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LINGUÍSTICA
CAPÍTULO 1 - O QUE É LINGUÍSTICA?
Adriana Paula da Silva Amorim
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Introdução
Você já parou para refletir sobre a linguagem humana? Já se perguntou se existe um sistema de comunicação entre os animais? Ou se as regras que regem um determinado idioma se encaixam em qualquer outra língua falada ao redor do mundo? Como estudante de Letras, você provavelmente já teve interesse em conhecer e analisar a linguagem e suas diversas manifestações sociais. Nesse contexto, conhecer o que é linguagem, o que é língua, e suas principais características, torna-se imprescindível para o seu pleno desenvolvimento enquanto profissional da área. Vale salientar que os primeiros estudos linguísticos de que se tem notícia vêm da tradição clássica, desenvolvidos por filósofos gregos. No entanto, esses estudos pautavam-se na relação entre linguagem e lógica, configurando-se como estudos de gramática tradicional. Somente a partir do século XX, novas teorias surgiram e marcaram o início da ciência linguística. Neste capítulo, discutiremos alguns pressupostos básicos dos estudos linguísticos modernose suas implicações para as mais recentes pesquisas no campo da linguagem. Além disso, com base em Martelotta (2017), refletiremos sobre a aplicação dos conhecimentos linguísticos em situações cotidianas de uso da linguagem, levando você a perceber a interface existente entre a linguística e várias outras áreas que se interessam pela linguagem humana, tais como a psicologia, o direito e a linguística aplicada, cujo interesse está voltado para o ensino de línguas, especialmente de línguas estrangeiras. Bons estudos!
1.1 Linguagem, língua e linguística: conceito de linguagem, o objeto de estudo da linguística
Inicialmente, é importante destacar que, ao contrário do que comumente se pensa, a linguística não é o estudo da gramática normativa. De fato, os primeiros estudos relacionados à língua, realizados por filósofos gregos, por volta de quatro séculos antes de Cristo, preocupavam-se com a lógica da elaboração do raciocínio por meioda linguagem. No entanto, não havia, até então, um interesse científico nesses estudos, apenas a formulação de regras que designavam os enunciados como corretos ou incorretos, ou seja, tratava-se de uma disciplina normativa.
Mais tarde, ainda na Idade Antiga, surgiu a Filologia, cujo objetivo era estudar as civilizações antigas por meio da leitura, interpretação e comentários dos textos que essas civilizações deixaram. Dessa forma, os filólogos estudavam a evolução das línguas através dos tempos e percebiam as transformações sofridas pela língua por meio da verificação de documentos históricos. Foi então que esses estudiosos começaram a realizar comparações entre diferentes línguas, agrupando-as em famílias. O Português, por exemplo, faz parte da família das línguas românicas, que reúne também o Espanhol, o Italiano, o Francês e o Romeno. O Inglês, o Alemão e o Sueco, por sua vez, fazem parte das línguas germânicas.
Nesse contexto, a evolução dos estudos comparativos das línguas acabou por suscitar um novo interesse: o de analisar e descrever a estrutura e o funcionamento dos sistemas linguísticos. Daí surgiram os primeiros estudos linguísticos, propriamente ditos. Dessa forma, é possível que você levante a seguinte questão: qual o campo de atuação da linguística, afinal? Veja a resposta na sequência.
1.1.1   Linguagem e língua
A linguística é o estudo científico da linguagem. Portanto, torna-se relevante estudaros conceitos de linguagem e de língua, a fim de compreender os campos de atuação dessa disciplina.
Nessa perspectiva, o termo linguagem pode ter mais de um significado. Genericamente, pode designar qualquer processo de comunicação, como a linguagem dos animais ou a linguagem corporal.
Por conseguinte, o termo “língua” designa um “sistema de signos vocais utilizado como meio de comunicação entre os membros de um grupo social ou de uma comunidade linguística”. (MARTELOTTA, 2017, p. 16).Em outras palavras, a língua é o sistema linguístico utilizado socialmente para que os indivíduos se comuniquem. De acordo com Saussure (2012), a línguaé uma parte integrante e essencial da linguagem; uma faculdade natural do ser humano, mas também um produto coletivo, social.
Portanto, para os linguistas, a linguagem é uma capacidade eminentemente humana de se comunicar por meio de línguas (BENVENISTE, 1976), como o Português, o Inglês e a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), utilizada pelos surdos, que não apresenta signos vocais, mas visuais.
O livro Manual de Linguística, de Mário Eduardo Martelotta (2017), traça um panorama geral – em linguagem simples e objetiva – dos principais aspectos da linguística moderna, com exercícios de fixação do conteúdo ao final de cada capítulo. Esse livro foi escrito por especialistas no assunto, e é uma das obras da bibliografia básica desta disciplina.
Os linguistas, em sua generalidade, não estão interessados na observação da estrutura particular de cada língua, mas nos “processos que estão na base da sua utilização como instrumentos de comunicação” (MARTELOTTA, 2017, p. 16). No entanto, existem diferentes pontos de vista sobre o fenômeno da linguagem, ou seja, diferentes teorias linguísticas, divergentes quanto ao seu enfoque: na formalização, na funcionalidade, no uso ou na relação entre linguagem e sociedade, dentre tantos outros existentes. Alguns deles, considerados mais relevantes, serão abordados nesta disciplina.
1.1.2 A ciência linguística e sua interface com outras áreas
A linguística não se restringe ao estudo de uma língua específica, mas configura-se como o estudo da língua de forma geral. Por isso, é importante que todo estudante de Letras, independentemente do idioma ao qual se dedique, compreenda os pressupostos teóricos da linguística geral, a fim de aplicá-los à análise das diversas línguas: Português, Espanhol, Inglês, dentre tantas outras.
A linguística, ao contrário da gramática normativa, não tem intenção de prescrever ou impor regras para as línguas, nem de julgá-las quanto a sua utilização por seus falantes, privilegiando uma ou outra forma de falar. Diante disso, a linguística é uma ciência descritiva e explicativa, pois busca analisar e descrever a língua da forma como é empregada, sem preconceitos de ordem cultural ou social. Saussure (2012, p. 37) afirma que “a matéria da linguística é constituída inicialmente por todas as manifestações da linguagem humana, quer se trate de povos selvagens ou de nações civilizadas”. Nessa perspectiva:
A linguística tem como objeto de estudo a linguagem humana através da observação de sua manifestação oral ou escrita (ou gestual, no caso da língua dos sinais). Seu objetivo final é depreender os princípios fundamentais que regem essa capacidade exclusivamente humana de expressão por meio das línguas (MATERLOTTA, 2017, p. 21).
Dessa maneira, algumas áreas de estudo surgiram a partir da linguística. A semiologia, ciência mais abrangente que a linguística, não abrange somente a linguagem humana, mas qualquer sistema de signos naturais (como a formação de nuvens negras que sinalizam chuva) ou culturais (como os sinais de trânsito, que sinalizam mensagens específicas). A linguística configura-se, portanto, como um ramo da semiologia ou semiótica.
A linguística aplicada, por sua vez, tem sua atenção voltada para o ensino de línguas, em especial de línguas estrangeiras, buscando base nas teorias linguísticas para a solução de problemas associados ao ensino. Ademais, os resultados de práticas de ensino de línguas funcionam como importantes subsídios para a teorização acerca da linguagem em contexto pedagógico, bem como para a elaboração de métodos e materiais didáticos.
Além destas, existem a psicolinguística, que se interessa pela relação entre a linguagem e mente e tem sido útil em muitos estudos científicos, como no estudo do Gerativismo. A neurolinguística, por sua vez, trata da investigação sobre a produção da linguagem no cérebro, e também tem sido útil para tratar casos clínicos dedeficiências de linguagem e criar estratégias de persuasão por meio da linguagem, como o marketing.
O filme O enigma de Kaspar Hauser, escrito e dirigido pelo cineasta alemão Werner Herzog (1974), apresenta a trajetória de um jovem que vivia trancado em um cativeiro, privado de qualquer convivência social além do próprio pai. Quando ele é solto, sem rumo e sem saber se comunicar, algumas pessoas decidem ajudá-lo a aprender a viver em sociedade. O enredo do filme é muito interessante para uma análise da linguagem humana como meio de expressão. Para assistir gratuitamente, acesse o endereço: <https://megafilmes.club/drama/932-o-enigma-de-kaspar-hauser.html>.
A linguística possui, ainda, relação com várias outras áreas do conhecimento que se interessam pelo fenômeno da linguagem de alguma forma específica – dentre as quais, destacaremos duas. A psicologia, por exemplo, que estuda o funcionamento da mente humana, interessa-se pela linguagem como importante fonte de expressão do pensamento.Em contextos clínicos, a neurologia e a fonoaudiologia dedicam especial atenção à atividade de linguagem para a análise de problemas relativos à produção e à fisiologia da fala, respectivamente. Para entender melhor, veja o exemplo descrito no caso a seguir.
Em meados do século XIX, os cientistas Paul Broca e Karl Wernicke descobriram que acidentes cardiovasculares ou lesões em determinadas áreas do cérebro provocam problemas de linguagem, chamadas de afasias. Brocapercebeu que os pacientes lesionados na parte frontal do hemisfério esquerdo do cérebro possuíam articulação deficiente e dificuldade de formar frases, mas compreendiam o que outras pessoas falavam. Wernicke, por sua vez, notou que pacientes com lesão na parte posterior do lóbulo temporal esquerdo conseguiam falar fluentemente, mas sem produção de significados, assim como não compreendiam o que outras pessoas falavam. Essas descobertas foram de extrema importância para a neurolinguística (MARTELOTTA, 2017).
A linguagem também ganhou relevo em contextos forenses, através da análise de conversações para desvendar conspirações, difamação e outras questões ligadas à lei, bem como para deduzir a veracidade dos depoimentos prestados por acusados e testemunhas. No direito, a linguagem possui extrema relevância na forma como um advogado apresenta seu caso ao tribunal, assim como na transcrição dos julgamentos e na força dos testemunhos. 
1.2 A teoria dos signos
Depois de vislumbrar o campo de estudo da linguística e sua relação com outras ciências, você irá conhecer a teoria basilar da linguística, a partir da qual se iniciaram os estudos modernos da ciência da linguagem, por meio dos ensinamentos de Saussure no Curso de Linguística Geral (SAUSSURE, 2012).
O suíço Ferdinand de Saussure é considerado pai da linguística moderna. Foi professor da Universidade de Genebra, onde lecionava Linguística Indo-europeia e Sânscrito, e Linguística Geral. Era fascinado pelo mistério das palavras humanas. A partir das ideias que divulgou, seus cursos na Universidade, dois de seus alunos, Bally e Sechehaye, publicaram o livro intitulado Cours de Linguistique Générale, em 1916, três anos após a morte de Saussure.
Saussure (2012) formulou diversos conceitos considerados fundamentais para a linguística, tais como a delimitação do objeto de estudo dessa ciência e as chamadas dicotomias saussureanas: língua e fala, significante e significado, sincronia e diacronia, paradigma e sintagma.
Para Saussure (2012), a língua (langue) é um fenômeno coletivo e social, pois cada falante não possui domínio de sua criação e modificação. Por outro lado, a fala (parole) é aprópria manifestação da língua por um falante, sendo um ato individual de vontade e inteligência. Em outras palavras, a fala é a língua em uso.
Para o autor, o objeto de estudo da linguística é a língua, atividade simbólica por meio da qual categorizamos o mundo através das palavras e dos conceitos. Dessa forma, Saussure concebeu o signo linguístico como uma entidade psíquica de duas faces (significante e significado) que se articulam. “O signo linguístico não é uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta não é o som material [...], mas a impressão psíquica desse som” (SAUSSURE, 2012, p. 106).
Esses conceitos de Saussure parecem demasiadamente complexos? Calma! Ao longo da disciplina, por meio das leituras obrigatórias e complementares, exemplificações e exercícios, as ideias tendem a elucidar-se mais facilmente.
1.2.1 Significado e significante
O signo linguístico é uma unidade linguística que significa alguma coisa. É, pois,uma entidade psíquica de duas faces, que podem ser representadas pela figura a seguir.
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Figura 1 - O signo linguístico.Fonte: SAUSSURE, 2012, p. 107.
Nessa perspectiva, a imagem acústica designa o significante, enquanto o conceito é o significado. “A imagem acústica não é o som material, mas impressão psíquica desse som” (LOPES, 1976, p. 82), e o significado “não é a realidade que ele designa, mas a sua representação” (FIORIN, 2010, p. 58). Esses elementos estão intrinsecamente ligados, um não existe sem o outro. Assim, para que uma palavra seja considerada um signo linguístico, é preciso considerar mais que o seu significante, mas a totalidade composta pelo significante e seu significado, conforme o seguinte exemplo:
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Figura 2 - Representação do signo linguístico.Fonte: SAUSSURE, 2012, p. 107.
Ao se pronunciar a palavra árvore, todos os falantes do Português sabem do que se trata, porque, além de conhecerem o seu significante, conhecem o seu significado.O título de uma obra literária, como Dom Casmurro, de Machado de Assis, também pode ser conceituado comosigno, pois possui um significado específico. Como extensão desse pensamento, podemos também considerar como signos elementos pertencentes a outros tipos de linguagem, além da linguagem verbal. Alguns gestos, por exemplo, possuem uma imagem (que não é acústica, mas visual) e um significado.
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Figura 3 - Um gesto pode ser considerado um signo.Fonte: Kaesler Media, Shutterstock, 2017 .
Saussure (2012) percebe uma forte relação entre a língua e o mundo que ela representa. Para ele, a língua interpreta, organiza e categoriza o mundo. Nessa perspectiva, cada língua, dada a sua característica social, possui uma forma de categorizar a realidade. Como exemplo, podemos citar o caso do signo porco, em Português, que se refere ao animal e à sua carne. No entanto, em Inglês, há dois signos relativos ao porco: pig se refere ao animal, enquanto pork se refere à carne do porco. Isso acontece porque cada língua reflete a cultura de um povo.
Viu como não é tão difícil compreender a teoria saussureana? A seguir, você conhecerá outros conceitos relevantes acerca da reflexão sobre a natureza do signo linguístico.
1.2.2 A noção de valor e a arbitrariedade do signo linguístico
Para Saussure (2012), cada elemento da língua se define pela diferença que apresenta quando comparado a outro elemento, ou seja, o signo é delimitado pela sua relação com outros signos, pelo que lhes diferencia. Logo, criou-se a noção de valor do signo linguístico: o signo é o que os outros não são.
A fim de elucidar esse pensamento, tomemos como exemplo a palavra pato, do Português. Para definir o fonema /p/, podemos analisar sua distinção com o fonema /b/. Se substituirmos o /p/ pelo /b/, temos outra palavra: bato. Portanto, /p/ não é /b/. E se o substituirmos por /m/, temos a palavra mato, concluindo que /p/ também não é /m/. Assim, o valor linguístico de /p/ é marcado pela sua distinção com os demais elementos /b/ e /m/.
Saussure (2012) afirmava que na língua só há diferenças, pois é através delas que se estabelece o valor de cada componente do sistema linguístico. Além disso, defende que não existe uma relação de motivação entre significante e significado, ou seja, o signo linguístico é arbitrário. Inicialmente, porque não existe uma relação de causalidade entre a imagemacústica e o conceito ao qual ela se refere. Depois, porque o significado independe da escolha do falante, visto que este não possui o controle do sistema linguístico. Observemos um exemplo sobre a arbitrariedade do signo linguístico:
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Quadro 1 - Exemplo da arbitrariedade entre significado e significante em diversas línguas.Fonte: LOPES, 1976, p. 83.
Como se pode perceber, não existe um vínculo, uma relação necessária entre os diferentes planos da expressão (significantes) apresentados e o plano do conteúdo (significado) do signo analisado.
Fiorin (2010, p. 60) também apresenta um exemplo esclarecedor: na palavra mar, ou sea – em inglês –, não há nada que lembre seu significado: “massas de águas salgadas do globo terrestre”, independentemente do idioma.
Vale ressaltar que Saussure chama atenção para o símbolo, que difere do signo por não ser totalmente arbitrário. Existe, em certa medida, um vínculo entre o significante e o significado, ou seja, o símbolo é parcialmente motivado. “O símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substituído por um objeto qualquer, um carro, por exemplo” (SAUSSURE, 2012, p. 109).
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Figura 4 - A balança, símbolo da justiça.Fonte: tlegend, Shutterstock, 2017.
Quanto às onomatopeias, tais como tic-tac etoc-toc, também são apontadas por Saussure como arbitrárias, já que apenas imitam aproximadamente, de forma convencional, certos ruídos. O latido de um cachorro, por exemplo, é representado em Português por au-au; em Francês por aouaoua; em Alemão por wauwau, e, em Espanhol, por guauguau.
1.2.3 Imutabilidade e mutabilidade do signo linguístico
Ainda tratando dos princípios gerais do signo linguístico, Saussure (2012) atesta tanto o caráter imutável da língua quanto a sua mutabilidade ao longo do tempo. Essas ideias podem parecer contraditórias, mas o que o autor queria demonstrar era que os usuários da língua não possuem o poder de modificar algo no sistema linguístico. Dessa forma, o signo linguístico está imune à nossa vontade, e é imutável porque resiste a toda substituição. Nessa instância, a língua, por constituir-se como um sistema, é considerada uma herança das gerações anteriores à nossa. Mesmo que quiséssemos, não poderíamos alterar a relação entre o significante e o significado de pato, por exemplo. E, ainda, “dizemos homem e cachorro porque antes de nós se disse homem e cachorro” (SAUSSURE, 2012, p. 114).
Por outro lado, o signo pode sofrer alterações ou deslocamentos na relação entre significado e significante, em decorrência da evolução da língua ao longo do tempo. Como vimos anteriormente, língua e fala compõem uma dicotomia; no entanto,para que haja língua, é imprescindível haver uma massa falante. Esta não pode, de forma livre, modificar o sistema linguístico, mas a ação do tempo – combinada com a força social – favorece as transformações linguísticas, verificáveis por estudos diacrônicos (que comparam a língua ao longo do tempo a fim de verificar sua evolução), conforme o esquema a seguir:
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Figura 5 - A relação entre o tempo e a mutabilidade do signo linguístico.Fonte: SAUSSURE, 2012, p. 119.
De fato, no contato com textos escritos de épocas passadas, é comum percebermos mudanças, tais como o que ocorreu com a expressão vossa mercê, conforme se verifica a seguir:
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Figura 6 - A evolução da expressão vossa mercê ao longo do tempo.Fonte: GONÇALVES, 2010, p. 2536.
Em decorrência dos estudos de Saussure (2012), outros linguistas interessaram-se pelo estudo das mudanças linguísticas, considerando não somente as transformações que ocorrem ao longo do tempo, mas também as ocasionadas por outros fatores, tais como a faixa etária, a formalidade de situação comunicativa e a origem geográfica do falante. Posteriormente, trataremos desse assunto. 
1.3 Comunicação humana: articulação, arbitrariedade e iconicidade
A partir da delimitação do objeto de estudo da linguística, tem-se defendido a linguagem como um fenômeno essencialmente humano. No entanto, outras questões foram motivo de inquietação para alguns linguistas: a possibilidade da existência de uma linguagem animal e a misteriosa relação entre a linguagem e o mundo que ela simboliza. Provavelmente, ao ler os conteúdos anteriores, você tenha pensado nesses assuntos, os quais discutiremos aqui.
1.3.1 Por que a linguagem humana é considerada articulada?
Em primeiro lugar, articulado significa constituído de membros ou partes (MARTELOTTA, 2017, p. 37). Em geral, esse termo se refere às partes do corpo, mas também pode ser aplicado à linguagem humana, visto que os enunciados produzidos podem ser desmembrados em partes menores. Levemos em consideração a seguinte frase:
Os alunos gostavam de música.
Inicialmente, podemos dividi-la em cinco vocábulos. Isso significa dizer que os falantes escolhem entre os vocábulos armazenados em sua memória, combinando-os de acordo com as regras gramaticais de sua língua, a fim de produzir os efeitos de sentido pretendidos por eles. Ademais, cada um desses vocábulos pode ser dividido em partes menores, como ocorre em:
alun / o /
Nesse vocábulo, alun- é o radical, parte mais significativa da palavra, a partir da qual é possível a formação de outras palavras de mesma raiz; -o é a desinência de gênero, que o diferencia da palavra no feminino; -s é a desinência de número, que marca o plural da palavra. Esses elementos significativos que compõem os vocábulos (radical e desinências) são chamados de morfemas. Também são elementos mórficos das palavras a vogal temática, os afixos (prefixo e sufixo). Todos eles apresentam alguma informação acerca do significado da palavra ou sobre sua estrutura gramatical.
Essa articulação propicia uma espécie de economia linguística, permitindo que sejam transmitidas mais informações com menos esforço. Veja bem, se tivéssemos palavras específicas para feminino e outras para masculino, assim como ocorre com mulher/homem, haveria uma infinidade muito maior de palavras na nossa língua. O mesmo ocorreria se tivéssemos palavras específicas para o singular, e outras para o plural. Assim, é mais simples, e linguisticamente econômico, utilizar o morfema -a para designar o feminino, e -o para o masculino.E, da mesma forma, utilizar o morfema -s para marcar o plural e sua ausência para o singular, realizando as articulações quando necessário.
Além disso, é possível também dividir a sentença em elementos menores, chamados fonemas, que são unidades de base sonora, como demonstrado a seguir:
música: /m/, /'u/, /z/, /i/, /k/, /a/
Os fonemas possuem função distintiva, visto que são capazes de distinguir um vocábulo de outro como em: gostavam / postavam, distintos pela troca do fonema /g/ por /p/.
A partir do que estudou, você consegue perceber porque a linguagem humana é duplamente articulada? A primeira articulação é constituída de elementos mórficos, dotados de significado, também chamada de morfologia. A segunda é constituída de elementos fônicos, de função distintiva, chamada de fonologia.
1.3.2 Linguagem e representação do mundo
Saussure não foi o primeiro a discutir a questão da arbitrariedade da língua. O filósofo grego Platão já refletia sobre a relação existente entre o nome, a ideia e a coisa. Por um lado, filósofos tais como Crátilo defendiam a relação de similaridade, ou iconicidade, entre forma e conteúdo. Um exemplo desse fenômeno são as onomatopeias, cuja estrutura sonora imita o som das coisas, como o canto do galo: cocoricó, o som do relógio: tic-tac. Por outro lado, filósofos como Hermógenes afirmavam a noção de arbitrariedade, pois não há nada no som da palavra que se a relacione à coisa que ela designa (MARTELOTTA, 2017, p. 69). Não há na palavra casa, por exemplo, semelhança com uma moradia real. Além disso, em cada língua há uma palavra diferente para designar moradia, como house, em inglês, e maison, em francês.
Entre os linguistas modernos, ainda existem diferentes visões sobre a arbitrariedade e a iconicidade da linguagem.Saussure (2012), como vimos no tópico anterior, sempre defendeu o princípio da arbitrariedade do signo, afirmando que até mesmo as onomatopeias realizam apenas uma imitação aproximada do som das coisas.
Outro argumento em favor dessa visão é de que temos, na mesma língua, diferentes estruturas sonoras para o mesmo significado, como é o caso das palavras aipim, mandioca e macaxeira. Ou, ainda, a mesma estrutura sonora com significados diferentes, como é o caso de cesta, que pode designar tanto umutensílio próprio para guardar objetosquanto a marcação de pontos em um jogo de basquete.
No entanto, Saussure (2012) considerava a existência de uma arbitrariedade relativa, no caso de palavras que possuem uma motivação interna, ou seja, dentro do próprio sistema linguístico. É o caso da palavra bananeira, motivada pela palavra banana com o acréscimo de um sufixo.As onomatopeias poderiam, portanto, se enquadrar nesse fenômeno. Assim como é o caso de expressões como o cabeça do grupo, em que a utilização da palavra cabeça está associada ao membro do corpo que manda informações para os outros membros, assim como faz o líder de um grupo de pessoas. Ainda assim, os seguidores de Saussure consideram essa iconicidade apenas parcial, pois são formados por elementos já existentes na língua, também arbitrários.
Em contrapartida, estudos da semiótica ou semiologia, ciência geral dos signos, consideram outros elementos além da linguagem verbal. Nessa perspectiva, uma placa de trânsito, por exemplo, funciona como um signo, pois possui um significado, um conceito. Peirce (1999) classifica os signos em símbolos, índices e ícones.
O símbolo se refere a determinado objeto, representando-o com base em uma convenção. A cruz, por exemplo, é o símbolo do cristianismo, já que foi nela que Jesus Cristo morreu. A balança é o símbolo da justiça, pois representa o equilíbrio, a ponderação. O símbolo é, pois, parcialmente motivado. O índice possui uma relação de contiguidade com a realidade natural. A fumaça, por exemplo, é o índice do fogo. Basta lembrarmos que o índice indica algo. Ele não representa a coisa, mas é afetado por ela. O ícone, por sua vez, trata-se de uma imagem que se assemelha ao objeto a que se refere. Uma fotografia, por exemplo, é o ícone de um indivíduo. O mapa de uma cidade também é um ícone.
Em linha com esse pensamento de iconicidade, linguistas funcionalistas e cognitivistas passaram a observar não apenas palavras ou frases isoladas, mas a considerar os contextos de uso e a criatividade humana ao se referir ao mundo que nos cerca, percebendo que há mais iconicidade na linguagem do que se imaginaria. Martelotta (2017) cita a motivação da utilização do verbo chamar para a ação de apertar o botão e solicitar a vinda do elevador ao andar em que estamos, analogicamente ao ato de chamar uma pessoa para que ela venha até nós. 
A maioria dos sinais em LIBRAS (língua brasileira de sinais), linguagem gestual-visual-espacial utilizada pelos surdos, é arbitrária, sem relação de semelhança com o dado da realidade que representam. Um exemplo é o sinal da palavra casa (visualize em: <https://goo.gl/KW5Dcp>). Porém, existem os sinais icônicos, que possuem semelhança visual com o objeto ou ação a que se referem, como é o caso de banheiro (visualize em: <https://goo.gl/UBpbAk>).
Verificamos, portanto, que algumas vertentes linguísticas mais recentes abordam a relação existente entre a linguagem e as coisas do mundo que, em maior ou menor medida, influenciam a linguagem humana.
1.3.3 Poderia existir, então, uma linguagem animal?
Para responder a essa questão, apresentaremos o estudo de Karl von Frish, que – em 1959 – analisou a comunicação das abelhas. O zoólogo alemão verificou que a abelha-obreira, ao encontrar uma fonte de alimento, volta à colmeia e transmite a informação às companheiras por dois tipos de dança: circular se o objeto estiver próximo, a menos de 100 metros, e em forma de oito se estiver a mais de 100 metros de distância.
Percebe-se, portanto, a existência de um simbolismo por meio desse sistema de comunicação. No entanto, esse sistema não pode ser equiparado à linguagem humana, por alguns motivos: não há intervenção de um aparelho vocal essencial para a linguagem (com ressalva em relação às línguas de sinais); a mensagem da abelha não provoca uma resposta, ou seja, não há diálogo; o conteúdo da mensagem é único: indicar a existência de alimento, ou seja, é um conteúdo limitado, enquanto na linguagem humana ele é ilimitado. Por último, não é possível analisar a mensagem das abelhas em elementos menores, ou seja, o código utilizado não é articulado (FIORIN, 2010).
A comunicação das abelhas não é, portanto, uma linguagem, mas um código de sinais, conforme Benveniste (1976). Nessa perspectiva, a articulação é uma propriedade fundamental na linguagem humana, “pois permite produzir uma infinidade de mensagens novas a partir de um número limitado de elementos sonoros distintivos” (FIORIN, 2010, p. 17), sendo um dos principais aspectos que diferenciam a linguagem humana da comunicação animal.
A gorila Koko tornou-se famosa, no YouTube, por se comunicar em linguagem de sinais. Criada em cativeiro desde filhote, Koko foi condicionada por Penny, sua cuidadora, a utilizar a linguagem de sinais para expressar alguns desejos. Atualmente, aos 44 anos, ela é capaz de utilizar e compreender 1.100 palavras, segundo Penny. Seu caso é bem polêmico, já que alguns cientistas contestam a capacidade de comunicação de Koko, afirmando que um humano a condicionou para tal comportamento. Conheça mais em: <https://super.abril.com.br/ideias/koko-a-gorila-que-fala/#>.
O exemplo de Koko é muito interessante para concluirmos que, de fato, não há uma linguagem essencialmente animal. Afinal, vale ressaltar que ela não aprendeu a se comunicar no convívio com outros gorilas, mas sim com humanos, a partir de um condicionamento. Seu caso inspirou obras literárias e cinematográficas.
O livro Congo, de Michael Crichton (2001), é um romance baseado na história real de uma expedição à África, por ordem de uma gananciosa empresa de tecnologia, em busca de diamantes. A equipe era composta por um casal de cientistas, alguns técnicos e a gorila Amy, que fazia parte de um projeto de linguagem de sinais e entendia mais de 600 palavras. A trama acontece no contexto da Guerra Fria e foi cinematografada em 1995, sendo bem recepcionada pelo público.
A partir dos casos apresentados neste tópico, fica claro porque Saussure (2012) e outros teóricos modernos sempre defenderam que a linguagem é uma atividade essencialmente humana, embora seja interessante verificar a existência de certos códigos de comunicação entre as espécies animais.
1.4 Funções da linguagem: língua e comunicação, a interação verbal
Neste tópico, discutiremos as funções que a linguagem pode exercer na comunicação humana, considerando variadas circunstâncias. Ao pensarmos na comunicação, é importante ressaltar a necessidade de considerarmos todos os elementos envolvidos nessa atividade, tais como os interlocutores e o contexto, e não somente a estrutura da sentença produzida por um falante. 
1.4.1 A linguagem como instrumento de comunicação
Compreendendo que a linguagem, mais do que a representação das coisas do mundo, é um instrumento de comunicação entre os indivíduos, vale refletir sobre qual a função – ou as funções – da linguagem.Em um primeiro momento, seria possível afirmar que a principal função da linguagem seria transmitir informações de um indivíduo para outro. Mas não é tão simples assim.
Consideremos a situação em que um indivíduo, ao avistar um colega, faz um aceno com a cabeça e diz “oi?”, ao passo que o outro responde “oi?”. Nesse caso, não se pode afirmar que houve a transmissão de informações de um para o outro. Dessa forma, é preciso destacar, então, que existem várias funções para a linguagem, com base na vida social.
Alguns cientistas da linguagem debruçaram-se sobre essa questão, como Shannon e Weaver (1949) e Jakobson (1969).  Cada um elaborou um modelo de comunicaçãoa partir do qual extraiu as funções da linguagem. A seguir, você conhecerá os modelos de comunicação de cada um desses teóricos.
1.4.2 Os modelos de comunicação
Shannon e Weaver (1949) elaboraram um esquema para a comunicação com base na teoria da informação, com o fito de solucionar problemas na transmissão de informações (chamados de ruído) entre os indivíduos. Veja a seguir o esquema destes autores, traduzido por Fiorin (2010).
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Figura 7 - Modelo de comunicação elaborado por Shannon e Weaver (1949).Fonte: FIORIN, 2010, p. 26.
Dessa forma, há um transmissor e um receptor que separam a codificação e a decodificação propriamente ditas da mensagem; um canal, suporte material que serve para a transmissão da mensagem. Assim, antes da transmissão da mensagem, há a sua codificação, e entre a recepção e o destino há uma decodificação. Os ruídos aparecem durante todo o percurso e dificultam a transmissão da mensagem. Podem ser barulhos, problemas no canal, desatenção ou desinteresse do receptor, entre outros fatores. O objetivo desse modelo é, portanto, melhorar a transmissão da mensagem.
Algumas críticas são feitas em relação a esse modelo, principalmente por simplificar demasiadamente o processo de comunicação entre os seres humanos, que nem sempre ocorre de forma tão mecânica.
O modelo elaborado por Jakobson (1969) é a mais conhecida das propostas de ampliação desse modo de comunicação, baseado na teoria da informação. É esse modelo que tomaremos por base para o estudo das funções da linguagem.
Roman Osipovic Jakobson nasceu na Rússia, em 1896. Desde pequeno, revelou-se muito interessado pelos estudos comparativos. Participou do Círculo Linguístico de Moscou e foi um dos fundadores do Círculo Linguístico de Praga, berço da teoria funcionalista da linguagem. Jakobson passou por diversas universidades atuando como professor de linguística (Universidade de Praga e de Harvard), deixando, por onde passava, trabalhos exemplares de pesquisa (TRUNKLE, 2011). Para saber mais, acesse o endereço: <https://linguisticabr.wordpress.com/2011/09/27/roma-jakobson/>.
De acordo com Jakobson (1969), na comunicação há um remetente, que envia uma mensagem a um destinatário, e essa mensagem requer um contexto, um código e um contato, ou seja, um canal que permita a comunicação entre o remetente e o destinatário. A seguir, observe a organização do esquema elaborado por Jakobson (1969).
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Figura 8 - Modelo de comunicação proposto por Jakobson.Fonte: FIORIN, 2010, p. 28.
Segundo Martelotta (2017), para que haja comunicação, não basta que o emissor envie uma mensagem a um receptor, é necessário que ele preencha algumas condições, descritas a seguir:
· um contexto, que é o próprio referencial da mensagem, comas informações referentes à realidade social do remetente e/ou destinatário: o contexto histórico, o local, a relação existente entre emissor e receptor, entre outras;
· um código que seja conhecido pelo remetente e pelo destinatário. Trata-se do conjunto de sinais utilizados para promover a comunicação entre as pessoas. Podem ser as línguas naturais, como o Português ou Italiano, a língua de sinais utilizada pelos surdos, a sinalização de trânsito, entre outros;
· um canal ou contato físico e uma conexão psicológica entre remetente e destinatário que permita a troca de informações. Na comunicação verbal presencial, as ondas sonoras que se propagam pelo som são o canal. Na comunicação a distância, o canal pode ser o telefone ou o e-mail, por exemplo.
Foi com base nos elementos que compõem o ato de comunicação, que Jakobson (1969) propôs seis funções da linguagem, as quais você verá na sequência.
Convém lembrar que a comunicação verbal ocorre de forma circular e não linear – como aparecem os modelos esquematizados anteriormente, ou seja, numa conversa presencial, emissor e receptor trocam de papéis a todo instante. E, mesmo numa comunicação a distância, isso também ocorre, em maior ou menor escala.
1.4.3  As  funções da linguagem
Conforme explicitado anteriormente, estudaremos especificamente as funções da linguagem estipuladas por Jakobson (1969), com base no modelo de comunicação elaborado por ele.
A função referencial consiste na transmissão de informações do remetente ao destinatário. Esta função está centrada no contexto, visto que o remetente se preocupa com a transmissão de informações e conhecimentos sobre pessoas, objetos ou fatos (MARTELOTTA, 2017). Como exemplo de textos que tenham função referencial, podemos citar as notícias veiculadas nos jornais impressos ou digitais ou outros textos predominantemente informativos.
O artigo “Pessoas se lembram mais daquilo que escutam com o ouvido direito”, publicado na revista Superinteressante, é um bom exemplo de texto com função referencial. Observe este trecho: “[...] Pesquisas anteriores já haviam cantado essa bola. Neste estudo, de 1973, por exemplo, crianças entre 5 e 13 anos já se mostraram ‘destras de ouvido’ e este outro, feito no ano seguinte, mostrou que dificuldades de escutar favorecem o desempenho do lado direito. O que não se sabia, no entanto, era se esse comportamento era mantido até a fase adulta. Pesquisadores da Universidade Auburn, nos Estados Unidos, conseguiram confirmar que sim ao analisar 41 pessoas – dessa vez, com idade entre 19 e 28 anos. [...]” (ELER, 2017, s. p.). Para ler o artigo na íntegra, acesse o endereço: <https://super.abril.com.br/ciencia/pessoas-se-lembram-mais-daquilo-que-escutam-com-o-ouvido-direito/>.
A função emotiva consiste na expressão da emoção do remetente. Ela está centrada no próprio remetente, ou emissor (MARTELOTTA, 2017). Relatos pessoais ou textos de opinião escritos em primeira pessoa podem ter essa função. Além disso, frases exclamativas, que refletem a emoção do remetente, tais como “Ai, que chato!”, possuem função emotiva. Veja a seguir um trecho do poema Meus oito anos, de Casimiro de Abreu, publicado em 1859 na coletânea As Primaveras, que, ao refletir sobre seus sentimentos e emoções,representa um exemplo de texto de função emotiva.
[...] Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais! [...].
 
A função conativa consiste em influenciar o comportamento do destinatário. Está centrada no receptor, pois ele é o alvo da informação, e também recebe o nome de apelativa, pelo seu teor persuasivo. São exemplos de textos com função conativa as propagandas, que buscam convencer um público a comprar um produto, agir de determinada maneira ou votar em alguém (MARTELOTTA, 2017). As campanhas publicitárias criadas pelo governo, por meio de ministérios e secretarias, tais como a de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (exemplificada na figura a seguir), são exemplos de textos com função conativa. 
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Figura 9 - Os textos de função conativa, como as campanhas publicitárias, visam convencer o público.Fonte: BRASIL, 2017.
Note que, a fim de aproximar-se do leitor e, assim, convencê-lo, os textos de função conativa apresentam, muitas vezes, verbos no imperativo e um tom conversacional.
A função fática consiste em iniciar, manter ou finalizar um ato de comunicação. Está centrada no canal, visto que não visa à comunicação propriamente dita, mas ao estabelecimento, à manutenção ou ao fim do contato (MARTELOTTA, 2017). Termos de cumprimento sempre utilizados no início e no final da comunicação, como bom dia, boa tarde e boa noite, possuem essa função. Outro exemplo é a utilização de expressões como entendeu? e ok?, que, dentre muitas outras, são utilizadas a fim de perceber se o destinatário está recebendo a mensagem e deseja manter o contato. Podemos exemplificar essa função por meio do trecho do conto Clic, de Luís Fernando Veríssimo (2000, p. 41).
“[...] — Aloa.
— Quem fala?
— Com quem quer falar?
— O dono desse telefone.
— Ele não pode atender.[...]”.
 
A função metalingüística consiste em usar a linguagem para se referir à própria linguagem. Essa função estácentrada no código. Os verbetes de dicionário são exemplos de textos com essa função. Além disso, poemas que falam sobre o próprio ato de fazer poesia, bem como canções que falam sobre o ato de compor ou cantar, também são exemplos de textos de função metalinguística. Veja o exemplo do poema Autopsicografia, de Fernando Pessoa (1972, p. 164).
"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.”
Perceba que Fernando Pessoa, nesse texto, fala sobre o próprio fazer poético, sobre o ato de transpor suas emoções para a escrita e o ato da leitura por parte do seu público.
Por fim, a função poética consiste na produção de determinados efeitos de sentido por meio da mensagem e de sua forma. De maneira mais clara, Jakobson (1969) explicou que, no processo verbal, o falante seleciona as palavras que deseja utilizar e depois as combina de acordo com as regras sintáticas de sua língua. Assim, mensagens caracterizadas por rimas, jogos de palavras, repetição de fonemas, entre outros processos estilísticos possuem função poética, já que demonstram um trabalho cuidadoso com as palavras, como você pode observar no poema No meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade (2013, p. 36).
“No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.”
 
É relevante destacar que a função poética não é exclusiva dos textos literários. Vários textos de circulação social são elaborados a partir de figuras de linguagem e jogos de palavras, como é o caso do slogan do medicamento Doril: “Tomou Doril, a dor sumiu”, cuja escolha de palavras ocorreu por meio da semelhança sonora.
Ademais, vale destacar que a divisão em seis funções é meramente didática e analítica, mas na prática uma mesma mensagem tem mais de uma função, prevalecendo a que hierarquicamente predomina no texto como um todo. O conhecimento acerca das funções da linguagem configura-se como importante subsídio para as análises linguísticas realizadas, em especial, pelos teóricos funcionalistas.
Síntese
Concluímos a leitura introdutória sobre o conceito e o objeto de estudo da linguística: a linguagem humana e, mais especificamente, o sistema linguístico. Vimos que os estudos linguísticos são muito úteis para diversas áreas, como a psicologia, o direito e a linguística aplicada. Além disso, refletimos sobre os principais construtos teóricos, os quais fundamentam a ciência linguística e que serão de suma importância para seu desenvolvimento enquanto futuro profissional de Letras. Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
· entender o que é a linguística, enquanto estudo científico da linguagem humana, e sua relação com outros estudos da linguagem;
· compreender o que é, para Saussure (2012), o signo linguístico e sua natureza: significante, significado, arbitrariedade, mutabilidade e imutabilidade;
· analisar a relação entre a linguagem e o mundo que ela simboliza, caracterizando-a como uma atividade essencialmente humana;
· compreender os modelos de comunicação e as funções da linguagem: emotiva, apelativa, referencial, fática, metalinguística e poética.
Referências bibliográficas
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