Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DIREITO PROCESSUAL COLETIVO I. PARTE I: 1.Direito Material Coletivo 1.1. Introdução 1.2. Denominação 1.3. Direitos ou Interesses Coletivos 1.3.1. Do Individual ao Coletivo 1.3.2. A dicotomia público e privado 1.3.3. A tricotomia público, privado e transindividual 1.4. A classificação constitucional dos interesses ou direitos 1.4.1. Interesses ou Direitos Individuais e Coletivos 1.4.2. O Interesse Individual 1.4.3. O Interesse Coletivo: 1.4.3.1. Direitos ou Interesses essencialmente Coletivos: - público; - difuso; - coletivo em sentido estrito. 1.4.3.2. Direito ou Interesse acidentalmente Coletivo - individual homogêneo. 2 2 INTRODUÇÃO Na atualidade agitam-se questões de magnitude tal, que os tradicionais instrumentos jurídicos de solução mostram-se inábeis para resolvê-las. Não raro, os problemas, mui diversamente de outras épocas da história da humanidade, não se cingem em conflitos meramente individuais, circunscritos em disputas entre um indivíduo e outro, mas vão além para envolver grupos, comunidades, coletividades de pessoas. A complexidade da sociedade atual, que remonta aliás o pós segunda guerra mundial, por ser de produção, de troca, de consumo, de informação, de marketing etc de massa, obviamente fica sujeita igualmente a conflitos de massa de variada natureza, dando enseja à identificação de interesses que não cabem mais na esfera individual ou pública. Atingindo individualidades, pessoas determinadas e identificadas, podem as várias situações da vida atual também alcançar coletividades, definidas ou não, extrapolando a órbita individualista para atingir proporções que tocam a grupos, classes, conjunto de pessoas, determinadas ou não, mas ligadas entre si por elementos de direito ou de fato, a que se denominam interesses coletivos em sentido amplo, para abarcar as categorias de interesses público, difuso, coletivo em sentido estrito e até mesmo os agora conhecidos como individuais homogêneos. Efetivamente, a sociedade de massas trouxe outra realidade não só ao Estado, mas igualmente ao Direito. Aquele, o Estado, de um modelo liberal, marcadamente individualista - fundado na apreensão exclusiva de bens e direitos, passou, ou está passando por imposição das transformações sociais que vimos experimentando, a outro, dito 3 3 democrático de direito, de cunho eminentemente social, onde a nota é a comunidade, e por isso a transindivudalidade; de outro lado, o direito, tendo à frente não mais violações individuais apenas mas também violações de massa, vê-se às voltas de uma revolução interna fazendo-o alcançar situações até então desprezadas ou relegadas a plano secundário. Assim, já não se pode mais pensar no fenômeno jurídico sem consideração aos interesses coletivos (lato senso) que a sociedade moderna apresenta, trazendo à convivência inúmeros embates intercoletivos, marcados pela transpessoalidade, onde a questão central não se acha no individual mas sim no "coletivo". Há, portanto, no seio da sociedade uma nova categoria de interesses. Os interesses do grupo, da classe, da coletividade ou mesmo de um sem-número de pessoas que a compõe, ditos interesses coletivos. Não são, porém, interesses que apenas a atualidade conheceu. Na verdade, como lembra doutrina abalizada, esses interesses sempre existiram, desde que o homem passou a viver em grupo, em sociedade, uma vez que são conaturais a esta, mas a sociedade moderna, entretanto, colocou-os em maior evidência. No plano normativo interno, a Carta Magna de 1988 assimilou essa nova realidade. Desprendendo-se, com efeito, da tônica puramente individualística, onde o centro é o indivíduo, primou a Constituição Federal, de um lado, pela socialização dos direitos, constitucionalizando categorias até então ou meramente factuais ou sem tratamento jurídico adequado porque pontual e assistemático (categoria consumidora – art. 5º, XXXII; meio ambiente ecologicamente equilibrado – art. 225, caput; proteção integral da infância e juventude – art. 227; entre outros), e, de outro, instituindo mecanismos de tutela igualmente socializada (mandado 4 4 de segurança coletivo – art. LXX; ação popular de interesse público ou de interesse ambiental – art. 5º, LXXIII; ação civil pública e inquérito civil público, art. 129, III). Efetivamente, exaltando, já no preâmbulo, o estabelecimento de um Estado Democrático "destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais", a Constituição Federal de 1988 pôs em relevo a promoção social do indivíduo (art. 3º) e assegurou-lhe direitos fundamentais coletivos (art. 5º, caput, e incisos XVI, XXI, XXXII, art. 170, V e VI) e instrumentos hábeis à sua efetivação (art. 5º, LXX e LXXIII; art. 129, III, e par. 1º), além de reconhecer a existência de bens essencialmente coletivos ("lato sensu"), como aquele do artigo 225, caput, entre outros. Portanto, a partir da Constituição Federal, pode-se identificar essa categoria de interesses ou direitos coletivos, que abarcam tanto o interesse público como o transindividual (difuso, coletivo em sentido estrito e individual homogêneo). DENOMINAÇÃO A doutrina clássica é dualista, pois separa direito e interesse, como também compreende o direito em duas categorias, ou seja, direito público e direito privado, numa compreensão dicotômica do direito, que já não mais atende a realidade social em que estamos inseridos pela presença inegável de outra categoria de interesses ditos sociais ou transindividuais. Adverte-se que aqui não é lugar para entrar na discussão da atualidade dessa dicotomia, muito de Filosofia do Direito ou de Teoria Geral do Direito, mas se vê necessário considerá-la para se situar diante da 5 5 diversidade doutrinária no modo de tratamento tanto do direito material coletivo como do Direito Processual Coletivo. Na verdade, importa ao Direito Processual Coletivo não propriamente considerar essa dicotomia, mas sobretudo criar condições de acesso dos novos direitos (ou interesse) à justiça. Portanto, o que conta em sede de Direito Processual Coletivo não é nem tanto saber dessa dicotomia e sim assegurar a efetivação dos direitos (ou interesses), como está posto na Constituição Federal, de maneira que mais relevante é buscar um critério que considere conjuntamente a titularidade, a proteção e a efetivação dos direitos coletivos (ou interesses coletivos), para sua efetiva tutela jurídica. Portanto, aqui em Direito Processual Coletivo o que conta é o acesso à justiça, a fazer com que o máximo de direitos ou interesses tenham amparo em instrumentos efetivos de proteção e efetivação no plano da realidade (acesso substancial à justiça). Assim, uma e outra dicotomia se acham superadas na atualidade, pelo menos para assegurar o pleno acesso à justiça de toda emergência de direitos ou interesses que surjam no seio social. Mas vale dizer porque superadas. Primeiro, a dicotomia interesse e direito. Interesse é vocábulo a designar algum vínculo entre uma pessoa e um bem da vida, não importando qual; será interesse jurídico na medida em que uma ordem jurídica o assimile, pela sua relevância e importância que se lhe dá. Portanto, um interesse somente tem sentido se incorporado pela norma jurídica, porque relevante, a permitir que o pretendente a sua titularidade o possa exigir, passando então a ser tratado como direito. O direito, assim, nada mais seria que o interesse amparado pela norma jurídica, a possibilitar que uma determinada pessoa possa 6 6 exercitá-lo; o interesse sem essa assimilação pela norma jurídica seria um irrelevante jurídico, a não possibilitar seu acesso à justiça.Aqui está o problema. A norma jurídica não consegue exprimir toda gama de interesses relevantes, a merecerem amparo jurídico, como também nem todo interesse está conectado a pessoa determinada ou determinável; há relevantes interesses não expressos em norma jurídica, como também há interesses relevantes não conectados a pessoa certa ou determinável. É o que se passa com todos os interesses essencialmente coletivos, que ou não estão expressos em norma jurídica ao modo como estão os direitos individuais ou não estão vinculados a pessoa certa e determina, mas sim a pessoas indeterminadas e muitas vezes indetermináveis. Com isso, rompe-se com essa dicotomia, para tratar um e outro indistintamente, pelo menos em sede de Direito Processual Coletivo. Todavia, ainda é possível destacar três doutrinas, ou correntes doutrinárias, em torno dessa questão. (a) doutrina clássica, que segue com a dicotomia, a admitir falar de direito apenas quando se possa atribui-lo a sujeito determinado ou determinável, por isso que não reconhece; do contrário, apenas cabe falar em interesse (quando não se consegue atribuir um interesse a pessoa certa ou determinável), sem uma proteção direta na norma jurídica (a consequência seria dizer, por exemplo, que o interesse ambiental não teria proteção direta, mas indireta). Por essa doutrina, portanto, somente se poderia falar em interesse difuso, interesse coletivo em sentido estrito e interesses individuais homogêneos (interesses transindividuais), não em 7 7 direitos difusos, direitos coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos. (b) doutrina mais atual, chamada de revisionista, compreende a existência de direitos transindividuais, como os direitos difusos, direitos coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos. Essa doutrina atribui esses direitos a um “ser coletivo”, independentemente de identificação das pessoas que o compõem, reconhecendo assim os chamados direitos subjetivos coletivos, aqueles direitos atribuíveis a coletividades de pessoas, determináveis ou não. (c ) há, ainda, outra corrente, intitulada intermediária, a partir da concepção adotada pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 81, parágrafo único, incisos I, II e III, da Lei n. 8.078/90), preocupada com a tutela prática dos direitos coletivos; por essa doutrina é irrelevante estabelecer diferença entre interesse e direito, pois se o interesse for juridicamente protegido será direito, ainda que não possa ser atribuído a certa e determinada pessoa. Por essa doutrina, interesse e direito se equivalem, portanto. Agora, sobre a segunda dicotomia, aquela entre direitos ou interesses público e privado. Não faz muito tempo em que se conhecia apenas a suma divisão dos interesses em público e privado. Essa divisão se estabeleceu especialmente a partir da Revolução Industrial, para separar aquilo que interessava a toda a população, à sociedade, por meio do Estado, daquilo que tinha pertinência apenas a particulares, ao privado. 8 8 Interesse público, assim, é concebido como o interesse do bem geral, relevantíssimo à sociedade como um todo, e o privado, o interesse pertinente ao indivíduo considerado isoladamente. Esta dicotomia, entretanto, está superada. Efetivamente, as transformações da sociedade contemporânea repercutiu sobremaneira no modo de vida das pessoas, a ponto de trazer situações não enquadráveis naquele modelo fincado em duas vertentes apenas. A complexidade da vida atual (decorrente sobretudo das transformações das relações de produção e de consumo, ambos de massa, aliada aos novos meios de investida contra o meio ambiente e consumidores), marcada assim pela heterogeneidade e multiplicidade, revela que entre esses dois extremos há categorias de interesses que igualmente merecem proteção jurídica, embora não sejam titularizados nem pelo Estado e nem pelo indivíduo. São os interesses transindividuais (difusos, coletivos e, em certa escala, os individuais homogêneos). Na verdade existe uma categoria intermediária de interesses, configurada por interesses transindividuais, que nem coincidem com os interesses individuais e também nem se identifica com os interesses públicos. A sociedade de massa, portanto, fez ressurgir as formações sociais ou corpos intermediários, tão repugnados pela Revolução Francesa, e com isso rompeu a tradicional distinção entre aqueles dois tipos de interesses (públicos e privados), trazendo ao cenário jurídico outra categoria de interesses: os transindividuais. Há, entretanto, três correntes em torno dessa questão, que não se pode deixar de considera-las. 9 9 (a) Uma primeira corrente, denominada na doutrina de dicotomia pura ou clássica (ou estática), sustenta existir apenas os direitos ou interesses público e privado, não reconhecendo outros direitos além de um e outro. Portanto, é corrente que nega a existência de interesses ou direitos transindividuais. (b) Outra corrente doutrinária, conhecida como corrente mitigada ou flexibilizada (ou temperada ou mista), reconhece a existência dos direitos transindividuais mas os colocam dentro dos interesses ou direitos públicos. Assim, para essa corrente doutrinária, aqueles interesses, sobretudo o difuso, seria espécie do gênero interesse público. (c) Finalmente, outra corrente, chamada de tricotômica (ou tripartite), compreende três categorias distintas de interesses ou direitos, quais sejam, o público, o transindividual e o privado. Isso em razão de ser inegável a existência de coletividades, que aqui se tem chamado de “ser coletivo” (doutrina designa corpo intermediário ou grupo intermediário), que se colocam entre o indivíduo e o Estado (este portador do interesse público, para sua plena realização). Mas, cabe ressaltar, que se adota outra doutrina (ou critério) na consideração dos direitos ou interesses, qual seja, a que os considera a partir da Constituição Federal. É critério unificador e sobretudo identificador, expressa ou implicitamente, dos interesses ou direitos amparados pela ordem jurídica brasileira. Daí por que se opta por designar os interesses ou direitos em individuais e coletivos, em atenção ao disposto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, seguindo aliás boa doutrina. 10 10 Portanto, e superada a doutrina que separa interesse e direito, como se pôs acima, o critério constitucional coloca os direitos ou interesses em individuais e coletivos, com uma subclassificação dos coletivos em público e transindividuais, estes compreendendo os difusos, coletivos em sentido estrito e individual homogêneo. É um critério, ou um modelo ou ponto de vista, que também considera outra classificação, que também se encontra na doutrina, como trinária ou tricotômica dos interesses, de modo que estes se apresentariam como individual, público e transindividual (difusos, coletivos em sentido estrito e individual homogêneo). Aliás, é bom que se diga, a Constituição Federal se utiliza tanto da expressão direitos coletivos (art. 5º, caput) como da expressão interesses difusos e coletivos (art. 129, III), de maneira que em verdade soa até irrelevante destacar uma ou outra corrente em torna dessa questão. No entanto, há que se seguir, repita-se, o critério que está colocado na Constituição Federal, no artigo 5º, caput. Assim, temos a seguinte classificação dos interesses: a) individual; b) coletivo, este subdivido em (1) público e (a) transindividual (difuso, coletivo em sentido estrito e individual homogêneo). 11 11 INTERESSE PÚBLICO É o interesse pertinente à coletividade, à sociedade, representada peloEstado (lato senso), ou seja, interesse que se faz valer em relação ao Estado, como o interesse à segurança pública, à educação fundamental, à saúde pública, pertinente a todos em sociedade, mas que cada um tem diante do Estado. Interesse público, portanto, é aquele concebido como o interesse do bem geral, relevantíssimo à sociedade como um todo, ou seja, interesses que se assentam em fato ou direito de proveito coletivo ou geral. Noutras palavras, aqueles que se entendam de benefício comum ou para proveito geral ou que traduzam uma necessidade coletiva, por isso que pertinente à sociedade como um todo, representada pelo Estado. Caracteriza esse interesse, os seguintes elementos: (a) titularidade coletiva (sociedade), representada pelo Estado; (b) indivisibilidade, pois de fruição comum, coletiva; (c) originários da Constituição Federal, como valores constitucionais do povo brasileiro; (d) unanimidade social ou consenso coletivo (ou conflituosidade coletiva mínima; manifestação social homogênea a exigir seus reconhecimento ou tutela); (e) indisponibilidade do interesse. 12 12 INTERESSE TRANSINDIVIDUAIS O termo "transindividual" melhor designa essa nova categoria de direitos ou interesses. O prefixo "trans" permite a passagem do individual para o plural sem que aquele deixe de existir, pois os interesses transindividuais não aniquilam os individuais, mas apenas os colocam noutra perspectiva, a coletiva (lato sensu), de modo que não estão em posição hierárquica superior, acima ou além do indivíduo. Perpassam-no. O Código de Defesa do Consumidor, acertadamente, pôs fim à à imprecisão terminológica, tratando esses interesses como interesses transindividuais (cf. art. 81, parágrafo único, incisos I e II), estabelecendo que são interesses ou direitos difusos os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (inciso I) e coletivos os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (inciso II). Há, ainda, os interesses individuais homogêneos, que não são propriamente transindividuais mas eles são equiparados para fins de tutela jurídica (judicial ou extrajudicial), como conceituados pelo mesmo Código de Defesa do Consumidor, no artigo 81, parágrafo primeiro, inciso III (interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum). Há, como evidenciado, uma categoria de interesses que suplanta individualidades. São interesses (ou direitos) cuja característica central é ostentarem titularidade disseminada em diversas pessoas, as vezes 13 13 determinadas ou determináveis (coletivos em sentido estrito e individual homogêneo) e as vezes indeterminadas (difusos). ESPÉCIES DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS São espécies de interesses ou direitos transindividuais: (a) os interesses difusos; (b) os interesses coletivos em sentido estrito; (c) os interesses individuais homogêneos. 14 14 INTERESSES COLETIVOS EM SENTIDO ESTRITO São interesses que surge a partir do homem socialmente engajado, não considerado como indivíduo isolado, mas sim, como membro de comunidades menores ou grupos que se perfilham entre o indivíduo e o Estado. Expressam uma categoria cuja individualidade se perde para a transindividualidade. No instante em que o homem se articula socialmente na busca de interesses que não é apenas seu mas de uma coletividade inteira, definida ou definível, põe-se noutra dimensão, porque esses interesses sintetizados não mais coincide com o seu interesse individualmente considerado. É uma metamorfose impar, em que o indivíduo faz o todo mas o todo não corresponde ao indivíduo, como que nascendo da reunião de individualidades uma certa alma coletiva distinta. É, assim, uma síntese de interesses, não mera soma ou aglomeração. Se há um interesse individual ao emprego, vinculado a certa pessoa, esse mesmo interesse articulado com o dos demais indivíduos de uma certa classe ou categoria, faz surgir uma nova ordem de interesses, qual o interesse coletivo ao pleno emprego, de modo que o emprego passa a ser visto e defendido coletivamente, de modo mais amplo e eficaz. São interesses que embora extrapolem individualidades, ostentam titularidade definida, à medida que encerrada em grupo determinado ou determinável (associação, sindicato, família, ou outros grupos intermediários). Interesses, portanto, vinculados ao homem socialmente considerado, aspecto aliás que implica certa organização deles, interesses. 15 15 Deveras, e aproveitando os interesses coletivos dizem respeito ao homem socialmente vinculado e não ao homem isoladamente considerado. Colhem, pois, o homem não como simples pessoa física tomada à parte, mas sim como membro de grupos autônomos e juridicamente definidos, tais como o associado de um sindicato, o membro de uma família, o profissional vinculado a uma corporação, os acionistas de uma grande sociedade anônima, o condomínio de um edifício de apartamentos. Contudo, o Código de Defesa do Consumidor, no que andou bem - evitando dúvidas e discussões doutrinárias prejudiciais à sua tutela, não só definiu o que seja interesses coletivos em sentido estrito como também forneceu suas notas caracterizadoras. Com efeito, o legislador consumerista estabeleceu que são coletivos os interesses (ou direitos) transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (art. 81, inciso II). Caracterizam esse direito ou interesse igualmente quatro elementos: (a) titularidade em grupo (categoria ou classe) de pessoas determinadas ou determináveis, minimamente organizado; (b) sua indivisibilidade (fruição comum por todos os integrantes do grupo; a satisfação de um integrante do grupo satisfaz a todos, como a lesão de um atinge a todos); (c) originários de uma relação jurídica base, ou entre os membros do grupo ou com uma parte contrária; (d) síntese de interesse de um grupo, categoria ou classe. 16 16 INTERESSES DIFUSOS Difusos, por sua vez, são os interesses transindividuais indivisíveis, de pessoas indeterminadas, ligadas por uma situação de fato. São como um feixe de interesses individuais, com pontos em comum. São interesses ou direitos titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares. Como enunciado no CDC (art. 81, inciso I), são interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Por conseguinte, esses interesses gravitam em torno de fatos genéricos, acidentais e mutáveis, o que lhes outorgam certa fluidez e abstração não encontráveis nos interesses coletivos em sentido estrito, indeterminando sua titularidade sem qualquer possibilidade de determinação das pessoas que integram essa coletividade. Realmente, é o estar numa mesma metrópole, integrar uma mesma população ribeirinha, ser alvo de uma mesma publicidade enganosa ou abusiva, o consumo de um mesmo produto, etc, que dá ensejo a que pessoas sejam ao mesmo tempo beneficiadas ou lesadas por um acontecimento qualquer, sem que haja mínimo vínculo jurídico entre elas. É decorrência do surgimento das massas, fruto da existência dos conglomerados urbanos, explosãodemográfica, produção e consumo em massa, revolução industrial etc. É possível, assim, destacar as seguintes características desses interesses ou direitos. 17 17 (1) uma, pertine à sua titularidade. Porque ostentam base transindividual, sua titularidade, tal qual nos interesses coletivos, acha-se disseminada entre pessoas. No entanto, diversamente destes, estas não são determinadas e muito menos determináveis. Pertencem, pois, a uma série indeterminada de pessoas1. (2) refere à indivisibilidade do objeto. Objeto desses interesses será sempre um bem coletivo, insuscetível de divisão, por isso que a satisfação de um interessado implica necessariamente a satisfação de todos, ao mesmo tempo em que a lesão de um implica a lesão de toda a coletividade. (3) intensa litigiosidade interna. Acentuou-se, linhas atrás, que esses interesses não se apoiam numa relação-base bem definida, repousando em fatos genéricos, acidentais e mutáveis, aspecto que tonar fluido o vínculo entre as pessoas, indeterminando os sujeitos interessados. Isso dá uma característica peculiar aos interesses difusos, qual sua intensa litigiosidade interna, produto do entrechoque de idéias (interesses) reinantes no seio das massas. Aqui, os interesses surgem contrapostos, não definidos como nos conflitos individuais, em que as posições contrapostas parecem todas sustentáveis. Efetivamente, o interesse num empreendimento de lazer numa dada região pode se contrapor ao interesse ao um meio ambiente ecologicamente equilibrado; o interesse na instalação de uma hidrelétrica não coincide com o interesse na proteção dos mananciais; o interesse em 1 Nelson Nery Júnior, Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz e Édis Milaré salientam que a nota característica do interesse difuso está na sua titularidade ativa: não tem ele por titular uma pessoa, nem mesmo um grupo bem determinado de pessoas (Ação Civil Pública e a Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos, Ed. Saraiva, 1984, p. 56). 18 18 produzir e vender em larga escala pode se contrapor ao interesse em preservar o consumidor de investidas escusas do fornecedor; etc. Massa produz massa, gerando conflitos de grandes dimensões, cuja solução não se enquadra no clássico modelo dualista (Tício x Mévio), mas reclama parâmetros outros de solução, ante a profunda contradição dos interesses em jogo. (4) sua transição ou mutação no tempo e no espaço. Esses interesses, como se disse alhures, estão fincados em situações de fato, não num vínculo jurídico básico, contingenciais e mutáveis no tempo e no espaço. Por isso, são igualmente contingenciais e mutáveis, tal qual a situação fática da qual se originaram. Aparecem e desaparecem, criam e recriam, surgem e ressurgem, vão e voltam, transformam-se conforme as circunstâncias que a dimensão de fato oferece. Daí sua tendência à transição e mutação no tempo e no espaço. Por essa razão, devem ser exercitados no tempo e momento oportunos, às vezes de modo emergencial, a fim de que sua tutela não se esmaeça ou torne-se inútil. Seu exercício e tutela devem ser, assim, compatíveis com sua natureza mutante e muitas vezes operada em breve espaço temporal e espacial. Daí o dever de primar-se pela prevenção no campo desses interesses, pois sua transitoriedade ou mutabilidade torna a reparação insuficiente e muitas vezes inútil. Por isso é que se diz, com acerto, que não há nesse campo reparação substancial da lesão ocorrida. (5) sua indisponibilidade no campo relacional-jurídico, consequente de sua afetação indeterminada positiva ou negativamente. Realmente, a impossibilidade de determinar os sujeitos interessados nessa gama de interesses torna-os indisponíveis, de modo que 19 19 aquele que titularizar seu exercício dele não poderá dispor (transacionando, por exemplo), justamente por não lhes pertence. 20 20 INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS O Código de Defesa do Consumidor colocou ao lado dos interesses transindividuais uma outra categoria de interesses: os individuais homogêneos, definindo-os como aqueles decorrentes de origem comum (art. 81, inciso III). Na verdade, não são propriamente interesses transind. São interesses individuais com causa comum que afeta um número específico de pessoas, embora de forma e com consequências diversas para cada uma delas. Por isso é que são artificialmente transindividuais. Caracterizam-nos a ausência de uma relação jurídica-base entre os indivíduos, porquanto o vínculo entre eles decorre do próprio fato comum que ensejou a lesão ou traz perigo de lesão ao direito. Assentam-se, pois, numa base fática comum. Distinguem-se dos interesses individuais à medida que decorrem de uma origem comum que atinge diversas pessoas ao mesmo tempo, ou seja, são diversas afetações individuais, particulares, originárias de uma mesma causa, o que coloca os prejudicados envolvidos em uma mesma situação, embora cada um deles possa expor pretensões com conteúdo e extensão distintos. A base comum reclamada na sua identificação é que une os interesses, permitindo que se aglutinem para melhor serem tutelados. E é justamente essa base comum que impregna esses interesses de uma certa aura coletiva, a possibilitar sua defesa coletiva, diante da existências de pretensões comuns. 21 21 Mas essa base comum por si só não é capaz de sintetizar as individualidades. Verdadeiramente, será a opção de busca coletiva de sua defesa que unirão os indivíduos, homogeneizando os interesses. Portanto, é a opção de tutela coletiva que coletiviza esses interesses ou direito. Mas essa opção decorre de os vários indivíduos que compõe o grupo terem interesses ou direitos semelhantes, não iguais, a permitir sua defesa coletiva, tratada pela doutrina como homogeneidade de pretensões. Pode-se, com isso, destacar suas características, por quatro elementos que os marcam. (a) titularizado em grupo de pessoas certas e determinadas (determinabilidade dos sujeitos, pluralidade de vítimas); (b) originários de um fato comum a todos; (c) divisibilidade do interesse ou direito entre os sujeitos determinados ou determináveis; (d) homogeneidade de interesses ou direitos (pretensões ou núcleo comum de questões de direito ou de fato a unir os sujeitos), a permitir a tutela coletiva.
Compartilhar