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PARA COMPREENDER O MODERNISMO- UM MOVIMENTO ARTÍSTICO INCAPTURÁVEL

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PARA COMPREENDER O MODERNISMO: UM MOVIMENTO 
ARTÍSTICO INCAPTURÁVEL 
 
Por Juliana Szabluk 
Sob orientação de Francisco Rudiger, Pontifícia Universidade Católica do 
Rio Grande do Sul (PUCRS) 
 
 
“... A idéia de uma ruptura radical com história e o começo de uma nova era; a concepção 
racionalista da história como trunfo absoluto da razão no tempo e espaço e, com ela, das 
idéias de justiça social e paz; e, por último, a fé em um progresso indefinido fundado no 
desenvolvimento cumulativo e linear da indústria, da tecnologia e dos conhecimentos 
científicos.”1 
 
"... É o transitório, o fugidio, o contingente, a metade da arte, da qual a outra metade é o 
eterno e o imutável (...). Ao suprimi-lo, caem obrigatoriamente no vazio de uma beleza 
abstrata e impossível de definir, como a da única mulher antes do primeiro pecado."2 
 
 
Retiradas de seu contexto, as duas passagens acima parecem definir dois objetos 
diferentes, senão opostos. Ora o filósofo espanhol Eduardo Subirats aponta um amor pelo 
progresso científico, ora o poeta francês Charles Baudelaire, em uma de suas mais citadas 
passagens, frisa a importância de uma essência humana, que transcenderia a história. Tal 
disparidade não decorre apenas do fato de um autor ser o crítico, enquanto o outro é o artista 
em si, mas da própria natureza dialética do objeto em questão: o Modernismo. 
 
A alma modernista 
 
O Modernismo não foi um movimento artístico, mas sim uma união de diversas 
manifestações que eclodiram a partir de um determinado contexto histórico marcado por uma 
profunda mudança social. A arte existente já não mais retratava a realidade do homem e a 
vontade humana de quebrar este passado obsoleto e de pintar, escrever e construir a nova 
vida que se impunha urgia. Suíça, Estados Unidos, França, Inglaterra, Brasil, Espanha, Rússia, 
dentre inúmeros outros países de todo o mundo, mesmo que em momentos distintos, viram 
uma explosão de consciência crítica e um conflito entre gerações destruírem os antigos valores 
– e muitas vezes reconstruírem novos posicionamentos. 
 
 
1 SUBIRATS, Eduardo. Da vanguarda ao pós-moderno, São Paulo, Nobel, 1991. P. 12. 
2 BAUDELAIRE, Charles. Obras Estéticas: filosofia da imaginação criadora. Petrópolis: Vozes, 1993, p 
218. 
Ora, se tais explosões de consciência ocorreram em tempos e locais distantes, tentar 
comprimir a totalidade desta época em apenas um signo, conceito ou ideologia produziria um 
resultado no mínimo parcial. Em outras palavras, como apontam Bradbury e McFarlane, a 
exposição sistemática e científica do espírito modernista 
 
“nunca poderia satisfatoriamente ser um levantamento completo, uma exposição 
razoavelmente acabada. Supor que algum estudo seja capaz de apresentar para um 
exame sereno – como algum monumento inteiramente desenterrado, bem pavimentado e 
todo ajardinado, com letreiros, rótulos e resumos muito precisos – o tipo de sítio 
arqueológico que representa o modernismo é não entender a própria natureza do 
fenômeno”.3 
 
 
Deveras, como expressão de um momento histórico, a arte pode ser contextualizada; 
como manifesto poético dos indivíduos, é possível dissecá-la; mas, como a expressão dos 
sentimentos humanos, a explanação científica da arte acaba por reduzir a máxima união das 
esferas que compõem o homem e seu meio a pedaços separados e especializados. 
 
À parte dos movimentos artísticos antecessores e predecessores, o Modernismo 
apresenta ainda mais complexidade por sua desigualdade nas propostas simultâneas e sua 
abrangência espaço-temporal. Esta disparidade de ideologias era encontrada dentro dos 
próprios grupos, como no Futurismo, no Expressionismo e no Surrealismo, formados por fases 
e utopias tão diferentes entre si. 
 
A efemeridade dos ideais destes vanguardistas é um dos pontos que mais dificulta 
qualquer perpetuação teórica do Modernismo, não sendo difícil encontrarmos autores que, 
para estruturar um exame mais preciso, reduzem o conjunto dos movimentos a uma simples 
obra ou a um manifesto, como no já mencionado Futurismo e seus mais de 30 textos. Não 
obstante, interessados em uma mais ampla e fiel pesquisa acerca do tema, encontram 
dificuldade pelo pequeno número de publicações sobre correntes menores, como no caso do 
vorticismo. Finalmente, a análise separada da vanguarda pode ser a principal causa do fracasso 
em alcançarmos uma compreensão justa e fiel às ações do movimento: ao desmembrá-la, 
perde-se as influências que alguns grupos tiveram em outros, fundamentais para que se 
compreenda não apenas o porquê da criação de um novo grupo, mas como toda a unidade 
histórica modernista, que seria imprescindível para qualquer análise profunda. 
 
 
3 BRADBURY, Malcom e McFARLANE, James. Modernismo – guia geral 1890-1930, São Paulo, 1989. P. 7. 
“Um Movimento nas Artes – qualquer Movimento – agita toda uma Nação com uma 
rapidez assombrosa; suas idéias passam pela imprensa diária, semanal e mensal com a 
rapidez da água que passa pelas frestas, até que finalmente alcançam as Revistas 
Trimestrais e chegam a perturbar os Acadêmicos adormecidos em seus cestos de papéis.”4 
 
 
Em suma, seria muito possível elaborar um conceito ou nomear uma obra como 
inaugural de um dos movimentos da arte moderna, mas a totalidade da concepção de 
Modernismo não comportaria tal redução. Poderíamos, portanto, datar o momento o 
momento no qual a primeira arma foi levantada pelos seguidores das vanguardas - inclusive 
por seus poetas criadores, como Baudelaire nas trincheiras -, quando o primeiro manifesto foi 
escrito; mas seria equivocado restringir a uma data ou a um fato o instante no qual o 
sentimento de aprisionamento tomou conta do espírito dos homens como um todo em todos 
os locais onde a alma modernista irrompeu. 
 
Na dialética da arte moderna, indivíduo e homem entraram em conflito consigo mesmos 
e com o meio da ciência e tecnologia que surgiu. Como examinar cientificamente o exato 
instante em que a pressão das cidades e da razão sufocou a alma dos artistas e intelectuais a 
ponto de retirar os indivíduos de suas ilhas sociais e se agarrarem uns aos outros para subirem 
à tona e respirar, unidos, o mesmo ar? 
 
Jules Romains, pseudônimo do escritor, professor e crítico Louis Farigoule, utilizou o 
termo “unânime” em seu artigo-manifesto5 sobre a alma coletiva moderna, Os sentimentos 
unânimes e a poesia. À primeira vista, tal termo pode parecer um abuso se o pensarmos sob 
um positivismo lógico, como que se o poeta estivesse propondo que literalmente milhões de 
indivíduos compartilhassem impressões e expressões idênticas quanto ao período histórico em 
questão, a Modernidade. 
 
Contudo, nosso objeto de estudo não é aquele das ciências humanas, a Modernidade, 
mas sim o da arte, o chamado Modernismo. São expressões artísticas, sentimentos de homens 
que se auto-definem como aqueles que “amam o real em profundidade”; que, a partir desta 
tão referida alma modernista, “sentem que os indivíduos não são caminhos independentes, e 
 
4 FORD, Madox Ford. Return to yesterday (1923). Epíteto utilizado por BRADBURY, Malcom e 
McFARLANE, James. Modernismo – guia geral 1890-1930, São Paulo, 1989. P. 154. 
5 Artigo-manifesto. Expressão utilizada por Gilberto Mendonça Teles para definir o texto Os sentimentos 
unânimes e a poesia, de Jules Romains, publicado originalmente em Le Penseur, nº 04, 05 de abril de 
1905, p. 121-124. 
que, semelhantes a ilhas, eles se isolam na superfície para continuar unidos sob as águas...”6. 
Esta instância, que tantos críticos equivocadamente interpretaram como misticismo ou como o 
produto de filosofias ocultas, era para muitos vanguardistas, se não para todos, sua “musa” 
inspiradora, já que era a causa da angústia que explodia em forma de arte, a motivadora de 
suas utopias e a base final para o mundo que eles sonhavam em construir. 
 
Romains, no artigo-manifesto que aqui dispomos, expõe com clareza o que Baudelairedefiniu como a outra metade da arte, “o eterno e o imutável [...] uma beleza abstrata e 
impossível de definir”: 
Manifesto Unanimista:7 
 
“Na época contemporânea a vida do homem civilizado tomou caracteres 
novos. Mudanças essenciais deram uma outra significação à nossa existência. É 
sem dúvida banal apontar um movimento de transformação que não tem feito 
senão manifestar, em todos os períodos da história, a força ativa e produtiva da 
espécie. Mas importa notar, em cada período, o sentido deste movimento. A 
tendência atual de os povos se acumularem nas cidades; o desenvolvimento 
ininterrupto das relações sociais; as ligações mais fortes e mais estreitas 
estabelecidas entre os homens pelos deveres, ocupações, prazeres comuns; uma 
preponderância sempre maior do público sobre o privado, do coletivo sobre o 
individual: eis os fatos que alguns deploram, mas que ninguém contesta. 
 
É impossível que uma tal maneira de viver não tenha determina do uma 
maneira correspondente de sentir. Desde que o homem deixa de ser isolado, ele 
experimenta as impressões nascidas de suas ligações com outrem. A paixão 
amorosa é um exemplo, o mais antigo e o mais comum, mas não o único. Já não 
se é o habitante de um lugarejo, de um pequeno burgo, de uma cidade; o 
membro de uma família, de um grupo. O cidadão de uma nação, sem suportar o 
contragolpe disso no espírito e no coração. Esta ação imaterial de todos os 
homens sobre cada um permanece mais freqüentemente confusa e inconsciente 
 
6 TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e Modernismo brasileiro. Petrópolis, Vozes, 1976. P. 
67, 68. 
7 ROMAINS, Jules. Manifesto Unanimista (grifos no original). Texto retirado de TELES, Gilberto 
Mendonça. Vanguarda européia e Modernismo brasileiro, Petrópolis, Vozes, 1976. P. 67. 
naquele que é o sujeito dessa ação. Mas ela aspira a tornar-se clara e distinta, à 
medida que se processa a evolução contemporânea que eu assinalava há pouco. 
Não se trata, bem entendido, desta vaga piedade social nem do humanitarismo 
convencional que os Senhores Prudhomme e Homais desacreditaram um pouco. 
Eu gostaria que não houvesse nisso matéria de confusão para ninguém. Emoções 
mais profundas agitam, sem a nossa consciência, os mais humildes dentre nós. 
Com nuanças diferentes, percebemos a influência contínua, progressiva, tirânica 
que exerce a sociedade sobre nós; adivinhamos a parte do nosso ser que ela 
conquistou, as deformações que ela impôs a nosso ‘eu’; palpitamos por ser 
absorvidos pelo meio humano que nos cerca; e saboreamos a voluptuosidade 
estranha que nos causa esta espécie de aniquilamento. Livres, apesar de nós, 
corpo e alma, na cidade, passamos do arrebatamento à revolta. O abandono de si 
mesmo, que faz o encanto do amor, faz também o encanto da vida social. 
 
Esses sentimentos que traduzem na linguagem do coração as novas 
relações e a íntima união dos homens são por natureza unânimes. Mais 
verdadeiramente unânimes ainda, aqueles que os grupos manifestam 
espontaneamente, e, por assim dizer, fora dos indivíduos. Uma sala de teatro 
cheia de espectadores, uma rua abarrotada de gente não são somente um 
conjunto material de partes que o espaço aproxima, e que permanecem aliás 
independentes. Os seres que constituem as aglomerações mais ou menos 
duráveis não se avizinham fortuitamente. Cada um deles, sem dúvida, tem razões 
especiais de se encontrar lá. Mas o teatro, a rua, neles mesmos, são, cada um, um 
todo real, vivo, dotado de uma existência global e de sentimentos unânimes. 
Alguns filósofos, alguns sociólogos, já suspeitaram desses fenômenos; esboçou-se 
uma psicologia das multidões. Nenhum resultado satisfatório foi obtido. A 
observação manteve-se sumária, superficial, e não conduziu senão a algumas 
comparações emaranhadas. Os procedimentos da análise científica fracassam 
aqui. Os sentimentos iguais, demasiado indeterminados, demasiado 
inconscientes, demasiadamente longe da precisão da língua intelectual, se negam 
ainda à reflexão fria que pesa e que registra. 
 
Mas não é esse precisamente o papel da Poesia, o de dar uma expressão, 
uma forma às emoções que os homens se contentam em experimentar sem as 
formular? 
 
 
*** 
 
 
Da alma vanguardista à vida na totalidade 
 
A definição deste espírito, alma, aura ou das tantas outras terminologias que são 
colocadas para conceituar a arte modernista ou tentar definir o que seria esta vida em sua 
totalidade, que tais artistas tanto buscavam, é, ressalto, sempre difusa. De acordo com 
Emiliano Aquino, esta noção, “antes de ser da ordem conceitual (embora também o seja), 
compõe a própria experiência social moderna” 8. A professora Johanna Drucker coloca como o 
Modernismo, para Baudelaire, é exatamente a passagem da apresentação da vida para a sua 
representação. O conceito de imagem, que fica implícito no termo representação, será tratado 
mais adiante, mas já, a partir desta assunção, podemos perceber que o homem moderno está 
em constante conflito entre “o particular e o geral, entre o passado e o presente, entre o 
efêmero e o eterno”9. 
 
De fato, como Drucker argumenta, a percepção artística e a crítica das separações entre 
estas esferas surge na poesia modernista de Baudelaire. A autora aponta como a figura do 
artista neste momento é imprescindível, já que ele, no duplo papel de agente e observador do 
ambiente social que se formava, seria exatamente o homem capaz de percebê-lo a partir de 
um “modelo [que] funcionava por meio da perda da distinção entre o olho do artista e a cena. 
 
8 AQUINO, Emiliano. Reificação e linguagem em André Breton e Guy Debord. Doutorado em Filosofia 
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Programa de Estudos Pós-graduados em Filosofia, 
São Paulo, 2005. P. 18 (“... compõe a própria experiência social moderna”: ênfase minha. Dentre os 
inúmeros autores consultados nesta pesquisa, a importância de se viver o escrito, de se experimentar a 
obra é uma constante na alma modernista. Para estes autores, segundo as passagens pesquisadas, a 
relevância da experiência torna-se tamanha, que seria impossível definir tal sentimento apenas 
teoricamente.) 
9 DRUCKER, Johanna. Theorizing Modernism – visual art and the critical tradition (grifos da autora). 
Nova York, Columbia University Press, 1994. P. 11-12. 
O artista seria aquele que ‘se jogaria inteiramente na multidão’ e se ‘banharia’ na experiência 
do espetáculo que passava”10. 
 
Esta consciência da necessidade da emancipação do artista e do homem nasce 
efetivamente em Baudelaire. A poesia sobre o “pensamento do artista”, o “espírito”, sobre o 
“todo de uma completa vitalidade”, em suas próprias expressões, se situa agora entre estes 
dois mundos, com sua alma dual, deslocada e conflitante entre o Spleen e o Idéal, nos termos 
de Baudelaire, ou entre o reificado e o real profundo, na terminologia de Debord. Desta 
polaridade entre a homogeneização dos indivíduos retratados pela figura do flâneur e a 
imaginação poética que tentava reavivar uma natureza humana e uma vida anterior e 
 
O homem voltado para a arte, portanto, é aquele que possui a consciência do conflito 
proposto constantemente pela Modernidade: o efêmero e o eterno, o social e o humano. Para 
Robert Storr, este conflito é, em si, aquilo que coloca a vanguarda na dialética da construção-
destruição. Em constante reconstrução, a alma modernista se formava não apenas do 
aniquilamento dos velhos paradigmas, mas como também do novo sujeito que nascia deste 
fenômeno de união entre homem como ser para si mesmo e indivíduo como ser para a 
sociedade. 
 
 “O erro conceitual inerente a todas as respostas surge ao tratar ‘modernismo’ como um 
substantivo comum referente a uma coisa específica, estilo, época, ou qualidade, quando, 
na realidade, ele é o conceito omnibus para toda uma amplitude de tendências estéticas, 
cada qual uma tentativa de definir de uma vez por todas o que fariaa arte ser 
‘modernista’. 
 
Na prática, portanto, o modernismo abrange aspirações compartilhadas e uma série de 
hipóteses díspares. Aparentemente unidas em um objetivo comum, a real diversidade dos 
projetos propostos por modernistas assumidos destrói qualquer sentido teórico de coesão 
entre eles. Geralmente fundamentalistas em suas abordagens, freqüentemente exclusivas 
em suas associações estéticas e às vezes agressivas na propagação de seus ideais e 
métodos, as várias facções da vanguarda, consideradas em um determinado momento, 
como regra, disputavam as exigências umas das outras. Sob uma perspectiva histórica ou 
conceitual, o modernismo é mais bem compreendido como a união destas disputas e 
propostas conflitantes.”11 
 
 
10 Idem. 
11 STORR, Robert. Modern art despite Modernism (grifos no original). Nova York, The Museum of 
Modern Art, 2000. P. 25-26. O autor optou por utilizar os termos Modernidade e Modernismo com letra 
minúscula, mantidos por mim, neste caso específico, na tradução. 
Acreditamos ser uma posição cômoda abraçar a verdade de que o Modernismo não é 
uma experiência teorizável ou explanável no âmbito acadêmico. Apesar de nossa consciência 
quanto a este obstáculo, é precisamente aí que mora nosso maior desafio: o de expressar a 
vivacidade e a paixão modernistas nos argumentos e na linguagem utilizados nesta pesquisa. 
Tentaremos, portanto, agir de forma dialética na alternância entre fato e dado, manifesto e 
contexto, palavra e imagem para que possamos transcender as explicações lineares já 
existentes desta crítica da vida cotidiana a qual se convencionou denominar Modernismo. Para 
tanto, consideramos todas as fugas dos padrões científicos aqui encontradas justificáveis e 
necessárias, já que expor a crítica ao sistema passivamente dentro de sua lógica seria abafar a 
totalidade de nossa idéia e da utopia da vanguarda. 
 
As vanguardas: o fim do Romantismo e o nascimento da dialética simbolista 
 
“É que toda manifestação da arte chega fatalmente a se empobrecer, a se esgotar; então, 
de cópia em cópia, de imitação em imitação, o que foi pleno de seiva e de frescura se 
desseca e se encarquilha; o que foi novo e o espontâneo se tornam o vulgar e o lugar 
comum.” 
 
Jean Moréas 
Manifesto Simbolista, 1886 
 
 
A unidade entre os grupos existe. Como já mencionamos, ela é essencialmente 
composta pelo sentimento dual entre a angústia e a vontade de mudança para irromper as 
barreiras sociais do ritmo métro-boulot-dodo12 que se estabelecia sobre os indivíduos. Grupos 
como o futurismo e o construtivismo recorreram à crença no progresso indefinido da máquina 
aliada à arte inovadora com o objetivo de emancipar o indivíduo de sua identidade histórica e 
natureza agressiva, que rebentaram na I Guerra Mundial. Sua técnica racional de ângulos e 
linhas, a extrema racionalidade e a união entre a indústria e o capitalismo oportunizariam o 
progresso da coletividade desordenada, pois “... os fatores sociais irracionais, as velhas 
identidades culturais e históricas, as nacionalidades, a moral, os vested interests* – para 
 
12 Métro-boulot-dodo: expressão informal francesa surgida na década de 20 para designar o ritmo de 
vida capitalista. Com a tradução literal “metrô, trabalho, sono”, seria equivalente ao “casa, trabalho, 
casa” na língua portuguesa. Uma boa referência a esta expressão é o filme Cronique d’um été (1961), de 
Edgar Morin, que inaugura o cinema-verdade explorando a temática da vida nas fábricas e da perda da 
vida do trabalhador padrão que vende seu tempo para comprar a felicidade sob a forma do valor de 
troca. 
empregar um conceito de Veblen a este respeito – haviam ocasionado o caos, a desesperança 
e a destruição” (Subirats, Eduardo, 1991. Nobel, p. 26). 
 
Contudo, o segundo momento da vanguarda se dedicou à destruição destas formas 
culturais mecanicamente fixadas pela primeira fase. Os movimentos visavam à destruição dos 
dogmas do sistema industrial, que os aprisionaram, para rumar à outra inovação: a ideológica 
do homem. A importância da vanguarda, “que culminou com o Dadaísmo” e teve como 
objetivo “destruir convenções de arte, linguagem e comportamento” (Debord, Guy, The 
situationists and the new forms of action against politics and art, 1963). 
 
Para compreendermos com mais clareza a vanguarda e a dialética social no cinema, foco 
deste trabalho, é interessante transcendermos a visão resumida de que a dialética entre a 
efervescência da sociedade moderna e a arte modernista surgiria com o movimento da 
fotografia, nas origens do cinema. A urgência em expressar artisticamente tal velocidade social 
nascera, antes, na transição do poema romântico para o simbolista. Oras, a própria linguagem 
do Simbolismo seria perfeitamente análoga com a linguagem cinematográfica aqui estudada, 
já que, em si, tanto o poema simbolista quanto este cinema se equivalem não apenas em sua 
ruptura negativa e sua mobilidade, mas como também são comparáveis na linguagem 
composta simultaneamente por alegoria e signo, por uma indicação e acusação da realidade 
social através da abstração poética expressa no recorte de contextos diversos unidos em um 
mesmo plano ou papel. 
 
O poema simbolista seria, a nosso ver, um fator essencial para o nascimento da dialética 
que inspiraria os futuros artistas da época com sua alma dupla, que incluía, portanto, os 
primeiros elementos da arte de valor negativo e positivo, como destacaria o crítico alemão 
Hugo Friedrich ao definir a poesia de Stéphane Mallarmé: 
 
“... ausência de uma lírica de sentimento e inspiração; imaginação guiada pelo intelecto; 
destruição da realidade e da ordem lógica e afetiva normal; manuseio das forças 
impulsivas da linguagem; substituição da inteligibilidade pela sugestão; consciência de 
pertencer a uma época tardia da cultura; dupla atitude frente à modernidade; e 
equiparação da poesia com a crítica poética, em que predominam, além disso, as 
categorias negativas.” 13 
 
13 TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e Modernismo brasileiro. Petrópolis, Vozes, 1976. P. 
60-66. Grifos meus para ressaltar a proximidade da poesia de Mallarmé com o cinema experimental da 
primeira vanguarda e o revolucionário das vanguardas posteriores. Esta sétima arte buscava abarcar a 
 
A partir de uma estrutura minuciosamente pensada, do arranjo das palavras e dos 
espaços na página, Mallarmé buscava unir musicalidade, imagem e movimento para uma total 
compreensão da realidade espaço-temporal modernista. Negação da simplicidade linear 
romântica, os poemas simbolistas constituem “um organismo complexo em que cada 
elemento tem uma função autônoma, mantendo ao mesmo tempo relação com o conjunto a 
que pertence” 14, um equivalente total com a própria estrutura social e com seus indivíduos 
componentes. 
 
Com efeito, a estrutura complexa do poema simbolista obriga o leitor a ir e voltar pelas 
páginas, a fim de alcançar o máximo da totalidade do organismo artístico. A substituição das 
pausas e pontos por espaços em branco convida o leitor a questionar as próprias lacunas entre 
a realidade e seu sentimento abstrato quanto ao seu próprio cotidiano. Ao fugir da linearidade 
completa e pré-definida da poesia romântica, a estrutura esquizofrênica simbolista desafia o 
leitor com os “vocábulos impolutos, o período que se sustenta alternando com o período de 
desmaios ondulados, os pleonasmos significativos, as misteriosas elipses, o anacoluto em 
suspenso, todo o tropo audacioso e multiforme: enfim, a boa língua”. 
 
De estática e linear a vida moderna nada mais possuía, portanto seria necessário 
anunciar estrategicamente os abismos desta nova realidade que se impunha. O Simbolismo 
nasce deste espaço em branco formado entre a vida social e o homem e se mostra como “um 
processo limitante que a forma tenta vencer; a língua em si procura definir e analisar, ao passo 
que a forma e o espaço por ela criado dissolvem e reintegram.Escrever poesia torna-se um 
meio de ativar o que está faltando”.15 
 
Como Mallarmé profetiza em sua tão conhecida sentença: “Un coup de dés jamais 
n’abolira le hasard” (um lance de dados jamais abolirá o acaso), jogar conforme a lógica do 
 
totalidade das artes para os vanguardistas, assim como O Livro, grande plano de vida do poeta 
Mallarmé. Tais artistas objetivaram a recusa do pensamento sintético presente, que buscava situar cada 
coisa no lugar que lhe corresponde dentro do esquema do paradigma dominante. Aqui, além da luta 
positiva, a idéia de “luta-contra” a crise da sociedade e da linguagem poética. Finalmente, a busca pela 
negatividade e contradição como modelo do movimento. 
14 IDEM. P. 62. 
15 MORÉAS, Jean. Manifesto Simbolista. Publicação original em Le Figaro, 18 de setembro de 1886. 
Texto retirado de TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e Modernismo brasileiro. Petrópolis, 
Vozes, 1976. P. 58-59. 
sistema não destruiria o que a vida tinha de mais elementar na modernidade. A recusa da 
verdade absoluta e pré-definida pelos padrões de uma época agora obsoleta era precisamente 
o fator visionário do movimento simbolista, que abriu espaço para a percepção das 
convergências do mero acaso e das coincidências efêmeras modernas. Como observa Clive 
Scott, “aqui, a pontuação retórica do verso é transposta para o silêncio anunciado, as 
reverberações da exclamação, o expirar do desespero, o silêncio obstruído da pergunta”. 
 
Pela primeira vez na página, a substituição da sonoridade pausada e da pontuação 
normatizada romântica pelos espaços vazios de Mallarmé propôs um aniquilamento efetivo e 
artístico da ligação entre fato e ato, entre ação e reação. Scott prossegue sobre as pausas, que 
“são preenchidas por um exercício mental; aqui, os sentidos presentes no verso se reúnem, 
colidem, juntam-se”.16 Convencionados pela poesia tradicional, os pontos finais tornam-se 
raros e, quando usados, os são em instantes inesperados – como o homem controlaria o ritmo 
de sua poesia se não dominava a vida? Em perfeita harmonia artística e dialética, contra a 
separação das sentenças românticas e das esferas do indivíduo moderno, o Simbolismo 
subverteu o pensamento sintético para totalizar sua arte conforme o movimento da sociedade 
moderna e da arte modernista, o pensamento dialético: 
 
*** 
 
Prefácio a Un Coup de Dés17 
 
Gostaria que não lessem esta Nota ou que, lida, até a esquecessem; ela 
ensina, ao Leitor hábil, pouca coisa situada além de sua penetração: mas pode 
perturbar o ingênuo que deve aplicar uma olhada nas primeiras palavras do 
Poema, para que as seguintes, dispostas como estão, o conduzam às últimas, tudo 
sem novidade a não ser um espargimento da leitura. Os “brancos”, com efeito, 
adquirem importância, chocam de início; a versificação os exigiu, como silêncio 
em torno, ordinariamente, até o ponto que um trecho, lírico ou de poucos pés, 
ocupe, no centro, a terça parte mais ou menos de uma folha: não transgrido esta 
medida, apenas a disperso. O papel intervém cada vez que uma imagem, por si 
 
16 BRADBURY, Malcom e McFARLANE, James. Modernismo – guia geral 1890-1930, São Paulo, 1989. 
Artigo Simbolismo, Decadência e Impressionismo. SCOTT, Clive. P. 168. 
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mesma, cessa ou se oculta, aceitando a sucessão de outras e, como não se trata, 
agora ou nunca, de traços sonoros regulares ou de versos – mas antes, de 
subdivisões prismáticas da Idéia, o instante de aparecer, e que dura o seu 
concurso, em qualquer que seja a encenação espiritual exata, é em lugares 
variáveis, perto ou longe do fio condutor latente, em razão da verossimilhança, 
que se impõe o texto. A vantagem, se posso dizer assim, literária, dessa distância 
copiada que mentalmente separa grupos de palavras ou palavras entre si, parece 
por vezes acelerar ou amortecer o movimento, escandindo-o, intimando-o 
mesmo segundo uma única visão simultânea da Página: tomada por esta unidade, 
como o é também o Verso ou linha perfeita. A ficção surgirá e se dissipará, 
rapidamente, de acordo com a mobilidade do escrito, em volta das pausas 
fragmentárias de uma frase capital desde o título introduzida e continuada. Tudo 
se passa, de modo geral, em hipótese; evita-se o relato [récit]. Acrescente-se que 
deste emprego desnudo do pensamento com contrações, prolongamentos, fugas, 
ou até seu desenho, resulta, para quem quer ler em voz alta, uma partitura. A 
diferença dos caracteres de imprensa entre o motivo preponderante, um 
secundário e outros adjacentes, dita sua importância à emissão oral e seu alcance 
no meio, acima ou no fim da página, indicará que sobe ou baixa a entonação. 
Somente certas direções muito atrevidas, as usurpações, etc., formando o 
contraponto desta prosódia, permanecem numa obra, que carece de 
precedentes, no estado elementar: não que eu leve em conta a oportunidade das 
tentativas tímidas; mas não me pertence, por mais importante, gracioso e 
convidativo que se mostre um jornal às belas liberdades, agir contrariamente ao 
uso, exceto, entretanto, incluído no Poema anexo, mais do que o esboço, um 
“estado” que não rompe inteiramente com a tradição; levada sua apresentação, 
em muitos sentidos, tão longe que não ofusque ninguém: o suficiente para abrir 
os olhos. Hoje ou sem presumir do futuro o que sairá daqui, nada ou quase uma 
arte, reconheçamos facilmente que a tentativa participa, com imprevisto, com 
investigações particulares e caras a nosso tempo, como o verso livre e o poema 
em prosa. Sua reunião se verifica sob uma influência, eu o sei, estranha, a da 
Música ouvida em concerto; encontrando nela muitos meios que me parecem 
haver pertencido às Letras, eu os retorno. O gênero, que venha a ser um, como 
sinfonia, pouco a pouco, ao lado do canto pessoal, deixa intacto o antigo verso, ao 
qual rendo meu culto e atribuo o império da paixão e dos sonhos; enquanto que 
este seria o caso de tratar, de preferência (assim como segue), tais assuntos de 
imaginação pura e complexa ou intelecto: que não fica razão alguma para excluir 
da Poesia – única fonte.18 
 
18 Mallarmé, Stéphane. Prefácio ao poema (grifos em itálico meus – aspas no original. Utilização de 
caracteres maiúsculos, vírgulas, hífens e pontos finais mantidos do original). Importante ressaltar a 
consciência de Mallarmé de que a nova poesia constaria na dispersão de elementos pré-existentes, 
assim com o cinema da Guy Debord o fez. Sua originalidade nascia na modificação da forma, no 
rearranjo das palavras que quebravam a tradição romântica, recolocando as idéias fixadas – ou 
copiadas, de acordo com o poeta francês - em posições perturbadoras na página. 
 
O recorte debordiano, desfiava a lógica do sistema ao alternar imagens da vida cotidiana e planos de 
filmes que mostravam cenas da sociedade moderna como o espetáculo as dispunha e impunha. Assim 
como as palavras de Mallarmé na página, ambos desafiavam a visão tradicional do espectador/leitor, 
reforçando a apatia e falta de domínio destes sobre a disposição dos elementos da própria vida. Texto 
retirado de TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e Modernismo brasileiro, Petrópolis, 
Vozes, 1976. P. 66.

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