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Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 1 Módulo 1 • Unidade 1 Identidade, valores e ética Para início de conversa... Você já observou que mesmo sendo (igualmente) humanos, somos diferentes uns dos outros em nossos modos de viver? Há culturas onde as pessoas se comportam de um jeito que, em outras, seria considerado mui- to estranho. Essa diversidade cultural pode ser notada em vários aspectos da vida. Por exemplo: a) Em relação à comida e alimentação em geral – Há culturas que gostam de misturar o doce e o salgado nas refeições e outras em que isso é bem separado. Para alguns, comer abacate, abacaxi, laranja e outras frutas na hora das refeições, junto com os alimentos preparados com sal, é mais do que natural. Para outras culturas, esse costume parece estranho. b) Em relação aos estilos de roupa – há culturas onde as pessoas quase não usam cobertura nos corpos, como em algumas sociedades indíge- nas, por exemplo. Há outras onde o corpo nu ou seminu é considerado uma ofensa aos demais ou mesmo a alguma divindade. c) Em relação às formas de parentesco – Há culturas que privilegiam como parentes aqueles que tem vínculos familiares com a mãe. Outras, os vín- culos com a família do pai e, em outras ainda, não se faz tal separação. d) Em relação ao sagrado e o sobrenatural – temos uma diversidade enor- me de expressões religiosas de diferentes origens que possuem costu- mes diversificados. Partem de compreensões diferentes do que seja o “sagrado” e de como nos relacionamos com ele. e) Em relação à base econômica e produção de riquezas – temos diferen- ças que historicamente marcaram a identidade de determinados po- vos. Por exemplo: tivemos algumas nações que usavam o trabalho es- cravo como componente de sua identidade cultural. Em outras, como na Idade Média, tivemos as relações entre senhores feudais e servos; nas sociedades capitalistas temos a exploração da mão de obra dos tra- balhadores e sua remuneração em salários. Módulo 1 • Unidade 12 Qual a origem dessas diferenças? O que promove a construção de cada identidade cultural e a forma como nos relacionamos com os valores de modo geral e com os valores morais em especial? Isso é o que vamos analisar e descobrir nesta unidade. Objetivos de aprendizagem � Compreender a influência de fatores religiosos, econômicos, sociais, culturais na constitui- ção da identidade individual e coletiva. � Caracterizar os valores como norteadores das ações do indivíduo. � Analisar as ações e comportamentos humanos sob o ponto de vista ético. Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 3 Seção 1 Fatores que influenciam a formação da identidade Pesquisadores tentaram explicar a diversidade cultural e elaboraram teorias diversas sobre isso. Houve quem tentasse explicar a diversidade das culturas acreditando que a geo- grafia, ou seja, as características do lugar onde viviam as comunidades primitivas há muitos séculos fossem determinantes da cultura. Assim, quem vivesse perto do litoral teria uma cul- tura diferente de quem vivesse nas montanhas ou de quem vivesse em região de florestas ou mesmo em lugares muito secos, como os desertos. No entanto, essa teoria não se sustentou, pois temos povos que vivem em regiões mui- to semelhantes e que possuem culturas muito diferentes. Podemos dar exemplos de povos que vivem no Brasil, na região do Xingu (centro-norte do Brasil) que possuem culturas dife- rentes. Também no Ártico temos os Esquimós e os Lapões que, mesmo vivendo em regiões semelhantes, desenvolveram culturas com traços bem diferentes. Povos que vivem na região do Xingu. Os xinguanos propriamente ditos (Kamayu- rá, Kalapalo, Trumai, Waurá etc.) desprezam toda a reserva de proteínas existentes nos grandes mamíferos, cuja caça lhes é inter- ditada por motivos culturais, e se dedicam mais intensamente à pesca e caça de aves. Os Kayabi, que habitam o Norte do Parque, são excelentes caçadores e preferem justa- mente os mamíferos de grande porte, como a anta, o veado, o caititu etc. (LARAIA, 2001) Módulo 1 • Unidade 14 Esquimós e Lapões Os esquimós constroem suas casas cortando blocos de neve, organi- zando esses blocos em formato de colmeia e forrando por dentro com peles de animais. Quando precisam se mudar, apenas retiram as peles e deixam essas casas, chamadas iglus. Os esquimós, ainda não criam renas. Já os lapões, vivendo em condições semelhantes, são bons criadores de renas e constroem suas moradias com tendas de peles de rena. Quando precisam se mudar, desmontam as tendas, o que dá muito trabalho, por estarem cobertas de neve e preparam as peles para serem transportadas. Dessa forma, hoje, uma posição bastante aceita é a de que: Temos todo um conjunto de fatores econômicos, políticos, religiosos, geográficos, sociais que aos poucos formam e, também, alteram as culturas. Em cada momento, um ou outro fator pode ser mais forte que outro, mas nunca é um só que é determinante na cultura. O que são cada um desses fatores? Fatores econômicos, ou seja, a existência de produção agrícola ou pecuária ou indústria e comércio e se esses são fortes ou não influenciam a cultura local. Por exemplo, há regiões no Brasil em que se produz muito milho e seus derivados. O milho acaba, tendo uma presença for- te na cultura local. Muitas pessoas trabalham na plantação, colheita e beneficiamento do milho e na fabricação de produtos derivados como margarina, pamonha, óleo, e outros. É comum nessas localidades ocorrer a festa do milho que é expressão da importância dele na vida local. O simbolismo que o milho tem para as pessoas dessa localidade acaba sendo bem diferente daquele para as pessoas que apenas conhecem o milho comprado nos supermercados. Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 5 Fatores religiosos como a existência de uma única religião numa localidade ou a existência de muitas religi- ões e, neste caso, se as pessoas que praticam essas religiões possuem mais ou menos tolerância umas com as outras, é um importante fator de formação cultural. Por exemplo, onde existe apenas a prática de uma religião, as pessoas poderão ser educadas para acharem estranho que alguém não siga aquela religião. E se isso ocorre, quem não segue aquela religião ou não segue nenhuma pode sofrer discri- minação negativa. Fatores sociais e políticos agem conjuntamen- te para definir a identidade, ou seja, o conjunto de ca- racterísticas comuns de uma comunidade, que a dife- renciam de outras comunidades, povos, culturas. Por exemplo, lugares onde uma luta contra a desigualdade entre os sexos é mais consolidada historicamente, con- seguem ter homens e mulheres em condições de igual- dade para disputar vagas no mercado de trabalho e na divisão das tarefas domésticas. Em países como o Brasil, onde esses valores de igualdade entre homens e mu- lheres ainda precisam avançar muito, situações de dis- criminação das mulheres comumente acontecem. Há estudos no Brasil mostrando que, mesmo fazendo as mesmas funções em uma empresa, é comum os homens ganharem melhores salários que elas. Outro exemplo da relação de diferentes fatores con- tribuindo para consolidar a identidade cultural podem ser as festas religiosas. Para os judeus, por exemplo, algumas festas eram ligadas à economia, como a época do plantio e de colheita. A festa de Pentecostes era inicialmente associa- da à Festa das Colheitas. Fatos semelhantes eram comuns em vários povos antigos. Figura 1: Cultivo de milho Figura 2: A prática da religião Figura 3: As mulheres estão em pé de igualdade com os homens? Módulo 1 • Unidade 16 É importante lembrar também que, em qualquer cul- tura, as pessoas não têm uma participação igual. Assim, as crianças, participam de uma forma diferente dos adultos, pois suas atividades são diferentes. Homens e mulheres adultas também vão tendo seus papéis sociais definidos pela cultura. Os idosos têm mais participaçãoe importância em algumas culturas orientais que em outras como a nossa. Enquanto, em nossas sociedades ocidentais, os mais idosos são vistos muitas vezes apenas como menos capazes, menos ágeis e como ultrapassados e velhos, em lugares como o Japão e a China, os idosos são saudados como portadores de sabedoria que vem da vida vivida e a eles se devota muito respeito. Os mais jovens possuem orgulho de dizer aos demais a idade dos idosos da família. Liste dois costumes ou tradições (pode ser uma festa social, religiosa ou um tipo de comida, uma dança) que você conhece e que são típicos da região em que você vive. Pesquise perguntando a pessoas ou consultando documentos históricos de sua cidade, sobre esse costume ou tradição e escreva como surgiram e que fatores (econômicos, políticos, religiosos ou outros) influenciam sua prática. O conjunto de fatores econômicos, religio- sos, sociais e outros vai definindo diferen- tes formas de parti- cipação das pessoas na cultura. Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 7 Pessoas de culturas diferentes riem de coisas diversas. O repetitivo paste- lão americano não encontra entre nós a mesma receptividade da comé- dia erótica italiana, porque em nossa cultura a piada deve ser temperada com uma boa dose de sexo e não melada pelo arremesso de tortas e bo- los na face do adversário. Voltando aos japoneses: riem muitas vezes por questão de etiqueta, mesmo em momentos evidentemente desagradá- veis. Enfim, poderíamos continuar indefinidamente mostrando que o riso é totalmente condicionado pelos padrões culturais, apesar de toda a sua fisiologia. (Laraia, Roque de Barros, Cultura: um conceito antropológico. 14.ed. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. Pág.69) A partir desse relato do Prof. Roque Laraia sobre o riso, onde mostra que em diferentes culturas o riso é diferente, descreva “jeitos” de sentar, de falar, de cumpri- mentar, vestir ou outros costumes em culturas que você consegue diferenciar. Seção 2 Valores e a identidade Quando nascemos não temos noção de certo e errado, nem do que é bonito ou feio. Também não temos ainda consciência sobre as consequências de nossas ações. É nossa vida Módulo 1 • Unidade 18 no meio de uma família que, por sua vez, compartilha com outras uma determinada cultura que vai formando nossos valores. Aos poucos, vamos aprendendo o que em nossa cultura é considerado bonito, bom e correto, e o que é considerado feio, mau e errado. Em tribos mais isoladas que não adotam costumes típicos da cidade, as crianças se apropriam da cultura na medida em que crescem e participam da vida coletiva, enquanto que nós, desde criança somos colocados em escolas e outras instituições que nos transmitem os valores e conheci- mentos de nossa sociedade. Em nossa sociedade, temos espaços como a família, escola, igrejas, clubes de servi- ço, associações de moradores, sindicatos, cooperativas e outros espaços que servem para a transmissão da cultura para cada membro da comunidade. E, aos poucos vamos aceitando ou questionando o padrão cultural da comunidade ou povo do qual participamos. Quando muitos começam a questionar o padrão ou começam a adotar outros padrões, a cultura vai se modificando. Temos diferentes tipos de valores que nos permitem fazer comparações e opções entre as coisas e os comportamentos. Temos valores econômicos que nos ajudam a ter noção de valor de compra e venda de produtos e serviços; temos valores estéticos que nos permi- tem definir o que é bonito ou feio para nós; temos valores políticos que nos permitem definir nossas preferências sobre as formas de governo e outros assuntos correlacionados; temos os valores morais que definem o que consideramos certo ou errado nos comportamentos humanos. Essa variação significa que valores são histórica e geograficamente delimitados, ou seja, não são universais. Eles nascem em uma determinada região e em determinada época e vão moldando o modo de viver das pessoas. Ao mesmo tempo, diversos fatores podem atu- ar para modificar a cultura local. Um desastre ecológico como um vulcão, um terremoto ou tempestades fortes pode provocar mudanças nos costumes de uma localidade, pois podem provocar que multidões tenham de mudar de localidade de moradia, bem como podem pro- vocar mudanças econômicas, alterando a geografia do lugar. Podem levar a mudar o tipo de agricultura e pecuária que é desenvolvida, além de provocar outras mudanças. É verdade que alguns valores são mais difundidos e aceitos em vários países que ou- tros, mas isso pode ser fruto do poder de um povo dominar outros econômica, política ou O que é fundamental é sabermos que esses valores são construídos culturalmente e tanto podem variar entre diferentes culturas, como podem variar em uma mes- ma cultura ao longo do tempo. Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 9 culturalmente. Um exemplo é a força política e econômica da indústria cinematográfica dos Estados Unidos. Seus filmes conseguem penetrar nos mercados e até serem a maior parte do que é exibido em cinemas e canais de televisão no Brasil e em muitos outros países. Como participamos de forma diferente das culturas, como afirmado anteriormente, e como as culturas são dinâmicas, ou seja, elas mudam com o tempo, dentro de uma mesma cultura também podemos ver padrões ou expressões de valores diferentes. Analise o caso apresentado a seguir e responda aos questionamentos propostos: Todo sábado à tarde, um grupo de roda de samba apresenta-se no bar do Tadeu. Eles tocam durante cerca de três horas, com volume alto, e as pessoas que frequentam o bar quase sempre exageram na bebida, gritam e deixam sujeira na rua. Imagine que você mora bem em frente ao bar do Tadeu, e que um dos seus vizinhos de porta, o Jo- sué, que detesta samba e música alta, está muito zangado com isso que ele chama de “a maior bagunça no quarteirão”. Já o outro vizinho, o Maneco, toca pandeiro na roda de samba e não aguenta mais as reclamações do Josué. Os dois estão prestes a sair no tapa e você é amigo/a de ambos. Observe que nesse conflito há questões relacionadas aos valores de cada um e são valores estéticos, econômicos e morais. Pense no melhor que você poderia fazer para tentar impedir uma briga feia entre o Josué e o Maneco, respeitando ao máximo os valores, o desejo e o bem estar de cada um. Explique por que essa escolha parece ser para você a melhor possível, isto é: por que ela poderia acalmar o ânimo dos dois, respeitando valores, desejo e bem estar de cada um? Você poderia depois apresentar esse caso para outras pessoas e ouvir qual seria a opinião delas, o que elas fariam. Módulo 1 • Unidade 110 Seção 03 Valores morais e ética O que costumamos chamar de certo e errado é expressão dos valores morais. É in- teressante pensar que quase tudo que hoje é considerado certo ou errado em uma cultura pode ser diferente em outras. Andar com pouca roupa, gritar, dar gargalhadas, sexo antes do matrimônio, poligamia e tantos outros comportamentos são tratados de forma diferente dependendo da cultura. A moral é formada pelo conjunto de hábitos e costumes de um determinado povo ou comunidade. Esses costumes têm relação com os diferentes fatores (econômicos, políticos, sociais, religiosos) que já abordamos neste texto. Um povo ou comunidade pode ter costu- mes que, em outros povos, podem parecer muito estranhos ou até serem proibidos. Podemos ver isso, com muita facilidade, ao observarmos a diferença entre nós brasileiros de modo ge- ral e povos indígenas ou algumas culturas árabes e orientais. O uso de roupas pelas mulheres parece ser um bom exemplo, pois enquanto as mulheres indígenas quase não usam roupas, as mulheres da cidade diferenciam ocasiões em que se usam mais roupas e outros, como na praia ou piscina onde quase não usam. Já mulheres mulçumanas em, alguns países usam roupas longas e, inclusive, cobrem osrostos. Mesmo numa cultura, podemos ver como os valores morais se modificam ao longo do tempo. Por exemplo: a forma como namoros e casamentos no interior de Minas Gerais e de outros estados, sofreu modificações e hoje existem posturas muito mais liberais do que anteriormente. O modo de produção em uma sociedade, ou seja, o jeito como são organizadas as estruturas e processos econômicos são condicionantes de valores morais. Em nossa socie- dade, o modo de produção é o capitalismo que estimula o individualismo, a competição e o aumento de eficácia, eficiência em função do aumento da produtividade das empresas. A palavra de ordem no meio das empresas é a inovação com vistas ao lucro. Isso nos coloca questões sobre os juízos morais que fazemos sobre o comportamento das pessoas. É possível fazer um juízo sobre o comportamento de alguém que compartilha nossa cultura e, da mesma forma, julgar um comportamento semelhante de alguém de outra Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 11 cultura? Numa cultura, o uso de roupas é considerado sinal de decência, em outras, não tem nenhuma importância estar ou não vestido. Se isso é assim, podemos nos perguntar: haveria valores morais universais? Veja esse exemplo de dois comportamentos apresentados pelo antropologo Roque Laraia: o homossexualismo e a prostituição, e como eram vistos em outras culturas diferentes da nossa. Não eram rejeitados e, pelo contrário, eram valorizados. Entre algumas tribos das planícies norte-americanas, o homossexual era visto como um ser dotado de propriedades mágicas, capaz de servir de mediador entre o mundo social e o sobrenatural, e, portanto, respeitado. Um outro exemplo de atitude diferente de comportamento desviante encon- tramos entre alguns povos da Antiguidade, onde a prosti- tuição não constituía um fato anômalo: jovens da Lícia pra- ticavam relações sexuais em troca de moedas de ouro, a fim de acumular um dote para o casamento. (LARAIA,2001) Mas, então, tudo é permitido? E se tudo é permitido, como podemos entender, nesse contexto, a existência de uma Declaração Universal dos Direitos do Homem (considerando aqui, homem no sentido de humanidade) como foi proclamado em 1948 pela ONU? Aqui temos um exemplo de um conjunto de valores, no que se refere a direitos das pessoas, que aos poucos, em decorrência da maior interação e integração internacional, foram sendo com- partilhados por diferentes povos. Determinados comportamentos foram sendo considerados impróprios, e esses valores foram sendo adotados por diferentes países estabelecendo um padrão moral mundial ou, ao menos, aceito nos países que assinaram a declaração. A declaração universal dos direitos do homem A seguir, um trecho com os sete primeiros artigos da Declaração dos Direitos Humanos. Ela é um dos documentos básicos das Nações Unidas (ONU), enumerando direitos que são conside- rados comuns a todos os seres humanos. Artigo I – Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo II – Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta De- claração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Como já dissemos anteriormen- te sobre valores em geral, acre- ditamos que não existem valo- res morais universais. Módulo 1 • Unidade 112 Artigo III – Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo IV – Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escra- vos serão proibidos em todas as suas formas. Artigo V – Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Artigo VI – Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei. Artigo VII – Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual prote- ção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presen- te Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Seção 04 Lei, moral e ética Podemos fazer uma distinção importante entre lei, moral e ética. A lei é um costume, um hábito institucionalizado em uma sociedade. Ela é mais restrita que a moral, pois essa é com- posta também por outros costumes que não estão escritos na lei, como por exemplo, vários costumes sobre namoro, casamento, relações entre pais e filhos, alimentação e tipos de vesti- mentas característicos daquela localidade. A Ética inclui ainda a subjetividade da pessoa, pois não bastaria apenas obedecer aos costumes para ser ético, mas sim ter uma postura livre, cons- ciente e responsável no assumir ou se contrapor ao que é a lei e a moral em uma comunidade. Olhando algumas situações no Brasil, podemos observar comportamentos que estão dentro da lei, mas que podem ser objeto de avaliação ética. Por exemplo: senadores e de- putados federais podem legislar sobre seus próprios salários e outras formas de receberem dinheiro do estado. Ao aprovarem leis que beneficiam a eles, muito acima do que é possível para o conjunto da sociedade, eles estão fazendo algo que é legal, pois a lei permite, mas certamente seu comportamento poderia ser considerado não ético. Da mesma forma, podemos ter comportamentos que contrariem alguma norma ou lei, mas que podem ser considerados éticos. Por exemplo, alguém que, considerando abusiva Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 13 alguma lei que aumenta os impostos em uma cidade ou estado, promove uma mobilização social de desobediência civil em protesto contra a lei. Ele não paga o imposto, declara isso publicamente e incentiva outros a entrarem no movimento. Essa postura pode ser julgada como ilegal, porém pode ser perfeitamente ética. O que é um comportamento ético? Como analisar se um comportamento foi ou não ético. O que deveria ser o objeto da ética, ou seja, o que deveria definir os princípios para conduzir nosso comportamento teve diferentes respostas na tradição filosófica. Aristóteles acreditava que a finalidade última da vida era a felicidade e que todas as ações deveriam buscar essa meta. Para ele a felicidade não estava em dinheiro, poder ou prazer, mas no saber conduzir racionalmente a vida. A vida bem con- duzida é aquela que é virtuosa, ou seja, que pratica virtudes. E o que seriam as virtudes? Segundo ele “a virtude moral é um meio-termo entre dois vícios, um dos quais envolve o excesso e o outro deficiência”( ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, Livro II). Entre dois vícios como a temeridade (excesso) e a covardia (deficiência) o correto seria a prática do meio termo que é a virtude da coragem. Kant, que foi um importante filósofo moderno, acreditava que a razão humana era suficientemente capaz de encontrar quais deveriam ser as normas morais a serem obedecidas. Para ele, o homem deve obedecer ao que a razão bem instruída pode orientar. Elaborou um princípio que ele acreditava ser possí- vel de nortear nossas decisões morais: “age apenas segundo a máxima que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes, p.59). Observe que, para ele, se você está em uma fila e pretende furar a fila, deve antes se perguntar: eu quero que furar a fila seja uma lei universal? Se a resposta for negativa, é sinal que você não deve furar a fila. Da mesma forma,se for contar uma mentira, deve antes se perguntar se falar mentiras deve ser um princípio que todos devem seguir. Se a resposta for negativa, então não se deve mentir. Módulo 1 • Unidade 114 Habermas, importante filósofo atual, buscou construir uma teoria sobre a ética fundamentada na busca do diálogoe no consenso entre as pessoas. Observa que as pessoas quando defendem sua opinião sobre o que deva ser certo ou errado, as fazem como se esta opinião fosse uma grande verdade sobre o assunto. Ele entende, assim, que todas as opiniões, ou teorias, possuem o mesmo valor em termos de verdade. Assim, propôs que a verdade não está em um ou outro, mas naquilo que se constrói com o diálogo livre e no consenso, numa situação de igualdade entre esses que dialogam. Com essas condições se construiria uma ética democrática, pois estaria construída em valores aceitos consensualmente. Poderíamos ainda listar várias outras pos- turas éticas construídas na história da filosofia e que mostram que é um assunto controvertido e polêmico. As definições aqui apresentadas nos permitem pensar em nossos comportamentos diante do que é considerado o certo ou o legal em nossas cidades, estados e no Brasil como um todo. Em nossa sociedade, a educação em diferentes níveis, está normalmente preocupada com a formação moral dos cidadãos, que consistiria em formar pessoas que respeitem as leis e que andem conforme os costumes. Isso não está propriamente errado, mas é insuficiente, pois precisamos de algo mais que cidadãos ajustados às regras da sociedade. Em muitas situações precisamos é de pessoas que estejam tão indignadas com a forma como a sociedade, inclusive as leis e costumes, estão organizados, que possam se insurgir contra tudo aquilo que mesmo sendo moralmente aceito, mesmo estando legaliza- do, precisa ainda ser ético. Existe a necessidade de educar as novas gerações e nós mesmos para uma postura mais arriscada de criação de novos costumes e novos valores para gerar uma sociedade diferente da que está aí, pois os dados econômicos e sociais mostram que é muito injusta e desigual. O discurso de governantes e dos meios de comunicação muitas vezes querem impor uma única verdade sobre os valores morais, mas o que acabamos de ler nos mostra que é im- portante cultivar uma postura crítica. Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 15 Com suas palavras, procure fazer mostrar a diferença entre a moral e a ética. A partir do que foi apresentado nessa unidade, percebemos que o que nos identifica como um grupo, comunidade e povo é fruto de influência de diferentes fa- tores e que isso acontece por meio de processos historicamente construídos. A unidade apontou ainda que os valores morais fazem parte desse processo de constituição de nossa identidade. E, por último, ao diferenciar moral de ética, procurou nos alertar que aquilo que nos identifica como valores morais em uma coletividade, nos dá uma orientação sobre o certo e o errado, mas não determina nosso comporta- mento, pois para sermos agentes éticos, que agem com liberdade, consciência e res- ponsabilidade, precisamos avaliar os costumes e valores vigentes na sociedade e não simplesmente seguir as normas passivamente. Leia o texto a seguir e analise as alternativas a seguir como corretas ou erradas. “Para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente, isto é, aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e errado, permitido e proibi- do, virtude e vício. A consciência moral não só conhece tais diferenças, mas também reconhece-se como capaz de julgar o valor dos atos e das condutas morais, sendo por isso responsável por suas ações e seus sentimentos e pelas consequências do que faz e sente. ” (Chauí, 1998) De acordo com o texto da filósofa Brasileira Marilena Chauí, em que explica o que seria um agente ético com consciência moral e responsável pelos seus atos, pode- se afirmar que : Módulo 1 • Unidade 116 Alguém tem uma conduta ética quando obedece rigorosamente às leis e nor- mas existentes sem questionar as mesmas. Não se pode julgar eticamente alguém que cumpre fielmente a lei. A conduta ética é aquela que é feita com consciência e responsabilidade. Não há relação entre consciência e responsabilidade na conduta moral, pois o importante é o agente ético. As consequências das condutas não devem ser parâmetros de avaliação para julgar a conduta ética. � Assista aos filmes que mostram alguma temática ligada à cultura, como se forma costumes, conflitos. Podem ser muito interessantes para ilustrar algumas passagens desse texto: a) “A Vila” – nele poderá perceber o modo de vida de uma comunidade e que aos pou- cos vai sendo revelado como se originaram alguns costumes daquela vila. b) “A missão” – esse filme mostra, entre outras coisas, as diferenças culturais entre europeus e os indígenas Guaranis e o conflito que surge devido aos interesses po- líticos de Portugal e Espanha. Seção 01 – Fatores que influenciam a formação da identidade Atividade 01 Resposta Pessoal O importante é que se faça o movimento de se saber como a cultura local foi se formando a partir da pesquisa de algum traço cultural. A própria dificuldade de encontrar Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 17 informações já é,em si, material muito interessante para a conversa em sala, pois pode permitir conversar sobre como se conserva a memória histórica daquela localidade. Atividade 02 Resposta Pessoal Seção 02 – Valores e a identidade Atividade 03 Saber pesar equilibradamente e valorizar ambas as posições dos personagens do caso, ajuda a desenvolver habilidades de distanciamento de situações e processos para análise dos mesmos. Quando dizemos que, cada um no caso tem valores, expres- samos valores estéticos e morais. Mais que uma análise muito elaborada, o importante é o movimento e a resposta ser lógica e coerentemente elaborada. Seção 04 – Lei, moral e ética Atividade 04 Resposta Pessoal não há um conceito apenas para ética e moral e muitos manuais e outros livros até tratam moral e ética como sinônimos, pois ambos possuem etimologicamente ori- gens semelhantes. Ética tem, além do sentido de costume, também o de caráter, de postura individual. Assim, respostas que se aproximem de moral relacionada a costu- mes e hábitos e de éticam como postura diante dos códigos moraism pode ser consi- derada adequada. Atividade 05 Comentários sobre cada uma das respostas: Módulo 1 • Unidade 118 Errada, pois o texto não afirma isso nem deixa margem para essa interpretação, pois seu foco está justamente na existência de um agente ético que seja consciente e responsável e não apenas cumpridor de normas. Errada, pois a proposição contida nela é, na prática, a mesma do item “a” escrita de forma diferente. Essa afirmação ignora a importância da existência de um agente ético que seja consciente e responsável e não apenas cumpridor de norma. Correta. O texto foca essas duas condições para que exista um agente ético: consciência e responsabilidade. Errada, pois afirma exatamente o contrário do que o texto propõe e ainda tenta confundir ao dissociar essas condições do que seja o agente ético que as pressupõe. Errada, pois o texto não trata dessa questão. Essa afirmação é típica de éticas normativas, mas não encontra respaldo no texto. Referências Bibliografia Consultada � Laraia, Roque de Barros, Cultura: um conceito antropológico. 14.ed. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001 O livro Cultura: um conceito antropológico do antropologo Roque Laraia pode aju- dar muito a compreender questões sobre a diversidade cultural e como a cultura interfere no modo de vida das pessoas e como ela mesma é modificada ao longo do tempo. É uma leitura bem agradável. � Textos Básicos de Ética. De Platão a Foucault escrito pelo Danilo Marcondes e publicado pela Ed. Zahar.do Rio de Janeiro. Nele o autor, de forma bem didática, apresenta os pen- sadores, trechos das obras e faz comentários sobre o pensamento ético dos filósofos pro- postos no livro. � Chauí, M. Convite à Filosofia. São Paulo. Editora Ática. 1998. Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 19 Imagens • http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1207518• Roger Kirby. • http://www.flickr.com/photos/ministeriodacultura/4795181298/ • http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Eskimo_Family_NGM-v31-p564-2. jpg?uselang=pt-br • http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Corn_Field.JPG • http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ostrabrama-prayer.jpg • http://www.flickr.com/photos/embajadaeeuu-chile/3974747907/ • http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Busto_di_Aristotele_conservato_a_Pala zzo_Altaemps,_Roma._Foto_di_Giovanni_Dall%27Orto.jpg?uselang=pt-br • http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Kant_foto.jpg • http://commons.wikimedia.org/wiki/File:JuergenHabermas_crop2.jpg • http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1220957 • Ivan Prole. • http://www.sxc.hu/985516_96035528. Módulo 1 • Unidade 120 Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 21 Anexo • Módulo 1 • Unidade 1 O que perguntam por aí? (ENEM 2010, Ciências Humanas e suas Tecnologias, ques- tão 44) Na ética contemporânea, o sujeito não é mais um sujeito substancial, soberano e abso- lutamente livre, nem um sujeito empírico puramente natural. Ele é simultaneamente os dois, na medida em que é um sujeito histórico-social. Assim, a ética adquire um dimensionamento político, uma vez que a ação do indivíduo não pode mais ser vista e avaliada fora da relação social coletiva. Desse modo, a ética se entrelaça, necessariamente, com a política, entendida esta como a área de avaliação dos valores que atravessam as relações sociais e que interliga os indivíduos entre si. (Severino, A. J. Filosofia. São Paulo: Cortez. 1992, adaptado) O texto, ao evocar a dimensão histórica do processo de formação da ética na socieda- de contemporânea, ressalta: a) os conteúdos éticos decorrentes das ideologias político-partidárias; b) o valor da ação humana deriva de preceitos metafísicos; c) a sistematização de valores desassociados da cultura; d) o sentido coletivo e político das ações humanas individuais; e) o julgamento da ação ética pelos políticos eleitos democraticamente. A alternativa correta é a “d”. Ciências Humanas e suas Tecnologias • Filosofia 23 Anexo • Módulo 1 • Unidade 1 Caia na Rede! Nesta aula, abordamos, dentre outras coisas, a identidade cultural. No link que dispo- nibilizaremos a seguir, você verá um artigo muito interessante. O que faz deste artigo especial é que ele foi escrito como se fosse a descrição que um antropologo faz de uma cultura distan- te, mas na verdade ele está descrevendo a cultura americana da década de 70 . Observe o trecho abaixo: Além do ritual bucal privado, as pessoas procuram o mencionado sacerdote-da- boca uma ou duas vezes ao ano. Estes profissionais têm uma impressionante coleção de instrumentos consistindo de brocas, furadores, sondas e agulhões. O uso destes objetos no exorcismo dos demônios bucais envolve para o cliente, uma tortura ritual quase inacreditável. Repare que o trecho apresentado trata do hábito de escovar os dentes (“ritual bucal”) e dos dentistas (chamados “sacerdote-da-boca”), só que descritos por alguém (supostamente) pertencente a uma cultura distante. Este artigo é recomendado em praticamente todas as faculdades de Ciências Sociais. Para lê-lo na íntegra (é curtinho, são só três páginas), acesse o link a seguir e clique em “abrir”: poars1982.files.wordpress.com/2008/03/nacirema.doc
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