Prévia do material em texto
FACULDADE FUTURA CURRÍCULOS EDUCACIONAIS VOTUPORANGA - SP http://faculdadefutura.com.br/ 1 1 PROPOSTA CONTEMPORÂNEA Fonte:revistabula.com Podemos dizer que é a própria configuração do mundo contemporâneo, junto a uma nova ética da relação com os saberes, o conhecimento científico e a formação, que vêm fazendo com que o estudo e as práticas curriculares se transformem num tenso e sedutor campo de inovações e debates. Se nesse movimento temos a opor- tunidade ímpar de mudar a história extremamente hierarquizante, excludente, rígida e fragmentária que marcou a ação pedagógico curricular, temos, na mesma proporção, um hercúleo compromisso político, ético e pedagógico de instituirmos percepções, políticas e práticas capazes de assegurar a responsabilidade com uma aprendizagem consistente e qualificada, que garanta competência e formação cidadã conectada aos grandes desafios que a contemporaneidade se nos apresentam. Estamos vivendo um verdadeiro ataque às lógicas disciplinares que secular- mente organizam os currículos. Já está claro o quanto a perspectiva disciplinar frag- mentou o currículo, bem como organizou nossa maneira de perspectivar o mundo, de forma predominantemente antinômica, bipolar, portanto. Aprendemos a olhar a reali- dade em muito por essa lógica, separamos muitas vezes o inseparável, porque a dis- ciplina nos ensinou assim. 2 Desta forma, num mundo que experimenta tamanho processo de escolariza- ção, nunca tivemos tão expostos às lógicas curriculares, predominantemente frag- mentárias. Essa realidade nos diz da responsabilidade do currículo por aquilo que pensamos e fazemos nesta conjuntura histórica. Por mais relacional que sejam as emergências da disciplina científica e da disciplina curricular, é bom distinguir as di- nâmicas das suas construções. Essas dinâmicas nos pedem compreensões mais aprofundadas, tanto histórica quanto epistemologicamente. Entre os estudiosos do currículo já existe uma compreensão de que a disciplina escolar não é uma tradição monolítica, portanto não é única, tendo como espelho a disciplina acadêmica ou científica. Segundo Lopes e Macedo (2002, p. 80) “não se trata de uma ‘tradução’ de um corpo de conhecimentos para o nível escolar. Ao contrário, a disciplina escolar é construída social e politicamente, de forma contestada, fragmentada e em constante mutação. ” Esse argumento nos diz de uma inteligibilidade da lógica disciplinar que tem muito a ver com o institucional escolar e acadêmico, suas características materiais e ideológicas. Por outro lado, não se pode negar uma identificação socialmente construída entre a disciplina escolar e a disciplina científica, mesmo que aquela seja ainda hoje identificada, predominantemente, como uma tecnologia de organização curricular. É bom pontuar, que essa realidade não pode retirar a análise da lógica e ação disciplinares de uma vinculação com um contexto mais amplo, onde a distribuição dos saberes está imbricada à reprodução social e seus interesses tácitos ou explícitos. Para Macedo e Lopes (2002, p. 83) “A organização disciplinar do currículo funciona, assim, como um arquétipo (grifo nosso) da compartimentação do conhecimento na sociedade moderna”. Para Veiga-Neto: As disciplinas modernas ‘ funcionam como códigos de permissão e interdição’ (Elias, 1989, p. 529) e, nesse sentido, funcionam quais uma matriz de fundo. É justamente aí que se articulam a disciplinaridade moderna dos saberes com a disciplinaridade moderna dos corpos... (1999). Conclui-se, assim, que a prática disciplinar e sua força simbólica constituem-se numa estrutura significativa para dificultar as iniciativas não-disciplinares. Nesses ter- mos, a nossa hipótese é que as práticas disciplinares por muito tempo ainda guiarão as concepções e implementações curriculares. 3 Ou seja, o currículo oculto disciplinar dirá, durante um tempo significativo, como devemos organizar as nossas formações, por mais que reconheçamos o importante e construtivo movimento relacional não-disciplinar que habita hoje o argumento episte- mológico e formativo e, por consequência, as práticas curriculares. O que nos parece ainda importante enfrentar, no que concerne à lógica disci- plinar, é a ideia positivista de que a disciplina representa a própria realidade a ser conhecida por um processo de transmissão de verdades perenes, ou que a disciplina é a última fronteira do conhecimento a ser veiculado sobre essa mesma realidade. É preciso destituir esse poder veiculador da disciplina, para que possamos mul- tirreferencializar o currículo e torná-lo lugar da solidariedade epistêmica, face à hete- rogeneidade irredutível das experiências curriculares e formativas e a necessidade histórica de constituirmos múltiplas justiças curriculares, inspirando-nos em Connell, ou seja, formas de justiça que alcancem todos os segmentos sociais. 2 ARTICULAÇÃO ORGÂNICA DOS COMPONENTES CURRICULARES Fazendo uma leitura crítica de como a disciplina fragmentou para “conhecer de forma clara e distinta”, essa perspectiva vem propor a superação dessa fragmentação, argumentando e criando dispositivos, onde as disciplinas são chamadas a dialogar, a se interfecundar no intuito de melhor compreender muitas das realidades, que hoje, pelas suas complexidades, revelam-se impossíveis de serem explicitadas e resolvidas por visões pautadas na perspectiva monodisciplinar. Neste caso, cada disciplina, a partir da sua concepção epistemológica e peda- gógica, oferece a sua contribuição e se abre à contribuição de outras disciplinas. Há neste esforço o objetivo de se chegar a uma compreensão em que a unidade perdida pela hiperespecialização das disciplinas seja recuperada em prol de uma visão que globalize os saberes e construa unidades de conhecimento, edificadas pelo encontro interfecundante entre as disciplinas. Os trabalhos da professora Ivani Fazenda e seu grupo de pesquisa são emblemáticos para se entender o acolhimento, os limites e a amplitude dessa perspectiva curricular (FAZENDA, 1991). 4 Para se chegar a este ideal, vários são os dispositivos didático pedagógicos que possibilitam a interação e a interfecundação desejada, enquanto processo de in- terconhecimento: o trabalho pedagógico com projetos, o ensino por problemas e por problematização; por temas geradores etc. São dinâmicas pedagógicas que fazem as disciplinas confluírem interativamente. Para alguns curricologistas mais voltados para uma perspectiva onde a diferença e não a identidade aparece como fundante na cons- tituição curricular, a interdisciplinaridade é um ideário pedagógico que cultiva a utopia de alcançar uma certa unidade perdida, constituída na esperança de que, na reunião dialógica de várias disciplinas, se consiga um objetivo formativo unificado. Há que se pontuar, entretanto, que a polissemia nesta discussão é considerável. Existem perspectivas interdisciplinares que não vão nesta direção, visam atin- gir compreensões mais relacionais, sem, entretanto, vislumbrarem a constituição de unidades fixas e fundadas numa pretensa totalização ou unificação dos conhecimen- tos. Temos que destacar, que a perspectiva interdisciplinar é uma releitura crítica da lógica disciplinar que organiza a educação. Com algumas superações, a interdisplina- ridade traz consigo, dialeticamente, a necessidade de se levar em consideração, ainda, a disciplina. 2.1 A perspectiva transdisciplinar Essa elaboração tem, na realidade, a intenção de colocar a perspectiva da transdisciplinaridade em um outro lugar, diferente da necessidade de se alcançar, por coerência uma compreensão unificante, como algumas análises pretendem colocar. Vejamos por exemplo, o segundo artigo da “Carta de Transdisciplinaridade”, redigida por Lima de Freitas, EdgarMorin e Basarab Nicolescu (1994, p. 2). Ademais, o que se percebe de forma enfática é que a origem desse pensamento não emerge de uma epistemologia desvinculada da necessidade de enfrentarmos os desafios que a mo- dernidade tardia nos apresenta. Nestes termos, o que os pensadores da transdisciplinaridade almejam é o en- frentamento ético-político, epistemológico e formativo das questões humanas e pla- netárias que em larga escala atingem as pessoas, suas sociedades e ecologias, e que a lógica disciplinar não absorve nem alcança. Violência, intolerância, destruição do ecossistema, fazem parte dos desafios que clamam por um olhar transdisciplinar, e 5 que não descarta o multirreferencial no segundo artigo da “Carta de Transdisciplinari- dade”. Jacques Ardoino (2001), o principal pensador do conceito de multirreferenciali- dade, inspirado na heterogeneidade irredutível e na pluralidade como fundante da for- mação e da educação, fala de uma “Transdisciplinaridade não homogeneizadora”, ao participar da rica coletânea coordenada por Edgar Morin com o título de: “A religação dos Saberes”: Querer unir os saberes (tema dessa jornada) não acarreta o desenvol- vimento de uma transdisciplinaridade homogeneizadora, mas leva, isso sim, a situá- los com precisão uns em relação aos outros em função de suas alteridades históricas, antropológicas e epistemológicas (sem por isso, excluir suas possibilidades de altera- ção mútua). Georges Lerbert retoma, a propósito da transdisciplinaridade, o tema bachelar- diano de uma poética da ciência. O conjunto torna assim, para nossa inteligência, uma unidade relativamente autônoma, superior ou não à organização anterior de que pro- vém (por exemplo, o fenômeno biológico, o ser vivo, em relação à sua materialidade físico-química), mas conservando também em sua memória os traços de sua hetero- geneidade constitutiva. É este salto qualitativo, e apenas ele, que vai atestar a passa- gem de um paradigma a outro. A unidade e a diversidade devem então reencontrarse, conciliadas no seio de uma unitas multiplex. Ao falar de uma nova transdisciplinaridade Morin (2002, p. 52) argumenta: Para promover uma nova transdisciplinaridade precisamos de um para- digma que, certamente, permita distinguir, opor, mas que, também, possa fazê-los comunicarem-se entre si, sem operar a redução...que conceba os níveis de emergên- cia da realidade sem reduzi-los às unidades elementares e às leis gerais. Consideremos os três grandes domínios da Física, Biologia e Antropossocio- logia. Como fazer para que eles se comuniquem? Sugiro que essa comunicação seja feita em circuito. Primeiro movimento: é preciso enraizar a esfera antropossocial na esfera biológica, porque somos seres vivos, animais sexuados, vertebrados, mamífe- ros, primatas. De modo semelhante, é preciso enraizar a esfera viva na physis, por- que, se a organização viva é original em relação a toda organização físico-química, ela é também uma organização físico-química, saída do mundo físico e dependente dele. 6 Operar o enraizamento não implica operar nenhuma redução: não se trata de reduzir o humano a interações físico-químicas, mas se reconhecer os níveis de emer- gência dessas interações é preciso também, nesse movimento, enraizarmos o conhe- cimento físico e biológico numa cultura, numa sociedade, numa história, numa huma- nidade. Em termos curriculares, da nossa perspectiva, não é necessário transformar a perspectiva transdisciplinar numa imposição totalizante, mas reconhecer o seu poten- cial elucidativo e formativo, na medida em que essa perspectiva não quer fornecer fórmulas pragmáticas de um pensamento, mas mobilizar a cooperação e a interfecun- dação de saberes para compreender a partir do que é produzido pelas interações entre eles, sem desprezar as especificidades. Um currículo transdisciplinar trabalha com as sínteses possíveis, com as rela- ções possíveis, porque contextuais, históricas e políticas, sínteses essas requeridas pelas problemáticas humanas e seus desafios. A transdisciplinaridade busca, na rea- lidade, aquilo que o próprio Morin chama de Unitas Multiplex, a unidade na multiplici- dade, não como uma unidade fixa, somatório perfeito, mas algo que como um com- plexo contenha a singularidade e se constitua no e com o plural; com e no movimento, realizando diferentes configurações. 3 CONSTRUÇÃO DE REFERÊNCIAS Fonte: educador.brasilescola.uol.com.br 7 3.1 Teorias curriculares As teorias curriculares diferenciam-se pela importância que atribuem a concei- tos como aprendizagem, conhecimento, dimensão humana, cultura ou sociedade. 3.2 Teorias Curriculares Não-Críticas Tem uma visão de pedagogia tradicional e tecnicista do currículo onde este deve ser neutro e seu foco está voltado em ter uma escola que funcione como uma fábrica. Além de seguir com essa referência essa teoria seguia princípios do Taylo- rismo (a escola funcionando como uma empresa privada e o trabalhador que precisa produzir e pouco respira) Fordismo (implantou o Taylorismo na fábrica e aprimorou a: intensificação, economia, produção, o Taylorismo aplicado nas escolas visa à padro- nização do processo pedagógico e os alunos são encarados como produtos de fábrica a escola transmite conhecimentos acumulados ao longo da história como verdade ab- soluta e os alunos devem se enquadra para poder atuar na sociedade esses conheci- mentos são passados de ordenada numa sequenciada lógica e psicológica e a avali- ação é o meio de constatar se os alunos conseguiram atender a esses desejos. O professor é o centro desse processo deve ser respeitado com regras e disciplina rí- gida. Assim o aluno é um ser submisso preso ao aprender e fazer. 3.3 Teorias Curriculares Críticas As primeiras críticas a pedagogia tradicional surge em meados dos anos 60 com os movimentos sociais e culturais que questiona a desigualdade que foi provo- cada no sistema de ensino, que não valorizava o ensino aprendizagem e sim um mo- delo pronto e ideológico de conhecimento a visão crítica quebra o saber capitalista como um código indecifrável, no qual só a elite burguesa tinha acesso e daí para baixo apenas seguiam-se regras. Para esta visão o importante é entender o que o currículo faz, assim ele é uma ponte para docentes e alunos, que através de um código cultural podem examinar de forma renovada os acontecimentos do cotidiano. E justamente através da cultura que a escola transfere para os alunos de forma adequada as expe- riências humanas significativas, a cultura é vista como aquilo pelo que se luta e não o 8 que se recebe. Autores como Freire, Saviani, Libâneo, Apple e Passeron, trabalham com essa teoria. A visão crítica argumenta que o currículo deve funcionar para seus alunos como instrumento de emancipação e libertação. Aqui o professor é o domina- dor desse processo pedagógico (que propõe uma interação entre conteúdo e uma realidade concreta, visando à transformação da sociedade) e é um mediador para a construção do saber do aluno. 3.4 Teorias Curriculares Pós-Crítica Surge no século XXI direcionando suas bases para um currículo no qual se vincula conhecimento, identidade e poder com temas como gênero, raça, etnia, sexu- alidade, subjetividade, multiculturalismo, entre outros. O currículo aqui é uma lingua- gem de significados, imagens, falas que revelam histórias esquecidas, vozes silenci- adas, códigos distintos. 4 ÉTICA, ESTÉTICA E PRÁXIS PEDAGÓGICA Ao fazerem a crítica às visões tecnicista e classista de currículo, veiculadas por Bobbitt e Tyler, os teóricos críticos liderados, principalmente, por Michael Apple e Henri Giroux, curricologistas americanos, vão indagar sobre o que é que o currículo faz com as pessoas, antes mesmo de se interessarem sobre como se faz o currículo. Essa mudança ideológica faz com que a crítica implemente a construçãode uma outra concepção de currículo, agora desvinculada de qualquer perspectiva neu- tral, ou seja, vinculada a ideias de que os curricula são opções formativas que trazem consigo ideologias e formas instituintes de poder pautadas na opção de formar para legitimar e perpetuar as relações de classe estabelecidas pelas sociedades capitalis- tas, sem que isso, muitas vezes, esteja explicitado. Assimilando a ideia de que o currículo reproduz a sociedade, sua estrutura e dinâmica, seja em níveis classistas, seja em níveis de outras formas de hierarquiza- ção, como as exclusões étnico raciais, por exemplo, a crítica curricular denuncia tam- bém o processo de homogeneização veiculado pelo currículo, em favor dos grupos 9 hegemônicos e suas cosmovisões. Reivindica enfaticamente que as formações assu- mam a preparação para uma competência política capaz de desvelar as injustiças e, via o ato educativo, afirmar políticas justas, tomando como referência a heterogenei- dade da sociedade. Formação socialmente justa e aprendizagem com e pela diferença constituem as pautas que sintetizam a proposta curricular crítica. Aqui a formação é, em muito, a construção de um senso crítico construído a partir de uma compreensão radical do que seja histórica e socialmente as ideologias das sociedades capitalistas e suas po- líticas de configuração. Esse conjunto de argumentos tem sua inspiração inaugurada, podemos dizer, pelos trabalhos de Apple, nos Estados Unidos. Apple toma como ponto de partida os elementos centrais da crítica marxista da sociedade. A dinâmica da sociedade capitalista gira em torno da dominação de classe, da dominação dos que detêm o controle da propriedade dos recursos materiais sobre aqueles que possuem apenas sua força de trabalho. Para este raciocínio há uma clara conexão entre a forma como a economia está organizada e a forma como o currículo está organizado. Em Apple, por outro lado, essa ligação não é uma ligação de deter- minação simples e direta. A preocupação em evitar uma concepção mecanicista e determinista dos vín- culos entre produção e educação segue o seu pensamento desde seus primeiros es- critos. Para esse curricologista, não é suficiente postular um vínculo entre, de um lado, as estruturas econômicas, de outro, a educação e o currículo. Esse vínculo é mediado por processos que ocorrem no campo da educação e do currículo e que são aí ativa- mente produzidos; é mediado pela ação humana, enfim. Nas elaborações críticas de Apple, o importante é se perguntar por que se ele- gem determinados conhecimentos como importantes e outros não. Trata-se de saber: Quais interesses orientaram a seleção desses conhecimentos e a con- cepção do currículo? Quais são as relações de poder envolvidas nesse processo que resultou nesse currículo particular? Para Apple, as ideologias presentes no que ele chamou de conhecimento ofi- cial, distribuído pela escola, é o interesse central de uma teoria crítica do currículo. 10 Para tanto, se apropria de forma densa, dos argumentos sobre o poder nas relações educativas, assim como do conceito de hegemonia tal como formulado por Antônio Gramsci, de onde se pode fazer uma leitura da dinâmica da reprodução social e da resistência nos cenários curriculares. Um outro pensamento do campo curricular crítico se configura a partir das obras de Henri Giroux. Tratando o currículo como política cultural, inspirado pelos fi- lósofos da Escola de Frankfurt como Ardorno, Horkheimer e Marcuse, Giroux critica em toda a sua obra a racionalidade técnica e utilitária curricular, assim como o habitus positivista do currículo moderno. Reivindica que o campo do currículo não pode deixar de tentar compreender as práticas curriculares via uma análise histórica, ética e polí- tica. Segundo Silva (1999, p. 53), “é no conceito de resistência [...] que Giroux vai buscar as bases para desenvolver uma teorização crítica, mas alternativa, sobre a pedagogia e o currículo”. Influenciado de perto pelas ideias de Paulo Freire, a partir das noções de libertação e ação cultural, Giroux vai atrelar a pedagogia e o currículo ao campo da cultura, mais precisamente ao campo de uma política cultural, diria mesmo da cultura politizada, mostrando que a emergência do currículo se configura num campo de disputa de significados. Nasce, desse veio argumentativo, a ideia dos “professores como intelectuais transformadores” e de uma “ pedagogia de possibilidades emancipatórias”. Necessá- rio pontuar que Apple e Giroux mantêm um diálogo contemporâneo teórica e politica- mente importante com as pautas do argumento pós-moderno em currículo, naquilo que, aceitando a crítica das metanarrativas vindas dessa perspectiva, apontam tam- bém as dificuldades de uma análise histórica, ausente nesses aportes teóricos, e o excessivo textualismo que configura suas interpretações da realidade. Nos Estados Unidos, com Peter McLaren, e no Brasil, com Antônio Flávio Mo- reira, a perspectiva crítica vai se conjugar com um aporte multicultural que, sem abrir mão de uma leitura inconformada, face às injustiças vividas pela educação forjada pelo ideário liberalcapitalista, demonstra a necessidade de uma análise cultural do currículo, na medida em que entendem com Giroux, por exemplo, que a luta por sig- nificados é uma luta por recursos no campo políticoeducacional. 11 5 A NOÇÃO DE COMPETÊNCIA E A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR: O FA- ZER, A LEITURA E A CONTEXTUALIZAÇÃO Fonte:noticias.universia.com.br Dados históricos nos mostram que a noção de competência como norteadora de processos de formação não é recente. Superando a orientação condutista, o seu retorno acontece, também, num contexto de crítica a certa burocratização da forma- ção e, por consequência, do currículo. Tal burocratização criaria uma série de entra- ves para se forjar currículos sensíveis e conectados às realidades que envolvem/ de- safiam os sujeitos coletivos em formação. É fato que, neste veio, algumas apreensões do conceito de competência vão cair numa perspectiva tecnicista de formação orientada tão somente por objetivos ins- trucionais, ou mesmo, confunde competência com habilidade, desconecta conheci- mentos, habilidades e valores, perdendo, por consequência, a possibilidade relacional do conceito e suas mediações pedagógicas. Para não se falar da recaída neotecni- cista de algumas normas de certificação, quando transformam as competências ali listadas num conjunto de prescrições sem qualquer compromisso com os contextos de formação, suas singularidades e dinâmicas sociopolíticas. 12 Tomando esse veio de raciocínio e falando de um lugar teórico, político, epis- temológico e pedagógico opcionado, face à pluralidade com que a noção de compe- tência se edifica, podemos dizer que as concepções de currículo por competências podem ter nos seus fundamentos a desconstrução de alguns prejuízos epistemológi- cos e formativos. Podemos verificar, nos argumentos que tomam as competências como uma ampliada e dialética possibilidade formativa, uma crítica às fragmentações encontra- das nos currículos pautados na disciplinarização, assim como no que concerne aos processos reducionistas nos quais, muitas vezes, essa mesma disciplinarização reduz a formação a aspectos insulares do conhecimento sistematizado. Ademais, a proposta da formação por competências critica as formações que privilegiam o abstracionismo acadêmico, que esquece que se aprende para se inserir de forma competente e ci- dadã na sociedade do presente e enfrentar seus desafios. Essa reivindicação formativa vai ao encontro também da desconstrução das naturalizações ou coisificações dos saberes formativos, na medida em que as refe- rências que advêm dos mundos não-disciplinares acabam por colocar o saber acadê- mico sob constante tensão, no que concerne ao valor dassuas verdades. Como as competências apontam para a atualização das aprendizagens em contexto, conheci- mentos, habilidades e valores são transformados em saberes em uso, estando sujei- tos às ressignificações a partir do mundo não acadêmico da atividade humana. Da nossa perspectiva, esse caminho de superação desses prejuízos epistemo- lógicos e formativos que um currículo por competências construiria, não pode prescin- dir da vinculação histórica, ética e política, sob pena de cair-se numa reedição do ensino por objetivos instrucionais, reduzidos à reprodução de conhecimentos pré-di- geridos e autoritariamente enquadrados. Nestes termos, a nossa perspectiva entende que cabe fecundar a noção de competência como mediadora da organização curricu- lar com o veio crítico das teorias curriculares, retirando-a da captura neotecnicista que, em muitos momentos, contaminam essa noção mediadora das formações contempo- râneas. Diz-se que a pedagogia das competências é, na sociedade contemporânea, a pedagogia da sociedade pós-industrial. Entretanto é preciso refletir epistemológica, ética, política e pedagogicamente sobre esses sentidos que configuram o processo de formação e o currículo, até porque, a centralidade cognitiva desse conceito pode 13 facilmente colocá-lo numa reedição psicologizante da gestão do aprendizado nos ce- nários curriculares. A partir dessa perspectiva, algumas atitudes didáticopedagógicas podem ser apontadas como pertinentes para o trabalho formativo via um currículo por competên- cias: Valorização da transposição didática; Globalização dos saberes; O uso de ideias-chave ou noções-núcleo como orientação dos módulos de aprendizagem; Aprendizagem para e pelas situações e cenários de trabalho; • tradução dos conteúdos em objetivos flexíveis; Envolvimento dos alunos em projetos de trabalho; Avaliação como observação processual; avaliação formativa; “Transferência” de conhecimentos, habilidades e valores; Necessidade de planejar problemas e encontrar estratégias para resolvê-los, no caso do uso da perspectiva pedagógica da apren- dizagem por problemas; Interesse pelos processos de aprendizagem dos alunos; Avaliação centrada nas evidências de desempenho demonstrado em situações as mais próximas possíveis daquelas que os alunos poderão enfrentar na realidade; realizada em tempo relativizado. Pleiteia-se aqui o uso de indicadores flexíveis, através, predominantemente, de instrumentos avaliativos de registro. Vale ressaltar que há nos debates envolvendo a formação para o trabalho, uma clara tensão ideológica entre aqueles que aceitam a noção de competência como uma noção mediadora do currículo e da formação e aqueles que defendem a orientação dessa formação pautada na perspectiva da qua- lificação. Sabe-se que essa perspectiva está vinculada a uma educação pelo conhe- cimento e à configuração do mundo do trabalho e sua dinâmica de inserção, em meio aos processos contraditórios capital-trabalho. Enquanto a perspectiva das competências desloca a atenção para as capaci- dades das pessoas em termos sócio cognitivos, procurando desenvolver, a partir da 14 formação, os instrumentos cognitivo-intelectuais capazes de responder a um mundo da produção profundamente marcado pela incerteza, pela necessidade de uma atua- ção flexível e autônoma. Há um importante debate político aí constituído que precisa ser explicitado, até porque se pode falar de competências em termos da organização da formação e do currículo, trazendo para seus âmbitos as pautas de uma formação ampliada para além do psicológico, implicando-se o político, o ético e o cultural como organizadores ativos, rejeitando-se, por consequência, as tendências psicologizantes e tecnicistas que fizeram parte da sua história. Um argumento que nos mostra bem essa contradição é encontrado em Freitas (2002, p. 93): O pensamento progressista já examinou como o capital escamoteia a formação do trabalhador, na medida em que educá-lo é permitir que se torne cidadão consciente das contradições do próprio sistema capitalista. A questão que se coloca para o capital é: como instruir um pouco mais sem aumentar o grau de conscientização das classes populares? [...] sendo a escola um local de preparação dos futuros traba- lhadores, ela não pode estar fora de sintonia com as novas habilidades exigidas no interior da produção: isto implica maior “participação” e “democracia” no interior da escola. É interessante notar que também no interior da indústria começa a ser expe- rimentado, dentro do novo padrão de exploração implantado (tecnologia de grupo, células, círculo de controle de qualidade, planejamento participativo, qualidade total, avaliação de competências etc.). Para Freitas, o que se desenvolve nesse processo é uma “democratização” do que já está ditado. As obras de Marise Nogueira Ramos, A pedagogia das competên- cias: autonomia ou adaptação (2001), bem como a coletânea organizada por Antônio Tomasi Da qualificação à competência. Pensando o século XXI (2004), são trabalhos que trazem de forma pertinente o debate entre as perspectivas da competência e da qualificação como organizadoras curriculares da formação na contemporaneidade. Podemos também citar como importante o trabalho de Philippe Perrenoud (2000), a partir da sua preocupação em apresentar uma pedagogia que opere mediada pela noção de competências, direcionando esse aporte, inclusive, para a formação de pro- fessores. O que é interessante problematizar, é como currículos que apontam para su- peração dos prejuízos causados pela lógica disciplinar abstracionista e reducionista, podem garantir a verticalização reflexiva dos campos de conhecimento historicamente 15 construídos, para evitarem um outro prejuízo epistemológico e formativo: a lógica do descarte e da substituição das tradições em face do fascínio pela inovação sócio pe- dagógica e curricular, irrefletida, descontextualizada e sem aprofundamento compre- ensivo do movimento histórico que vem configurando essas superações.