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Curso de Sexualidade Humana MÓDULO IV Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização do mesmo. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. 109 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores MÓDULO IV VII – O desenvolvimento da sexualidade As características da sexualidade infantil, que Freud bem as descreveu em Três Ensaios sobre a Sexualidade, como polimorfa e perversa. A sexualidade infantil difere da do adulto em diversos aspectos. A diferença mais importante situa-se no fato de que a maior excitação não se localiza, necessariamente, nos genitais. Também diferem os objetivos: não levam, necessariamente, ao contato sexual, mas alongam-se em atividades que vêm desempenhar um papel, no futuro, no pré-prazer. A sexualidade infantil pode ser autoerótica, ou seja, tomar como objeto o próprio corpo ou parte deste. A criança pequena é criatura instintiva, cheia de impulsos sexuais perversos polimorfos, ou, para falar mais claramente, cheia de uma sexualidade total ainda indiferenciada, a qual já contém todos os futuros “instintos parciais”. Vamos enfatizar que o conceito de fases do desenvolvimento é relativo, apenas servindo para melhor orientação. Na prática, as fases se fundem pouco a pouco e se sobrepõem. Assim, pode-se dividir a sexualidade pré-adulta, de modo geral, em três períodos principais: o período infantil, o período de latência e a puberdade. - A Fase Oral A fase oral é a primeira fase da evolução da libido. O começo da realidade se forma em conexão com as experiências da fome e da saciedade. O prazer sexual está ligado fundamentalmente à excitação da cavidade bucal e dos lábios que acompanha a alimentação. 110 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores A partir da atividade de chupar, Freud pode mostrar como a pulsão sexual, que a princípio se satisfaz por apoio a uma função vital (o ato de mamar), adquire autonomia e se satisfaz de forma autoerótica. Podemos exemplificar, discutindo o fenômeno autoerótico de chupar o polegar, que já é evidente no recém-nascido e pode considerar-se como um reflexo inato. Este reflexo, embora esteja ligado à função da nutrição, dela é independente. O chupar do polegar mostra que o prazer que se obtém do seio ou da mamadeira não se baseia só na gratificação da fome, mas também na estimulação da mucosa oral erógena; se não fosse assim, a criança retiraria, desapontada, o polegar, visto que este não produz leite. Assim, a excitação sexual apoiou-se, originalmente, na necessidade de alimento. Os muitos fenômenos, nos quais se encontra no adulto o erotismo oral são: o beijo, práticas perversas, os hábitos de beber e fumar e muitos outros costumes alimentares. Não podemos, contudo, salientar, que na bebida e no fumo, não há, apenas, erotismo oral, porque o álcool e a nicotina são também toxinas que, por via química, produzem alterações desejadas no balanço dos conflitos psíquicos: alterações que diminuem as inibições, aumentam a autoestima e eliminam a ansiedade. O objetivo do erotismo oral é, primeiramente, a estimulação autoerótica prazerosa da zona erógena; a seguir a incorporação de objetos. O aparecimento de uma gula particularmente intensa, quer seja manifesta, quer se mostre uma vez reprimida, sob a forma de derivados, é de relacionar-se sempre com o erotismo oral. - A Fase Sádico-anal A análise das neuroses obsessivas permitiu a Freud inserir, entre o período oral e fálico, outra fase de organização da libido, a fase sádico-anal. Embora o prazer anal se ache presente desde o início da vida, é por volta dos dois anos que a zona anal parece tornar-se o foco principal de excitação. 111 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores O objetivo primário do erotismo anal são as sensações prazerosas produzidas pela defecação. Mais adiante, a experiência vem ensinar que a estimulação da mucosa do reto pode aumentar com a retenção da massa fecal; as tendências à retenção anal exemplificam bem as combinações de prazer erógeno e segurança contra a ansiedade. O medo da excreção originalmente prazerosa leva à retenção e à descoberta do prazer que esta última produz. A possibilidade de realizar estimulação intensa pela mucosa (além da sensação mais intensa pelo aumento da tensão pela retenção) é responsável pelo prazer tensional, que é maior no erotismo anal do que em qualquer outro. Aqueles que, nas suas satisfações, procuram prolongar o pré-prazer e estender o prazer final são sempre, latentemente, eróticos-anais. A origem e o caráter da conexão que existe entre impulsos anais e sádicos, em parte, devem-se às influências frustradoras e, em parte, ao caráter dos objetivos de incorporação. Somam-se a isso, dois fatores: em primeiro lugar, o fato de a eliminação ser, objetivamente, tão destrutiva quanto a incorporação; o objeto do primeiro ato sádico-anal são as próprias fezes, cuja expulsão se percebe como uma espécie de ato sádico; posteriormente, as pessoas são tratadas como já o foram as fezes; em segundo lugar, o fator de “poder social” que está ligado ao controle dos esfíncteres; exercitado no asseio, a criança encontra oportunidade efetiva para exprimir oposição contra os adultos. Razões fisiológicas existem para a conexão de erotismo anal, de um lado, e, do outro lado, ambivalência e bissexualidade. O erotismo anal faz com que a criança trate um objeto, as fezes, de maneira contraditória; expele a matéria para fora do corpo e a retém como se fosse um objeto amado; aí está a raiz fisiológica da “ambivalência anal”. Por outro lado ainda, o reto como um órgão oco excretório que é, pode expelir alguma coisa; assim também, o órgão oco pode ser estimulado por um corpo estranho que o penetre. As tendências masculinas derivam da primeira afirmação, enquanto as tendências femininas da segunda. Temos aí a raiz fisiológica da conexão existente entre erotismo anal e bissexualidade. 112 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Os primeiros desejos anais são, na certa, autoeróticos. Tanto a eliminação prazerosa quanto a retenção prazerosa podem ser obtidas sem objeto algum. O fato de este prazer ser experimentado em um momento que a criança vive sentimentos de onipotência traz um sentimento de poder, sobre sua evacuação. Vemos isto posteriormente, expresso em muitos resíduos neuróticos e supersticiosos. O prazer é obtido pela estimulação da mucosa retal, mas as fezes, instrumento pelo qual se obtém este prazer, também se tornam objeto libidinal, representando uma coisa que, primeiramente, é do corpo do sujeito, mas que se transforma em objeto externo, o modelo de algo que se pode perder. Há certos prazeres anais que, pela primeira vez, se percebem nas sensações que acompanham os cuidados maternos, quando se mudam as fraldas; este cuidado e, posteriormente, conflitos suscitados pela aprendizagem higiênica da criança, pouco a pouco transformam os desejos anais autoeróticos em desejos de objetos, os quais, depois, serão tratados tal quais as fezes. Podem ser tanto retidas ou introjetadas (existem diversos tipos de incorporação anal) quanto eliminadas e expulsas. Outras zonas erógenas e impulsos parciais que não são tão valorizados na teoriaanalítica, muitas vezes, desempenham papel tão decisivo na gênese das neuroses e na formação do caráter quanto o erotismo oral e anal. - Erotismo Uretral O objetivo primário do erotismo uretral é o prazer da micção. Há também um prazer secundário da retenção uretral, análogo ao prazer de retenção anal, como há conflitos desenvolvendo-se a este respeito. É o que se vê frequentemente nas meninas, provavelmente por motivos anatômicos. Os objetivos originais do erotismo uretral são autoeróticos, tal qual o são o erotismo anal; posteriormente, também o erotismo uretral pode voltar-se para os objetos, transformando-se em fantasias sexualmente excitantes relacionadas com o ato de urinar em objetos, de ser urinado por objetos. 113 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores É comum as crianças molharem ativamente as calças ou a cama por prazer autoerótico. Mais adiante, pode desenvolver-se a enurese como sintoma neurótico involuntário, cuja natureza é o equivalente inconsciente da masturbação. - Outras Zonas Erógenas Toda a superfície da pele funciona como zona erógena. Toda estimulação cutânea, tanto o toque quanto às sensações térmicas e dolorosas são fontes potenciais de estimulação erógena, podendo levar a conflitos, se encontrar contradição interna. O erotismo da temperatura, particularmente, associa-se, muitas vezes, ao erotismo oral precoce e constitui parte essencial da sexualidade primitiva. Ter contato cutâneo com o parceiro e sentir-lhe o calor do corpo, vem a ser componente essencial de toda relação amorosa. Nas formas arcaicas de amor, nas quais os objetos servem, sobretudo, como simples instrumento da obtenção de prazer, é o que se vê de modo particularmente acentuado. O prazer intenso que se sente com o calor, manifestado nos hábitos neuróticos, de banho, é encontrado, geralmente, em pessoas que, do mesmo modo, apresentam outros sinais de orientação receptiva e passiva, sobretudo no que diz respeito à autoestima. São pessoas para as quais “ganhar afeto” significa “ganhar calor”; são personalidades “geladas”, que “derretem” em atmosfera “quente”; que são capazes de ficar horas em um banho quente. O erotismo táctil compara-se à escoptofilia (sexualização das sensações visuais), ambas representando a excitação que é produzida por estímulos sensoriais específicos. Uma vez alcançada a primazia genital, estas estimulações sensoriais funcionam como instigadores da excitação, desempenhando um papel correspondente no pré-prazer. Se tiverem sido rejeitadas na infância, as pessoas assim permanecem isoladas, pedindo gratificação de si mesmas e, daí, dificultando a integração sexual. O erotismo táctil não se associa necessariamente à escoptofilia. 114 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Assim como existe um impulso sexual para tocar e olhar, assim também há impulsos da mesma ordem no sentido de ouvir, saborear e cheirar. Os fenômenos de sexualidade gustativa coincidem quase sempre com o erotismo oral, enquanto os fenômenos de sexualidade olfativa coincidem com o erotismo anal. - Fase Fálica: a Angústia de Castração nos Meninos O interesse pelos genitais e pela masturbação torna-se significante. Chega a aparecer uma espécie de orgasmo genital. Foi esta fase que Freud chamou de fase fálica. O fato de que uma descarga genital de todos os tipos de excitação sexual se produz em redor do quarto ou quinto ano de vida, não quer dizer, que os genitais já não funcionavam como zona erógena. Os genitais produzem sensibilidade erógena desde o nascimento; é possível ver masturbação genital nos bebês. Os deslocamentos dos impulsos pré-genitais para impulsos genitais, contudo, ocorrem e aumentam a erogeneidade dos órgãos genitais. É a este deslocamento que se alude a fórmula: a excitação sexual, onde quer que se origine, concentra-se cada vez mais nos genitais e, afinal, descarrega de forma genital. Seja qual for a fisiologia da erogeneidade, diga-se, de um ponto de vista psicológico: não existem libido oral, libido anal e libido genital específicas; existe apenas uma libido, a qual se desloca de uma zona erógena para outra. Existem também, diferenças entre a genitalidade infantil da fase fálica e a genitalidade plena do adulto. Caracteriza o menino desta idade por um orgulho viril, limitado pelas ideias de que não é inteiramente crescido, de que tem o pênis menor que o do pai ou de outros adultos. Este fato constitui um golpe ao narcisismo do menino. As crianças ressentem por serem crianças e a ideia de ter pênis pequeno demais pode vir a exprimir futuramente, sentimentos de inferioridade que, na verdade, se devem à impressão de ser inferior ao pai na rivalidade edipiana. 115 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Nesta fase, o menino identifica-se com seu pênis, valoriza o órgão em demasia o que se explica pelo fato de que é mesmo neste período que ele se enriquece tanto em sensações, e aparecem em primeiro plano, tendências a penetrar ativamente com ele. O medo de alguma coisa acontecer a este órgão é chamado de angústia de castração. Medo que tem um papel significativo no desenvolvimento total do menino, justificado pela grande valorização narcísica do pênis neste período. Vê-se, que o ambiente das crianças lhes reforçam as ideias fantásticas de punição. Muitos adultos ameaçam o menino de “cortar-lhe isto” quando o surpreendem masturbando-se. Em geral, a ameaça é menos direta, mas há outros castigos que sugerem, a sério ou brincando, e a criança interpreta-os como ameaças de castração. Todavia, mesmo as experiências que, objetivamente, não contêm qualquer ameaça podem ser falsamente interpretadas neste sentido pelo menino que tenha a consciência culpada; por exemplo, a experiência de que existam realmente criaturas sem pênis: a observação dos genitais femininos. Há vezes em que uma observação como esta traz um caráter sério a uma ameaça anterior a que não se dera maior atenção. Em outros casos, a realização da fase fálica basta, só ela, para ativar ameaças passadas que não haviam causado impressão intensa durante os períodos pré-genitais. O fato de os adultos ameaçarem ou brincarem de castração com tanta facilidade e animação, constitui, certamente, a expressão dos seus próprios complexos de castração. Amedrontar os outros é um meio ótimo para acalmar os próprios temores, do que resulta que os complexos de castração vão passando de geração em geração. Não sabemos de que forma eles se formaram originalmente, mas é certo que o respectivo desenvolvimento tem história muito remota. Corresponde a intensidade da angústia de castração à valorização intensa do órgão genital na fase fálica. Valorização esta, que faz o menino decidir (quando enfrenta a questão: ou renuncio às minhas funções genitais, ou arrisco o meu pênis) em benefício da desistência da função. Um adulto perguntará: “para que serve um órgão, quando me proíbem de usá-lo?” 116 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores No período fálico, contudo, os fatores narcísicos contrabalançam com os sexuais, de modo que a posse do pênis vem a ser o objetivo principal. - Fase Fálica nas Meninas: a Inveja do Pênis É comum referir-se a um período fálico também nas meninas. O que é que se quer dizer com isto? Em primeiro lugar, o clitóris, neste estágio, é a parte do aparelho genital que se apresenta como a mais rica em sensações e que atrai edescarrega toda a excitação sexual: é o ponto central das práticas masturbatórias tanto quanto de interesse psíquico. Em segundo lugar, significa que também a menina classifica as pessoas em “fálicas” e “castradas”; ou seja, a menina tipicamente reage à ideia de que existem criaturas com pênis tanto com a atividade “Gostaria de ter isto”, quanto com a ideia “Já tive isto, mas perdi”. Certo que a menininha, tal qual o menino, enquanto não lhe ensinam outra coisa, sente ser todo o mundo construído como ela. Quando percebe que não é assim, sente-se em desvantagem. Tem-se indagado, muitas vezes, o que é que determina esta reação surpreendente; é, de fato, apenas consequência psicológica da distinção anatômica entre os sexos ou, antes, reação a experiências sociais anteriores que dão a impressão de inferioridade das meninas? Sem dúvida, toda menina tem o sentimento de que a posse do pênis traz vantagens erógenas diretas no que diz respeito à masturbação e a micção. A posse de um pênis, aos olhos da menina, faz o possuidor mais independente e menos sujeito a frustrações; sentimento resultante da somatória de todos os sentimentos sexuais no clitóris, durante esta fase, o clitóris sendo “inferior” em comparação ao pênis. Em geral a inveja concentra-se com a ideia de que a falta de um pênis é uma espécie de castigo, merecido ou injusto que seja; neste particular, a ideia da menina haver perdido um pênis e a do menino de que pode perder o seu são absolutamente análogas. 117 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores O fato de a menina pensar: “Fui punida”; enquanto o menino tem medo: “posso ser punido”, é responsável pela diferença considerável que se vê no desenvolvimento posterior do sujeito. Complicam-se, porém, as coisas nas meninas mais crescidas e nas mulheres adultas. O que se considera como masculino e como feminino varia muito de uma cultura para outra e estes padrões culturais, com os conflitos que se desenvolvem em torno deles, complicam as “consequências psicológicas da diferença anatômica”. Neste particular, lembra-nos Fromm (ANO), quando nos diz que certas diferenças biológicas resultam em diferenças caracterológicas; fundem-se com as que são produzidas por fatores sociais; e estes são muito mais fortes no efeito respectivo, podendo tanto aumentar ou eliminar, quanto inverter biologicamente, diferenças arraigadas. A significação do período fálico para o sexo feminino associa-se ao fato dos genitais femininos terem duas zonas erógenas principais: o clitóris e a vagina. Durante o período genital infantil, o clitóris ocupa o primeiro plano; no período adulto é a vagina. A transferência do clitóris como zona principal para a vagina é uma etapa que ocorre de modo definido na puberdade ou só depois desta, quando sua fixação materna preponderante se volta para o pai. Surgem riscos para a ocorrência de transtornos do desenvolvimento. Isto quando, ou uma fixação forte na sexualidade clitoriana, ou uma repulsa temerosa da sexualidade vaginal, impedem o estabelecimento da primazia genital. - O complexo de Édipo Nos dois sexos, pode-se dizer que o complexo de Édipo é o ápice da sexualidade infantil; o desenvolvimento erógeno que parte do erotismo oral, por meio do erotismo anal, para a genitalidade, culminam nos desejos edipianos, habitualmente expressos na masturbação com sentimentos de culpa. É vivido no seu período máximo entre os três e os cinco anos, durante a fase fálica. A superação destes desejos, a substituir-se pela sexualidade adulta, representa o pré-requisito da normalidade. 118 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores O complexo de Édipo traduz-se pela combinação de amor genital pelo pai do sexo oposto e desejos ciumentos de morte contra o pai do mesmo sexo. Estes sentimentos significam várias coisas, cuja forma especial depende, por sua vez, da constituição e da experiência de cada sujeito. A experiência é que configura a forma especial do complexo de Édipo. Mas que dizer do próprio complexo de Édipo? É fato biológico, inerente à espécie humana, ou é produto da instituição social da família, sujeito às mesmas alterações que esta? Digamos, para começar, que a diferença entre biologicamente determinado e socialmente determinado, é relativa. Não foi um complexo de Édipo místico, inato, que criou a família como lugar onde pudesse ser satisfeito: foi a família que criou o complexo de Édipo. Em segundo lugar, depende da resposta que se dê à definição do complexo de Édipo. O bebê humano, necessitado de cuidados e amor, é biologicamente mais fraco do que outros filhos de mamíferos; daí por que sempre há de exigir amor dos adultos que o criam e o protegem, que vivem à sua volta; e sempre há de desenvolver ódio e inveja das pessoas que lhe tiram este amor. Se é isto que se chama complexo de Édipo tem fundamento biológico. Por outro lado, no sentido empregado por Freud, de combinação de amor genital pelo pai do sexo oposto e desejos ciumentos de morte contra o pai do mesmo sexo, o complexo de Édipo sugere uma combinação altamente integrada de atitudes emocionais que constitui o clímax do longo desenvolvimento da sexualidade infantil. Neste sentido, é, fora de dúvida, produto da influência familiar. Se a instituição familiar tivesse de alterar-se, necessariamente se alteraria também o padrão do complexo de Édipo. Tem-se mostrado que as sociedades em que as configurações familiares são diferentes da nossa têm, realmente, complexos de Édipo diferentes. O problema do complexo de Édipo reduz-se assim, ao problema da origem da família, capítulo interessante e ainda sem solução. Toda criança no auge do complexo de Édipo deve experimentar decepções e ofensas narcísicas: o competidor é um adulto, o que lhe dá vantagens e privilégios. Reage-se a essas ofensas narcísicas de maneiras muito diversas, conforme a criança, dependendo da 119 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores constituição, das formas concretas em que as ofensas são experimentadas e de todas as experiências anteriores. Toda criança deseja intensamente ser adulta e “brincar de adulto”. Mas ser criança também tem vantagens. Sempre que teme as suas próprias emoções e a implacabilidade dos seus impulsos eróticos e agressivos, a criança é capaz de refugiar-se na atitude: “Nada disso é sério demais porque ainda sou uma criança” e também no desejo de receber ajuda externa. Tanto o desejo de ser adulto, quanto o sentimento de que se é protegido enquanto ainda é criança geram fixações e, mais tarde, vem a fazer com que muitos sujeitos se portem e se sintam como se ainda fossem crianças na fase fálica. - Tipos de Escolha do Objeto Seria errado imaginar não haver na infância outros objetos de amor que não fosse o pai do sexo oposto. Também irmãos, tios, tias, avós, amigos e conhecidos dos pais, têm, às vezes, influência decisiva. Há muitas crianças que experimentam love affairs (casos de amor) de algum tipo com outras crianças do mesmo sexo, ou do sexo oposto, ou com adultos; e talvez ocorresse maior número destes casos entre crianças, se a educação não visasse à respectiva proibição. No que diz respeito ao mecanismo da escolha de objeto, Freud distinguiu o tipo anaclítico e o tipo narcisista. No tipo anaclítico de escolha, escolhe-se um objeto passado, em geral o pai do sexo oposto, às vezes, o pai do mesmo sexo, irmãos, ou outras pessoas do ambiente em que a criança vive. No tipo narcisista de escolha, escolhe-se um objeto porque representa certas características da própriapersonalidade do sujeito. Tanto um tipo quanto o outro, são capazes de operar: a) De maneira positiva: o objeto escolhido assemelha-se ao objeto passado ou ao próprio ego do sujeito. b) De maneira negativa: o objeto escolhido é o oposto do objeto passado ou do ego do próprio sujeito. 120 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores c) A maneira ideal: o objeto escolhido representa aquilo que, noutro tempo, o sujeito desejou que o objeto passado ou seu próprio ego fossem. - O Problema do Medo de Castração Feminino Nos meninos, a angústia de castração faz necessária, afinal, a supressão do complexo de Édipo. Nas meninas não parece haver angústia de castração que se possa considerar como força dinâmica. A ideia de que se perdeu um órgão, não leva as mesmas restrições que a possibilidade de perdê-lo. É certo haver muitas mulheres que, após uma decepção constroem, inconscientemente, a fantasia de que possuem pênis: mas a angústia que diz respeito a um órgão simplesmente fantasiado não pode ter o mesmo efeito dinâmico que a ameaça contra um órgão real (como no caso dos meninos). Não é fácil responder a questão da angústia de castração nas mulheres. Em primeiro lugar, pode-se afirmar que o complexo de Édipo nas mulheres não é combatido no mesmo grau, nem com a mesma prioridade que o é nos homens. As mulheres que permanecem a vida inteira ligadas ao pai ou a figuras paternas, ou que, de um modo ou outro, traem a relação do seu objeto amoroso com o pai, são em muito maior número do que os homens que não superaram a sua fixação materna. Autores como Fromm, enfatizaram que as diferenças notadas nas angústias dominantes dos sexos se devem, em parte, às diferenças fisiológicas que ocorrem na execução do contato sexual. O homem precisa de ereção para realizar o ato; a mulher não precisa de alteração correspondente em seu próprio corpo; e é capaz de praticar o ato até sem gozo; mas depende da ereção masculina, de modo que o medo masculino é um medo da impotência, ao passo que o medo da mulher é o medo de ser abandonada ou perder o amor. 121 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Não há dúvida de que esta diferença fisiológica contribui para os papéis prevalentes do medo de castração ou do medo da perda do amor no homem e na mulher, respectivamente. Esta contribuição é, quando muito, uma contribuição secundária tardia. A preponderância relativa dos temores respectivos estabelece-se na infância, muito antes das primeiras experiências do contato sexual. A mudança do objeto é um dos fatores que complicam o desenvolvimento das mulheres em comparação com os homens. O segundo fator é a dupla índole da sexualidade genital feminina. É certo que a sexualidade prostática dos homens desempenha papel menos significativo do que a sexualidade clitoriana. Não esquecer, no entanto, que não só estas diferenças fisiológicas são preponderantes: existem também (o que é mais importante) diferenças culturais e sociais na educação dos sexos. VIII- A Sexualidade Hoje 1- A sexualidade do adolescente Os psicanalistas são unânimes em reconhecer que uma parte importante do que ocorre durante o desenvolvimento psicossexual do adolescente depende do que se passou na infância, mas que a experiência da sexualidade na adolescência está ligada às experiências atuais e novas. Se a sexualidade e as principais fantasias sexuais são comuns a todos os adolescentes, em quaisquer épocas ou culturas, não é menos verdade que as relações sexuais, sua preparação, sua frequência, sua maior ou menor facilidade, sua aceitação pelo grupo ou pelos pais varia segundo a cultura e as épocas; os relatos e os trabalhos de etnólogos ilustram bem isso. Mencionemos, a título de exemplo, o estudo da sexualidade entre os adolescentes de uma tribo indiana, os muria no Estado de Bastar. Nessa tribo, a vida sexual dos adolescentes é centrada em uma instituição chamada Ghotul, ou casa dos jovens. Essa casa é uma instituição altamente hierarquizada, em que o chefe 122 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores representa o pai e a chefe representa a mãe. Nessa casa, verdadeiro estabelecimento noturno, os encontros geralmente ocorrem à noite, sendo que os meninos chegam um a um, trazendo suas esteiras de deitar, e em seguida chegam as meninas, todas juntas. Após as atividades preliminares (penteado, massagem), todo mundo se prepara para ir para a cama. De manhã as meninas devem sair do Ghotul antes do alvorecer. De fato, uma menina não pode permitir que seus pais a vejam nem quando ela sai de casa para ir para o Ghothul, nem quando volta. O sistema do Ghotul obriga as jovens a mudar de parceiro a cada dois ou três dias. Em troca, se futuros esposos vivem na mesma Ghotul, eles não devem se aproximar um do outro. Há também todo um círculo de parentesco proibido. Sem dúvida, poderíamos citar outros exemplos, em outras culturas, descritos de forma notável por Mead ou Malinoviski. A ligação existente entre a organização social e a sexualidade dos adolescentes está mais do que provada. Para ficar apenas na civilização ocidental, as mudanças constatadas no nível dos comportamentos sexuais dos adolescentes não podem ser isoladas das modificações sociais globais relacionadas a essa faixa etária ao longo dos últimos 30 anos. Contudo, encontra-se uma constante quaisquer que sejam as épocas ou as sociedades. Alguns estudiosos sugerem que de fato a moralidade convencional, isto é, as regras sociais, podem proteger o casal e sua intimidade contra a agressão do grupo ampliado do qual ela faz parte, mas ao preço de uma sexualidade “autorizada”. Esta hipótese repousa na ideia de que a reação do grupo em face do casal é fundamentalmente ambivalente: a idealização e a esperança que o casal evoca no grupo do qual faz parte são contrabalançadas pela inveja, o ressentimento e o desejo do grupo de destruir essa união. Isto explica porque os sujeitos ou os casais reagem sempre por um distanciamento em face da “ideologia oficial”. Essa observação é importante para os adolescentes, que têm como uma de suas tarefas a capacidade de estabelecer pouco a pouco uma sexualidade pessoal satisfatória e realizá-la na intimidade de um casal. Assim, convém examinar nos adolescentes sua capacidade de se realizar em uma vida de casal com uma certa independência em face do grupo social a sua volta. Este último pode ser o grupo 123 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores social dos adultos e dos pais, mas também o grupo social dos iguais, isto é, de outros adolescentes. Não é raro, por exemplo, ver adolescentes cujos comportamentos fazem crer em uma grande liberação sexual, mas que na verdade mascaram uma séria inibição e que refletem um fracasso na diferenciação do casal ou do sujeito em face dos valores ideológicos convencionais do grupo de iguais. - Psicopatologia das Principais Condutas Sexuais O exame de condutas sexuais em psicopatologia coloca um problema complexo, centrado na noção de normalidade. Mais uma vez, é preciso distinguir o ponto de vista sociológico da anormalidade e o ponto de vista clínico e psicopatológico sobre a anormalidade em relação ao desenvolvimento psíquico. M. Laufer expõe o problema da seguinte maneira: - De um ponto de vista semiológico, certas formas de atividades ou de comportamentos sexuais durante a adolescência representariam uma ruptura no desenvolvimentopsicológico; - De um ponto de vista estrutural, certas rupturas, quando ocorrem, manifestam-se por uma atividade ou um comportamento que aparece como anormal na evolução ou no tratamento; - De um ponto de vista epistemológico, finalmente, o psicanalista deve estabelecer um julgamento sobre tal atividade ou tal comportamento na evolução de um tratamento? Para esse autor, é preciso deixar claro: “As formas de atividades sexuais que necessitam ser consideradas como anormais em termos de desenvolvimento psicológico [...] são aquelas que excluem a heterossexualidade como a atividade sexual primária entre dois sujeitos” (autor, ano, pág.). 124 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Assim, a homossexualidade, o fetichismo, o travestismo e as parafilias pertencem a essa categoria. Entretanto, essas condutas só podem ser consideradas como patológicas à medida que são um indício de que o adolescente não integrou uma imagem do corpo fisicamente madura ou não estabeleceu uma identidade sexual pessoal. Antes disso, estas condutas podem parecer como o indício de um esforço do Ego para estabelecer uma identidade sexual. De acordo com este autor, é desejável informar o adolescente antes de qualquer tratamento da própria concepção do terapeuta acerca da normalidade de tal conduta sexual. Podemos distinguir três categorias de dificuldades no âmbito da sexualidade do adolescente: - A realização sexual e suas dificuldades: ausência de relações sexuais, frigidez, ejaculação precoce, impotência; - A escolha de objeto sexual e suas dificuldades: masturbação, homossexualidade, conduta incestuosa; - A identidade sexual e suas dificuldades: transexualismo, ambiguidade social. Recordemos que essa distinção em três categorias é esquemática. É incontestável, por exemplo, que, se a homossexualidade remete a uma dificuldade da escolha do objeto sexual, ela coloca ao mesmo tempo o problema da constituição da identidade sexual do sujeito. 125 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores As dificuldades da realização sexual As dificuldades da realização sexual podem assumir diferentes formas, mais ou menos intricadas: A ausência total de relações sexuais durante a adolescência representa hoje, sem dúvida, uma anormalidade, no sentido estatístico do termo. Qualitativamente, essa ausência pode ser indício de uma inibição, ou de uma angústia mais arcaica. Inversamente, relações sexuais múltiplas com mudanças de parceiros quase sistemáticas, em uma sexualidade aparentemente livre de qualquer culpabilidade ou conflito, podem ser o sinal de uma depressão intensa, centrada não tanto no prazer ou no não-prazer do funcionamento do corpo, mas em uma inibição intelectual. O primeiro orgasmo, a primeira ejaculação, a primeira masturbação, as primeiras regras, as primeiras relações sexuais podem estar na origem de um traumatismo psíquico, traumatismo encobridor em face dos traumatismos sexuais infantis. Em um nível inconsciente, essa primeira experiência marca a participação na cena primitiva e reaviva a angústia inerente ao conflito edipiano: angústia de castração. Clinicamente, podemos assistir a atitudes de recolhimento que revelam uma inibição neurótica subjacente, em particular no âmbito intelectual, ou a invasões psicóticas em adolescentes mais frágeis. A frigidez primária ou secundária, a ejaculação precoce e a impotência. Depois de eliminar uma causa orgânica, esses transtornos se reportam ao mesmo tipo de mecanismo psicopatológico, e se relacionam à angústia ligada ao conflito edipiano. Essas dificuldades na realização sexual são frequentes na adolescência, mas geralmente transitórias. Contudo, elas podem perdurar, tornando-se manifestações particularmente paralisantes, mas esses pacientes só se queixarão disso bem mais tarde, já adultos. 126 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Finalmente, abordaremos os diferentes transtornos menstruais da adolescência: amenorreia primária ou secundária, dismenorreia, metrorragia ou menorragia. Eles requerem um balanço orgânico, mas em geral traduzem uma aceitação difícil pela adolescente de sua feminilidade. Nesses problemas cotidianos da medicina, costuma-se desprezar um apoio psicológico. As dificuldades da escolha sexual A escolha de objeto sexual passa por vicissitudes mais ou menos significativas ao longo de toda a adolescência. Poderíamos diferenciá-las conforme as etapas sucessivas da adolescência. Três condutas particulares ilustram bem o problema da escolha de objeto: a masturbação, a homossexualidade e as condutas incestuosas. Em troca, não trataremos as diferentes condutas sexuais perversas (fetichismo, zoofilia, exibicionismo, sadismo sexual, entre outras), pois elas são raras na adolescência. A masturbação Já está longe o tempo em que a masturbação era vista como um vício ou uma doença. Hoje, a masturbação é considerada como uma atividade natural, se não necessária. A questão que se deve colocar agora é a seguinte: como essa conduta banal, a que pertence ao âmbito da psicologia normal, pode se inserir no campo da psicopatologia da adolescência? Joyce MacDougall (ANO) fala de “processo masturbatório” e descreve duas vertentes dele: um ato e uma fantasia. Essas duas vertentes podem ter destinos diferentes na vida psíquica. Se o ato masturbatório, como todos sabem, aparece bem antes da adolescência, nessa idade ele culmina na possibilidade de uma ejaculação e, portanto, de um orgasmo. 127 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores A ligação entre o ato masturbatório e a fantasia interessa particularmente ao clínico: para os psicanalistas, o adolescente que se masturba introjeta uma imagem da cena primitiva na qual, por seu ato, ele pode ser pai e mãe ao mesmo tempo. O “processo masturbatório” realiza então, por excelência, a ilusão bissexual da vida erótica, o ideal hermafrodita. Assim, ao se masturbar, o adolescente controla magicamente seus pais e nega o perigo da castração. O ato e a fantasia associada a ele são, portanto, o lugar de um desejo profundamente proibido, e criam sentimentos de culpabilidade, de vergonha e de ansiedade. Se o ato masturbatório é facilmente admissível e confessável, o mesmo não ocorre com a fantasia que o acompanha. O conteúdo das fantasias masturbatórias, para alguns, atravessa duas etapas. No início da adolescência, as fantasias masturbatórias são mais de natureza regressiva; encontram-se aí as fases eróticas do início da vida, orais, anais, sádicas, narcísicas, homossexuais e heterossexuais; posteriormente, elas se tornam mais heterossexuais e centram-se em um parceiro preciso. A masturbação é vivida pelo Ego, então, como uma preparação para assumir o papel de parceiro sexual, o que lhe dá um valor positivo. No momento da resolução do complexo de Édipo e da interiorização do Superego, podemos descrevê-la como uma fantasia masturbatória central. Ela não depende da existência ou não de uma conduta masturbatória atuada na infância. É universal. Durante o período de latência, o conteúdo dessa fantasia permanece inconsciente. Na adolescência, ele adquire um novo sentido em razão da masturbação fisiológica dos órgãos genitais e impõe novas exigências ao Ego. Na adolescência, o processo masturbatório, que associa masturbação e fantasia, torna possível a integração e depois a evoluçãode fantasias perversas da infância: ela ajuda o Ego a se organizar em torno da supremacia da genitalidade e do prazer terminal. Para alguns, isso é particularmente verdade no menino. Na adolescente, parece que o ato masturbatório é menos frequente, e que o processo masturbatório, tal como acabamos de descrever, afetaria mais a totalidade do seu corpo. 128 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores No caso em que o ato masturbatório é ausente ou reprimido, a fantasia não tem mais saída corporal, e, nessas condições, a libido e a energia que seriam descarregadas no ato podem se infiltrar em atividades do Ego e alterar seu desenvolvimento. Vale lembrar, a esse respeito, o artigo de M. Klein, de 1927, intitulado “Contribuição a psicogênese dos tiques”: o autor mostra como uma supressão radical da masturbação engendrou em um pré-adolescente, além de uma grande inibição relacionada aos interesses intelectuais e às relações sociais, o surgimento de um tique importante e preocupante. Em consonância com Ferenczi, ela afirma que “o tique é o equivalente da masturbação” e, mais do que isso, das fantasias masturbatórias ligadas a ela. Assim, a análise dessas fantasias masturbatórias foi a chave da compreensão do tique, e, depois, de seu desaparecimento. Tal análise permitiu a esse pré-adolescente superar seu medo, tocar seus órgãos genitais e assim vencer seu temor diante da masturbação. No momento da adolescência, pode-se considerar que a ausência total de masturbação ou seu aparecimento muito tardio traduz, mais do que as condutas masturbatórias muito frequentes, um estado patológico. Contudo, as ligações entre certos aspectos psicopatológicos e o retardo ou a ausência de masturbação são complexas. No tratamento de adolescentes que apresentam um “desmoronamento psíquico” ou uma perturbação mental grave, a masturbação é sentida como algo profundamente angustiante ou mesmo em discordância com eles. Toda sensação pelo corpo e no corpo é experimentada como uma verdadeira ruptura e como uma ameaça para seu próprio Ego: a ejaculação noturna, as relações sexuais e a masturbação representam para esses adolescentes uma perpétua demanda pelo corpo de sentir algo que eles justamente tentam negar. No nível da fantasia masturbatória, surge uma confusão a propósito do papel respectivo do homem e da mulher no ato sexual, não há mais ilusão bissexual, mas uma confusão de identidade. 129 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores A homossexualidade Os dados epidemiológicos mostraram-nos que a prática regular da homossexualidade em geral só se instala após os 21 anos. Porém, quando se consultam as obras que tratam da homossexualidade na adolescência, a maioria dos autores está de acordo em afirmar que ela é frequente. De fato, tudo depende do que se entende por homossexualidade. Portanto, quando se fala de “homossexualidade”, é preciso distinguir entre a construção de identificações, as fantasias ou devaneios homossexuais, os temores conscientes da homossexualidade, os jogos e as carícias entre colegas do mesmo sexo, as relações homossexuais intermitentes e a prática homossexual exclusiva. Para todas essas situações, o uso indiferenciado da palavra “homossexualidade” produz mais confusões e erros do que clareza e coerência semiológica. Devemos esclarecer, finalmente, que a homossexualidade não é um diagnóstico em si, mas que se trata de avaliar por meio de uma fantasia, de um desejo, de um temor ou de uma prática a relação que os adolescentes estabelecem com seu corpo e com o outro, aceitando (ou não) levar em conta a realidade da diferença anatômica dos sexos. A questão da homossexualidade em clínica Lebovici e Kreisler (ANO) distinguiram diferentes situações clínicas durante as quais a questão da homossexualidade poderia ser levantada pelo adolescente e/ou seus pais. Contudo, os autores consideram que se deveria reservar o termo “homossexual” para os adolescentes que “se dedicam” a práticas homoeróticas com um gosto exclusivo e de maneira repetida. Segundo esses autores, não se pode qualificar de homossexuais os adolescentes que tenham contatos homossexuais isolados ou nos quais se alternam experiências homossexuais e heterossexuais, nem aqueles em que não há repetição dessas experiências. 130 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores • Temor e/ou pensamento homossexual: às vezes, o clínico é interpelado pelo adolescente que julga ser homossexual porque se sente “atraído” pelos de seu sexo. Essas fantasias tão frequentes geralmente se integram a uma relação de amizade intensa, ou uma atração no grupo de colegas do mesmo sexo. Elas testemunham a intensidade da ligação edipiana invertida e da necessidade de se desligar dela apoiando-se no amigo ou no grupo. Às vezes, são os pais que levam seus adolescentes à consulta, com o temor de que este seja homossexual, por atitudes e interesses que consideram ambíguos. Essa situação costuma ser preocupante, pois, diante dessas recriminações dos pais, o adolescente corre o risco de entrar em um processo de identificação negativa (identificar-se com os aspectos temidos pelos pais para tentar se livrar de uma ligação edipiana invasiva), cortina de fumaça de uma patologia subjacente em geral importante. • As fantasias ou devaneios homossexuais com frequência aparecem durante uma psicoterapia do adolescente. Elas traduzem o trabalho psíquico de elaboração da identidade, de reconhecimento e de integração da imagem sexuada de seu próprio corpo, mas também de reconhecimento e aceitação do outro sexo como complementar do seu. Essas fantasias homossexuais costumam estar ligadas ao necessário trabalho de luto da onipotência infantil. Essas fantasias são tão intensas que o adolescente desenvolve as condutas de luta que estão na origem da consulta ou do tratamento: tentativa de suicídio, anorexia nervosa, toxicomania, comportamento sexual caótico, automutilação, entre outros. Desse ponto de vista, a indagação sobre a “homossexualidade” é um tema habitual, se não patente pelo menos latente, em muitas psicoterapias. 131 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores • As relações homossexuais propriamente ditas representam uma situação clínica muito menos frequente. Frente a uma conduta homossexual na adolescência, é preciso esclarecer algumas coisas: a) Se a atividade homossexual existiu antes da adolescência, o que em geral testemunha que as distorções na imagem corporal preexistiam antes da puberdade. b) Se as passagens ao ato sexual homossexuais ocorreram pouco depois da transformação da puberdade e se duraram toda a adolescência, situação em que a elaboração psicodinâmica da adolescência corre o sério risco de ter sido seriamente entravada. c) Se a atividade homossexual implica uma penetração (anal, oral) ou apenas uma masturbação recíproca, o que em geral testemunha apego à fantasia da completude da primeira infância. d) Se o parceiro sexual é único e carregado de uma significação sexual afetiva particular (o que ainda pode se integrar a uma relação de apoio identitário ou de submissão a uma ligação edipiana particularmente intensa) ou, ao contrário, se há vários parceiros sexuais sem envolvimento afetivo, o que pode representar necessidade de ataque ao próprio corpo ou do objeto. Obviamente, não se trata de propor uma tipologia artificial e de estabelecer umacorrelação entre um ato e um conflito psíquico particular, mas, ao contrário, de mostrar a diversidade de arranjos pulsionais e defensivos, de níveis de construção da identidade por trás de uma conduta que se costuma resumir com muita frequência em um único termo: homossexualidade. As relações homossexuais na adolescência geralmente são marcadas por uma grande culpa ou, às vezes, por uma verdadeira vergonha. De fato, o reconhecimento social que os adultos conseguem obter não é tão fácil para os adolescentes, que quase sempre escondem sua homossexualidade. 132 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Significações psicológicas e psicopatológicas Citaremos aqui apenas modelos de compreensão referentes à teoria psicanalítica; essa abordagem é que predomina nos trabalhos consagrados à adolescência. De fato, a maioria dos estudos distingue a homossexualidade da primeira parte da adolescência, que corresponde a uma fase normal de desenvolvimento, e a homossexualidade da segunda parte da adolescência, que se pode ter uma significação diferente, mais inquietante, abrindo caminho à homossexualidade do adulto. Para Freud, a homossexualidade é uma inversão quanto ao objeto sexual. A inversão na adolescência é frequente e normal; três dados explicam porque a inversão não se prolonga na vida adulta: a) A atração que as características do sexo oposto exercem sobre um e outro; b) A influência inibidora exercida pela sociedade; c) As lembranças da infância: - no homem, são lembranças da ternura que recebeu da sua mão e que o induzem a dirigir sua escolha de objeto para a mulher, e as lembranças de intimidação sexual por parte do pai, que o induzem a se desviar dos objetos masculinos. - na mulher, são lembranças da tutela da mãe, que favorecerá a atitude hostil em face de seu próprio sexo e que a induz para uma escolha de objeto heterossexual. Anna Freud (ANO) considera as manifestações sexuais da adolescência como normais. Elas são recorrências de ligações objetais pré-genitais, sexualmente indiferenciadas, que se reativam durante a pré-adolescência, ao mesmo tempo em que muitas outras atitudes pré-genitais e edipianas. A escolha de objeto sexual na adolescência se deve também à regressão do investimento de objeto para o amor por sua própria pessoa a para a identificação com o objeto. 133 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Portanto, o objeto passa representar o Eu real e o ideal do Eu. As manifestações homossexuais são então fenômenos de ordem narcísica. Elas [as manifestações homossexuais] são mais significativas da profundidade da regressão do que do papel sexual posterior do sujeito. Assim, para Anna Freud, a distinção entre a homossexualidade latente e a homossexualidade manifesta aplica-se à sexualidade adulta, e não pode servir para explicar a masturbação mútua e outros jogos sexuais entre adolescentes. Finalmente, ao se inscrever a significação da conduta homossexual no processo integral da adolescência, não se pode deixar de assinalar a importância do grupo de identificação de iguais, que tem como função a integração da libido homossexual e a resolução de problemas colocados pela identificação com o genitor do sexo oposto. Travestismo e fetichismo – o travestismo é observado em um homem heterossexual que utiliza uma ou várias peças de vestiário feminino para provocar uma excitação sexual, seja ela seguida de masturbação solitária, seja integrada a uma troca com um parceiro sexual mais ou menos cúmplice. O travestismo é mais encontrado na idade adulta. Contudo, certos autores insistiram sobre os antecedentes na infância e na adolescência observados nos travestis. Esses sujeitos sempre gostaram de se disfarçar de mulher ou de menina, preferiam as brincadeiras de meninas (bonecas, elásticos). No início da adolescência, na idade em que o sujeito prefere estar com os de seu sexo (necessidade de inserção nas identificações de grupo), esses garotos preferem a companhia de meninas. Em geral, são rejeitados pelos outros meninos e alvos de zombaria. Esses adolescentes eventualmente sofreram uma humilhação ligada à obrigação imposta pela mãe de usar roupas femininas. Embora em um grau menor do que no caso do transexualismo, essas crianças e adolescentes também podem ter vivido uma relação particularmente próxima e intensa com sua mãe, enquanto que a relação com o pai é inexistente ou precária (pai fraco, derrotado, desvalorizado). 134 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Se o travestismo pode se manter por muito tempo como uma prática limitada, em certos casos, o adolescente ou o jovem adulto entra em uma relação de tipo homossexual. As dificuldades específicas do estabelecimento da identidade sexual Tratamos aqui de dois problemas: o transexualismo e o intersexualismo ambíguo. O transexualismo é um transtorno específico da identidade sexual. O transexual, assim como o sujeito normal que recalca a alteridade sexual, a participação do outro sexo nele, tem o sentimento de pertencer exclusivamente a um sexo. Mas, ao contrário do sujeito normal ou do homossexual, não há no transexual uma escolha sexual, todos os problemas se colocam no nível da identidade sexual. A intersexualidade ambígua representa igualmente um transtorno da identidade, pois a escolha não se coloca mais em relação ao objeto sexual suporte do objeto interno, mas em relação às representações do eu enquanto objeto sexual e, portanto, enquanto eu em sua identidade sexual. O transexualismo – O transexualismo geralmente começa na infância. Trata- se do sentimento experimentado por um sujeito de determinado sexo de pertencer ao sexo oposto e do desejo intenso, muitas vezes obsessivo, de mudar de conformação sexual, para viver sob uma aparência condizente com a imagem que construiu de si mesmo. Na adolescência, o sujeito transexual (mais o menino do que a menina) passa por uma crise de identidade, ele próprio vive um conflito: - Interno: por causa do impacto do desenvolvimento de sua puberdade que ele não deseja e cujo processo ele não aceita. - Externo: por causa da pressão crescente de sua família e da sociedade em relação às suas aspirações. 135 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores A puberdade, com o aparecimento de seios e de menstruação nas meninas e das ereções nos meninos, pode ser vista como catastrófica. São muito comuns nessa época as crises de depressão e os gestos suicidas. Aspectos perversos, neuróticos ou psicóticos podem prevalecer, segundo os sujeitos, mas, de todo modo, trata-se de um transtorno profundo da autoimagem que o adolescente vem reavivar. Entretanto, nem todos os adolescentes transexuais consideram a puberdade intolerável; alguns se resignam às mudanças corporais, tentam por muito tempo tornar compatível a personalidade com o corpo, e se comportam de acordo com o que o entorno espera deles, mas nunca conseguem suprimir seus sentimentos. A compreensão psicanalítica do transexualismo está mais estabelecida para o transexualismo masculino do que para o transexualismo feminino. Para o primeiro, a inibição ou aniquilação de toda angústia de castração até a castração real encontraria sua origem na simbiose original e excessiva com a mãe e a carência paterna. Em certos casos, a demanda ou, pelo menos, o tema transexual (declaração do sujeito que diz ter um corpo do sexo atribuído no nascimento,mas uma “alma do outro sexo”) aparece relativamente cedo na infância. Numerosos autores se indagaram sobre a infância dos transexuais. A criança teria sido vítima de uma intensa angústia de abandono materno que tenta superar com uma fantasia de fusão com ela. Para alguns autores, haveria no passado desses pacientes uma infância feita de excesso de mãe e escassez de pai; o menino teria vivido com sua mãe uma simbiose extremamente perfeita e extremamente feliz. O pai, seja por sua ausência ou por sua insignificância, não procurou interromper em nenhum momento. Essa simbiose estreita estaria na origem de uma “identidade de gênero” perturbada, marcada por uma feminilidade precoce e acentuada no menino. Nem todos os autores encontram esses dados. Para outros clínicos, a criança se conforma àquilo que ela imagina que é preciso ser para que a amem. É em torno de uma necessidade-desejo que se constitui uma identidade primária. Porém, todos os autores enfatizam uma qualidade particular da relação mãe-filho, mas isso parece mais evidente nos meninos. 136 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Embora a maioria das demandas cirúrgicas e/ou endocrinológicas dos transexuais ocorram na idade adulta, a adolescência parece ser um período privilegiado para uma abordagem psicopatológica desse problema, antes que ele se cristalize em sua personalidade adulta. A intersexualidade ambígua – A intersexualidade ambígua caracteriza-se, antes de tudo, pela anomalia dos órgãos genitais externos. Trata-se evidentemente, de uma anomalia de origem orgânica, mas com grande repercussão no equilíbrio psicoafetivo. Vamos descrevê-lo brevemente. Distinguem-se duas categorias principais: - O pseudo-hermafroditismo feminino, o mais frequente. Trata-se de meninas que possuem ovários, trompas, um útero e cujos órgãos sexuais externos são de aparência viril. A origem dessa aparência virilizante é diversa. Deixados à sua sorte, eles evoluem para uma morfologia corporal claramente masculina. - O pseudo-hermafroditismo masculino é mais raro. Trata-se de meninos que possuem testículos, geralmente em posição ectópica, um epidídimo, canais deferentes, um broto genital reduzido, de aspecto clitoridiano, uma fenda vulviforme e eventualmente uma cavidade vaginal. Não existem transtornos endócrinos, de tal modo que na puberdade assiste-se à eclosão de características secundárias masculinas: a voz, o sistema piloso, a morfologia. Na adolescência, dois tipos de problemas se apresentam: - Em certos casos não foi feito nenhum diagnóstico e nenhum tratamento. A evolução psicossocial se deu segundo o sexo atribuído ao sujeito, e ele se confronta agora com questões sobre seu corpo ou por arrebatamentos amorosos pelo outro sexo. - Às vezes, o diagnóstico foi feito precocemente e chegou o momento de uma intervenção cirúrgica conforme “a identidade do gênero”. 137 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Os problemas psicopatológicos são então variáveis: ora o sujeito aceita bem essa situação e o tratamento que é necessário, ora se instala um estado depressivo, surgem gestos suicidas, ora a condição de ambiguidade se estabelece na própria personalidade: nesse caso, o sujeito se organiza segundo uma “identidade hermafrodita” com a capacidade de intercambiar o parceiro sexual. Ao contrário do que ocorre na homossexualidade, os transtornos não se referem ao objeto sexual, mas à identidade sexual. Relacionamentos afetivos e relações sexuais na adolescência Em uma pesquisa (Vidal, Ribeiro, 2008) concluiu-se que quanto aos “relacionamentos e relações sexuais” ficou clara a grande dificuldade que principalmente as meninas têm de dissociar o sexo do amor. O que elas chamam de “amor” é uma condição necessária para que ocorra o ato sexual. Já para os meninos isto não parece ocorrer. Segundo as autoras, é como se as meninas esperassem o “príncipe encantado”. Por outro lado, esses príncipes podem enquanto não encontram suas princesas, buscar outras experiências sexuais. Eles buscam outras experiências para testar e provar sua virilidade perante os outros e para tal eles não precisam amar. Para as meninas é “consentido” que se relacionem sexualmente, mesmo antes do casamento, só se for por amor, “com a pessoa certa, na hora certa”. A maioria das meninas critica o sexo por prazer, o sexo sem compromisso, o sexo por diversão. Observa-se também a importância que dão à virgindade, mesmo não defendendo a ideia de mantê-la até o casamento. Diferentemente dos meninos que querem ou se sentem obrigados a “perdê-la”. Percebe-se por meio dos relatos destes adolescentes que, de maneira geral, reproduzem valores tradicionais, alguns preconceitos e a ideologia machista ainda parece muito presente. 138 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Atitude dos pais A sexualidade dos adolescentes acaba repercutindo inevitavelmente sobre os pais. Podemos distinguir duas etapas: a das atitudes concretas dos pais em face da mudança recente da sexualidade dos adolescentes (relações sexuais mais precoces, vida de casal sem casamento, contracepção); e a das modificações intrapsíquicas dos pais em face das questões sempre suscitadas pelo aparecimento de novas potencialidades de seu adolescente. Os pais e a sexualidade de seus adolescentes: mudanças recentes de atitudes A mudança de atitude dos pais quanto aos problemas da sexualidade em relação a seus filhos manifesta-se em diversos âmbitos: - A informação sexual: a atitude dos pais realmente mudou, o que parecia necessário, considerando-se a evolução cultural. Hoje, de fato, os pais são muito favoráveis à educação sexual de suas crianças e de seus adolescentes. Obviamente, fatores socioculturais ou ligados à idade dos pais ainda interferem na aceitação e na aplicação dessa informação, mas o movimento geral parece irreversível. Contudo, essa mudança de atitude não é tão facilmente assumida pelos pais. Por exemplo, os pais são cada vez mais favoráveis a uma informação sexual desde que seja passada por outros (56% dos pais em uma pesquisa recente consideravam que isso era papel dos educadores, dos professores); os pais também manifestam um mal-estar evidente com certos temas que dizem respeito à informação sexual. De fato, os temas mais facilmente abordados são a gravidez, o parto, a puberdade, a anatomia; no fim da lista, bem atrás, são mencionados o ato sexual, o aspecto afetivo e moral e, por último, as doenças venéreas, as perversões e os desejos. 139 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores - A contracepção: aparentemente, os pais aceitam com muito mais facilidade a contracepção para sua filha e, inclusive, se antecipam à solicitação desta. - Os marcos institucionais e morais ligados à sexualidade: os pais parecem manifestar uma resistência bastante firme às mudanças que seus filhos começam a reivindicar ou a viver. A questão do casamento, por exemplo, continua sendo um fator frequente de conflitos encontrados entre os pais e seus adolescentes a propósito do problema de uma prática sexual regular, e isso principalmente para as meninas. Nesse campo, os pais ainda se surpreendem com as mudanças socioculturais. Os pais e a sexualidade de seus adolescentes: alterações intrapsíquicas Em face de adolescentes perturbados e transformados em seus corpos e em sua sexualidade, os pais também são levadosa profundos remanejos, ligados ao seu próprio corpo e sexualidade. A sexualidade de seu adolescente pode ser vivida pelos pais como uma ameaça para eles próprios por várias razões: - As ligações incestuosas que existiam entre seu filho e ele são reavivadas e, sobretudo, surgem brutalmente à consciência. Enquanto perdura a imaturidade fisiológica do filho, os desejos incestuosos, inconscientes, podem ser facilmente ocultados: jogos de carícias e afagos diversos são possíveis e não angustiantes, na medida em que um dos parceiros, por sua fisiologia, ainda é imaturo. Na adolescência é bem diferente. - A sexualidade dos adolescentes faz reviver em um ou nos dois genitores seus próprios traumatismos. Uma mãe particularmente submissa à própria mãe durante sua adolescência pode, por exemplo, reviver cruelmente o conflito com sua filha e não suportar a sexualidade desta. De resto, isso pode resultar tanto em um liberalismo excessivo quanto em uma rigidez abusiva por parte dos pais. 140 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores - A sexualidade nascente dos adolescentes é inconscientemente percebida pelos pais como o fim da sua. Se os adolescentes devem realizar um trabalho de luto pela infância perdida, os pais devem igualmente produzir um luto, em relação a sua vida sexual. A sexualidade na adolescência é um tema vasto, cuja abordagem apresenta dois riscos: um risco extensivo considerando-se que a sexualidade está presente em tudo o que diz respeito à adolescência e aos seus problemas; um risco redutor, limitando ao mero aspecto comportamental este tema fundamental para o sujeito nessa idade. 2- Sexualidade na velhice A pirâmide das idades mostra um envelhecimento progressivo da população nos países ocidentais. Esta camada da população é atualmente um fenômeno presente em todos os países que conseguiram aumentar a esperança de vida por meio dos progressos combinados da medicina e do meio ambiente. Na França e em Portugal, cerca de 30% da população tem mais de 50 anos. Se no Brasil, em média, apenas 16% dos indivíduos atinge atualmente esta idade, nas aglomerações urbanas esta população está muito mais concentrada. Não somente os seres humanos vivem mais tempo, mas também as condições de saúde e o potencial de integração social são prolongados. Entretanto, os estereótipos ligados à degradação biológica, a qual serviu durante séculos para caracterizar o processo do envelhecimento, continuam a impregnar a ideia das pessoas. As repercussões do processo de envelhecimento sobre a sexualidade constituem um assunto particularmente contaminado por preconceitos. Até recentemente, ainda se acreditava que por volta dos cinquenta anos o declínio da função sexual era inevitável face à menopausa feminina e à instalação progressiva das disfunções da ereção masculina. Além disso, a atividade sexual perdia fatalmente seu objetivo de procriação e, portanto, sua justificativa social. 141 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores A concepção pioneira de Freud (1905/1969) afirmando o prazer como objetivo da sexualidade humana desvinculou-a da reprodução. A tese de Freud veio a ser confirmada com a recente emergência do conceito de saúde sexual e com a sua dissociação progressiva do conceito de reprodução, o que coloca em evidência a autonomia da vida sexual e sua importância para a realização e o bem-estar dos indivíduos durante toda a vida. Mas esta liberdade ideológica só pôde tornar-se realidade com a conquista tecnológica dos hormônios sintéticos. Tornou-se possível tanto a contracepção, quanto a terapia de reposição hormonal, que facilita manter a função sexual prazerosa após a menopausa. Mais recentemente, o sildenafil e o tadalafil vieram proteger os homens das perturbações da ereção cujo potencial patológico se revela provavelmente muito mais no nível psicológico que fisiológico. Assim, os progressos da medicina minimizam as barreiras biológicas que dificultavam a manutenção da atividade sexual na segunda metade da vida. Espera-se que junto com a dilatação da esperança de vida e do progresso científico e técnico que o homem tem sido capaz de pôr em marcha, haja uma evolução social e cultural e uma mudança das mentalidades capaz de integrar a sexualidade das pessoas idosas harmoniosamente em tais avanços. Para compreender a problemática da sexualidade nos adultos maduros e idosos (após os 50 anos de idade), é preciso levar em conta os fatores básicos que afetam o comportamento e a resposta sexual em qualquer idade: a) Saúde física. A doença pode reduzir ou impedir o interesse pela sexualidade em qualquer idade. Pesquisadores provaram que raramente o equipamento sexual se deteriora no envelhecimento normal, impedindo os adultos maduros de permanecerem sexualmente ativos enquanto tiverem saúde. A sexualidade está entre os últimos "processos biológicos provedores de prazer" a deteriorar-se. 142 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores b) Preconceitos sociais. Do ponto de vista do ciclo vital, o envelhecimento é um processo bio-psico-social, ou seja: caracterizado por mudanças fisiológicas, psicológicas e nos papéis sociais. Independentemente da especificidade e da heterogeneidade do envelhecimento individual, a psicogerontologia tem assinalado que a experiência subjetiva do envelhecimento é amplamente influenciada pela ideologia cultural. A vivência subjetiva é marcada pela inevitabilidade das modificações corporais e das competências físicas, pelas modificações em nível dos recursos cognitivos e adaptativos, pelas alterações de papéis e da posição nas hierarquias sociais, assim como pelo impacto negativo de atitudes e estereótipos relativos ao envelhecimento. A crença na progressiva e generalizada incompetência, assim como na impotência sexual dos idosos faz parte intrínseca destes estereótipos. Acuados entre as múltiplas exigências adaptativas que as alterações do envelhecimento comportam, os indivíduos enfrentam dificuldades para preservar a identidade pessoal e a integridade de alguns papéis e funções, sobretudo àqueles relativos à sexualidade que a sociedade atentamente vigia. c) Autoestima. Na sociedade contemporânea, os valores culturais orientados para a juventude tendem a depreciar os indivíduos idosos em termos de sua aptidão e atração sexual, particularmente as mulheres. Pessoas desta faixa etária são levadas a aposentar-se também do terreno sexual, no qual as iniciativas representam um risco importante de desapontamento e frustração. Além disso, toda manifestação de sensualidade é rapidamente suspeita de deslizar para a dissolução da demência senil. Todos temem o estereótipo do velho gagá que perdeu o controle de suas pulsões. Tendo interiorizado estes valores culturais, o indivíduo envelhecido pode não ter consciência de recalcar a sexualidade, ou simplesmente sentir-se impelido a reprimi-la deliberadamente. O conflito entre suas pulsões e a norma social, ataca a sua autoestima. 143 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores d) Conhecimentos sobre a sexualidade. Muitos homens deixam de ter relações e se tornam impotentes porque não compreendem as mudanças fisiológicas ligadas ao processo do envelhecimento, interpretam-nas como sendo sintomas de impotência. Com sua autoestima baixa, ficam receosos de não conseguirem uma ereção e acabam evitando ter relações para não serem confrontados com a frustração.Em um estudo verificaram que a causa mais frequente de cessação das relações sexuais é atribuída aos homens, tanto no depoimento dos próprios homens, quanto no das mulheres, apesar de os homens declararem continuar interessados em sexo com mais frequência do que as mulheres. e) Status conjugal. A regularidade das relações sexuais está muito ligada à oportunidade representada pela situação conjugal. De um ponto de vista demográfico, a proporção de mulheres é predominante nesta população em razão de uma esperança de vida nitidamente superior a dos homens. Esta diferença tende a acentuar-se à medida que a idade avança. A primeira consequência deste dado objetivo é a limitação das oportunidades de relações sexualizadas, particularmente para as mulheres. Entretanto, a falta de um parceiro disponível pode explicar o abandono de relações sexuais, mas não explica a renúncia a interesses a comportamentos sexuais, fato que ocorre frequentemente mesmo entre pessoas casadas e satisfeitas com a sua relação conjugal. Se a condição de saúde pode ser uma das explicações possíveis para o abandono da sexualidade ativa e explicar, indiretamente, um menor interesse pela sexualidade em geral, outras explicações poderão ser encontradas no âmbito das experiências de vida prévias e relativas, especificamente, à qualidade da relação conjugal e sexual desenvolvida ao longo da vida. Por um lado, se inibições existiam, elas tendem a cristalizar-se e, por outro lado, a degradação das relações afetivas, em virtude dos conflitos e rancores não elaborados, pode afastar emocionalmente o casal. Raiva e ressentimento acumulados ao longo dos anos destroem a atração erótica. 144 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Como vemos, com o passar do tempo, estes cinco fatores básicos que contextualizam a sexualidade humana passam a pesar ainda mais sobre o indivíduo envelhecido, restringindo a amplitude das escolhas pessoais. O caminho da renúncia é facilitado face à sua fragilidade psicofisiológica, contexto que representa um sexto fator, específico a esta população. Duas teorias complementares permitem compreender o processo subjetivo que favorece esta renúncia à sexualidade. Por um lado, a teoria psicossociológica dos scripts que explica a ligação direta entre os papéis culturais atribuídos aos indivíduos segundo seu status social (inclusive faixa etária), e os scripts intrapsíquicos que permitem aos indivíduos reconhecer e reagir a circunstâncias sexualmente excitantes dentro de um contexto socialmente significativo positivamente valorizado. A cultura ocidental atribui um script sexual negativo ao indivíduo envelhecido, script que ele se recusa a assumir. Por outro lado, a teoria psicanalítica explica como a clivagem entre a ternura e a sensualidade proposta por Freud (1912/1969) é reativada neste período tardio da vida de maneira ainda mais insidiosa. Vovô e vovó são anjos da guarda com um corpo diáfano, liberado de todo traço de sensualidade. Esta fábula deve ser preservada a todo custo; se preciso for, sob o controle dos filhos que se tornam, por sua vez, guardiões do recalcamento (ou da supressão). Ocorre, assim, uma inversão dos papéis que ocupavam na adolescência. Os adultos maduros são compelidos a ocultarem cuidadosamente todo e qualquer interesse sexual sob pena de serem socialmente desconsiderados e afetivamente rejeitados pela própria família. A complementaridade entre a teoria sociológica e a teoria psicanalítica permite esclarecer a dupla natureza deste fenômeno no qual o processo intrapsíquico de exclusão da sexualidade é fruto, ao mesmo tempo, da interiorização dos ideais culturais e da situação de fragilidade psicofisiológica que leva a assumir a clivagem imposta. 145 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores A geração que ultrapassou os cinquenta anos, idade que marca o início das alterações bio-psico-sociais, caracterizando o envelhecimento, confronta-se atualmente com um conflito entre os estereótipos e os valores ligados à sexualidade internalizados ao longo da vida e a oferta recente de recursos que permitem assumir as inclinações pessoais realmente percebidas. 3- Desconstrução do feminino e do masculino Um acontecimento bastante significativo, e que pode ser considerado o berço do feminismo contemporâneo, foi o lançamento do célebre livro de Simone de Beauvoir. Esse movimento possibilitou, sobretudo, uma mudança em suas vidas, em suas escolhas profissionais, em seus desejos e em suas relações amorosas que podem, hoje, seguir diferentes caminhos, não necessariamente traçados pelo que no século passado se anunciou como sendo a sua “natureza”. Assim, apesar da inegável situação de injustiça que podemos ainda hoje vislumbrar na nossa sociedade, as consequências positivas do movimento feminista se esboçam, na materialidade dos conflitos e desejos que constituem o cotidiano das relações humanas. Nesse sentido, o enunciado proposto por Simone de Beauvoir na frase mais falada, lida e comentada desse livro - "Ninguém nasce mulher: torna-se mulher" - provocou um deslocamento da condição “natural” feminina construída nos séculos XVIII e XIX e abriu um leque de possibilidades para pensar "o que o sujeito pode se tornar, sendo (também) mulher". O efeito social provocado pelas mulheres na luta por seus direitos introduziu a necessidade de pensar sua história. À medida que foi sendo tecida uma história coletiva, puderam-se reconstruir histórias individuais e reinventar projetos para o futuro. Diante disso, podemos observar uma passagem: se antes a questão era formulada a partir do que se constituía como um enigma (para os homens) - "o que quer a mulher?" -, hoje a questão que se apresenta no horizonte da nossa reflexão é "como pensar a diferença de sexos?". 146 Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo deste Programa. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores Nesse contexto, o desenho de novas formas de sociabilidade se apresentam constituindo uma mudança significativa no "modo de vida", em que o esboço de uma nova experiência cotidiana se configura como pano de fundo para pensarmos a questão da diferença entre os sexos. Os principais fenômenos constitutivos dessa mudança são: a crise da forma burguesa da família nuclear (monogâmica e heterossexual), a entrada da mulher no mercado de trabalho, a separação da sexualidade da reprodução. Todos esses fenômenos provocaram uma crise nas referências organizadoras da sociedade moderna, principalmente a partir do abandono das fronteiras homem-público e mulher-privado, configurando um novo território para pensar as sexualidades. A crise da família nuclear – A família, tal como a concebemos, é um fenômeno recente na história da humanidade, diferente das relações de parentesco que sempre estiveram presentes nas formações sociais. Herdeira da necessidade política da constituição do privado, no início da era moderna, a família surge como aquela que vai garantir a ordem social e possibilitar, por meio da função de afetividade e educação, a formação do indivíduo adulto. Desde então, a organização pai-mãe-filho passa a ser concebida como o lugar originário da constituição do sujeito. Porém, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, esse núcleo começa a ser abalado justamente no que tinha de mais sólido, que eram as bases materiais para as relações de filiação. O primeiro sinal de mudança foi a baixa das taxas de fecundidade apresentadas em alguns países ocidentais desenvolvidos, sendo hoje fonte de preocupação de políticas demográficas, inclusive no que se refere
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