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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA LER/DORT E FATORES DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: a percepção de portadores participantes de uma associ ação em um município de Santa Catarina PAMELA SOARES Itajaí, (SC) 2008 1 PAMELA SOARES LER/DORT E FATORES DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: a percepção de portadores participantes de uma associ ação em um município de Santa Catarina Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí. Orientador: Dr.ª Elizabeth Navas Sanches. Itajaí SC, 2008. 2 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente aos meus pais, Joel e Lezeli, por absolutamente tudo, pelo apoio incondicional, pela confiança e compreensão das minhas constantes ausências. Pelo exemplo de vida e estrutura familiar. Ao Bernardo, por me ouvir, ou por muitas vezes, compreender meu silêncio. Pelo apoio e incentivo e por acreditar em mim sempre. Pela paciência, carinho e compreensão todos os dias. Às minhas amigas: Paula, Fernanda e Nathalia, pelos momentos únicos de alegria, por compartilharem minhas angústias, choraram comigo, e, principalmente, sobreviverem aos meus maus momentos. Às professoras Rosana Marques da Silva e Sueli Terezinha Bobato pela participação na banca avaliadora e pelas relevantes sugestões ao trabalho. Ao professor Luiz Roberto Agea Cutolo pelo auxílio prestado em uma fase importante do trabalho. Agradeço à Associação aonde está pesquisa teve a chance de concretização, pela aceitação e ajuda. À toda a diretoria e atendentes, principalmente Elvira, Gabriel e Nelsi, por me receberem e auxiliarem durante todo este processo. A todos os portadores que aceitaram participar desta pesquia, pois mesmo sabendo que iriam relembrar histórias e angústias, foram coniventes em participar. À professora Elizabeth Navas Sanches, pelo grande aprendizado que me proporcionou durante todo este trabalho, por sua dedicação, auxílio e empenho durante todos os momentos. Agradeço, finalmente, a Deus por colocar pessoas maravilhosas em minha vida, por me dar forças para finalizar essa caminhada, e continuar fortalecendo-me para enfrentar todos os momentos de minha vida. 3 SUMÁRIO AGRADECIMENTOS ............................................................................................... 02 LISTA DE QUADROS .............................................................................................. 04 RESUMO .................................................................................................................. 05 DEFINIÇÃO OPERACIONAL DOS TERMOS .......................................................... 06 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 07 2 EMBASAMENTO TEÓRICO ................................................................................. 10 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................. 22 4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ..................................... 27 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 48 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 51 7 ANEXOS ................................................................................................................ 56 7.1 Anexo 1 – Parecer Conubstanciado do CEP ..................................................... 57 8 APÊNDICES .......................................................................................................... 60 8.1 Apêndice 1 – Roteiro para Entrevista ................................................................. 61 8.2 Apêndice 2 – Carta de Autorização .................................................................... 62 8.3 Apêndice 3 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................. 63 4 LISTA DE QUADROS QUADRO 01. Identificação dos Participantes .......................................................... 26 QUADRO 02. Classificação das Categorias e Subcategorias.................................. 28 5 LER/DORT E FATORES DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: a pe rcepção de portadores participantes de uma associação em um mu nicípio de Santa Catarina Orientador: Prof.ª Elizabeth Navas Sanches, Drª Defesa: Junho de 2008 Resumo As Lesões por Esforço Repetitivo (LER) ou Distúrbios Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT), expressam o sofrimento advindo dos efeitos da ocupação na vida cotidiana do trabalhador contemporâneo. Esta pesquisa buscou compreender a percepção dos portadores de LER/DORT sobre sua doença, e fatores de organização do trabalho, dos participantes de uma associação de portadores de LER/DORT de um município de Santa Catarina. Especificamente, buscou-se conhecer sob o ponto de vista destes portadores, a relação existente entre o desenvolvimento das atividades profissionais e a dor; os fatores de organização do trabalho associados à sintomatologia dolorosa; a influência da doença no cotidiano dos portadores e o significado da doença para os trabalhadores. A pesquisa constituiu-se de um estudo de caso, de caráter exploratório com abordagem qualitativa. O estudo foi realizado com portadores de LER/DORT e a amostra foi delimitada em função da saturação dos dados, sendo constituída de oito portadores participantes da associação. Os critérios para seleção da amostra foram indivíduos com sintomas da doença e associados. O instrumento elaborado para a coleta de dados foi uma entrevista semi-estruturada, e suas informações foram submetidas à análise de conteúdo, pela análise de temas e categorias, as quais foram analisadas por sua freqüência e/ou significado, e estabelecidas tanto durante a realização das perguntas para a entrevista, como também construídas durante o processo de análise dos conteúdos. Com os resultados, foi possível compreender o sofrimento dos portadores desta doença, bem como os fatores de organização do trabalho que favorecem o desenvolvimento ou agravo da doença, os graus de dor que acometem os indivíduos, a história destes indivíduos, a dificuldade para obtenção de um diagnóstico preciso e efetivo e as conseqüências pessoais, sociais e profissionais destes portadores de LER/DORT. Palavras-chave: LER/DORT. Sintomatologia Dolorosa. Sofrimento Ocupacional. Trabalho. 6 DEFINIÇÃO OPERACIONAL DOS TERMOS Fatores Associados: Os fatores associados contribuem para a ocorrência e/ou agravamento da doença, ou seja, são componentes relacionados à manifestação da doença, no presente estudo, das LER/DORT (OLIVEIRA, 1998). Sintomatologia Dolorosa: Os sintomas relacionados às LER/DORT são formigamento, dormência, choque, sensação de peso e fadiga, com sinais inflamatórios nas articulações. Sendo a princípio uma dor mal localizada, de intensidade variável e apenas ligada ao movimento, posteriormente, passando a ser contínua e intensa (HELOANI e CAPITÃO, 2003). 7 1 INTRODUÇÃO O trabalho carrega um duplo papel: ao mesmo tempo em que pode proporcionar o desenvolvimento dos indivíduos, elevar a expectativa e qualidade da vida, ser fonte de sustento, favorecer a auto-realização e valorização, quando realizado sob condições inadequadas, pode prejudicar a saúde, provocar doenças, encurtar a vida e até levar à morte. Deste modo, as organizações podem participar de duas formas no desenvolvimentode patologias: como colaboradores do adoecimento – causando desordens psíquicas nos indivíduos; ou como desencadeadores das doenças ocupacionais – não apenas psíquicas, mas também físicas e sociais, já que ambas as formas estão em articulação com o ambiente organizacional (HELOANI e CAPITÃO, 2003; MENDES, 1995). As transformações do trabalho têm repercussões ainda pouco conhecidas sobre a saúde do trabalhador, como as Lesões por Esforço Repetitivo (LER) ou Distúrbios Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT), que são nomenclaturas para representar inúmeras doenças como tenossinovites e tendinites. Na atualidade estas doenças vêm atingindo grandes proporções e as mais variadas funções ocupadas pelos diversos profissionais de todo o mundo, todos com algo em comum: o sobreuso das extremidades, principalmente, superiores do corpo, com sintomas complexos e mal definidos e com a subjetividade destes sintomas referidos por cada paciente (HELOANI e CAPITÃO, 2003; MACIEL, FERNANDES e MEDEIROS, 2006; MONTEIRO, 1997; SALIM, 2003). O crescimento das LER/DORT está relacionado às mudanças na organização do trabalho e nas condições e exigências do mercado de trabalho, que como conseqüência manifestam-se por meio destas doenças. Qualquer doença é resultante de um fenômeno orgânico e seu caráter psíquico. O sofrimento causado pela dor é conduzido pelos feixes neuronais e, também, talvez em maior grau, pelas questõdes emocionais que suscita. O ônus do aumento da produtividade recaiu sobre os trabalhadores; para estes, as exigências ultrapassam os limites da resistência psíquica e biológica do homem, repercutindo também no plano individual. Pesquisas realizadas quanto à relação existente entre o trabalho, os aspectos relacionados a este e as condições de saúde, vêm comprovando que a execução de 8 algumas tarefas contribui para o surgimento das LER/DORT, sendo essencial, antes de buscar medidas preventivas ou eliminativas, conhecermos os fatores desencadeantes dessas lesões de origem multifatorial (CODO e ALMEIDA, 1995; MACIEL, FERNANDES e MEDEIROS, 2006; OLIVEIRA, 1998). Vários são os fatores associados às LER/DORT: fatores biomecânicos, socioeconômicos, psicossociais e pessoais. Porém, por conseqüência do tempo, a presente pesquisa se limitará a investigação da influência dos fatores de organização do trabalho, classificados em variedade das tarefas, realização de horas extras de trabalho, realização de pausas durante a jornada de trabalho, velocidade do trabalho, falta de material, encomendas extras, urgências, emergências, retrabalho, falta de pessoal e sobrecarga (CODO e ALMEIDA 1995; COUTO, NICOLETTI e LECH, 1998; OLIVEIRA, 1998). Assim, considerando a relevância do estudo do tema, surgiu como pergunta para a pesquisa: Qual a percepção dos portadores de LER/DORT, sobre sua doença e os fatores de organização do trabalho, dos participantes de uma associação de portadores de LER/DORT de um município de Santa Catarina? Para responder a esta questão, o presente trabalho buscou compreender a percepção sobre a doença e fatores de organização do trabalho, dos portadores de LER/DORT participantes de uma associação de um município de Santa Catarina; conhecer, sob o ponto de vista dos portadores, a relação existente entre o desenvolvimento das atividades profissionais e a dor; descrever os fatores de organização do trabalho associados à sintomatologia dolorosa nesses portadores; investigar a influência da doença no cotidiano destes e analisar o significado da doença para estes portadores. Para atender a estes propósitos, o trabalho está estruturado da seguinte forma: Capítulo 1 corresponde à introdução e apresentação do tema, relevância do estudo, problema de pesquisa e objetivos da pesquisa; o Capítulo 2 consiste da fundamentação teórica, dividida em: - Processo Saúde-Doença, - LER/DORT, - Fatores Associados, - Nexo Causal, - Prevenção e Tratamento. No Capítulo 3 são apresentados os aspectos metodológicos, divididos em: - Local de Estudo, - Sujeitos da Pesquisa, - Instrumento, - Coleta de Dados, - Análise de Dados, e – Procedimentos Éticos. O Capítulo 4 está constituído da apresentação e discussão dos resultados, dividido em: - Dados de Caracterização Geral e – Categorias e Subcategorias de Análise, com as seguintes categorias e decorrentes subcategorias: Hora Extra, Sobrecarga (Falta de Material, Falta de Pessoal e Encomendas Extras 9 e/ou Urgências), Pausas (Indivíduos que realizam menos pausas do que o adequado, Pausas subordinadas à realização de hora extra), Velocidade do trabalho para alcance de metas de produção, Repetitividade, Poder e Submissão Organizacionais, História da Dor (Diagnóstico Tardio e Retorno ao Trabalho), Graus de Dor, Conseqüências e Significado de Ser Portador (Preconceito e Tristeza). No Capítulo 5 são apresentadas as considerações finais. No Capítulo 6 estão as referências bibliográficas utilizadas para a elaboração do trabalho, e por fim, nos Capítulos 7 e 8 estão expostos Anexos, com o Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa e os Apêndices com: Roteiro para Entrevista, Carta de Autorização e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, respectivamente. 10 2 EMBASAMENTO TEÓRICO 2.1 PROCESSO SAÚDE-DOENÇA Para entender sobre as Lesões por Esforço Repetitivo (LER), ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), é necessário compreender o processo de saúde-doença no trabalho. Um dos meios de o indivíduo buscar reconhecimento e afeto é através do trabalho (SAINT’ANNA, 2001), mas o trabalho também pode propiciar sofrimento ao ego e restringir a ação do indivíduo a um mecanismo defensivo e repetitivo, fazendo com que as pessoas sintam-se exigidas e desvalorizadas, degradando sua qualidade de vida. Tal processo pode levar ao desenvolvimento de doenças ocupacionais, como as LER/DORT, que até pouco tempo eram restritas a determinados nichos empresariais. Na atualidade estas doenças se alastram rapidamente, impossibilitando muitos trabalhadores de exercerem suas tarefas e deixando-os sentirem-se impotentes frente à sociedade e a si mesmos (HELOANI e CAPITÃO, 2003; RANNEY, 2000). Com relação à saúde, Rezende (1989) utiliza-se do conceito da OMS definindo saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de afecção ou doença, um atuar contínuo do indivíduo em relação ao universo em que vive. A doença, por sua vez, seria uma desadaptação, representada diferentemente por cada cultura, e para cada ser humano causando diferentes reações, como a preocupação neurótica, a adaptação e uma busca por modificar seu funcionamento habitual, a negação, reações obsessivas, ou isolamento (JEAMMET, REYNAUD e COSOLI, 2000; REZENDE, 1989). Quando se discute o paradigma saúde-doença, não podemos esquecer que tratando das doenças humanas, estamos primeiramente tratando de um homem doente, um ser que adoece e traz consigo não apenas a patologia, mas também todos os problemas decorrentes desta (DEJOURS, DESSORS e DESRIAUX, 1993; DIAS, 2001; MENDES, 1995; QUAYLE e LÚCIA, 2006; REZENDE, 1989). A psicopatologia ou psicodinâmica do trabalho enfatiza a centralidade do trabalho na vida dos trabalhadores, analisando os aspectos dessa atividade que 11 podem favorecer a saúde ou a doença. Para Dejours, Dessors e Desriaux (1993), o trabalho é um dado fundamental da saúde, não apenas de maneira negativa, mas também positivamente, ou seja, a organização do trabalho tem efeitos negativos (deterioração, doenças graves, rigidificação nos modos operatórios e enclausuramento dos trabalhadores em um caminho único para a execução da tarefa) ou positivos (fator de equilíbrio e desenvolvimento), no funcionamento psíquico e na vida mental do trabalhador. Assim,a organização do trabalho e o funcionamento psíquico, demonstram que algumas organizações são perigosas para o equilíbrio psíquico; destruindo os trabalhadores, provocando doenças físicas e mentais, e não permitindo a utilização das vias de descarga, acarretando no acúmulo de energia psíquica, transformando-se em fonte de tensão e desprazer. Por outro lado, existem organizações favoráveis à saúde, as quais oferecem um campo de ação para a concretização das aspirações individuais. O processo saúde-doença configura-se como o resultado de conflitos e contradições, do confronto entre as necessidades e os desejos dos indivíduos e os diferentes contextos do ambiente de trabalho, ou seja, uma articulação entre as condições subjetivas e objetivas do trabalho trazendo como conseqüência o sofrimento no trabalho. De acordo com Tamayo (2004), são três os fatores que provocam o processo de adoecimento e que podem dar lugar a uma doença ocupacional: esgotamento emocional, despersonalização e baixo envolvimento emocional no trabalho. Neste rol de fatores, Heloani e Capitão (2003) incluem a organização do trabalho: divisão do trabalho, da tarefa, do sistema hierárquico, das relações de poder, etc. O sofrimento no trabalho surge quando não há mais possibilidades de o indivíduo se defender de seus sentimentos, e manter seu desejo e sua motivação. Este sofrimento pode apresentar-se de duas formas: como um elemento promovedor de saúde – quando este aumenta a resistência e fortalece a identidade individual; ou como estresse – tanto pela intensidade quanto pelo fracasso nas defesas do indivíduo, passando o trabalho a assumir seu papel de fator contributivo, provocando ou agravando doenças como as LER/DORT, que estão entre as causas mais comuns de morbidade e incapacidade dos trabalhadores (GHISLENI e MERLO, 2005; HELOANI e CAPITÃO, 2003; LIMONGI-FRANÇA e RODRIGUES, 1999; MENDES, 1988; TAMAYO, 2004). 12 As diferentes formas de adoecimento no trabalho se dão devido às respostas do indivíduo às situações as quais este é submetido. O desejo do indivíduo e sua satisfação fazem parte da organização do trabalho, mas na base da hierarquia da pirâmide organizacional, não há muito lugar para o sujeito e a expressão de seus desejos, conseqüentemente, quanto mais o indivíduo sobe nesta hierarquia, mais espaço há para seu desejo, havendo no topo, muito mais abertura para este sujeito e suas expressões. Porém, considerando-se o indivíduo situado no início da hierarquia piramidal, há uma repressão do seu desejo pela organização, afetando seu equilíbrio psíquico e somático, agravando, por conseguinte, o risco do desenvolvimento de uma doença somática, pois, nessa situação, ou o indivíduo tenta desviar o curso das coisas, ou passa a visualizar sua realização em outro ambiente, ou continua no ambiente e dá espaço para o desenvolvimento do sofrimento ocupacional (DEJOURS e ABDOUCHELI, 1994; TAMAYO, 2004). Para a transformação de um trabalho fatigante em equilibrante, é preciso flexibilizar a oganização do trabalho, dando mais liberdade ao trabalhador para que este organize seu modo operatório e encontre prazer na execução de seu trabalho. Se o trabalho favorece o livre funcionamento, ele será fator de equilíbrio, se ele opõe, será fator de sofrimento e de doença (DEJOURS, DESSORS e DESRIAUX, 1993; TAKAHASHI e CANESQUI, 2003). 2.2 LER/DORT Antes do século XIX, as LER/DORT apenas atingiam um pequeno número de pessoas, principalmente os que trabalhavam com a escrita. Na Revolução Industrial, com a substituição da pena de ave pela de aço, tornando o trabalho mais rápido, os casos de LER aumentaram. Com o desenvolvimento do telégafro e o nascimento da categoria de telegrafista, os casos cresceram e se propagaram para duas outras categorias: os mecanógrafos/datilógrafos e os telefonistas. Nos anos 80 essa doença assumiu seu status epidêmico, coincidindo com a intensa renovação tecnológica, as mudanças da organização do trabalho e a modernização do trabalho. Nesse contexto as LER/DORT deixam de ser um modo de adoecimento de poucas 13 categorias, tornando-se um grave problema do trabalho, social e de saúde pública (ANTONALIA, 2001; BARROS e GUIMARÃES, 1999; RIBEIRO, 1997). No Brasil, a história das LER/DORT começa a ser notificada na classe dos bancários no início dos anos 80, e, logo é propagada aos escriturários, caixas de bancos, indústrias metalúrgica, química e de montagem eletro-eletrônico, caixas de supermercado e embaladores. Passa, na década de 90, juntamente com a surdez, a ser a doença do trabalho mais notificadas e a que demanda mais aos serviços de saúde do trabalhador (ANTONALIA, 2001; MONTEIRO, 1997; RIBEIRO, 1997). São definidas como patologias que acometem os músculos, tendões e vasos, degenerando os tecidos e provocando lesões ou inflamações, acontecendo quando o ritmo da lesão ultrapassa a velocidade de recuperação dos tecidos da região. Constituem-se como uma soma de esforços e traumas repetitivos com grande intensidade, caracterizada por dor crônica e afecções, de forma isolada ou associada, com ou sem degeneração dos tecidos, afetando, principalmente, mas não apenas, os membros superiores, região escapular e pescoço. Seu aparecimento e evolução é de caráter insidioso, com origem multifatorial complexa, na qual entrelaçam-se vários fatores causais (CODO e ALMEIDA, 1995; COUTO, 1995; DIAS, 2001; HELOANI e CAPITÃO, 2003; LECH et al., 1998; MERLO, JACQUES e HOEFEL, 2001; SILVA e MÁSCULO, 2002; TAMAYO, 2004). Essas doenças têm diferentes nomes nos diferentes países, como por exemplo, LTC (Lesões por Traumas Cumulativos) no Brasil, RSI (Repetitive Strain Injury) na Austrália, OCD (Occupational Cervicobrachial Disorder) no Japão, e CTD (Cumulative Trauma Disorders) nos Estados Unidos (CODO e ALMEIDA, 1995; DIAS, 2001). Atualmente, no Brasil, foi adotada a nova terminologia Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), pois a divisão de atividades previdenciárias admite que a terminologia LER declara explicitamente a organização, a forma e condições do trabalho como suas causas (BARROS e GUIMARÃES, 1999). As LER/DORT tornaram-se visíveis pela entrada dos processos produtivos, e expressam a relação de subjetivação entre trabalhador-trabalho, afetando diretamente a qualidade de vida do trabalhador (GHISLENI e MERLO, 2005; HELOANI e CAPITÃO, 2003; LIMONGI-FRANÇA e RODRIGUES, 1999; SILVA e MÁSCULO, 2002). Nas empresas ocasionam absenteísmo e redução de lucro, sendo responsáveis pela maior parte dos afastamentos do trabalho, redução de 14 produtividade, dimunição da qualidade e custos com pagamentos de indenizações, afastamentos, tratamentos e processos de reintegração ao trabalho (SILVA e MÁSCULO, 2002; WALSH et al., 2004). Contribuem para o seu surgimento, a execução de algumas tarefas, como: repetição de movimento, esforço físico, pressão mecânica, vibração, ritmo de trabalho acelerado, invariabilidade, monotonia de tarefas, trabalho muscular estático, choques, retraimento de tensões, ausência de intervalos de descanso, aspectos ambientais, posturas e movimentos inadequados mantidos por tempo prolongado (GHISLENI e MERLO, 2005; GOLDBERG, 1980; LIMONGI-FRANÇA e RODRIGUES, 1999; MACIEL, FERNANDES e MEDEIROS, 2006; MERLO, JACQUES e HOEFEL, 2001; SILVA e MÁSCULO, 2002). Caracterizam-se por uma dor mal localizada e com intensidade variável, mas com sinais e sintomas inflamatórios nas articulações. Em geral não são facilmente diagnosticadas. O primeiro sinal deste ciclo vicioso é a dor, leve ou moderada e sempre ligada ao movimento, passando a ser contínua, difusa e intensa, com períodos de exacerbação, caracterizando-se também por uma dor noturna e demorada, com a ocorrência de vários sintomas como formigamento, dormência, choque, sensação de peso e fadiga, levando o profissional anão realizar o trabalho para fugir do incômodo da dor. Os estágios mais severos são acompanhados de sinais e sintomas clínicos intensos, que envolvem parestesias e perda de força muscular. A persistência desses sintomas tende a inibir atividades domésticas e ocupacionais, algumas vezes as dores são tão freqüentes e intensas que trabalhar sentido-as é tido pelo trabalhador como inerente ao próprio dia. Os períodos prolongados de inatividade conduzem ao comprometimento da capacidade funcional (LIMONGI-FRANÇA e RODRIGUES, 1999; TAMAYO, 2004; WALSH et al., 2004). Como descrito acima, as LER/DORT podem ocasionar diferentes graus de incapacidade funcional. Há diferentes nomenclaturas para os graus, por diferentes autores, mas todos têm em comum o processo que ocorre durante as fases. Silva e Másculo (2002), consideram do grau 0 ao IV. No grau 0 estariam as queixas, localizadas ou não, no final do expediente e durante picos de produção, acompanhadas de sensação de peso e desconforto, que cessam com diminuição do rtimo de produção ou repouso. Outros autores começam sua classificação pelo grau I, que tem como características uma dor espontânea, com pontadas durante o trabalho, desconforto e 15 sensação de peso, desaparecendo com repouso e sem irradiação nítida, porém quando a massa muscular é comprimida surge uma leve dor. Neste grau o prognóstico é bom (SILVA e MÁSCULO, 2002; TAKAHASKI e CANESQUI, 2003). Uma dor intensa e intermitente durante a jornada de trabalho, acompanhada ou não de calor e formigamento, com períodos de exacerbação, caracterizam o grau II. Nesta fase a dor torna-se localizada e evidente pela redução da produtividade e da sensibilidade do indivíduo. A recuperação é mais demorada mesmo com repouso e o prognóstico é favorável (SILVA e MÁSCULO, 2002; TAKAHASKI e CANESQUI, 2003). No grau III, a dor é persistente, intensa e irradiada. Muitas vezes não desaparece com repouso e é sentida pelo indivíduo mesmo fora da jornada de trabalho. Ocorre a diminuição da tonacidade muscular e da produtividade, ocasinando limitações de movimentos e dificuldades para realizar tarefas domésticas. Definida por Takahaskhi e Canesqui (2003) como persistente e mais forte, com irradiação mais definida, pode gerar a impossibilidade de executar da função. A mobilização ou apalpação do grupo muscular acometido provoca dor forte. Nessa etapa o retorno à atividade produtiva é problemático e o prognóstico é reservado (SILVA e MÁSCULO, 2002). No grau IV, com uma dor forte, contínua e insuportável, acentuada com os movimentos, irradia-se por todo o membro, traz um grande sofrimento, perda de força e controle dos movimentos e desenvolvimento de deformações. A capacidade de trabalho é anulada, sendo caracterizada a invalidez e o prognóstico é sombrio (SILVA e MÁSCULO, 2002; TAKAHASKI e CANESQUI, 2003). Dependendo do grau em que o indivíduo se encontra, estas doenças ocasionam a incapacidade parcial - quando o indivíduo pode retornar ao trabalho, desde que em condições propícias e sob supervisão médica; ou o afastamento - abalando as estratégias do doente (DIAS, 2001). Essas doenças vêm se agravando pelo desconhecimento sobre a sua patologia e ausência de intervenções ergonômicas nas condições de trabalho. Sua maior visibilidade deve-se ao aumento da freqüência e da maior divulgação pela mídia e pelos sindicatos de trabalhadores das categorias (DIAS, 2001; SILVA e MÁSCULO, 2002). 16 2.3 FATORES ASSOCIADOS AS LER/DORT Para Chanlat et al. (1993), o espaço do trabalho exprime a identidade do indivíduo, sua personalização e também a individualidade da organização. Entao, o trabalho em si não é nocivo e perigoso, o que o torna assim é a maneira pela qual este é organizado pelo homem. No caso das LER/DORT existe uma dimensão social mais abrangente em sua determinação, que se compõe de duas dimensões indissociáveis: a internalidade do processo e organização do trabalho (dimensão do trabalho); e o modo de cada um sentir e refletir o mundo (dimensão individual) (RIBEIRO, 1997; ROCHA, RIGOTTO e BUSCHINELLI, 1993). O aspecto enigmático desta doença é comprovado por duas questões que buscam ser respondidas para encontrar os fatores que as desencadeiam: “Por que certas doenças podem ora manifestar-se, ora permanecerem silenciosas?” e “Por que todos os funcionários não adquirem a doença se esta é causada pelo esforço repetitivo?” (BARROS e GUIMARÃES, 1999; CODO e ALMEIDA, 1995; MONTEIRO, 1997; OLIVEIRA, 1998). Os fatores associados às LER/DORT são fatores que contribuem para a ocorrência e/ou agravamento da doença. Na literatura sobre LER/DORT, encontra-se um rol de diversos fatores associados à doença, sendo os principais: organização do trabalho, biomecânicos, psicossociais e pessoais. Nos fatores de organização do trabalho encontramos: variedade das tarefas, realização de pausas, velocidade do trabalho, falta de material (interrompendo a produção), encomendas extras, urgências e emergências, retrabalho, falta de pessoal, posição estrangulada (causa da sobrecarga), processo de produção, divisão técnica e social do trabalho, controle da organização sobre o tempo e ritmo da execução das tarefas, hierarquia interna dos trabalhadores, etc. Dejours, Dessors e Desriaux (1993) dividem a organização do trabalho em: divisão das tarefas – conteúdo das tarefas, o modo operatório, todas as prescrições da organização do trabalho; e divisão dos homens – como as pessoas são divididas em uma empresa, e as relações humanas estabelecidas (COUTO, NICOLETTI e LECH, 1998). Os fatores de organização do trabalho são considerados como os principais responsáveis pelo desenvolvimento das LER/DORT, pois a organização do trabalho repercute sobre a saúde mental do trabalhador, atingindo mais diretamente o funcionamento psíquico, causando o sofrimento psíquico, doenças mentais e físicas. 17 Todavia, também devem ser considerados os fatores biomecânicos e os fatores psicossociais, que tem sua influência não totalmente esclarecida. Estes são considerados por muitos autores como importantes para a determinação, já que as características individuais são fatores de extrema importância no processo de adoecimento (CODO e ALMEIDA, 1995; DEJOURS, DESSORS e DESRIAUX, 1993; GHISLENI e MERLO, 2005; HELOANI e CAPITÃO, 2003; MONTEIRO, 1997; ROCHA, RIGOTTO e BUSCHINELLI, 1993). Os fatores biomecânicos ou etiológicos (força, repetitividade, posturas assumidas, intervalos, horas extras e sobrecarga, etc.) são os mais discutidos e evidentes, por serem mais facilmente observados e mensuráveis. Sozinhos podem ocasionar a lesão, sua simples presença pode agravar ou causar a lesão, mesmo sem a presença de outros fatores, porém, o peso desse fator pode ser aumentado com a presença de outros fatores (CODO e ALMEIDA, 1995; COUTO, NICOLETTI e LECH, 1998; MONTEIRO, 1997). Quanto aos fatores psicossociais, Couto, Nicoletti e Lech (1998) defendem que o individuo é capaz de sentir e reagir a fatores como falta de autonomia, pressão desrazoável de produção, relações humanas inadequadas, esquemas rígidos, chefia incapaz ou que não represente o grupo de trabalho, etc. Cada indivíduo tem sua história particular e, consequentemente, responde de maneira diferente aos estímulos do meio, apresentando relação significativa com a capacidade e a noção que o indivíduo tem de sua capacidade para o trabalho (MERLO, JACQUES e HOEFEL, 2001; MONTEIRO, 1997; WALSH et al., 2004). Couto, Nicoletti e Lech (1998) consideram ainda os fatores pessoais, ou seja, o estado que o indivíduo se encontra, sua experiência pessoal de desprazer com o trabalho, insegurança e tensão. 2.4 NEXO CAUSAL Não existe um consenso que tenha permitido uma classificação dos distúrbios psíquicos vinculados ao trabalho. Existe uma concordância da importância etiológica do trabalho,mas não a respeito do modo como se exerce a conexão trabalho/psiquismo de forma suficiente a permitir um quadro teórico. O nexo entre 18 adoecimento e situação de trabalho não é simples, uma vez que tal processo é específico para cada indivíduo, envolvendo sua história de vida e de trabalho. Todavia, o estabelecimento do nexo causal constitui-se em uma condição básica para a implementação das ações de saúde do trabalhador nos serviços de saúde (DIAS, 2001). Para o estabelecimento do nexo é imprescindível uma descrição detalhada da situação de trabalho, quanto ao ambiente, à organização e à percepção da influência do trabalho no processo de adoecer. Porém, devido à burocracia, pode ser um processo demorado, podendo até ser estabelecido apenas quando a incapacidade estiver já instalada (BARROS e GUIMARÃES, 1999; MONTEIRO, 1997; TAKAHASHI e CANESQUI, 2003). Para Dias (2001), as principais dificuldades para o estabelecimento do nexo ou da relação trabalho-doença são: • Ausência ou imprecisão na identificação de fatores de risco e/ou situações a que o trabalhador está ou esteve exposto, • Ausência ou imprecisão na caracterização do potencial de risco da exposição; o conhecimento insuficiente quanto aos efeitos para a saúde associados com a exposição em questão, • Desconhecimento ou não valorização de aspectos da história de exposição e da clínica, • Necessidade de métodos propedêuticos e abordagens por equipes multiprofissionais, nem sempre disponíveis nos serviços de saúde. 2.5 PREVENÇÃO E TRATAMENTO A primeira etapa para um programa efetivo de prevenção, constitui-se no reconhecimento dos riscos, pois a cadeia de transmissão do risco deve ser quebrada o mais precocemente possível. Isto poderá ser possível com a identificação no ambiente de trabalho dos fatores com potencial de dano e estimativa da probabilidade e a gravidade de que o dano possa ocorrer (DIAS, 2001). 19 A prevenção se constitui na análise ergonômica do trabalho e eliminação dos fatores que desencadeiam ou perpetuam o quadro. Medidas como o reescalonamento do trabalho, a distribuição do trabalhador em esquemas rotatórios de serviço, medidas de proteção coletiva e individual e estratégias de defesa individuais e coletivas, devem ser tomadas, além de incluir a decisão do escalão administrativo superior da empresa no zelo pela segurança dos funcionários. Para um programa de prevenção efetivo, mudanças ergonômicas, organizacionais e comportamentais devem ser utilizadas (CODO e ALMEIDA, 1995; MONTEIRO, 1997; SILVA e MÁSCULO, 2002; ZOCCHIO, 2001). Fialho e Santos (1997) definem ergonomia como um “conjunto dos conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários para a concepção de ferramentas, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, de segurança e de eficácia” (p. 20). A aplicação da ergonomia pode iniciar desde o planejamento das máquinas, do ambiente ou do local de trabalho, sempre inserindo o homem como um dos seus componentes. O objetvo é a melhoria das condições de trabalho e da qualidade de vida através da modificação do modo de trabalho, para adaptá-lo às características dos seres humanos (FIALHO e SANTOS, 1997; GUIMARÃES e GRUBITS, 2004). Os resultados da análise ergonômica “devem conduzir e orientar modificações para melhorar as condições de trabalho sobre os pontos críticos que foram evidenciados, assim como melhorar a produtividade e a qualidade dos produtos ou serviços que serão produzidos ou realizados” (FIALHO e SANTOS, 1997, p. 25). A ergonomia está se tornando cada vez mais promissora na contribuição para a solução dos problemas decorrentes das doenças no trabalho; e, além de melhorar o desempenho no trabalho, contribui para reduzir despesas com a previdência social e treinamentos de mão-de-obra especializadas (MONTEIRO, 1997). O desenvolvimento das LER/DORT é multicausal, sendo assim não há tratamentos completamente efetivos. Todavia, quanto mais cedo o tratamento for iniciado, menos invasivo este será, já que após a cronicidade raramente obtém-se resultados positivos. Lech et al. (1998) consideram que a conduta de tratamento para portadores de LER/DORT deve iniciar com o tratamento conservador, com indicação de uso de medicação e fisioterapia. Se não obtiver sucesso, deve-se mudar o indivíduo de área de trabalho (caso este volte a trabalhar), e se mesmo assim melhoras não forem 20 obtidas deve-se recorrer à intervenção cirúrgica. Deve-se também considerar que o tratamento multidisciplinar auxilia a diminuir a cronicidade da doença, pois o principal objetivo é a eliminação ou minimização dos fatores que causam ou agravam as LER/DORT, favorecendo o processo natural de recuperação do organismo (MONTEIRO, 1997). As possibilidades de obter melhorias no tratamento dos portadores de LER/DORT, em caso de incapacidade total e/ou temporária, o indivíduo deve se afastar até sua melhora clínica ou mudança de função para tarefas que não comprometam ou agravem sua doença. Se retornar à organização esta deve ter um programa de prevenção. O programa deve contemplar atividades de sensibilização aos colegas de trabalho para que estes conheçam as limitações do indivíduo, evitem a exclusão, estimulando a colaboração. Ou seja, buscar estratégias para garantir a participação dos trabalhadores e a sensibilização dos níveis para a implementação das medidas preventivas (DIAS, 2001). Um bom exemplo de trabalho de tratamento com pacientes portadores de LER/DORT é o Modelo Assistencial de LER/DORT desenvolvido por Takahashi e Canesqui (2003), o qual contou com a participação de psicólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Os mesmos autores concluem que as atividades terapêuticas podem ter resultados positivos, auxiliando a encontrar um meio para elaborar outros canais para a liberação da energia mobilizada pelos sofrimentos de injustiça e impotência enfrentados pelo indivíduo. Tais atividades podem constituir para o alívio do sofrimento, resgatando a capacitação funcional, emocional, social e a autonomia. O psicólogo pode trabalhar com a estimulação e elaboração de sentimentos conseqüentes da perda funcional e emocional; a aceitação dos limites trazidos pela doença, propiciando a aprendizagem da convivência com a dor e o estabelecimento de novos comportamentos para a satisfação de suas aspirações. Também podem ser desenvolvidos trabalhos em grupo que objetivem o desenvolvimento de aspectos saudáveis, pelo uso da identificação e ressignificação da doença, para possibilitar suporte emocional à reconstrução da identidade abalada (TAKAHASHI e CANESQUI, 2003). O fisioterapeuta pode auxiliar quanto ao desenvolvimento da percepção do próprio corpo, possibilitar o conhecimento de suas estruturas e as alterações dos 21 hábitos posturais, e consequentemente, a diminuição de sobrecargas físicas e tensionais (TAKAHASHI e CANESQUI, 2003). O terapeuta ocupacional pode trabalhar no desenvolvimento de posturas corretas através da observação e do auto-conhecimento do próprio corpo, ensinando e aplicando relaxamentos e atividades lúdicas, inclusive em grupo (TAKAHASHI e CANESQUI, 2003). 22 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A pesquisa realizada foi de caráter exploratório, que segundo Gil (2002) tem o objetivo de proporcionar maior flexibilidade à problemática da pesquisa, torná-la mais explícita e permitir a construção de hipóteses. Seu objetivo principal é aprimorar idéias, permitir ao pesquisador encontrar os elementos para a obtenção dos resultados desejados de uma realidade específica e auxiliar no aumento da experiência em torno de determinado problema (TRIVIÑOS, 1987). Para esta pesquisa, como delineamento utilizou-se o estudo de caso, algo comum nas pesquisas exploratórias.Pretende-se, com o uso do estudo de caso, apreender e retratar uma situação em particular. Esta modalidade permite um estudo amplo e exaustivo dos objetos, com a possibilidade de reunião de numerosas e valiosas informações. Com isto pretende-se aprofundar os conhecimentos, estabelecer, detalhar e auxiliar para a compreensão do problema de estudo (GIL, 2002; GODOY, 1995; LAVILLE e DIDONE, 1999; TRIVIÑOS, 1987). Para o desenvolvimento da pesquisa utilizou-se como método a análise qualitativa, o qual permite uma compreensão detalhada das situações apresentadas pelos sujeitos entrevistados, na medida em que abrange suas peculiaridades e considera os aspectos implícitos na fala dos participantes (RICHARDSON, 1999; TRIVIÑOS, 1987). 3.1 LOCAL DE ESTUDO A associação de portadores de LER/DORT foi fundada em 03 de Janeiro de 2003, por 17 membros, todos portadores da doença, que se conheceram e se reuniam freqüentemente para debater o assunto antes da criação da associação. O principal objetivo da associação é lutar pela humanização do atendimento dado aos portadores de LER/DORT e buscar métodos de informação sobre a doença e direitos dos portadores. 23 A associação não possui fins lucrativos e os atendentes são todos voluntários, contando atualmente com um estagiário do Curso de Direito. A associação recebe auxílio de organizações como sindicatos de trabalhadores para a manutenção de seu estabelecimento. Os voluntários se distribuem em diretorias e uma coordenação. Atualmente a associação não atende apenas casos de LER/DORT, e sim todos os casos trabalhistas, de associados ou não, totalizando em torno de 35 pessoas por dia. Contam com 481 associados, que contribuem com um valor mensal irrisório e dispõem de benefícios como convênios com médicos, advogados, farmácias, fisioterapeutas e clínicas. 3.2 SUJEITOS DA PESQUISA A amostra foi delimitada em função da saturação dos dados, sendo constituída de oito portadores de LER/DORT participantes da associação localizada em um município de Santa Catarina. Como critério para seleção da amostra, a princípio, seriam entrevistados apenas indivíduos que estivessem exercendo atividade laboral, com sintomas da doença e associados. Porém, no início da coleta de dados, chegou-se a conclusão de que a grande maioria dos associados já se encontravam afastados de suas atividades laborais. Então foram entrevistados indivíduos associados, com sintomas de LER/DORT, porém afastados do seu trabalho. 3.3 INSTRUMENTO O instrumento elaborado para a coleta de dados foi uma entrevista semi- estruturada, elaborada de acordo com os objetivos da pesquisa (APÊNDICE A). A característica principal desse instrumento de pesquisa é a utilização de um roteiro para nortear o entrevistador, exigindo um conhecimento prévio dos aspectos que se 24 deseja pesquisar. Seu objetivo é a obtenção de informações tanto objetivas como subjetivas, contidas na fala dos entrevistados. Esta modalidade de entrevista articula-se entre as duas modalidades, a estruturada e a não-estruturada e se inicia por meio de alguns questionamentos básicos. Ao mesmo tempo em que o entrevistador é importante, e a formulação dos pontos depende deste, o entrevistado pode se expressar como desejar, tendo abertura para abordar questões que não estão previstas, oferecendo ao pesquisador um amplo campo de interrogativas e a emergência de novas hipóteses, ou seja, o informante é ativo durante a entrevista (GHISLENI e MERLO, 2005; MINAYO, 1994; RICHARDSON, 1999; TRIVIÑOS, 1987). 3.4 COLETA DE DADOS Primeiramente foi apresentado o objetivo do trabalho e solicitada a autorização da associação para a realização da pesquisa (APÊNDICE B). De posse da autorização, a pesquisadora foi até a associação para aguardar que as pessoas que fossem ao local buscar atendimento pudessem conceder a entrevista individualmente, respeitando o desejo e a disponibilidade dos indivíduos. Após solicitada a autorização verbal para a realização da entrevista, foi explicado e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE C). Triviños (1987) considera que a duração da entrevista semi-estruturada é flexível, dependendo das circunstâncias e do teor do assunto estudado. Sendo assim, na pesquisa, o tempo para a realização das entrevistas não foi delimitado, variando de quarenta a sessenta minutos de duração. As entrevistas ocorreram nos meses de janeiro e fevereiro de 2008. Após a solicitação de permissão para a gravação, as entrevistas foram gravadas, e posteriormente, transcritas. 3.5 ANÁLISE DOS DADOS 25 Para a compreensão e categorização dos dados obtidos com as entrevistas, as informações foram submetidas à análise de conteúdo, através da identificação de unidades e categorias. A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando a obtenção de indicadores quantitativos ou não; é interpretativa, pois busca a construção de ligações entre os elementos do texto e os objetivos da pesquisa; busca trabalhar a palavra, considerando sua forma e entendendo também a distribuição dos seus conteúdos. A análise de conteúdo tem duas funções para sua aplicação: a verificação de hipóteses e/ou questões, ou a descoberta além do que está sendo comunicado (BARDIN, 1991; MINAYO, 1994; RICHARDSON, 1999; TRIVIÑOS, 1987). A categorização inicia-se pelo desmembramento do texto em unidades formando categorias para seu reagrupamento, com o objetivo de fornecer pela condensação, uma representação simplificada dos dados, sendo utilizada para operacionalizar elementos por meio da diferenciação, e reagrupá-los pelo gênero, reunindo um grupo de elementos sob um título. Para a categorização deve ser investigado o que cada um dos elementos têm em comum com os outros, pois é a semelhança que irá permitir o agrupamento (BARDIN, 1991). Para Minayo (1994) as categorias são utilizadas para o estabelecimento de classificações, descrevendo informações, conexões e interpretações, servindo para o agrupamento de idéias ou expressões em torno de um conceito que possa abranger tudo. As categorias podem ser estabelecidas na fase exploratória, antes do trabalho de campo (dedutivas), ou a partir da coleta de dados (indutivas). Nesta pesquisa, as categorias foram analisadas por sua frequência e/ou significado. Quanto à sua frequência as categorias foram pré-definidas, baseadas na literatura levantada para pesquisa, e posteriormente agrupadas nas devidas categorias e subcategorias. Já as categorias de significado foram definidas posteriormente. A seguir são apresentadas as categorias: • Hora Extra, • Sobrecarga, com as subcategorias: falta de material, falta de pessoal e encomendas extras e/ou urgências, • Pausa, com as subcategorias: indivíduos que realizam menos pausas do que o adequado e pausas subordinadas à realização de hora extra, • Velocidade do trabalho para alcance de metas de produção, 26 • Repetitividade, • Poder e Submissão Organizacionais, • História da Dor, com as subcategorias: diagnóstico tardio e retorno ao trabalho, • Graus de Dor, • Conseqüências, • Significado de ser Portador: preconceito e tristeza, como subcategorias. 3.6 PROCEDIMENTOS ÉTICOS Esta pesquisa e seus instrumentos de coleta de dados foram balizados pelas resoluções CNS - 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde, quanto às diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Também foi seguida a resolução CPF nº 016/2000 referente à realização de pesquisa em psicologia com seres humanos. A participação dos entrevistados foi espontânea. Primeiramente foi-lhes explicado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual estavam descritos os objetivos da pesquisa, e onde foram requeridas as assinaturas antes do início da coletados dados. O pesquisador comprometeu-se em garantir suas identidades, assegurando que as informações não seriam utilizadas com o objetivo de prejudicar os participantes, assim como foi garantido a estes que os dados apenas seriam utilizados com finalidade acadêmica, mantendo seu anonimato. Também foi garantido aos participantes o livre acesso às suas informações. 27 4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Este capítulo se dedica a estabelecer uma compreensão dos dados obtidos, com base nos pressupostos teóricos que embasaram a pesquisa. Para isso, optou- se pela realização de uma análise por meio de categorias de freqüência, definidas a priori, e categorias de significado, definidas a posteriori, formuladas com base nos objetivos da pesquisa. Estas categorias contêm as falas dos entrevistados, expressando suas histórias, pensamentos e sentimentos. A seguir, serão apresentados os dados de caracterização dos voluntários. Participantes da Pesquisa Idade Sexo Estado Civil Número de Filhos Ramo de Atividade Cargo Ocupado Tempo de Trabalho Atual Hospital Atual Copeira Atual 3 Anos S1 42 Feminino Viúva 1 Antigo Têxtil Antigo Costureira Antigo 5 Anos S2 25 Feminino Solteira 1 Têxtil Passadora 7 Meses S3 45 Feminino Casada 2 Têxtil Costureira 8 Anos Atual Têxtil Atual Costureira Atual 1 Ano S4 38 Feminino Solteira 1 Antigo Têxtil Antigo Costureira Antigo 8 Anos S5 31 Masculino Casado 0 Metalúrgica Montador 6 Anos S6 42 Feminino Viúva 4 Transporte Servente 2 Anos S7 45 Masculino Casado 2 Transporte Motorista 5 Anos S8 41 Feminino Casada 1 Têxtil Costureira 6 Anos Quadro 01: Dados de Identificação. Fonte: Entrevistas realizadas com os portadores de LER/DORT, participantes de uma associação em um município de Santa Catarina. 28 Foram entrevistados oito participantes, sendo seis do sexo feminino, e apenas dois do sexo masculino. Couto (1995) e Maciel, Fernandes e Medeiros (2006) concordam que as mulheres têm de duas a três vezes mais risco de desenvolvimento de LER/DORT, por alguns fatores: sua estrutura física tem menor resistência (massa muscular, composição corporal e tamanho); os hormônios (principalmente estrógenos) acumulam líquidos nos tecidos e dificultam a melhoria nos casos de inflamação; e as atividades domésticas sobrecarregam os membros superiores. Além desses autores, Monteiro (1997); Reis et al. (2000); Ribeiro (1997) e Salim (2003), observaram a grande prevalência de mulheres acometidas pelas LER/DORT, resultante do processo de segregação que coloca as mulheres com tarefas específicas, repetitivas e monótonas. A média de idade dos voluntários foi de aproximadamente 39 anos. O voluntário mais jovem estava com 25 anos e as duas participantes com mais idade apresentavam 45 anos. Maciel, Fernandes e Medeiros (2006), Reis et al. (2000), Ribeiro (1997) e Salim (2003) constataram em suas pesquisas que a faixa etária acometida pelas LER/DORT é de 20 a 39 anos, afastando do trabalho indivíduos numa fase produtiva, que acabam não podendo contribuir no desenvolvimento da economia e, além disso, passam a depender de benefícios da Previdência Social. Em relação à estrutura familiar, a maioria dos entrevistados é casado e tem apenas um filho. O principal ramo de atividade foi o têxtil, sendo que cinco voluntários trabalham ou já trabalharam neste setor: um dos entrevistados trabalhou em duas empresas, ambas do ramo têxtil e com as mesmas funções. Dos cinco participantes, quatro exercem atividades de costureira (costurando em várias máquinas, e ajudando em outros setores quando necessário); e um trabalha como passadora (passando peças e auxiliando os outros setores da empresa quando preciso). Uma entrevistada trabalha atualmente em um hospital, como copeira (servindo os pacientes), porém seu antigo emprego era no setor têxtil, como costureira. A principal atividade apontada por Maciel, Fernandes e Medeiros (2006) em sua pesquisa foi a confecção de roupas. Estes autores constataram também, que no trabalho em indústrias têxteis a postura necessária para a realização do trabalho influencia no desenvolvimento das LER/DORT, especialmente nas regiões da coluna vertebral e pernas. Couto (1995) discute sobre a utilização das máquinas de costura e de objetos como alicates e tesouras, que podem contribuir para ocasionar tendinite 29 da fascia palmar, tenossivite estenosante, lesões crônicas dos nervos e dificuldades para realizar as tarefas por anulação das extremidades comprometidas. Dos outros três entrevistados, dois trabalham no setor de transportes, um como motorista, exercendo atividades de direção, carga e descarga de caminhão; um como servente, fazendo limpeza de ônibus. E um dos voluntários trabalha em uma empresa de metalúrgica, como montador de peças. O tempo médio de trabalho na organização que ocasionou a doença somou seis anos, sendo que dois entrevistados tinham oito anos de trabalho e o mais jovem trabalha há sete meses na organização. Maciel, Fernandes e Medeiros (2006) concluem, quanto ao tempo de trabalho na organização, que os indivíduos que exercem a mesma função há mais de seis meses, têm aproximadamente três vezes mais chances de desenvolver LER/DORT. 4.1 CATEGORIAS E SUBCATEGORIAS DE ANÁLISE As categorias e subcategorias definidas foram analisadas por sua freqüência e/ou significado e estão dispostas no quadro 02, para melhor compreensão. CATEGORIAS SUBCATEGORIAS Hora Extra Sobrecarga Falta de Material Falta de Pessoal Encomendas Extras e/ou Urgências Pausa Indivíduos que realizam menos pausas do que o adequado Pausas subordinadas à realização de hora extra Velocidade do Trabalho para alcance de Metas de Produção Repetitividade Poder e Submissão Organizacionais História da Dor Diagnóstico Tardio Retorno ao Trabalho Graus de Dor Conseqüências Significado de ser Portador Preconceito Tristeza Quadro 02: Categorias e Subcategorias de Análise. Fonte: Entrevistas realizadas com os portadores de LER/DORT, participantes de uma associação em um município de Santa Catarina. 30 A divisão dos dados em categorias foi utilizada para facilitar a apresentação, discussão e análise dos dados. No entanto, neste trabalho, pode-se observar que estas categorias estão interligadas entre si, ampliando a compreensão do fenômeno estudado. As categorias hora extra, sobrecarga, pausa, velocidade do trabalho para alcance das metas de produção e repetitividade estão relacionadas aos fatores de organização do trabalho, e, assim como as demais categorias (poder e submissão organizacionais, história da dor, graus de dor, conseqüências e significado de ser portador) estão associadas à sintomatologia dolorosa. 4.1.1 CATEGORIA: Hora extra A questão da realização de hora extra é discutida por Maciel, Fernandes e Medeiros (2006) e concluem que os funcionários que as realizam, apresentam mais queixas de dor, se comparados a indivíduos que não as realizam. Para Rocha, Rigotto e Buschinelli (1993), o esforço físico despendido na extensão da jornada de trabalho é uma das principais fontes de desgaste dos trabalhadores. Sete entrevistados declararam realizar entre três a nove horas extras por dia. Um dos participantes declarou a realização de hora extra também aos sábados, como pode ser observado nos relatos abaixo. “Fazia bastante horas” (S1). “É bem puxado daí, porque tem que dar conta de acabar tudo [...] faz hora extra” (S2). “A gente fazia bastante hora extra [...] tinha semana que era a semana toda [...] das 5 às 5 horas, e às vezes tinha dia que ia das 5 horas até às 10 horas da noite [...] fazia muita hora daí, até da conta de acabar com tudo” (S3). “No começo toda a vida eu nunca me negava a fazer hora, chegava até às 10 da noite, sábadotambém [...] era por produção [...] ficavam bem em cima” (S4). “Bem trabalhado [...] uma média de 3 a 4 horas por dia, até mais às vezes” (S5). “Dobrava, trabalhava das 5 da manhã, às 11 da noite” (S6). “A gente sempre fazia hora extra” (S8). 31 Um destes entrevistados declarou que anteriormente fazia muita hora extra, até dois dias seguidamente, mas que atualmente busca respeitar os limites de seu corpo para evitar as dores: “Razoável, eu vou no limite do corpo né, a hora que eu vejo que o corpo não tá mais agüentando eu saio [...] não é todo dia” (S2). A principal justificativa presente nas respostas dos entrevistados foi o fato de a empresa trabalhar por produção. Para entendermos a sociedade é fundamental entender o trabalho, pois este seria como um elemento que dá suporte à sociedade e também ao indivíduo. Possibilita que este imprima uma atividade subjetivante e defina-o enquanto ser social, interligado a cada época histórica e sua correspondente forma de produção (BARROS e GUIMARÃES, 1999; FIALHO e SANTOS, 1997; HELOANI e CAPITÃO, 2003; ROCHA, RIGOTTO e BUSCHINELLI, 1993). Observa-se que o processo de trabalho passou por muitas modificações ao longo dos séculos. No século XVII ocorre a divisão do trabalho, no século XVIII a inserção das máquinas no ambiente de trabalho tornam o trabalho alheio à subjetividade do trabalhador, e as tarefas cada vez mais repetitivas e fragmentadas. Ou seja, a mecanização e automatização do trabalho tornaram este mais leve, porém, aumentaram o ritmo e passaram a concentrar as forças aplicadas em determinadas partes do corpo (CODO e ALMEIDA, 1995; FIALHO e SANTOS, 1997). Se por um lado, o trabalho pode ajudar promovendo qualidade de vida, por outro avassala o homem em todos os seus aspectos, ferindo o psiquismo humano, e fazendo com que as pessoas se sintam exigidas e impotentes (HELOANI e CAPITÃO, 2003). Como, por exemplo, o impacto das condições de trabalho sobre a saúde, tanto física como psíquica do trabalhador. Todavia, o sofrimento físico é o mais destacado, certamente por ser mais visível. O psíquico, por sua vez, acaba aparecendo apenas nas verbalizações do indivíduo, não sendo muito compartilhado por este trabalhador, que sofre sozinho e adoece coletivamente (GUARESCHI e GRISCI, 1993; ROCHA, RIGOTTO e BUSCHINELLI, 1993; SPECTOR, 2004). Guareschi e Grisci (1993) discutem aspectos importantes quanto ao desenvolvimento de doenças como as LER/DORT. Enfatizam a consciência da dor dos trabalhadores que se submetem ao trabalho excessivo, porém muitas vezes a 32 necessidade financeira acaba sendo predominante e o trabalhador se deixa levar pela ilusão dos bônus ou dos prêmios de produção. 4.1.2 CATEGORIA: Sobrecarga A sobrecarga pode ser dividida em 2 graus: queixas de curta duração, presença de dores na musculatura e tendões que passam com o fim do expediente de trabalho; ou dores nos músculos, tendões e articulações, que não desaparecem, ao contrário, prolongam-se (GRANDJEAN, 1998). A categoria sobrecarga foi dividida em subcategorias: falta de material, falta de pessoal, encomendas extras e urgências. Observou-se que as respostas relativas a esta categoria implicam diretamente na realização de horas extras, trazendo os prejuízos já citados. A) Falta de Material A falta de material é relatada por cinco pessoas, sendo que esta também ocasiona, além da realização de hora extra, a troca dos funcionários nos setores das empresas, fator que se configura como um aspecto positivo, já que realização de trabalhos em outros setores evita o trabalho repetitivo. “Na confecção quando não tinha material a gente ia embalar, cortar fio, colocar etiquetas” (S1). “Tem bastante setor lá dentro, daí a gente vai ajudar o pessoal da embalagem, ou da talharia [...] vai trocando de setor pra ajudar” (S2). “Ia pra outro setor daí, ou vai embalar, ou vai dobrar, depende do que faltava” (S4). “Se o material chega no dia daí tem que fazer hora extra pra entregar o pedido” (S5). “Ajudar os setores que precisam [...] embalar, etiquetar, ou cortar fio, desmanchar peça” (S8). 33 B) Falta de Pessoal A falta de pessoal aparece em cinco relatos, trazendo como conseqüência a realização de hora extra: “Eles pedem pra gente ajudar, daí a gente cobre a falta, faz hora daí (na confecção) [...] quando faltava gente a gente apurava [...] fazia hora, era obrigada” (S1). “A gente tem que dá conta de todas as máquinas [...] só sobrou eu e mais uma” (S3). “Fazia hora” (S4) (quando faltava alguém na empresa). “Tens que suprir aquele que falta, tem que dobrar o serviço” (S5). “Ficava cobrindo a pessoa” (S6). C) Encomendas Extras – Urgências As encomendas extras e urgências aparecem em três relatos. Além das horas extras a serem realizadas também acontece a busca por terceirização, em um caso: “É tudo com nós [...] quando é muito, assim que a gente não dá conta a gente manda pra fora” (S2). “Tem que trabalhar bastante, é bem cobrado” (S5). “Tinha bastante encomenda com prazo curto [...] fazia bastante hora extra” (S8). As encomendas extras e urgências trazem como conseqüência o trabalho sob pressão, que será discutido na categoria “Velocidade do Trabalho para Alcance das Metas de Produção”. 4.1.3 CATEGORIA: Pausas 34 As principais doenças de desgaste dos trabalhadores estão no grande esforço físico despendido na extensão da jornada de trabalho e no contato com algumas matérias-primas nocivas. As pausas são importantes, pois garantem a recuperação do físico e evitam a fadiga e a monotonia (GRANDJEAN, 1998; MACIEL, FERNANDES e MEDEIROS, 2006). Em relação à realização de pausas durante a jornada de trabalho, os dados extraídos dos relatos foram classificados em duas subcategorias. A) Indivíduos que realizam menos pausas do que o ad equado Três indivíduos relataram realizar menos pausas do que o recomendado pelo sindicato de suas categorias: “Parava 30 min de café [...] almoço tinha 1 hora ou 1hr30 min [...] mas fazia 30 minutos só” (S3). “Almoço de 30 minutos e tinha café na parte da tarde de 15 minutos” (S4). “Tomava um lanchinho, mais ou menos 15 minutos” (S6). B) Pausa subordinada à realização de hora extra Alguns entrevistados realizam intervalo apenas quando fazem hora extra: “1hora de almoço e café quando a gente fazia hora extra era 15 min, senão a gente não tomava” (S1). “Tem 15 min pra café, depois o almoço que é normal de 1hora, e daí se ficar depois das 6 horas ou 7 horas [...] é mais 15 min de café” (S2). “1hora do almoço, e 15 min de café a gente tinha só quando tinha hora extra” (S5). “Não tem tempo pra parar [...] depende de o que a gente tem que fazer” (S7). “Parava pro café 15 minutos, de manhã e de tarde, mas de tarde só se dava ou se a gente ia ficar pra fazer hora, senão não parava, e tinha o almoço de 1 hora” (S8). 35 A fadiga, segundo Grandjean (1998), se apresenta em dois tipos: a fadiga muscular (um acontecimento agudo que é sentido na musculatura), e a fadiga generalizada (uma sensação difusa, subjetiva de cansaço). Trata-se de uma diminuição na capacidade funcional de um organismo, ocasionando uma degradação em nível qualitativo do trabalho (COUTO, 1995; LIDA, 2000). A fadiga provoca uma sobrecarga na utilização do órgão, sistema ou organismo, e também, desgasta psiquicamente o trabalhador, que começa a simplificar sua tarefa (COUTO, 1995; LIDA 2000 e ROCHA, RIGOTTO e BUSCHINELLI, 1993). Uma de suas conseqüências é a monotonia, que seria uma reação do organismo a uma situação pobre em estímulos, ou em condições com pequenas variações dos estímulos. Suas causas seriam as tarefas repetitivas com longa duração, e com o mínimo grau de dificuldade, porém sem possibilidade de se desligar mentalmente do trabalho, com a obrigação de atençãopermanente. Este processo expressa a dissociação entre mente e corpo e também entre trabalho e prazer, levando o trabalhador a realizar seu trabalho por meio de coisas alheias a seu interesse e vontade (GRANDJEAN, 1998; GUARESCHI e GRISCI, 1993). 4.1.4 CATEGORIA: Velocidade do Trabalho para Alcanc e de Metas de Produção Quanto à velocidade do trabalho executado, sete entrevistados declararam que seu trabalho tem um ritmo intenso e devido à organização trabalhar por produção, existe muita cobrança para o alcance das metas: “Rápido era bem cobrado [...] era produção contadinha [...] eles contavam tudo [...] era bem cobrado” (S1). “O mais rápido que fizer é o melhor pra empresa” (S2). “Tenho que dá conta da cobertura, reta e uma overloque [...] tenho que dá conta [...] até da conta de acabar com tudo que tinha que fazer [...] era rápido, muita pressão [...] ficavam bem em cima pra gente dar conta de tudo” (S3). “Bem puxado sabe, era produção [...] era rápido, muita pressão [...] a gente, na realidade era como um robô” (S4). “Por produção, então não pode parar [...] bem cobrado” (S5). 36 “Tinha que fazer rápido, tinha que ser bem ágil, não podia fazer devagar [...] tinha um tanto, uma cota pra fazer, se não fizesse eles reclamavam” (S6). “Produção [...] reclamando que tu era malandra [...] bem rápido [...] trabalhar com produção é difícil, a gente se mata todo dia pra dar conta de tudo e ainda parece que não é suficiente” (S8). O trabalho realizado com o objetivo de produção acaba trazendo, consequentemente, a fragmentação. Guareschi e Grisci (1993) aponta que quando são realizadas apenas “migalhas” do trabalho, o indivíduo acaba não tendo a visão total do processo, perdendo também o conhecimento sobre o que executa. Nesta dinâmica torna-se alienado, sem fazer parte efetiva do processo de produção do produto, assumindo para Guareschi (1998 apud GUARESCHI e GRISCI, 1993) características próprias da máquina. Codo, Sampaio e Hitomi (1993) complementam que a distância imposta pelo trabalho fragmentado ocasiona a distância do produtor de si mesmo, o que Marx (s/d apud CODO, SAMPAIO e HITOMI, 1993) revela como trabalho abstrato, desaparecendo-se as funções sociais, as necessidades humanas e também a especificidade do trabalho. 4.1.5 CATEGORIA: Repetitividade A fragmentação do trabalho, conseqüente da velocidade exigida para cumprirem-se os objetivos de produção, conduz, como já discutido acima, à repetitividade do trabalho, o que fica evidente em dois relatos: “Só passar, o dia inteiro passando” (S2). “É sempre igual” (S5). Para Dejours e Abdoucheli (1994), as tarefas muito repetitivas sufocam os desejos e reprimem o funcionamento mental. Para prevenir a repetitividade, Lida (2000) destaca duas maneiras: através do alargamento do trabalho de modo horizontal, ou seja, acrescentando-se tarefas semelhantes para cada indivíduo, sem, no entanto, mudar a natureza do trabalho (como a utilização, por exemplo, de rotações periódicas); ou pelo enriquecimento do trabalho verticalmente, através da disponibilização de desafios e exigências de novas responsabilidades. 37 4.1.6 CATEGORIA: Poder e Submissão Organizacionais Embora as categorias anteriores: hora extra, sobrecarga, repetitividade, pausas e velocidade do trabalho para alcance das metas de produção, tenham trazido de modo implícito a submissão ao poder nas falas dos trabalhadores a seguir, evidencia-se a subordinação às regras organizacionais impostas verticalmente. O poder pode ser utilizado como ferramenta para melhorias no funcionamento das organizações. Porém, muitas vezes, alguns supervisores tentam maltratar os subordinados através do seu uso, transformando o ambiente de trabalho em um local desconfortável. Todavia, apesar de o supervisor tentar influenciar seus subordinados, é o comportamento do subordinado que torna esta influência eficaz ou não, ou seja, o poder envolve características individuais, pois a aceitação depende também da capacidade de avaliação do indivíduo. Como já foi analisado anteriormente, o medo alimenta a pressão, provocando a submissão às exigências por produção, que reflete na aceleração dos ritmos e na intensificação do esforço (CODO e ALMEIDA, 1995; HALL, 1984; QUAYLE e LÚCIA, 2006; SPECTOR, 2004). “Era obrigada a fazer” (S1). “Elas queriam assim daí fazer o que né [...] não mas tu não pode escolhe [...] tá bom né, quem manda é a senhora [...] não podia pedir, não podia sair [...] ela contava (as pecas produzidas)” (S3). “Eu pedi pra trocar de lugar e eles nem aí [...] chorava direto [...] e eles nem ai” (S4). Poder é definido por Hall (1984), como um fenômeno recíproco onde cada uma das partes envolvidas depende da outra. O poder não assume apenas uma forma, ao contrário, a maioria das relações envolve o uso de mais de uma forma de poder. Cinco tipos de poder são definidos pelo mesmo autor (1984): • Poder de recompensa, quando há a capacidade de recompensar, • Poder coercivo, quando o detentor é percebido como capaz de distribuir punições pelo receptor, • Poder legítimo, o receptor sente-se na obrigação de seguir as direções dessa influência, 38 • Poder referente, quando há uma identificação entre o receptor do poder e o detentor do poder, e o receptor tenta se comportar como ele, • Poder especializado, o receptor atribuiu ao detentor um conhecimento especial. O poder pode ser exercido verticalmente através as relação superior x subordinado; ou horizontalmente, a exemplo das interunidades, trazendo conseqüências importantes para o funcionamento das organizações. O exercício do poder de maneira inadequada traz problemas quanto à vinculação na organização e a eficácia organizacional (HALL, 1984). O resultado do uso do poder, em sua maioria, é a obediência. Esta pode ocorrer pelo conformismo comportamental, quando o indivíduo obedece sem internalizar as normas envolvidas (ocorre principalmente no exercício do poder coercivo e de recompensa), ou pelo conformismo atitudinal, quando existe a obediência, mas também existe a internalização (ocorre nos tipos de poder especializado, legítimo e referente). Porém, o conflito muitas vezes pode vir como seu resultado (HALL, 1984). “A vida e o comportamento dos membros organizacionais são afetados de maneira vital por suas posições relativas de poder” (p. 111). O conflito entre metas organizacionais e necessidades individuais é um grande agente estressor e contribuidor ao desenvolvimento das LER/DORT. Isto porque as pressões organizacionais são por vezes muito poderosas e os indivíduos não têm liberdade para gerenciar suas atividades. Realizam horas extras com jornadas de trabalho extensas, atividades repetitivas em ritmos elevados de produção, acúmulo de funções, excesso de trabalho, inseridos em ambientes de trabalho inadequados, com falta de reconhecimento do trabalho realizado, ocasionando perda da identidade, estresse, esgotamento e insatisfação com o trabalho (GHISLENI e MERLO, 2005; LIMONGI-FRANÇA e RODRIGUES, 1999). 4.1.7 CATEGORIA: História da Dor Monteiro (1997) considera de extrema importância a busca da vivência em relação à doença, e as consequências para a vida do portador de LER/DORT. Esta 39 categoria foi estabelecida devido ao fato de todos os entrevistados terem em comum um longo caminho até a comprovação do diagnóstico. Dividimo-na para melhor visualização em: dificuldade no estabelecimento de um diagnóstico efetivo e desejo de retornar ao trabalho, mesmo sabendo que não se encontram em condições para tal. A) Diagnóstico Tardio A maior parte dos indivíduos sentia dores, mas não possuia um diagnóstico, mostrando a disparidade entre a dor e a obtenção do diagnóstico: “Fui no médico faz uns 10 meses” (S1). “Desde dia 17-01-08” (S2). “A dor começou faz unsseis anos” (S3). “Mais de cinco anos que sinto essa dor [...] o diagnóstico acho que há uns três anos” (S4). “10 anos que eu já sinto dor [...] três anos que eu tenho o laudo” (S5). “Sinto a dor desde 2004/2005” (S7). “2002 eu comecei a sentir dor [...] há dois anos e seis meses que já tenho o diagnóstico” (S8). Codo e Almeida (1995) e Lech et al. (1998), destacam a importância da realização de um diagnóstico amplo, o mais completo, correto e efetivo possível. Lima, Neves e Pimenta (2005), discutem sobre as incertezas e controvérsias quanto ao diagnóstico de indivíduos acometidos de LER/DORT, e concluem que a falta de um diagnóstico preciso pode contribuir para o estabelecimento de crenças disfuncionais sobre a dor. Ribeiro (1997) concorda e ainda complementa com a questão da negação da doença, reforçada pela dubiedade médica, ultrapassando o sofrimento físico, e extravasando para o psíquico. Neste momento, o indivíduo deixa exposto tanto sua capacidade objetiva de fazer, quanto os limites impostos pela dor, tornando mais dificultosa a inserção social no trabalho e a manutenção dos relacionamentos. Quando o papel de doente é oficializado por um diagnóstico, o doente pode fugir das normas sociais sem sofrer a pressão da sociedade, o que no caso das 40 LER/DORT é algo complicado, já que o diagnóstico é muitas vezes um processo longo e tardio, e as dores são invisíveis aos terceiros (REZENDE, 1989). “Ia nos médicos e eles não sabiam o que que eu tinha [...] fui em tantos médicos em um ano, e ninguém sabia o que eu tinha daí eu voltei a trabalhar” (S4). “Fiz exame e tudo pra ver se eu conseguia voltar, eu queria voltar [...] o médico disse que não, se eu voltasse ia piorar [...] talvez vai ter que operar [...] já que não posso mais trabalhar vou tentar me encostar mais um tempo [...] eu queria voltar a trabalhar, mas é difícil” (S6). “Passei por vários médicos e ninguém sabia o que era [...] fiz uma perícia, mas depois voltei pro trabalho [...] não sabia o que era [...] não dá tanta bola pras dor, mas depois piorou [...] o perito me disse que não era pra eu continuar num serviço que me causou isso [...] mas será que do jeito que eu tô vou consegui arrumar outro emprego?” (S7). “Demorei pra saber que a dor que eu sentia [...] era LER [...] quero voltar a trabalhar [...] com outra coisa que não me cause essa dor [...] queria voltar a trabalhar, mas não quero mais ir pra lá, não quero mais costura não, quero fazer outra coisa, uma coisa menos sofrida” (S8). O meio mais eficaz para a realização de um diagnóstico, buscando promover ações mais efetivas para o tratamento, e permitindo uma conduta mais diretiva e humana aos indivíduos, deve envolver três abordagens: a doença, o trabalhador e o trabalho. Ou seja, devem estar interligados: o diagnóstico clínico, psicológico e organizacional (CODO e ALMEIDA, 1995). Para Monteiro (1997), a invisibilidade é a principal característica da doença, sendo assim, o diagnóstico deve basear-se não apenas nos resultados dos exames complementares. Os dados médicos devem ser apenas o início para uma investigação mais aprofundada, podendo utilizar-se também de questionários e entrevistas, para a análise da queixa do trabalhador; e a análise do trabalho e da atividade exercida, assim como medidas administrativas de pessoal e de treinamento e modificações diretas nas condições do ambiente de trabalho (CODO e ALMEIDA, 1995). O quadro sintomatológico é complexo e de identificação difícil, sendo que o diagnóstico pode ser adiado em virtude da inexistência de provas objetivas da doença. O profissional que irá efetivar o diagnóstico não deve ter preconceitos, já que o diagnóstico é na grande maioria das vezes, feito por exclusão, pois as 41 características são difíceis de serem detectadas apenas pelos sentidos, ou mesmo por exames complementares. Desta forma o diagnóstico vai basear-se na história clínico-ocupacional, no exame físico detalhado e na análise das condições de trabalho responsáveis pelo aparecimento da lesão, auxiliado por alguns tipos de exames laboratoriais, raios-x e aletromiografia. Mas este irá basear-se principalmente no discurso do paciente sobre a dor, sendo que falar sobre suas dores é relatar uma vivência única e exclusiva deste indivíduo (ANTONALIA, 2001; BARROS e GUIMARÃES, 1999; MONTEIRO, 1997). Em suma, nos casos de LER/DORT, o diagnóstico preciso é difícil, principalmente em se tratando dos níveis iniciais, sendo mais fácil nos casos agudos e crônicos. Esse motivo constitui o principal problema das ações preventivas e dos tratamentos para pacientes com LER/DORT (DIAS, 2001). B) Retorno ao Trabalho A sociedade estimula pessoas sadias e produtivas. Ao assumir o papel de doente, o indivíduo se afasta de suas atividades usuais, distanciando-se da família e dos amigos, renunciando, mesmo que temporariamente, ao seu papel social. O afastamento do trabalho e a falta de um diagnóstico acompanham muitos medos, inseguranças e angústias. Passa-se a temer o fato de não ter condições para voltar a trabalhar e ser produtivo, sente-se triste e sem esperança pois não vê melhoras em seu quadro e não tem mais onde almejar sua realização profissional. Por não ter mais condições de retorno ao trabalho, teme-se a manutenção ou ruptura de suas relações socias, não sabendo o que os outros pensarão e como irão reagir a esta situação (REZENDE, 1989). “Fica triste porque não dá pra volta pro trabalho” (S2). “Eu parei de trabalha, é a pior coisa que tem [...] a única coisa era chora [...] acostumada a sempre trabalha [...] só chorava, uma tristeza [...] só não queria parar de trabalha [...] eu ainda vô conseguir trabalhar de novo [...] A minha esperança é volta pra costura” (S3). 42 “Eu tenho medo de voltar a trabalhar, eu penso em nunca mais trabalhar em fábrica, eu penso em fazer alguma coisa, ter alguma coisa minha pra viver melhor, e não sofrer mais” (S4). “Tô há dois anos encostado, tô em tratamento um tempão, e não vejo melhora” (S5). “Se sente um estorvo, passa por malandro [...] trabalhei a vida toda, é difícil enfrentar [...] me sinto humilhado [...] ficar parado pra quem trabalhou a vida toda é horrível” (S7). 4.1.8 CATEGORIA: Graus de Dor Quanto à classificação dos relatos nos graus de dor encontrou-se dificuldades de enquadar os relatos nos respectivos graus de dor. Acredita-se que tal dificuldade tenha se dado pelo fato da presente pesquisa não ter aprofundado o tipo de dor, e também porque os graus tão bem definidos na literatura tornam-se, na prática muito semelhantes. Este fato vai ao encontro do que Monteiro (1997) afirma sobre a dificuldade em estipular de maneira certa qual grau de comprometimento o indivíduo se encontra. No grau III foram incluídos três indivíduos e observou-se a repetição de alguns aspectos nas respostas dos voluntários, como: o fato de a dor não passar, sensação de que o membro “puxa” e/ou formiga, impressão de que objetos estão cortando o músculo, a dor diminui de intensidade quando evitam forçar o membro, irradiação da dor pelos outros membros do corpo: “Não passa nem em casa [...] coloca o pé no chão já começa a dor de novo [...] nos dois braços dói, parece que tem uma coisa puxando [...] agora que tô afastada do trabalho sinto a dor mais na perna que no braço porque tô tentando não fazer muitas coisas com o braço, mas não dá pra não forçar a perna né” (S2). “Dor na coluna, tenho tanto na coluna vertebral [cervical] como na lombar, tenho no pescoço, tenho nos braços, nos ombros, nos dedos [...] agora que eu tô afastado do serviço. Eu ainda tenho a dor, mas não é tanto como antes [...] como se tivesse uma faca no braço, muita dor” (S5). 43 “Dor nos dois braços, é uma dor forte, assim como se tivesse um prego, sei lá, um vidro dentro dos braços [...] formiga direto” (S8).
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