Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIÃO DAS ESCOLAS SUPERIORES DE RONDÕNIA – UNIRON CURSO DE DIREITO PEDRO ORLANDO RAMOS DE MELO Trágico Privilegiado: Lei de Drogas n° 13.343/2006 PORTO VELHO / 2020 PEDRO ORLANDO RAMOS DE MELO Trágico Privilegiado: Lei de Drogas n° 13.343/2006 Trabalho apresentado como requisito avaliativo da disciplina de Legislação Penal Extravagante, da turma D71, aula toda terça-feira, do curso de Direito, ministrada pelo Professor Me. Domingos Sávio Figueiredo de Arruda, da Faculdade Interamericana de Porto Velho. PORTO VELHO / 2020 INTRODUÇÃO A Lei de Drogas trouxe inovações a legislação Brasileira, no que tange ao tráfico de drogas, foram incluídos novas condutas dos agentes, se tratando de perfis diversos um misto e alternativo, onde a realização de mais de uma dessas condutas não implicará em concurso de crimes, apenas um delito único. A legislação sobre as drogas trouxe uma nova roupagem sobre drogas, humanizando o tratamento dispensando àqueles que são dependentes de entorpecentes, com a devida moderação e ajustamento das penas, impondo punições com propósito de reinserir na sociedade e reeducar. Ainda, a legislação trouxe diversos conflitos jurisprudenciais que decorre do fato de que ao se optar por considerar o crime de tráfico de drogas na sua modalidade privilegiada equiparado a hediondo, haverá reflexo em vários institutos da execução penal. 1. A LEI N° 13.343 DE 2006 E O TRÁFICO PRIVILEGIADO A lei de Drogas, lei n° 11.343/2006 é uma ferramenta importante para auxiliar com as medidas punitivas cabíveis aos fatos que envolvam as diversas formas de propagar as drogas. A referida legislação trouxe também inovações ao ordenamento jurídico brasileiro, no que concerne ao tráfico de drogas, foram inseridos novos verbos no art. 33 da referida lei, sendo atualmente 18 verbos de possíveis condutas, conforme exposto: Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. (BRASIL, 2006) Esta legislação direcionou uma nova política sobre drogas, humanizando o trato legal conferido àqueles que são usuários de entorpecentes, com a moderação e ajustamento das penas, impondo punições com propósito de reinserir na sociedade e reeducar, ademais, a legislação expôs o agravo das punições para as ações como tráfico ilícito de drogas. A lei de drogas ressaltou os crimes organizados, que atualmente são classificados como delitos transnacionais. (GRECO FILHO, 2009) Faz-se necessário abordar a previsão legal que é destaque deste estudo, relacionado ao privilégio para redução da pena, conforme artigo 33, § 4º da lei de drogas, a seguir exposto: § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (BRASIL, 2006) Conforme apresentado, a disposição legal ressalta que o infrator deverá atender aos critérios do artigo 33, § 4º para que o magistrado confira a ele a pena reduzida de um sexto a dois terços, sendo eles: o autor ter bons antecedentes criminais, ser réu primário, não fazer parte de organização criminosa e não se dedicar às atuações criminosas. Algo muito relevante a se destacar é que, todos os critérios exigidos no artigo devem ser preenchidos para se obter a pena reduzida, se apenas um desses critérios não for atendido, resultará na não autorização da redução da pena. (GRECO FILHO, 2009). A Lei de drogas criou um meio para distinguir o macro traficante do micro traficante, sendo àquele, quem coordena e tem acesso a grandes valores monetários, controlando a organização criminosa, e os micro traficantes os que recebem ordens e são usados pelos macros traficantes, como exemplo destes, as “mulas” e outros. (LIMA, 2016) Além do tráfico de drogas, existe o instituto do tráfico privilegiado, estabelecido no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, e nesse texto buscarei responder o que ele é, sem, contudo, exaurir o tema. Desse modo, importante mencionar que essa modalidade de tráfico de drogas é, na realidade, uma causa de diminuição de pena (natureza jurídica) e o referido texto legal determina que: § 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Percebe-se que para aplicação da referida causa de diminuição de pena é necessário que o acusado: seja primário: isto é, não seja reincidente, lembrando que para ser reincidente é necessário que tenha sido condenado definitivamente (com trânsito em julgado) antes da data do fato apurado; de bons antecedentes: ou seja, não responda a outra ação penal; não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa: não esteja envolvido na “criminalidade”, mesmo nunca tendo respondido a um processo criminal. Devo mencionar que, segundo alguns precedentes do STF, os requisitos mencionados anteriormente (primariedade, bons antecedentes, não se dedicar ao crime e não integrar organização criminosa) são cumulativos, sendo necessário o preenchimento de todos eles. Destaca-se, que esse instituto do tráfico privilegiado é um privilégio voltado para o “traficante” eventual ou ocasional, um mero debutante na prática delituosa. NUCCI, em seu livro Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, Volume 1, afirma que: Cuida-se de norma inédita, visando à redução da punição do traficante de primeira viagem. Para RANGEL e BACILA, no livro Lei de Drogas: comentários penais e processuais, é um Tratamento diferenciado daquele previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, haja vista a menor reprovabilidade da conduta do agente, culminando no abrandamento considerável da sanção imposta e no afastamento da hediondez do delito, sob pena de tratarmos igualmente os desiguais. Com relação às consequências de se aplicar essa causa de diminuição, reconhecendo, portanto, o tráfico privilegiado, podemos dizer que são muitas. A primeira delas é a possibilidade da pena, ao final da dosimetria, ser estabelecida abaixo do mínimo estipulado para o tráfico de drogas, que é de 05 (cinco) anos, podendo ser reduzida numa fração que varia de 1/6 a 2/3. Portanto, em uma pena mínima (5 anos), caso seja aplicada a fração máximaredutora (2/3), pode-se fixar a pena em 01 (um) ano e 08 (oito) meses. Ademais, com a redução da pena, possibilita-se a fixação de regime inicial de cumprimento de pena menos gravoso, como o regime aberto, por exemplo, e a substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos. Destaca-se, ainda, o novo entendimento do STF, no HC 118533, segundo o qual o tráfico privilegiado, diferentemente do tráfico estabelecido no artigo 33, caput e § 1º, não tem natureza hedionda. Assim, reconhecido o tráfico privilegiado, a progressão do regime (que é de 2/5 ou 3/5 para os crimes hediondos) será de 1/6, ou seja, a mesma progressão aplicada para crimes comuns. Há quem entenda que a grande quantidade de drogas é indicativo de dedicação à atividade delituosa e/ou integração à organização criminosa, como é o caso de MARCÃO, em seu livro Tóxicos, Lei n. 11343, de 23 de agosto de 2006: lei de drogas anotada e interpretada. A apreensão de expressiva quantidade de droga configura indicativo de que o agente é integrante de organização criminosa. A grande quantidade e variedade de droga, a propósito, atenta com maior intensidade contra o bem jurídico tutelado, porquanto inegável a relevância de seu acentuado potencial lesivo, e faz desaconselhar o reconhecimento do tráfico privilegiado. Esse, todavia, não é o entendimento que visualizo ser o melhor, assim como não é o adotado pelo STF, conforme jurisprudência: A quantidade e a variedade da droga apreendida, como indicativos do maior ou menor envolvimento do agente no mundo das drogas, constituem elementos que podem ser validamente valorados no dimensionamento do benefício previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. (STF, HC 112.821/RS, 1ª T., rela. Mina. Rosa Weber). E ainda, conforme decisão do STF: As circunstâncias relativas à natureza e à quantidade de drogas apreendidas em poder de um réu condenado por tráfico de entorpecentes, apenas podem ser utilizadas, na primeira ou na terceira fase da dosimetria da pena, sempre de forma não cumulativa. Precedentes: HC 112.776/MS e HC 109.193/MS, ambos de relatoria do Min. Teori Zavascki, Pleno, julgamento realizado em 19/12/2013. 2. O magistrado sentenciante, de acordo com seu poder de discricionariedade, deve definir em que momento da dosimetria da pena a circunstância referente à quantidade e à natureza da droga há de ser utilizada, vedada a forma cumulativa sob pena de ocorrência de bis in idem. (STF, HC 120.604/PR, 1.ª T., rel. Luiz Fux, DJ 25.02.2014, v. U.) 2. TRÁFICO PRIVILEGIADO: REQUISITOS PARA O SEU RECONHECIMENTO E ANÁLISE DA SUA HEDIONDEZ. Questão tormentosa, será afirmar se o tráfico de drogas na sua forma privilegiada (art. 33, § 4º) é ou não crime equiparado a hediondo. Além disso, quais os requisitos legais para o seu reconhecimento? Assim dispõe o art. 33, § 4º da Lei 11.343/06: § 4 o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Preliminarmente, importa mencionar que a expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos", uma vez que o STF, no HC n. 97256/RS, entendeu por inconstitucional a referida expressão, que também é repetida nas vedações do art. 44 da Lei Antidrogas (Informativo nº 597 do STF). Neste contexto, o Senado Federal suspendeu a execução de parte do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 (Resolução nº 5, de 2012). Em seguida mencionar que não havia tratamento idêntico na Lei n. 6.368/65, portanto temos uma novatio legis in melius, em que preenchendo o agente os requisitos legais (primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa), deverá fazer jus a esta causa de diminuição da pena. E se a traficância fosse praticada na vigência da Lei anterior, quando a pena era mais branda? Haverá a aplicação da causa de diminuição da pena decorrente do privilégio da nova Lei? O STJ sempre entendeu pela possibilidade do juiz fazer a combinação de Leis, aplicando-se a parte mais benéfica de cada uma delas (HC 116.044/MG e 114.275). Já o Supremo Tribunal Federal se posicionava contrário (HC 98766/MG, 94848/MS, 94806/PR), até julgamento final do RE 596152/SP, ocasião em que decidiu pela possibilidade de combinação das leis, visando dar maior efetividade ao comando constitucional do inc. XL, do art. 5 da CF/88. Note-se que após a decisão acima, os tribunais vêm admitindo a aplicação do regime inicial aberto aos condenados por tráfico de drogas, em face da causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33, contrariando o comando do §1º, do art. 2 º, da Lei n. 8.072/90, que prevê o regime inicial fechado para os crimes hediondos e os equiparados. O próprio Supremo Tribunal Federal assim já se manifestou nos HC 111.247/MG e HC 112.195/SP, demonstrando um tendência no sentido de não mais considerar o crime de tráfico de drogas privilegiado, como equiparado a crime hediondo. Importa registrar que após a entrada em vigor da Lei n. 8.072/90, a mesma discussão sobre o tráfico privilegiado que ora se analisa, também foi alvo o homicídio qualificado-privilegiado, ficando pacificado na doutrina e na jurisprudência que o homicídio qualificado-privilegiado, não se trata de crime hediondo. Por fim, vale mencionar que a 2ª Turma do STF acolheu proposição formulada pelo Min. Celso de Mello para afetar ao Plenário do STF o julgamento de habeas corpus em que se discute a hediondez no crime de tráfico privilegiado previsto no parágrafo 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006[...]. Alega-se que o tráfico privilegiado não seria hediondo porque não estaria expressamente identificado no art. 2º da Lei 8.072/90 (“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I - anistia, graça e indulto; II - fiança”), a prever tão somente a figura do tráfico de entorpecentes do caput do mencionado art. 33 da Lei de Drogas. Sustenta-se, ademais, que esse fato seria bastante para que o paciente não sofresse as restrições impostas pela Lei dos Crimes Hediondos (HC 110884/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.11.2012). CONCLUSÃO Resta clarividente que a lei de drogas trouxe várias mudanças, como por exemplo, o surgimento de novas tipificações penas, através da prática de novos verbos conferidos aos agentes infratores. A referida legislação agravou as penalidades para as ações tidas como tráfico ilícito de drogas, destacou quanto aos crimes organizados, onde os autores por meio da globalização desenvolvem novas formas de práticas prejudiciais à sociedade, como exemplo a facilitação da atuação dos grupos organizados que frequentemente agem com auxílio de governos desonestos. A Lei Antidrogas, Lei n. 11.343/2006 trouxe vários crimes relacionados à drogas, dentre eles o porte de drogas para consumo pessoal (art. 28), o plantio de drogas para consumo pessoal (art. 28, 1º), o tráfico de drogas (art. 33) as condutas equiparadas ao tráfico de drogas (art. 33, §1º), o induzimento, instigação ou auxílio ao uso de drogas (art. 33, §2º), o compartilhamento eventual de drogas (art. 33, §3º), o tráfico de drogas privilegiado (art. 33, §4º), exigindo do interprete dizer quais devam ser considerados equiparados a hediondos, para fins de aplicação dos institutos vedados na Lei n. 8.072/90. E, por fim, diante das discussões doutrinais e jurisprudenciais, mediante posicionamentos diversificados, o Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus n. 136736/SP, relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, realizado em 28 de março de 2017, dispôs que a temática estavapacificada naquela Corte, onde o condutor de drogas, denominado “mula”, não pode mais ser enquadrado como parte das organizações criminosas e, se preenchidos todos os requisitos do art. 33, §4º, da Lei de Drogas através da avaliação do magistrado, o indivíduo deverá receber a redução da pena. REFERÊNCIAS ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação penal especial. 9º ed. São Paulo: Saraiva, 2013. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 26257/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 15/04/2003, DJ 02/06/2003, p. 356. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&proce sso=26257&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#DOC3 > Acesso em 03 jun. 2013. COIMBRA, Valdinei Cordeiro. O tráfico de drogas privilegiado: requisitos para o seu reconhecimento e análise da sua hediondez Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 out 2020. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1527/o- trafico-de-drogas-privilegiado-requisitos-para-o-seu-reconhecimento-e-analise- da-sua-hediondez. Acesso em: 09 out 2020. NUCCI, Guilherme de Souza, Leis penais e processuais penais comentadas. Vol. I, 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 743.
Compartilhar