación es importante; y iv) el aspecto intergeneracional de dicha relación también 
es fundamental para la identidad, la supervivencia y la viabilidad cultural de los pueblos indígenas. Puede haber 
otros elementos referentes a los pueblos indígenas y su relación con sus tierras, territorios y recursos que no 
aparecen en esos ejemplos 
19 
 
 
 
Ministro da Justiça; e 486 terras homologadas e reservadas, ou seja, terras homologadas pela 
Presidência da República, adquiridas pela União ou doadas por terceiros. 
O Brasil possui a expansão territorial de aproximadamente 8.516.000 km², dos quais 
as terras indígenas ocupam cerca de 13% do total, ou seja, 1.107.080 km² (INSTITUTO 
SOCIOAMBIENTAL, 2018c). 
Conforme ressaltado por Anjos Filho (2009, p. 407) a história testemunhou um 
violento processo de colonização e de conquista de terras indígenas, tendo sempre como 
objetivo a geração de riqueza, sendo essa o principal fator da conquista e usurpaçãode terras 
indígenas pelos Estados e por particulares. 
Os territórios indígenas tornaram-se objetos e o centro de disputas devido às suas 
riquezas naturais e, por essas razões, o núcleo das reivindicações de praticamente todos os 
povos indígenas. Em geral, os povos indígenas não veem as suas terras como um bem 
econômico, mas sim como seu habitat e o meio pelo qual exercem sua cultura e seu 
desenvolvimento. 
O direito à terra é um direito fundamental e um mínimo existencial à cultura e 
identidade dos povos indígenas. Desse modo, não é possível respeitar e proteger os povos 
indígenas sem preservar seus territórios. E a demora na demarcação de terras apenas acentua 
esses conflitos. 
Esse direito é garantido por diversas normas nacionais e internacionais. Nos tópicos 
seguintes será dado um panorama do direito indígena à terra nas mais diversas normas no 
direito interno brasileiro e no direito internacional. 
 
1.2 O DIREITO À TERRA INDÍGENA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 
 
As principais normas de direito interno brasileiro que disciplinam o direito indigenista 
são: a Constituição Federal de 1988; a Lei n° 6.001 de 19/12/1973, também conhecida como 
Estatuto do Índio; e o Decreto nº 1.775 de 08/01/1996, que disciplina o procedimento de 
demarcação das terras indígenas. 
O modo como tais normas tratam às terras indígenas será objeto de análise dos tópicos 
seguintes. 
 
1.2.1 O Estatuto do Índio 
 
20 
 
 
 
O Estatuto do Índio é o principal texto infraconstitucional sobre matéria indígena 
ainda em vigor no Brasil. Porém, embora o texto seja bastante avançado para a época em que 
foi promulgado, esse está desatualizado, de modo a não ter sido recepcionado integralmente 
pela CF88, uma vez que foi elaborado sob a égide do paradigma da assimilação
6
, posição 
abandonada pela nova ordem constitucional que se voltou para o direito à diferença e à 
alteridade (ANJOS FILHO, 2009, p. 545). 
Tendo em vista a clara desatualização do Estatuto do Índio, foi apresentado em 
23/10/1991 o Projeto de Lei (PL) nº 2.057/1991, denominado Estatuto das Sociedades 
Indígenas, com o intuito de se tutelar as demandas dos índios dentro dos ditames da nova 
Constituição. Porém, o PL nunca foi votado e encontra-se paralisado desde 2009. Em 2016 
uma nova proposta foi apresentada no Senado por meio do Projeto de Lei do Senado (PLS) n° 
169/2016, mas também se encontra aguardando votação. Enquanto nenhum dos referidos 
projetos é aprovado, o Estatuto do Índio continua em vigência e disciplinando os mais 
diversos aspectos da temática indígena. 
Com relação ao direito à terra, o diploma, já em seu artigo 2º, em seus incisos V e 
IX, atribui à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas 
administrações indiretas, voltadas à proteção das comunidades indígenas e à preservação dos 
seus direitos, as obrigações de: garantir aos índios a permanência voluntária no seu habitat, 
proporcionando-lhes ali os recursos para seu desenvolvimento e progresso; e garantir aos 
índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição, a posse permanente das terras 
que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de 
todas as utilidades naquelas terras existentes (BRASIL, 1973). 
O documento reserva todo o Título III (artigos 17 a 38) à temática das terras. O artigo 
17 descreve em seus três incisos quais são as terras indígenas: as terras ocupadas ou habitadas 
pelos silvícolas, a que se referem os artigos 4º, IV, e 198, ambos da Constituição então 
vigente; as áreas reservadas de que trata o Capítulo III do presente Título, sendo estas as áreas 
 
6
 Importante fazer uma distinção entre “assimilacionismo” e “integracionismo”. Anjos Filho (2009, p. 236) 
esclarece que a “assimilação” diz respeito à incorporação gradual de uma minoria na sociedade dominante de 
maneira que seus traços distintivos culturais originários são perdidos, substituindo-os pelas características do 
grupo dominante. Por sua vez, a “integração” ocorre quando uma minoria é incorporada à sociedade dominante, 
passando a usufruir dos direitos reconhecidos à parcela majoritária, sem, entretanto, perder sua própria cultura e 
identidade. Porém, essa distinção conceitual raramente é observada de maneira criteriosa pelos autores em geral, 
os quais, muitas vezes, se referem à “integração” no sentido da “assimilação”. 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm#art4iv
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm#art198
21 
 
 
 
reservadas pela União sob a forma de reserva indígena, parque indígena ou colônia agrícola 
indígena; e as terras de domínio das comunidades indígenas ou de silvícolas (BRASIL, 1973). 
Entretanto, Anjos Filho (2009, 602) ressalta que embora o Estatuto do Índio preveja 
todas essas distinções entre os tipos de terras indígenas, tais disposições, na prática, não 
possuem maior repercussão. 
O Estatuto dispõe, em seu artigo 18, que as terras indígenas não poderão ser objeto de 
arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse 
direta pela comunidade indígena. 
O artigo 19 prevê o procedimento de demarcação de terras indígenas, segundo o qual 
as tais terras, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão 
administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder 
Executivo. O §1º do mesmo dispositivo determina que a demarcação promovida nos termos 
deste artigo, homologada pelo Presidente da República, será registrada em livro próprio do 
Serviço do Patrimônio da União e do registro imobiliário da comarca da situação das terras. 
Por sua vez, o §2º preconiza que contra a demarcação processada nos termos deste artigo não 
caberá a concessão de interdito possessório, facultado aos interessados contra ela recorrer à 
ação petitória ou à demarcatória. 
O artigo 22 determina caber aos índios ou silvícolas a posse permanente das terras que 
habitam e o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades 
naquelas terras existentes, esclarecendo em seu parágrafo único que as terras ocupadas pelos 
índios são bens inalienáveis da União. A posse indígena é definida no artigo 23, de modo que 
será considerada posse do índio ou silvícola a ocupação efetiva da terra que, de acordo com os 
usos, costumes e tradições tribais, detém e onde habita ou exerce atividade indispensável à 
sua subsistência ou economicamente útil. 
O artigo 24 do Estatuto do Índio determina que o usufruto assegurado aos índios ou 
silvícolas compreende o direito à posse, uso e percepção das riquezas naturais e de todas as 
utilidades existentes nas terras ocupadas, bem assim ao produto da exploração econômica de 
tais riquezas naturais e utilidades. 
Já o artigo 25 esclarece que o reconhecimento do direito dos povos indígenas à posse 
permanente das terras por eles habitadas, nos termos da Constituição, independerá de sua 
demarcação, pois será assegurado atendendo à situação atual e ao consenso histórico sobre a 
antiguidade da ocupação. O dispositivo esclarece que a demarcação possui caráter meramente 
declaratório, e não constitutivo, ou seja, a demarcação objetiva apenas a definição dos limites 
22 
 
 
 
físicos da terra indígena tradicional e sua regularização, e sua ausência não justifica a restrição 
de direitos dos índios que ali vivem. 
Em seu artigo 62, o diploma declarou a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos dos 
atos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação das terras 
habitadas pelos índios ou comunidades indígenas, inclusive no tocante às terras que tenham 
sido desocupadas pelos índios ou comunidades indígenas em virtude de ato ilegítimo de 
autoridade e particular, conforme o §1º do artigo. Também preconiza queninguém terá direito 
a ação ou indenização contra a União, o órgão de assistência ao índio ou os silvícolas em 
virtude dessa mencionada nulidade e extinção, ou de suas consequências econômicas, nos 
termos do §2º do mesmo artigo. 
Por sua vez, o artigo 65 determina que o Poder Executivo fará, no prazo de cinco anos, 
a demarcação das terras indígenas, ainda não demarcadas. Porém, o prazo se esgotou em 
19/12/1978, sem que o Poder Executivo finalizasse as demarcações. No entanto, o prazo foi 
renovado pelo artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que 
também prevê cinco anos para que União conclua as demarcações. Contudo, o prazo se 
esgotou em 05/10/1993 sem que todos os territórios indígenas no país fossem demarcados. 
Desse modo, embora tenha sido elaborado na antiga ordem constitucional, na qual 
prevaleciam as perspectivas assimilacionistas, e não tenha sido totalmente recepcionado pela 
CF88, o Estatuto do Índio foi um grande avanço na temática das terras indígenas. Em relação 
à constitucionalidade de seus dispositivos, Anjos Filho (2009, p. 545) esclarece que parte da 
doutrina defende o uso da interpretação conforme a Constituição para a resolução de conflitos 
entre os dispositivos. 
 
1.2.2 A Constituição Federal de 1988 
 
A CF88 representa um grande marco para os direitos indígenas, pois rompeu com o 
antigo paradigma assimilacionista, que vigorava até então, para se voltar ao direito à diferença 
e à alteridade e reconhecer a necessidade de preservação e de proteção da cultura indígena. 
Para Anjos Filho (2009, p. 524) não há mais espaço constitucional para afirmar que “a 
sociedade majoritária, cunhada no modelo ocidental, é uma forma superior de civilização, 
nem muito menos que há raças superiores às demais”. Desse modo, a CF88 incumbiu ao 
Estado o dever de garantir, proteger e difundir as mais diversas manifestações culturais e os 
23 
 
 
 
mais variados modos de ser e de viver (artigo 215), além de reconhecê-los como patrimônio 
cultural brasileiro (artigo 216). 
Nota-se, portanto, uma brusca ruptura paradigmática no ordenamento jurídico 
brasileiro, onde a assimilação dá lugar à alteridade, de modo que a nova ordem constitucional 
passa a estar de acordo com o sistema internacional de direitos humanos. Além disso, a 
legislação infraconstitucional contrária ao novo modelo não seria recepcionada e teriam seus 
efeitos jurídicos cessados. 
Contudo, a construção desse novo regramento constitucional foi realizada sob um 
árduo trabalho das comunidades indígenas durante a Assembleia Constituinte, que buscou 
apoio parlamentar para o “Programa Mínimo para os Direitos Indígenas na Constituinte”, 
elaborado pela União das Nações Indígenas (ANJOS FILHO, 2009, p. 519). O trabalho das 
comunidades encontrou forte resistência por parte de opositores da causa indígena, entre eles 
aqueles que temem a possibilidade de processos de independência e de constituição de 
Estados indígenas e aqueles que são impactados economicamente pelos direitos territoriais 
indígenas (ANJOS FILHO, 2009, p. 607). 
Ainda assim, as comunidades indígenas lograram sucesso em inserir na CF88 
diversos dispositivos atinentes à sua causa, tornando-se o grupo vulnerável com maior atenção 
da Assembleia Constituinte e transformando a Carta de 1988 no texto constitucional que mais 
deu atenção aos índios: as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios permanecem sendo 
bens da União (artigo 20, XI); à União mantém a competência privativa para legislar sobre 
populações indígenas (artigo 22, XIV); o CN detém a competência exclusiva para autorizar, 
em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e a 
lavra de riquezas minerais (artigo 49, XVI); aos juízes federais compete processar e julgar a 
disputa sobre direitos indígenas (artigo 109, XI); o Ministério Público detém a função 
institucional de defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas 
(artigo 129, V); a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de 
energia hidráulica só poderão ser efetuados com autorização e condições específicas 
estabelecidas em lei quando essas atividades se desenvolverem em terras indígenas (artigo 
176, § 1°); estão assegurados às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas 
e processos próprios de aprendizagem durante o ensino fundamental (artigo 210, §2º); 
incumbe ao Estado a proteção às manifestações culturais indígenas (artigo 215, §1º); as 
comunidades e organizações indígenas possuem legitimidade para ingressarem em juízo em 
24 
 
 
 
defesa de seus direitos e interesses, devendo o Ministério Público intervir em todos os atos do 
processo (artigo 232). 
O artigo 231 abre o Capítulo VIII da CF88 intitulado “Dos Índios”, que é composto 
também pelo artigo 232. O caput do artigo 231 da CF88 determina que são reconhecidos aos 
índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários 
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e 
fazer respeitar todos os seus bens. 
O §1º define as terras tradicionalmente ocupadas, ou seja, aquelas habitadas em 
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à 
preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua 
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. 
Já o §2º destina as terras tradicionalmente ocupadas à sua posse permanente por parte 
dos indígenas, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos 
nelas existentes. Por sua vez, o §3º dispõe que o aproveitamento dos recursos hídricos, os 
potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas 
necessitam de autorização do CN, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada 
participação nos resultados da lavra, na forma da lei. 
O §4º estabelece que as terras tradicionalmente habitadas são inalienáveis e 
indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. Já o §5º veda a remoção dos grupos 
indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do CN, em caso de catástrofe ou epidemia que 
ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do CN, 
garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. 
O §6º determina serem nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que 
tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras tradicionais indígenas, ou a 
exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado 
relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a 
nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, 
quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. Por fim, o §7º preconiza que não se 
aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º. 
Os dispositivos supramencionados, juntamente com o já mencionado artigo 67 do 
ADCT, compõe o chamado direito constitucional indigenista brasileiro, o qual representa 
padrões mínimos de proteção às comunidades indígenas e possui, segundo Anjos Filho (2009, 
p. 521), os seguintes princípios: princípio do reconhecimento e proteção do Estado à 
25 
 
 
 
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos índios originários e existentes 
no território nacional; princípio do reconhecimento dos direitos originários dos indígenas 
sobre as terras que tradicionalmente ocupam e proteção de sua posse permanente em usufruto 
exclusivo para os índios; e princípio da igualdade de direitos e da igual proteção legal. 
Além disso, o autor defende a existência implícita do princípio da “máxima proteção 
aos índios e aos seus direitos, a partir do qual é possível extrair a regra in dubiopro indígena” 
(ANJOS FILHO, 2009, p. 522). 
Portanto, não restam dúvidas de que a CF88 representa um grande marco para os 
direitos indígenas, pois se preocupou em dar ampla proteção a essa população tão vulnerável, 
além de alçar seus direitos ao rol de direitos fundamentais, de modo a serem assegurados pela 
União. 
 
1.2.3 O Decreto nº 1.775 e o processo de demarcação de terras indígenas no Brasil 
 
Alisson da Cunha Almeida, Artur Soares de Castro e Leonardo Fernandes Furtado, 
expõem as lições de Paulo de Bessa Antunes e esclarecem que 
A demarcação das terras tem única e exclusivamente a função de criar uma 
delimitação espacial da titularidade indígena e de opô-la a terceiros. A demarcação 
não é constitutiva. Aquilo que constitui o direito indígena sobre suas terras é a 
própria presença indígena e a vinculação dos índios à terra, cujo reconhecimento foi 
efetuado pela Constituição Brasileira (ANTUNES, 1996, p. 113 apud ALMEIDA; 
CASTRO; FURTADO, 2006, p. 8). 
Ou seja, a demarcação apenas define os limites espaciais do território indígena 
tradicionalmente habitado, regularizando-o e evitando que o mesmo venha a ser objeto de 
disputa, de modo a conceder maior segurança aos povos que ali vivem para que possam 
exercer seu usufruto exclusivo sobre os recursos da terra e viver de acordo com os seus 
costumes. 
Conforme anteriormente citado, o processo de demarcação dos territórios indígenas 
está previsto no caput do artigo 231 da CF88 e nos artigos 19 e 25 do Estatuto do Índio. Por 
sua vez, o artigo 65 do Estatuto do Índio, e o artigo 67 do ADCT, estabeleceram o prazo de 
cinco anos para a finalização das demarcações. Porém, tanto o prazo do Estatuto, quanto o do 
ADCT, foram descumpridos sem que todas as terras indígenas fossem demarcadas. 
Importante ressaltar, que tais prazos não possuem natureza peremptória, sinalizando 
simplesmente uma visão prognóstica sobre o término dos trabalhos de demarcação e, 
portanto, a realização destes em tempo razoável, conforme esclarecido pelo Ministro Marco 
26 
 
 
 
Aurélio nos autos do Mandado de Segurança (MS) nº 24.566/DF (ALMEIDA; CASTRO; 
FURTADO, 2006, p. 6). 
Anjos Filho (2009, p.618) esclarece que a mora da União não veda novas 
demarcações, no entanto, o descumprimento do prazo é capaz de justificar a adoção de 
medidas judiciais com o objetivo de compelir a União a concluir as demarcações e indenizar 
eventuais prejuízos causados aos povos indígenas cujas terras não foram demarcadas a tempo. 
Eventuais indenizações, obviamente, não seriam cabíveis em casos de povos indígenas cuja 
existência só veio a ser conhecida posteriormente. 
O procedimento de demarcação sofreu modificações ao longo dos anos. Atualmente, o 
processo está descrito no Decreto nº 1.775 de 08/01/1996, que regulamenta o caput do artigo 
19 do Estatuto do Índio. No entanto, o texto foi precedido por outros decretos: Decreto n° 
76.999 de 08/01/1976; Decreto n° 88.118 de 23/02/1983; Decreto n° 94.945 de 23/09/1987; e 
Decreto n° 22 de 04/02/1991. 
O processo administrativo de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos 
índios, conforme descrito no artigo 1º do Decreto nº 1.775, inicia-se por iniciativa e sob a 
orientação do órgão federal de assistência ao índio (Funai). O procedimento será 
fundamentado em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que 
elaborará estudo antropológico de identificação (artigo 2º). O órgão federal de assistência ao 
índio designará grupo técnico especializado coordenado por antropólogo que realizará estudos 
complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o 
levantamento fundiário necessários à delimitação (artigo 2º, §1º). Tal grupo poderá solicitar a 
colaboração de membros da comunidade científica ou de outros órgãos públicos para embasar 
os estudos (artigo 2º, §4º). 
Após a conclusão dos trabalhos de identificação e delimitação, o grupo técnico 
apresentará relatório circunstanciado ao órgão federal de assistência ao índio, caracterizando a 
terra indígena a ser demarcada (artigo 2º, §6º). Uma vez aprovado o relatório pelo titular do 
órgão federal de assistência ao índio, esse fará publicar o resumo do mesmo no Diário Oficial 
da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação 
(artigo 2º, §7º). 
Em 09/01/1996, o Ministério da Justiça emitiu a Portaria nº 14, na qual ficaram 
estabelecidos parâmetros para a elaboração do relatório circunstanciado previsto no §6º do 
artigo 2º, entre os quais: informações gerais sobre o(s) grupos(s) indígena(s) envolvido(s), tais 
como filiação cultural e linguística, eventuais migrações, censo demográfico, distribuição 
27 
 
 
 
espacial da população e identificação dos critérios determinantes desta distribuição; descrição 
da distribuição da(s) aldeia(s), com respectiva população e localização; descrição das 
atividades produtivas desenvolvidas pelo grupo com a identificação, localização e dimensão 
das áreas utilizadas para esse fim; identificação e descrição das áreas imprescindíveis à 
preservação dos recursos necessários ao bem estar econômico e cultural do grupo 
indígena; dados sobre as taxas de natalidade e mortalidade do grupo nos últimos anos, com 
indicação das causas, na hipótese de identificação de fatores de desequilíbrio de tais taxas, e 
projeção relativa ao crescimento populacional do grupo; e identificação e censo de eventuais 
ocupantes não índios (BRASIL, 1996b). 
A participação do grupo indígena envolvido é obrigatória em todas as fases do 
processo de demarcação (artigo 2º, §3º). Além disso, desde o início do procedimento 
demarcatório, até 90 dias após a publicação do resumo do relatório, poderão os Estados e 
municípios, em que se localize a área sob demarcação, e demais interessados manifestar-se, 
apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas 
pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de 
testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar 
vícios, totais ou parciais, do relatório técnico (artigo 2º, §8º). 
O §8º, do artigo 2º, introduziu o contraditório pela primeira vez no processo de 
demarcação de terras indígenas, de tal modo que não há mais que se falar em violação ao 
princípio da ampla defesa e do contraditório no âmbito dos processos demarcatórios, críticas 
estas que eram frequentemente direcionadas ao Decreto n° 22. Esse foi o posicionamento 
adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos julgamentos do MS nº 24.045/DF, MS nº 
21.649, MS nº 23.862/GO, dentre outros (ALMEIDA; CASTRO; FURTADO, 2006, p. 11). 
Porém, tal mudança foi alvo de críticas por parte da doutrina. Paulo de Bessa Antunes 
defende que o contraditório e a ampla defesa não são cabíveis no procedimento de 
demarcação, pois estes seriam destinados tão-somente à defesa de acusados em matéria penal 
ou administrativa-disciplinar (ANTUNES, 1996 apud ALMEIDA; CASTRO; FURTADO, 
2006, p. 11). Já Edson de Oliveira considera problemática a admissão de contestações no 
processo demarcatório de áreas já homologadas e não registradas em cartórios de imóveis, 
pois estaria havendo a presunção de que os atos praticados pelas autoridades responsáveis 
pelas demarcações seriam ilegítimos (OLIVEIRA apud ALMEIDA; CASTRO; FURTADO, 
2006, p. 11). Por seu turno, Itagiba Catta Neto defende que não há que se falar em ampla 
defesa no procedimento demarcatório, pois dele não decorrerá eventual indenização de terras 
28 
 
 
 
ou benfeitorias, sendo que estas devem ser discutidas em procedimento administrativo ou 
judicial próprios (NETTO, 1996 apud ALMEIDA; CASTRO; FURTADO, 2006, p. 12). 
Embora parte da doutrina seja crítica à mudança, Almeida, Castro e Furtado (2006, p. 
12) destacam que ao abrir prazo para contestações, evitam-se infindáveis discussões judiciaissobre a não observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, 
além de permitir que sejam trazidos novos elementos para a demarcação, dando maior 
credibilidade a todo procedimento. 
Vencido o prazo de 90 dias para contestações, nos sessenta dias subsequentes o órgão 
federal de assistência ao índio encaminhará o respectivo procedimento ao Ministro de Estado 
da Justiça, juntamente com pareceres relativos às razões e provas apresentadas (artigo 2º, §9º). 
Por sua vez, o Ministro de Estado da Justiça deverá, em até 30 dias, tomar uma das seguintes 
ações: declarar, mediante portaria, os limites da terra indígena e determinando a sua 
demarcação; prescrever todas as diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser 
cumpridas no prazo de noventa dias; ou desaprovar a identificação e retornando os autos ao 
órgão federal de assistência ao índio, mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não 
atendimento do disposto no § 1º do art. 231 da CF88 e demais disposições pertinentes (artigo 
2º, §10º). 
Se for verificada a presença de ocupantes não índios na área sob demarcação, o órgão 
fundiário federal dará prioridade ao respectivo reassentamento, segundo o levantamento 
efetuado pelo grupo técnico (artigo 4º). A demarcação do território será homologada mediante 
decreto (artigo 5º) expedido pelo Presidente da República e, em até trinta dias após a 
publicação do decreto de homologação, o órgão federal de assistência ao índio promoverá o 
respectivo registro em cartório imobiliário da comarca correspondente e na Secretaria do 
Patrimônio da União do Ministério da Fazenda (artigo 6º). 
Por fim, o órgão federal de assistência ao índio poderá disciplinar o ingresso e trânsito 
de terceiros em áreas em que se constate a presença de índios isolados, bem como tomar as 
providências necessárias à proteção aos índios (artigo 7º). 
Desse modo, o Decreto nº 1.775 encontra-se vigente e estabelecendo as regras para o 
processo de demarcação das terras indígenas em todo o Brasil. 
 
1.3 O DIREITO À TERRA INDÍGENA NO DIREITO INTERNACIONAL 
 
29 
 
 
 
A preocupação com a defesa dos direitos dos povos indígenas tem se mostrado cada 
vez mais presente no direito internacional. Diversos órgãos internacionais, como a ONU, OIT 
e a OEA, já emitiram documentos e entendimentos sobre o assunto. Com o movimento de 
internacionalização dos direitos humanos, os Estados já não são mais entes absolutos, e se 
tornaram internacionalmente responsáveis pela não observância de tais direitos. 
Nos tópicos seguintes, será dado um panorama sobre o direito indígena à terra no 
âmbito dos tratados e convenções internacionais aplicáveis ao Brasil. 
 
1.3.1 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos 
 
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), também conhecida como 
Pacto de San Jose da Costa Rica, é a efetiva garantidora dos direitos humanos no contexto 
americano. O texto foi assinado em 1969 na cidade costarriquenha na Conferência 
Especializada de Direitos Humanos realizada pela OEA. 
Por meio do referido diploma, foi criada a Corte Interamericana de Direitos Humanos 
(CIDH) que, juntamente com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
7
, passou a 
compor o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, tendo como objetivo 
monitorar e implementar a efetivação dos direitos em todo o continente. 
A CADH foi assinada em 1969, mas entrou em vigência apenas no ano de 1978, após 
a 11ª ratificação feita pelo Estado do Peru. Contudo, o Brasil efetuou a sua aderência, por 
meio de depósito da carta de adesão, apenas em 25/09/1992, com promulgação em 
06/11/1992, por meio do Decreto nº 678. Porém, Bruno Pegorari (2017, p. 254) ressalta que o 
reconhecimento da jurisdição obrigatória da CIDH não é automático, de modo que cada 
Estado deve expressamente declarar o reconhecimento dessa jurisdição no momento de 
ratificação da CADH ou em momento posterior. O Brasil veio a reconhecer a jurisdição 
obrigatória da CIDH apenas em 1998, seis anos após a sua adesão à CADH. 
Importante ressaltar que todo e qualquer diploma internacional de proteção aos 
direitos humanos são aplicáveis aos povos indígenas, de modo que, embora o diploma não 
 
7
 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi criada em 1959, antes do Sistema Interamericano de 
Direitos Humano, por meio da Resolução VIII da V Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, 
ocorrida em Santiago do Chile. 
30 
 
 
 
faça qualquer menção aos índios e seus territórios, o texto pode ser utilizado para dirimir 
conflitos envolvendo a temática. 
Pegorari (2017, p. 255) explica que a CIDH aperfeiçoou sua jurisprudência na matéria 
de direitos dos povos indígenas e fez grande contribuição com a proposição de novos 
parâmetros interpretativos para a proteção desses povos na América. Segundo o autor, o 
primeiro caso sobre a temática foi o de “Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua” em 
2001, no qual a Nicarágua foi condenada pela não demarcação das terras comunais 
pertencentes à Comunidade Awas Tingni (PEGORARI, 2017, p. 256). No julgado, a CIDH 
entendeu que a CADH, em seu artigo 21
8
, também protege o direito das comunidades 
indígenas à propriedade comunal. 
Outro caso foi “Sawhoyamaxa vs. Paraguai” de 2006, no qual a violação do direito à 
propriedade coletiva dos índios se deu pela ineficácia do processo de solicitação do território, 
o que impossibilitou o acesso deste povo ao seu território coletivo. No presente caso, os 
índios perderam a posse de seu território involuntariamente, e o mesmo foi vendido a terceiros 
inocentes. A CIDH entendeu que os indígenas teriam o direito de recuperá-las ou de obter 
terras de igual extensão e qualidade, de modo que a posse não é pré-requisito que condiciona 
a existência do direito a recuperação das terras. E, enquanto a base espiritual e material da 
identidade desses povos se mantiver em relação às suas terras tradicionais, o direito a 
reivindicá-las permanecerá vigente (PEGORARI, 2017, p.257). 
O Brasil também já foi denunciado perante a CIDH por casos envolvendo territórios 
indígenas. Em sentença datada de 05/02/2018, o Brasil foi, pela primeira vez, condenado por 
uma corte internacional por violar direitos indígenas. O caso “Povo indígena Xucuru e seus 
membros vs. Brasil”, foi denunciado junto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos 
em 16/10/2002 pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos/Regional Nordeste, pelo 
Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Populares e pelo Conselho Indigenista 
Missionário. 
Em relatório de mérito datado de 28/07/2015, a Comissão conclui que o Estado 
brasileiro era internacionalmente responsável pela violação do direito à propriedade, 
consagrado no artigo 21 da CADH, bem como do direito à integridade pessoal consagrado no 
 
8
 O dispositivo determina que toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens, e que a lei pode subordinar esse 
uso e gozo ao interesse social. Além disso, preconiza que nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo 
mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na 
forma estabelecidos pela lei (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969). 
31 
 
 
 
artigo 5º e pela violação dos direitos às garantias e à proteção judiciais consagrados nos 
artigos 8.1 e 25.1 (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 4). 
Doze anos se passaram entre o início do processo de demarcação das terras em 1989 e a 
homologação em 2001. Porém, o Brasil garantiu a liberação da totalidade do território pelos 
não índios, de modo que o Povo Xucuru ainda não mantém a posse de todas as suas terras. 
Em razão das constatações, a Comissão fez uma série de recomendações ao Estado 
brasileiro, entre elas: adotar as medidas legislativas,administrativas ou de outra natureza, 
indispensáveis à realização do saneamento do território ancestral, de acordo com seu direito 
consuetudinário, valores, usos e costumes; garantir aos membros do povo que possam 
continuar vivendo de maneira pacífica seu modo de vida tradicional, conforme sua identidade 
cultural, estrutura social, sistema econômico, costumes, crenças e tradições particulares; 
adotar as medidas necessárias para concluir os processos judiciais interpostos por pessoas não 
indígenas sobre parte do território do Povo Indígena Xucuru (CORTE INTERAMERICANA 
DE DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 5). 
Devido à inércia das autoridades brasileiras, a Comissão submeteu, em 16/03/2016, o 
caso à CIDH. Na sentença, a CIDH 
recorda que o artigo 21 da Convenção Americana protege o estreito vínculo que os 
povos indígenas mantêm com suas terras bem como com seus recursos naturais e 
com os elementos incorporais que neles se originam. Entre os povos indígenas e 
tribais existe uma tradição comunitária sobre uma forma comunal da propriedade 
coletiva da terra, no sentido de que a posse desta não se centra em um indivíduo, 
mas no grupo e sua comunidade. Essas noções do domínio e da posse sobre as terras 
não necessariamente correspondem à concepção clássica de propriedade, mas a 
Corte estabeleceu que merecem igual proteção do artigo 21 da Convenção 
Americana. Desconhecer as versões específicas do direito ao uso e gozo dos bens, 
dadas pela cultura, usos, costumes e crenças de cada povo, equivaleria a afirmar que 
só existe uma forma de usar os bens, e deles dispor, o que, por sua vez, significaria 
tornar ilusória a proteção desses coletivos por meio dessa disposição. Ao se 
desconhecer o direito ancestral dos membros das comunidades indígenas sobre seus 
territórios, se poderia afetar outros direitos básicos, como o direito à identidade 
cultural e à própria sobrevivência das comunidades indígenas e seus membros 
(CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 29). 
Na sentença, a CIDH ainda destaca que ao interpretar o artigo 21 da CADH, de modo 
a considerar o conteúdo e alcance do mesmo, dever considerar as regras de interpretação 
estabelecidas pela alínea “b” do artigo 29
9
, de modo que o dever de proteção que emana do 
artigo 21 da CADH, à luz das normas da Convenção nº 169 da OIT e da DNUDPI, bem como 
 
9
 O dispositivo determina que nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de limitar o 
gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos 
Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados (ORGANIZAÇÃO 
DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969). 
32 
 
 
 
os direitos reconhecidos pelos Estados em suas leis internas ou em outros instrumentos e 
decisões internacionais, passa a constituir um corpus juris que define as obrigações dos 
Estados-partes na CADH, em relação à proteção dos direitos de propriedade indígena 
(CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2018, p. 29). 
Além disso, a Corte, ao recordar sua jurisprudência sobre a temática dos territórios 
indígenas, destaca os seguintes pontos 
1) a posse tradicional dos indígenas sobre suas terras tem efeitos equivalentes aos do 
título de pleno domínio concedido pelo Estado; 2) a posse tradicional confere aos 
indígenas o direito de exigir o reconhecimento oficial de propriedade e seu registro; 
3) os membros dos povos indígenas que, por causas alheias a sua vontade, tenham 
saído ou perdido a posse de suas terras tradicionais mantêm o direito de propriedade 
sobre elas, apesar da falta de título legal, salvo quando as terras tenham sido 
legitimamente transferidas a terceiros de boa-fé; 4) o Estado deve delimitar, 
demarcar e conceder título coletivo das terras aos membros das comunidades 
indígenas; 5) os membros dos povos indígenas que involuntariamente tenham 
perdido a posse de suas terras, e estas tenham sido trasladadas legitimamente a 
terceiros de boa-fé, têm o direito de recuperá-las ou a obter outras terras de igual 
extensão e qualidade; 6) o Estado deve garantir a propriedade efetiva dos povos 
indígenas e abster-se de realizar atos que possam levar a que os agentes do próprio 
Estado, ou terceiros que ajam com sua aquiescência ou sua tolerância, afetem a 
existência, o valor, o uso ou o gozo de seu território; 7) o Estado deve garantir o 
direito dos povos indígenas de controlar efetivamente seu território, e dele ser 
proprietários, sem nenhum tipo de interferência externa de terceiros; e 8) o Estado 
deve garantir o direito dos povos indígenas ao controle e uso de seu território e 
recursos naturais. Com relação ao exposto, a Corte afirmou que não se trata de um 
privilégio de usar a terra, o qual pode ser cassado pelo Estado ou superado por 
direitos à propriedade de terceiros, mas um direito dos integrantes de povos 
indígenas e tribais de obter a titulação de seu território, a fim de garantir o uso e 
gozo permanente dessa terra (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS 
HUMANOS, 2018, p. 30). 
A CIDH acabou por condenar, por unanimidade, o Brasil a garantir o direito de 
propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru sobre seu território, de modo que não sofram 
nenhuma invasão, interferência ou dano, por parte de terceiros ou agentes do Estado que 
possam depreciar a existência, o valor, o uso ou o gozo de seu território. Além disso, ficou 
determinado que o Estado deveria concluir o processo de desintrusão do território indígena 
Xucuru e remover qualquer tipo de obstáculo ou interferência sobre o território em questão, 
de modo a garantir o domínio pleno e efetivo do povo Xucuru sobre seu território, em prazo 
não superior a 18 meses (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2018, 
p. 54). 
Desse modo, embora não faça menção expressa aos índios e a seus territórios, a 
CADH, em conjunto com a jurisprudência da CIDH, mostra-se um dos mais importantes 
instrumentos de proteção aos direitos indígenas. Suas disposições devem ser interpretadas de 
33 
 
 
 
modo a não excluir as garantidas conferidas por outros textos internacionais ou pelos 
ordenamentos jurídicos internos dos Estados-partes. 
 
1.3.2 A Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da OIT 
 
A Convenção nº 169 da OIT é considerado atualmente a ferramenta de caráter 
obrigatório mais eficaz e avançada em matéria de direitos indígenas (URQUIDI; TEIXEIRA; 
LANA, 2008, p. 203). 
A OIT sempre demonstrou preocupações a respeito dos povos indígenas, uma vez que 
estes, historicamente, foram utilizados nas colônias por meio de trabalho escravo. Como 
exemplo dessa preocupação, foi criada a Comissão de Peritos em Trabalho Indígena em 1926, 
cujo esforço deu origem a diversos diplomas normativos, como, por exemplo: a Convenção nº 
29, de 1930, sobre Trabalho Forçado; a Convenção n° 50, de 1936, sobre o recrutamento de 
trabalhadores indígenas; a Convenção n° 64, de 1939, sobre contratos de emprego de 
trabalhadores indígenas; a Convenção n° 65, de 1939, sobre sanções penais a trabalhadores 
indígenas; a Convenção n° 86, de 1947, tratando também sob contratos de emprego de 
trabalhadores indígenas e a Convenção n° 104, de 1955, sobre a abolição de sanções penais a 
trabalhadores indígenas (ANJOS FILHO, 2009, p. 316). 
Contudo, em razão de casos de discriminação e exploração de indígenas nas relações 
laborais, a OIT editou a Convenção nº 107 relativa à Proteção e Integração das Populações 
Indígenas e de Outras Populações Tribais e Semitribais nos Países Independentes em 1957. 
Pela primeira vez, o direito ao território indígena foi tratado em uma convenção internacional, 
além de observar também outros direitos como saúde, educação e condições de trabalho. O 
referido diploma foi aprovado no Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 20, de 
30/04/1965, promulgado pelo Decreto Presidencialnº 58.824, de 14/07/1966 e com vigência a 
partir de 18/06/1966. 
Embora tenha sido um marco para a proteção e afirmação dos direitos indígenas, a sua 
denominação já indica seus objetivos de integração das populações indígenas, uma vez que 
foi elaborada à luz do paradigma assimilacionista, razão pela qual foi contestada pelos 
próprios povos indígenas que visava proteger (ANJOS FILHO, 2009, p. 317). 
É possível notar uma falta de critérios entre o uso dos termos “assimilação” e 
“integração”. A própria Convenção nº 169 indica a ausência de distinção entre os dois termos. 
34 
 
 
 
Embora a Convenção nº 107 possa indicar uma ideia de integração, o preâmbulo da 
Convenção nº 169 reconhece os princípios assimilacionistas do texto que a antecede, ao citar 
que 
a evolução do direito internacional desde 1957 e as mudanças sobrevindas na 
situação dos povos indígenas e tribais em todas as regiões do mundo fazem com que 
seja aconselhável adotar novas normas internacionais nesse assunto, a fim de se 
eliminar a orientação para a assimilação das normas anteriores (ORGANIZAÇÃO 
INTERNACIONAL DO TRABALHO, 1989). 
O enfoque assimilacionista da Convenção nº 107 é visível desde o seu preâmbulo ao 
afirmar seu objetivo de contribuir para a integração gradual das populações indígenas na 
respectiva sociedade nacional, como forma de melhorar suas condições de vida e trabalho. 
Nota-se que a Convenção busca, na verdade, a assimilação, e não a integração, ao considerar 
que as condições de vida e trabalho dos povos indígenas são inferiores aos da sociedade 
dominante. Daize Fernanda Wagner (2014, p. 6) esclarece que essa compreensão acerca dos 
povos indígenas e tribais se manteve durante a década de 1950 até meados da década de 1970. 
Devido às duras críticas sofridas, a OIT adotou, em Genebra, em 27/06/1989, na 76ª 
Conferência Internacional do Trabalho, a Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais 
em Países Independentes, entrando em vigor em 05/09/1991 (ANJOS FILHO, 2009, p. 317). 
A Convenção foi aprovada com 328 votos favoráveis e contou com 49 abstenções, 
inclusive do Brasil, que só veio a ratificá-la em 2002, uma vez que o texto veio a sofrer 
grande resistência no CN, principalmente no Senado Federal, no qual permaneceu 11 anos em 
debate (WAGNER, 2014, p. 9). O texto entrou em vigor no país um ano após a sua ratificação 
e foi incorporado pelo ordenamento jurídico nacional por meio do Decreto Legislativo nº 143, 
de 20/06/2002, e do Decreto Presidencial nº 5.051, de 19/04/2004. 
A Convenção nº 169 é um grande avanço em relação à sua antecessora, principalmente 
por ter abandonado as concepções assimilacionistas, passando a reconhecer e respeitar os 
povos indígenas e suas diferenças. 
O texto é composto por 44 artigos, divididos em dez partes. Assim, a primeira parte 
trata da política geral, a segunda da terra, a terceira da contratação e condições de emprego, a 
quarta da formação profissional, artesanato e indústrias rurais, a quinta da seguridade social e 
saúde, a sexta da educação e meios de comunicação, a sétima parte trata dos contatos e 
cooperação além-fronteiras, a oitava da administração, a nona das disposições gerais e a 
décima parte trata das disposições finais. 
Em relação às terras indígenas, convém citar o artigo 13, item um, segundo o qual ao 
aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os governos deverão respeitar a 
35 
 
 
 
importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a 
sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou 
utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação. 
O artigo 14, item um, estabelece que os direitos de propriedade e posse de terras 
tradicionalmente ocupadas pelos povos interessados deverão ser reconhecidos, devendo, 
quando justificado, serem tomadas medidas para salvaguardar o direito dos povos 
interessados de usar terras não exclusivamente ocupadas por eles às quais tenham tido acesso 
tradicionalmente para desenvolver atividades tradicionais e de subsistência, além de ser 
necessária especial atenção à situação de povos nômades e de agricultores itinerantes. O item 
dois trata do processo de demarcação, segundo o qual fica determinado que os governos 
tomarão as medidas necessárias para identificar terras tradicionalmente ocupadas pelos povos 
interessados e garantir a efetiva proteção de seus direitos de propriedade e posse. O item três 
determina que procedimentos adequados deverão ser estabelecidos no âmbito do sistema 
jurídico nacional para solucionar controvérsias decorrentes de reivindicações por terras 
apresentadas pelos povos interessados. 
O artigo 15, item um, prescreve que o direito dos povos interessados aos recursos 
naturais existentes em suas terras deverá gozar de salvaguardas especiais, devendo incluir o 
direito desses povos de participar da utilização, administração e conservação desses recursos. 
Por sua vez, o artigo 18 determina que sanções adequadas deverão ser estabelecidas 
em lei contra a intrusão ou uso não autorizado de terras dos povos interessados e que os 
governos tomem medidas para impedir a ocorrência de delitos dessa natureza. 
Embora represente um avanço em diversos pontos, a Convenção nº 169 sofreu críticas 
no tocante ao tratamento dos territórios indígenas, pois poderia ter avançado muito mais na 
proteção de seus direitos e interesses. Como exemplos podem ser citadas a flexibilização na 
remoção dos povos indígenas das terras em que ocupam, podendo ocorrer em situações de 
excepcionalidade. Porém, o texto não define tais exceções, deixando a cargo dos Estados-
partes caracterizar tal situação (WAGNER, 2014, p. 8). Outro ponto de crítica foi a limitação 
no controle dos recursos naturais de seus territórios por parte dos povos indígenas, uma vez 
que “em muitos Estados-partes, como é o caso do Brasil, os povos indígenas não têm controle 
sobre os recursos do subsolo, pois estes pertencem ao Estado” (WAGNER, 2014, p. 8). 
Desse modo, no caso do Brasil, a Convenção nº 169 da OIT não representou uma 
grande ruptura jurídica no ordenamento brasileiro, uma vez que a CF88 já havia trazido uma 
grande inovação no tratamento dos povos indígenas, de modo que o grande mérito da 
36 
 
 
 
recepção do diploma internacional foi o compromisso no plano internacional assumido pelo 
Brasil em relação a seus povos indígenas (WAGNER, 2014, p. 13). 
 
1.3.3 A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas 
 
No dia 13 de setembro de 2007, em Nova Iorque, a Assembleia Geral da ONU 
aprovou, após 25 anos de debates, a DNUDPI. O texto final foi aprovado com 143 votos a 
favor, incluindo o voto do Brasil, quatro votos contrários, sendo estes os votos de Estados 
Unidos, Canadá, Nova Zelândia e Austrália, e 11 abstenções (ORGANIZAÇÃO DAS 
NAÇÕES UNIDAS, 2009, p. 58-64). A Declaração tem como base a Convenção nº 169 da 
OIT e, embora não estabeleça novos direitos, reconhece e afirma direitos fundamentais 
universais já existentes no contexto das culturas, realidades e necessidades indígenas 
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2009, p. 50). 
A Declaração é o documento de princípios mais avançado e ousado a respeito dos 
direitos indígenas no plano internacional, pois reúne as principais reivindicações, debates, 
conceitos e princípios sobre o assunto (URQUIDI; TEIXEIRA; LANA, 2008, p. 7), 
constituindo-se, desse modo, um mínimo existencial dos povos indígenas, ou seja, exigências 
mínimas de respeito à dignidade daqueles povos (ANJOS FILHO, 2009, p. 325). O próprio 
texto da Declaração, em seu artigo 43, estabelece que os direitos reconhecidos no documento 
constituem as normas mínimas para a sobrevivência, a dignidade e o bem-estar dos povos 
indígenas do mundo (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2007). 
Contudo, mesmo se tratando de um texto avançado, a Declaração

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