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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI ÉTICA FILOSÓFICA GUARULHOS - SP SUMÁRIO 1 FILOSOFIA E ÉTICA APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ................................... 3 1.1 Introdução ....................................................................................................... 4 1.2 Ética como virtualidade humana – noções e conceitos .................................. 4 1.3 Noções Fundamentais de Ética e Moral ......................................................... 7 1.4 Noções acerca da aplicação dos conceitos Éticos e Morais ........................ 11 1.5 Aspectos históricos da construção e formulação dos conceitos Éticos e Morais. .................................................................................................................. 15 1.6 A vida social e a postura ética enquanto preceito educacional e filosófico. .. 17 1.7 Educação como fator para humanização e socialização do homem ............ 18 1.8 Educação para a cidadania ......................................................................... 23 2 A FILOSOFIA COMO PRÁTICA DO PENSAMENTO HUMANO ........................ 27 2.1 A oposição Renascimento X Barroco ........................................................... 27 2.2 A Filosofia no contexto da transição do século XVI e XVII ........................... 31 2.3 Francis Bacon e a crítica a esterilidade da tradição filosófica ...................... 33 2.4 A divisão sistemática dos conhecimentos .................................................... 33 2.5 A Ética e a prática filosófica .......................................................................... 39 2.6 O desfio das diferenças ................................................................................ 43 2.7 Cultura e Diversidade - Considerações sobre a multiplicidade das manifestações ....................................................................................................... 46 3 INDÚSTRIA CULTURAL E IDENTIDADE ........................................................... 49 3.1 Indústria Cultural e o conflito de gerações - Identidade ................................ 49 3.1 Mídia, comportamento e identidade.............................................................. 52 3.2 O processo de globalização e a perda das identidades culturais ................. 53 3.3 Consumo ...................................................................................................... 55 3.4 Globalização e Identidade em Milton Santos ................................................ 58 3.5 Globalização e cultura .................................................................................. 60 3.6 A globalização solidária ................................................................................ 61 3.7 Milton Santos e os níveis de pobreza ........................................................... 63 4 GLOBALIZAÇÃO, MODERNIDADE E CULTURA .............................................. 64 4.1 Globalização e mundialização ...................................................................... 67 5 A CIDADANIA MODERNA .................................................................................. 69 5.1 Direitos políticos ........................................................................................... 69 5.2 Direitos sociais.............................................................................................. 70 5.3 Direitos Humanos ......................................................................................... 70 5.4 Migração ....................................................................................................... 71 5.5 Socialização ................................................................................................. 72 6 SOCIEDADE, POBREZA E EXCLUSÃO ............................................................ 74 7 A EXCLUSÃO E AS TEORIAS DA MISÉRIA ..................................................... 76 8 A EXCLUSÃO E A POBREZA NO MUNDO ....................................................... 78 8.1 A pobreza e a estrutura do Estado ............................................................... 80 9 AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: DO EVOLUCIONISMO À GLOBALIZAÇÃO ....................................................................................................... 82 9.1 O desenvolvimento segundo as etapas de crescimento econômico ............ 83 9.2 Entraves ao desenvolvimento: o tradicionalismo e a questão racial ............. 85 10 ÉTICA DA DIVERSIDADE – AULA DE CONCLUSÃO ....................................... 86 10.1 Ao Poeta, ao Mendigo e à Louca.................................................................. 87 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 89 12 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ..................................................................................... 90 3 1 FILOSOFIA E ÉTICA APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA O conteúdo que vamos estudar na disciplina Ética Filosófica trata de questões essenciais à análise das relações sociais e das posturas dos indivíduos frente aos acontecimentos e eventos em sociedade. Compreender a dinâmica do pensamento filosófico e estabelecer noções fundamentais éticas em contraposição aos preceitos morais, realizando uma distinção entre os universos ético e moral, propondo um estudo da aplicabilidade desses conceitos, seria inicialmente um de nossos objetivos. O recorte temporal escolhido para as argumentações filosóficas foi a transição do século XVI para o XVII, período da passagem Renascimento e Barroco e o período de afirmação da Filosofia Moderna. Ao estudarmos o período em questão, tratando essencialmente das argumentações filosóficas de Francis Bacon, René Descartes e Bento de Espinosa, estaremos inevitavelmente estudando algumas referências dos filósofos clássicos (gregos). Interessa-nos a princípio, desenvolver uma sustentação argumentativa da investigação da natureza, objeto maior da filosofia, visando estabelecer um elo para as discussões mais atuais e que irá prescindir das fundamentações éticas nas análises contextuais. Estaremos juntos tentando promover o conhecimento dessas questões para adiante compreendermos a complexidade das relações sociais e, mais relevante, nos posicionarmos mais qualitativamente nas noções humanas diante dos dilemas éticos atuais. Para tanto estaremos disponibilizando algumas fontes, indicações e textos que compõem o conjunto do material da disciplina. Reserve tempo para seus estudos e o faça com dedicação. Espero que, ao longo do nosso convívio virtual possamos fazê- lo de maneira prazerosa e que possamos produzir juntos, um conhecimento bastante relevante. Espero também, que nosso aprendizado possa ser efetivamente compartilhado, como estabelece a mais nobre noção de educação. 4 1.1 Introdução O texto que se segue e abre os estudos de Ética Filosófica, de autoria do Teólogo Leonardo Boff, apresenta noções fundamentais dos preceitos morais e éticos, situando uma distinção e uma noção de aplicabilidade desses conceitos na ação social dos indivíduos, necessária à transformação fundamental da sua condição sociocultural dos mesmos. Fonte: sul21.com.br A realidade das populações excluídas do processo histórico, a miséria e a fome são hoje questões primordiais a serem resolvidas e transformadas socialmente. Portanto a ação dos indivíduos em comunidade, a prática ética se tornam ingredientes essenciais para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e da vida no planeta. 1.2 Ética como virtualidade humana – noções e conceitos Que é Ética, que é Moral? É a mesma coisa ou há distinções a serem feitas? Há muita confusão acerca disso. Tentemos um esclarecimento. Na linguagemcomum e mesmo culta, Ética e Moral são sinônimos. Assim dizemos: aqui há um problema ético ou um problema moral. Com isso emitimos um juízo de valor sobre alguma prática pessoal ou social, se boa, se má ou duvidosa. 5 Mas, aprofundando a questão, percebemos que Ética e Moral não são sinônimos. A Ética é parte da filosofia. Considera concepções de fundo, princípios e valores que orientam pessoas e sociedades. Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e convicções. Dizemos, então, que tem caráter e boa índole. A Moral é parte da vida concreta. Trata da prática real das pessoas que se expressam por costumes, hábitos e valores aceitos. Uma pessoa é moral quando age em conformidade com os costumes e valores estabelecidos que possam ser eventualmente, questionados pela Ética. Uma pessoa pode ser Moral (segue costumes), mas não necessariamente Ética (obedece a princípios). Embora úteis estas definições são abstratas porque não mostram o processo como a Ética e a Moral, efetivamente, surgem. E aqui os gregos nos podem ajudar. Eles partem de uma experiência de base, sempre válida, a da morada entendida existencialmente como o conjunto das relações entre o meio físico e as pessoas. Chamam à morada de ethos (em grego com a letra e pronunciada de forma longa). Para que a morada seja morada, precisa-se organizar o espaço físico (quartos, sala, cozinha) e o espaço humano (relações dos moradores entre si e com seus vizinhos), segundo critérios, valores e princípios para que tudo flua e esteja a contento. Isso confere caráter a casa e às pessoas. Os gregos chamam a isso também de ethos. Nós diríamos Ética e Caráter Ético das pessoas. Ademais, na morada, os moradores têm costumes, maneiras de organizar as refeições, os encontros, estilos 6 de relacionamento, tensos e competitivos ou harmoniosos e cooperativos. A isso os gregos chamavam também de ethos (com a letra e pronunciada de forma curta). Nós diríamos Moral e a postura moral de uma pessoa. Ocorre que esses costumes (Moral) formam o caráter (Ética) das pessoas. Winnicot (1896 – 1971), pediatra e psicanalista inglês, estudou a importância das relações familiares para estabelecer o caráter das pessoas. Elas serão éticas (terão princípios e valores) se tiverem tido uma boa moral (relações harmoniosas e inclusivas) em casa. Os medievais não tinham as sutilezas dos gregos. Usavam a palavra Moral (vem de mos / mores) tanto para os costumes quanto para o caráter. Distinguiam a moral teórica (filosofia moral) que estuda os princípios e as atitudes que iluminam as práticas, e a moral prática que analisa os atos à luz das atitudes e estuda a aplicação dos princípios à vida. Fonte: gidjrj.com.br Entre a Idade Média e a Moderna, o italiano Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) rompe com a Moral cristã, que impõe os valores espirituais como superiores aos políticos. Defende a adoção de uma Moral própria em relação ao Estado. O que importa são os resultados, e não a ação política em si. Por isso, considera legítimo o uso da violência contra os que se opõem aos interesses estatais. Maquiavel influencia o inglês Thomas Hobbes (1588-1679), que depois disso lançou o seu livro “O Leviatã”, diferente de Maquiavel os meios justificam os fins e enquanto Maquiavel os fins justificam os meios. Durante os séculos XVIII e XIX os grandes pensadores discutindo sobre o que é Ética foram: o francês Jean-Jacques Rousseau (1712 – 17780) e os alemães 7 Immanuel Kant (1724- 1804) e Friedrich Hegel (1770-1831). Segundo Rousseau, o homem é bom por natureza e seu espírito pode sofrer aprimoramento quase ilimitado. Para Kant, Ética é a obrigação de agir segundo regras universais, comuns a todos os seres humanos por ser derivadas da razão. O fundamento da Moral é dado pela própria razão humana: a noção de dever. O reconhecimento dos outros homens, como fim em si e não como meio para alcançar algo, é o principal motivador da conduta individual. Hegel divide a Ética em subjetiva ou pessoal e objetiva ou social. A primeira é uma consciência de dever; a segunda, formada por costumes, leis e normas de uma sociedade. O Estado reúne esses dois aspectos em uma “totalidade Ética”. Qual é Ética e a Moral vigentes hoje? É a capitalista. Sua Ética diz: bom é o que permite acumular mais com menos investimento e em menos tempo possível. Sua Moral concreta reza: empregar menos gente possível, pagar menos salários e impostos e explorar melhor a natureza. Imaginemos como seria uma casa e sociedade (ethos) que tivessem tais costumes (moral / ethos) e produzisse caracteres (ethos / moral) assim conflitivos? Seria ainda humana e benfazeja à vida? Eis a razão da grave crise atual. Os princípios e a prática concreta dos valores éticos, como vimos, sofreram alterações ao longo da história, os vários pensadores que contribuíram sobre o tema, no entanto, não nos deixam uma resposta definitiva para a indagação e a sociedade atual apresenta um profundo distanciamento entre suas teorias e práticas. Muito já foi trilhado no caminho da razão por respostas mais eficientes que contribuam para uma vida social mais estável, onde homens se respeitem mutuamente em prol de uma sociedade saudável, justa, virtuosa e por isso mesmo feliz. 1.3 Noções Fundamentais de Ética e Moral Como vimos, a palavra Ética se origina do termo grego ethos, que significa “modo de ser”, “caráter”, “costume”, “comportamento”. De fato, a Ética é o estudo desses aspectos do ser humano: por um lado, procurando descobrir o que está por trás do nosso modo de ser e de agir; por outro, procurando estabelecer as maneiras mais convenientes de sermos e agirmos. Assim, pode-se dizer que a Ética trata do que é “bom” e do que é “mau” para nós. 8 Bom e mau, ou melhor, Bem e Mal, entretanto, são valores que não apresentam, para o ser humano, um caráter absoluto. Ao longo dos tempos, nas mais diversas civilizações, várias interpretações serão dadas a essas duas noções. A Ética acompanha esse desenvolvimento histórico, para que isso sirva de base para uma reflexão sobre como ser ético no tempo presente. Considera também como esses valores se aplicam no relacionamento interpessoal, pois a noção de um modo correto de se comportar e posicionar na vida pressupõe que isso seja feito para que cada um conviva em harmonia com os outros. A ética, portanto, trata de convivência entre seres humanos na sociedade. Num sentido mais restrito, ela se restringe às relações pessoais de cada um. Num sentido mais amplo - já que ninguém vive numa pequena comunidade isolada -, ela se relaciona com a política - da cidade, do país e do mundo. Nesse sentido, ela é possivelmente a área mais prática da filosofia. Mas, antes de mais nada, qual o significado da palavra ética, em termos filosóficos? O filósofo contemporâneo espanhol Fernando Savater apresenta uma resposta para essa questão em termos muito simples, num livro intitulado Ética para meu filho, da Editora Martins - Capa do livro de Fontes. Como diz o título, ele escreveu com o intuito de explicar a uma geração em formação. questão para o seu filho adolescente. A seguir, você pode ler um breve trecho da resposta de Savater para a questão “o que é ética?”. Esse é um excelente ponto de partida para você pensar no assunto: Fonte: saraiva.com.br 9 10 11 Vimos nesta breve introdução da disciplina uma distinção entre os conceitos e noções de moral e ética. As exposições baseadas nos pareceres do teólogo Leonardo Boff e nas considerações éticas de Fernando Salvater irão nos ajudar a aplicar adiante essa distinção e promover a compreensão desses valores nas relações sociais. Foi exposto, também que a noção de ética varia em relação ao contexto histórico-cultural e está associado a uma espécie de escolha realizadapelos indivíduos ao longo do seu processo de maturação. Portanto sua aplicação é decorrente da formação integral dos indivíduos. Procure considerar, no decorrer de seus estudos as conceituações e a aplicabilidade dos mesmos. As distinções entre os dois conceitos e as formas de desenvolvimento destes determinam como devemos percebê-los e aplica-los nas relações sociais. Adiante vamos colocar em prática a análise desses conceitos e suas distinções. 1.4 Noções acerca da aplicação dos conceitos Éticos e Morais As duas aulas que se seguem se baseiam no texto “A evolução moral e ética e seus reflexos na sociedade contemporânea” de autoria de Rosângela Menta Mello e buscam posicionar argumentos práticos para aplicação dos conceitos éticos e morais nas relações sociais. Os textos e as imagens, assim como as questões instituídas para a reflexão poderão nos auxiliar a compreender melhor a dimensão dos conceitos de ética e moral. Antes de iniciarmos nossas atividades, vamos recordar aspectos desenvolvidos nas duas primeiras aulas para que possamos, adiante, situar nossa posição em relação às práticas morais e éticas. Vimos que existe uma distinção entre preceitos morais e éticos e que esta diferença se estabelece a partir do processo de vivência dos indivíduos em sociedade e que a moral estaria diretamente vinculada às normas, regras e leis sociais e que, assim, todos os indivíduos em sociedade estariam submetidos a ela. Por outro lado, a ética se desenvolveria nos indivíduos a partir de uma escolha destes para uma prática social além das regras e normas, posicionando argumentações construídas a partir do seu caráter e da sua postura individual em relação às questões sociais. Para tornar nosso estudo mais proveitoso estaremos a seguir situando alguns questionamentos para que possamos refletir sobre aspectos essenciais do nosso 12 conteúdo. Não será necessário responder às questões, apenas reflita sobre elas a partir da sua vivência ou mesmo através de uma breve pesquisa. Além destas questões situadas acima vocês poderão levantar outros aspectos que gostariam de esclarecer, mas nem sempre podemos abordar toda a dimensão do estudo, então devemos selecionar os principais problemas a serem discutidos. Devemos lembrar que os estudos das dimensões filosóficas e sociais da moral e da ética são amplos e complexos. Portanto cabe relacionar o conteúdo moral e ético a outros campos de análise para podermos compreender melhor esta complexidade. Assim iremos relacionar questões \ reflexões sobre a moral e a ética nas suas diversas dimensões e abordagens. (Aqui também não será necessário “responder” às questões, apenas refletir sobre elas, tentando construir uma argumentação que permita esclarecer suas dúvidas). 13 Vamos aprofundar a nossa reflexão analisando a seguinte imagem sobre a evolução do homem. Fonte: portaldoprofesssor.mec.gov.br Analisando a imagem acima, reflita sobre as questões que se seguem, buscando estabelecer análises sobre o comportamento do homem e sua “evolução”. Quem é o personagem central da imagem? O que ele está fazendo sempre? Como ele se relaciona com a natureza e os produtos da sociedade? Qual a forma de conviver, de comunicar, de se organizar desde a era da pedra à era do computador? Que mensagem o autor desta imagem quis transmitir? Você concorda com o autor? A nossa sociedade construiu ao longo de séculos um conjunto de regras e valores que determinaram o comportamento dos indivíduos, para que haja condições de convivência comum. Segundo Aranha; Martins, 1986, p. 303, “exterior e anterior ao indivíduo, há uma moral constituída, que orienta seu comportamento por meio de normas. Em 14 função da adequação ou não à norma estabelecida, o ato será considerado moral ou imoral.” Desta forma, podemos considerar que a organização social depende deste conjunto de normas para se estabelecer. Segundo as autoras o ser humano é capaz de produzir interdições, ou seja, alterações que possam acrescentar ou mudar o conteúdo das normas. Com a passagem da natureza à cultura, os usos e costumes que são produzidos passam a ser regulamentados pelas leis, desta forma, surge à moral para garantir a boa convivência entre os indivíduos. Fazendo um contraponto com a imagem apresentada acima, sobre a evolução do homem, podemos dizer que sempre existiram relações de poder entre os homens desde o início da humanidade. Observando os costumes, percebemos que estamos sempre olhando as pessoas e as coisas avaliando, emitindo juízos de valor sobre cada situação. Desta forma os indivíduos, em seus grupos sociais, regulamentam seus comportamentos a partir das normas instituídas. O aumento do grau de consciência e de liberdade, e, portanto de responsabilidade pessoal no comportamento moral, introduz um elemento contraditório que irá o tempo todo, angustiar o homem: a moral, ao mesmo tempo em que é um conjunto de regras que determina como deve ser o comportamento dos indivíduos de um grupo, é também a livre e consciente aceitação das normas. (ARANHA; MARTINS, 1986, p. 304) 15 1.5 Aspectos históricos da construção e formulação dos conceitos Éticos e Morais Percebemos que uma atitude somente será moral se estiver de acordo com nossa opinião, nossas ideias, nossa aceitação pessoal da norma. Somente livres poderemos agir de acordo com nossa consciência, com responsabilidade nas decisões tomadas. Este é o caráter pessoal da moral. Quando nos referimos ao caráter social e pessoal da moral, poderemos agir de acordo com o dogmatismo ou legalismo (ARANHA; MARTINS, 1986, p. 304), fortalecendo a lei, mas ao mesmo tempo, incutindo nas pessoas o medo a não observância da lei. Se aceitarmos o individualismo, corremos o risco em não haver mais a moral, uma vez cada ser humano poderá impor seus desejos e vontades, ou seja, na ausência de princípios. A partir do momento que o homem passa a viver no mundo moralmente estruturado, este deve se apropriar de uma consciência moral, orientando suas escolhas e seu discernimento. O agir humano é caracterizado pela capacidade de anteciparse ao resultado a ser alcançado, tornando o ato moral propriamente voluntário. Neste sentido o ser humano possui o desejo e a vontade. Sendo o desejo algo natural do ser humano, mas deve ser controlado, para que não seja negada a moral. A complexidade do ato moral reside no fato que ele provoca efeitos não só na vontade, mas naqueles que a cercam e na própria sociedade como um todo [...] para que um ato seja considerado moral, ele deve ser livre, consciente, intencional, mas também é preciso que não seja um ato solitário. (ARANHA; MARTINS, 1986, p. 307). O texto do escritor Lima Barreto “O novo Manifesto”, do início do século XX irá nos ajudar a entender o caráter histórico-social da moral e o caráter pessoal, posicionando filosoficamente, construindo argumentos para estabelecer relações da moral com a ética, compreendendo seus conceitos e estabelecendo conexões com a realidade do mundo político de hoje. Para que possamos posicionar as nossas conclusões acerca do assunto desenvolvido até este ponto, vamos refletir um pouco mais estas noções: O conceito de moral, de ética, a característica do ato voluntário. A organização das sociedades em função da moral e da ética. A moral no tempo e no espaço. 16 Na evolução da sociedade humana o homem vem construindo diferentes pontos de vista sobre a moral e a ética. Reflita: Como podemos perceber isto no modo de viver das pessoas, no conceito de liberdade, nas relações de poder. 17 A partir das reflexões acima consideramos importante que os alunos passem a observar a comunidade em que vivem, analisando as concepções de moral e ética. Se possível,entrevistem, conversem com diferentes pessoas, inclusive da comunidade escolar para saber o que pensam ser a moral e a ética. 1.6 A vida social e a postura ética enquanto preceito educacional e filosófico. Reflexões sobre a Ética, multiculturalismo e educação1 Vivemos um momento único na história de toda humanidade. O mundo tornou- se uma aldeia global que partilha problemas como crises econômicas, ambientais e sociais. Somos testemunhas de uma era de enormes carências de conhecimento, de afetividade e de espiritualidade. Nossa sociedade é dominada por princípios voltados quase que exclusivamente ao lucro e a manipulação através do poder – político, social, econômico, religioso e interpessoal. Como as demais estruturas sociais, também a escola precisa assumir um novo significado (ressignificar-se) em suas antigas práticas, costumes e crenças. É inegável reconhecer que o modelo institucionalizado de escola que temos, de pouco ou nada adianta para as sofisticadas exigências de sobrevivência do mundo globalizado, que requer sujeitos autônomos, críticos, participativos, comunicativos, emocionalmente capazes, flexíveis a mudanças, adaptáveis a transformações, rápidos nas decisões, eficientes em julgamentos, enfim sujeitos com qualidades e habilidades, não raras vezes, opostas àquelas que a escola preconiza hoje, uma vez que a ideia de multiculturalidade parte do princípio da coexistência das diversas tradições culturais e espirituais; a capacidade humana de assimilar outras tradições sem rejeitar ou negar sua cultura original. 1 O presente texto é de autoria da Pedagoga Regina Aparecida Freitas da Costa Diniz, especialista em Gestão Escolar. 18 1.7 Educação como fator para humanização e socialização do homem A busca de novos ambientes de aprendizagem, mais adequados às necessidades de nossos alunos e ao mundo como ele hoje se apresenta, abre-nos uma perspectiva para refletirmos sobre a adoção de novo referencial para a educação, considerando a gravidade dos problemas vivenciados não somente no setor educacional, mas também nas diferentes áreas do conhecimento humano. No entanto, não podemos desprezar os paradigmas que foram construídos ao longo do tempo, pois sabemos que, historicamente, a educação sempre foi um fator importante para a humanização e socialização do homem. As mudanças que estão ocorrendo no mundo da ciência tornam necessário rejeitar visão arcaica em que ela é compreendida como um conjunto de verdades de natureza acumulativa, substituindo-a por uma concepção em que as teorias científicas vão se sucedendo ao longo da história, de acordo com modelos explicativos provisórios e parciais, e realizando sucessivos saltos qualitativos que significam verdadeiras mudanças totais na visão de mundo. Nossos sistemas de pensamento não são independentes de nossa história. Este fato nos leva a um questionamento profundo do que é aprendizagem e dos conhecimentos que constituem sua matéria prima. Assim, devemos discutir com os educadores que não é apenas o conteúdo da ciência que muda a cada instante, mas o ponto de vista pelo qual ela é praticada e contemplada. Implica em uma mudança nas atitudes de quem a pratica, em uma nova compreensão do que se entende pelo estudo da realidade, em uma abordagem inovadora das disciplinas curriculares das metodologias de ensino. Nesse contexto, um multiculturalismo, desde que bem entendido, não constitui uma rua de mão única para autoafirmação de grupos com identidade própria. A coexistência em pé de igualdade de diversas formas de vida exige ao mesmo tempo uma integração dos cidadãos e o reconhecimento recíproco de sua qualidade de membro subcultural no quadro de uma cultura política comum. A sociedade pluralista democraticamente constituída garante as diferenciações culturais sob a condição da integração política. Os cidadãos da sociedade são autorizados a formar seu modo cultural próprio sob a pressuposição de eles se entendam juntos com todos os outros, como cidadãos da mesma coletividade política. As justificações e as autorizações culturais encontram 19 seus limites nas bases normativas da Constituição, unicamente a partir da qual eles se fundamentam. Nas sociedades primitivas, por exemplo, tivemos uma educação difusa, havendo uma distinção entre educação, ensino e doutrinação. A educação desse período tem um conceito genérico, enquanto que o ensino se refere à transmissão de conhecimentos acumulados e a doutrinação é vista como uma pseudo-educação que não respeita a liberdade do educando. A visão de mundo da Idade Média, por sua vez, estava ligada ao processo da natureza em relações caracterizadas pela interdependência dos fenômenos materiais e espirituais e na subordinação das necessidades individuais às da comunidade. Nessa visão orgânica assentava-se o naturalismo aristotélico e sua fundamentação dada por São Tomás de Aquino (1224-1275). O pensamento do filósofo grego Aristóteles foi adaptado ao contexto cristão por São Tomás de Aquino no século XIII, dando ao universo cristão uma aproximação ao conteúdo científico que iria ser uma das razões para o aparecimento das universidades na Europa Medieval. A idade moderna teve no Renascimento um dos fatores marcantes que reposicionou o homem como centro do significado histórico. É o período do antropocentrismo (o homem como o centro) e do racionalismo, com o advento da experimentação científica. Segundo a concepção de um novo homem, no renascimento Educar torna-se questão de moda e uma exigência. A cultura renascentista é caracteristicamente humanista. 20 A ética inclui, portanto o desenvolvimento cognitivo do ser humano, segundo Jean Piaget, a moral heterônoma, estágio ainda elementar da moralidade, respeita regras e normas tão somente em função de um sentimento de medo, de amor ou de sagrado. A pessoa se submete, pois a regra advém de um "outro" que representa poder. Mas este é ainda um nível insuficiente, o processo educativo deve e pode gerar a moral autônoma que implica um sentimento de necessidade – "aquilo que não pode não ser". Neste cenário, as regras não são seguidas por medo ou por amor, mas antes de tudo são compreendidas pela "Razão" e é o sujeito em interação com seus iguais que decide quais as regras e normas obrigatórias e necessárias para o convívio social. Fonte: biography.com A moral autônoma não evoca o medo, o amor e o sagrado. Repele simultaneamente o egocentrismo e a confiança cega na autoridade. Tende ao reconhecimento de princípios apoiados na cooperação, reciprocidade e na necessidade de convívio organizado entre os indivíduos. Neste contexto as regras e normas não são eternas, mas se constituem e se preservam enquanto coerentes. É hora de resgatar a indagação: Seriam as relações pedagógicas predominantes éticas? Se isto fosse verdade, nossas certezas didáticas seriam tão intensas? Exercitamos de fato a tolerância ou ainda insistimos em classificar e segregar ideias e pessoas? Suportamos o diálogo argumentativo? Ou somos ainda seduzidos por verdades alienígenas? 21 A ética na educação significa admitir que hoje é necessário respeitar a regra combinada, ainda que amanhã, novas circunstâncias exijam novas regras e normas. Isto implica leveza, leveza de saber respeitar a regra porque compreendida e igualmente saber transgredi-la quando necessário e em benefício do convívio social. Esta é uma postura ética. É preciso investigar, como ocorreu a construção da ética nas relações pedagógicas. Parece predominar ainda muito fortemente a moral x moral heterônoma, tanto na instância do privado, quanto do público. Somos ferrenhos defensores de princípios que não assumimos como nossos, masnos submetemos por convivência. Desejar um processo educativo onde a ética tenha lugar significa não impedir o desenvolvimento do sujeito, que mesmo envolto pela cultura, nunca está reduzido a simplesmente repeti-la, mas deseja compreendêla. A escola deveria preocupar-se menos em repetir e exigir regras, normas e atitudes padrão e estabelecer um “clima constituinte”, onde alunos e professores reaprendam o processo de construção das próprias regulações sociais, pedagógicas, afetivas, cognitivas. Definidas devem ser repetidas de fato. Quando anacrônicas, devem ser revistas e reinventadas. Seremos nós professores, de fato leves tolerantes, dialógicos, éticos na interação com nossos alunos? Acreditar nesta possibilidade não significa refugiar-se no espontaneísmo, no democratismo, mas antes de tudo admitir que o processo de educação seja indiscutivelmente um processo de reconstrução, que, portanto tem bases firmes, mas não imóveis. A ética não basta como teoria. É preciso que cada cidadão incorpore esses princípios como uma atitude prática da vida cotidiana, de modo a pautar por eles seu comportamento. Isso traz uma consequência inevitável: frequentemente o exercício pleno da cidadania (ética) entra em colisão frontal com a moral vigente. Até porque a 22 moral vigente, sob pressão dos interesses econômicos e de mercado, está sujeita a frequentes e graves degenerações. É neste contexto que se deve pensar os rumos da educação que se processa na escola. Esta, por sua vez, deve exercer uma função democratizadora. Por um lado, deve preparar o cidadão em formação para o exercício da autonomia, lendo, interpretando e compreendendo criticamente o mundo a sua volta, observando os fatos e interpelando a realidade sempre que necessário. A educação deve inserir processos de ensino que instrumentalizem o trabalhador em formação a prover sua existência futura, de maneira satisfatória no horizonte da economia globalizada. Por outro lado, deve ser por excelência um processo de humanização, desenvolvimento e realização humana, que privilegie valores de liberdade e autonomia, moral e ética, cooperação e solidariedade. Educação para a cidadania: o conhecimento como instrumento político de libertação 2 A formação do ser humano começa na família. Ali, tem início um processo de humanização e libertação; é um caminho que busca fazer da criança um ser civilizado, e bem cedo a escola participa desse processo. Com o conhecimento adquirido na escola, o aluno se prepara para a vida. Passa a ter o poder de se transformar e de modificar o mundo onde vive. Educar é um ato que visa à convivência social, a cidadania e a tomada de consciência política. A educação escolar, além de ensinar o conhecimento científico, 2 O presente texto é de autoria do professor Roberto Carlos Simões Galvão. 23 deve assumir a incumbência de preparar as pessoas para o exercício da cidadania. A cidadania é entendida como o acesso aos bens materiais e culturais produzidos pela sociedade, e ainda significa o exercício pleno dos direitos e deveres previstos pela Constituição da República. A educação para a cidadania pretende fazer de cada pessoa um agente de transformação. Isso exige uma reflexão que possibilite compreender as raízes históricas da situação de miséria e exclusão em que vive boa parte da população. A formação política, que tem no universo escolar um espaço privilegiado, deve propor caminhos para mudar as situações de opressão. Muito embora outros segmentos participem dessa formação, como a família ou os meios de comunicação, não haverá democracia substancial se inexistir essa responsabilidade propiciada, sobretudo, pelo ambiente escolar. A ideia de educação deve estar intimamente ligada às de liberdade, democracia e cidadania. A educação não pode preparar nada para a democracia a não ser que também seja democrática. Seria contraditório ensinar a democracia no meio de instituições de caráter autoritário. A democracia não se refere só à ordem do poder público do Estado, mas deve existir em todas as relações sociais, econômicas, políticas e culturais. Começa na relação interpessoal, passa pela família, a escola e culmina no Estado. Uma sociedade democrática é aquela que vai conseguindo democratizar todas as suas instituições e práticas. 1.8 Educação para a cidadania 3 Como vimos a formação do ser humano começa na família. Ali, tem início um processo de humanização e libertação, valores morais e éticos; é um caminho que 3 Texto de autoria de Márcia Regina Cabral. A autora é graduada em Ciências Econômicas, Pedagogia e especialista em Educação Infantil e Gestão Escolar. 24 busca fazer da criança um ser civilizado, e bem cedo à escola participa desse processo. A educação formal e informal, movimentos sociais, entidades públicas, abordando aspetos tais como a educação das crianças, jovens e adultos para uma nova cultura dos direitos humanos e da paz e a reflexão e sistematização da prática educativa em direitos humanos. Nessa sociedade em rápida transformação, cidadania depende cada vez mais da educação moral e ética. No atual contexto tecnológico, de consumo e da mundialização da economia e da cultura, os indivíduos são seduzidos a viver os valores das grandes elites econômicas nos mais diversos aspectos da vida social. Por isso a cidadania necessita de um elevado nível de socialização do saber científico. Do contrário, seremos apenas consumidores ou não, dependendo da nossa condição socioeconômica e dos nossos valores. A educação é um meio de construção e reconstrução de valores e normas que dignificam as pessoas e as tornam mais humanas. Ao invés de só reclamarmos poder agir e transformar as coisas. É verdade que sozinhos não podemos mudar tudo, mesmo por que cada um de nós tem um ponto de vista diferente do que e de como mudarmos as coisas. Ter como princípio a valorização do humano, do ser e não apenas do ter material, já é um bom começo. Em nossas comunidades, escola, clube, prédio, rua, etc. Sempre há pessoas que se uniram para lutar por algo que acreditam. Conheça melhor a sua comunidade e experimente participar dela mais ativamente! Uma ideia é a participação em projetos que visem à melhoria da qualidade da educação. 25 A preocupação com a educação para a cidadania no Brasil remonta à Constituição de 1823. Parece curioso que em pleno Império já se fizesse presente entre nós um conjunto de ideias em torno da universalização dos direitos, influenciada pelo coetâneo movimento da ilustração francesa. Embora esse avançado ideário tenha alcançado seu lugar na letra da lei, na realidade ainda predominava entre nós a configuração de uma sociedade escravocrata e excludente, na qual apenas os homens livres e proprietários desfrutavam de direitos devido ao sistema censitário imperial. Esse sistema vigorou durante o Segundo Reinado e tinha sido definido pela Constituição de 1824, a qual assegurava o direito de votar e ser votado, participar da Câmara e do Senado, apenas àqueles cidadãos que se enquadrasse em determinados níveis de renda. “Não obstante, tanto os constituintes de 1823 quanto os de 1824 preconizavam a disseminação de escolas, ginásios e universidades, bem como a garantia da gratuidade do ensino público apesar de omissos no que respeita à matéria obrigatoriedade.” (BOTO 1999, p. 2). A questão da defesa da ampliação do acesso à escola referia-se à desigualdade social, a qual se supunha, poderia ser compreendida a partir dos parâmetros de capacidades e talentos individuais. A elite econômica esta passando a ser destinada a tornar-se elite cultural, uma vez que a universalização do acesso à educação formal não se efetivou, permanecendo privilégiode uns poucos considerados talentosos e mais capazes em relação aos filhos do povo, destinados à execução de tarefas de somenos importância do ponto de vista da vida econômica, política e social. Até o nascimento do partido Republicano, em 1870, não foram verificadas grandes mudanças na área da educação, embora houvesse a crença de que a escolarização era indispensável ao progresso do país, o que, por consequência, exigia a transformação dos súditos em cidadãos. 26 Assim, os princípios da liberdade, igualdade, democracia e solidariedade humana são derrotados pelos valores do individualismo, da competição, da busca do lucro e acumulação de bens os quais configuram a moral. E a educação é chamada, na sociedade para realizar a mediação entre ética e cidadania, formando os indivíduos de acordo com os valores requeridos por esse tipo de sociedade. Assim, pela mediação da educação, se buscará instituir, em cada indivíduo singular, o cidadão ético correspondente ao lugar a ele atribuído na escala social. Uma nova cidadania acontece por intermédio dos currículos oficiais e, para isso, é necessário que os currículos sejam revistos. Acontece também em todos os demais espaços escolares e tudo necessita de um olhar novo para que saiamos do quadro de fracasso da instituição escolar no qual, sabemos, o país está imerso. É necessário ensinar às nossas crianças e jovens não apenas a ler e a escrever, mas a olhar o mundo a partir de novas perspectivas. Ensinar a ouvir, falar e escutar, a desenvolver atitudes de solidariedade, a aprender dizer não ao consumismo imposto pela mídia, a dizer não ao individualismo e sim à paz. 27 Educar para a cidadania é adotar uma postura, é fazer escolhas. É despertar para as consciências dos direitos e deveres, é lutar pela justiça e não servir a interesses seculares. É uma urgência que grita e que deveria ecoar nos corações humanos e não nos alarmes das propriedades que tentam proteger a vergonha do que a civilização humana construiu. Para alcançarmos isso, não podemos ficar somente no ensinar para a cidadania. É preciso construir o espaço de se educar na cidadania. E nesse sentido, não é somente a preposição que muda. Muda a postura do professor que de cidadão que somente exige seus direitos passa a lembrar também dos seus deveres. 2 A FILOSOFIA COMO PRÁTICA DO PENSAMENTO HUMANO 2.1 A oposição Renascimento X Barroco Renascimento é o termo usado para identificar o período da História da Europa aproximadamente entre fins do século XIV (c.1450) e meados do século XVI. Os estudiosos, contudo, não chegaram a um consenso sobre essa cronologia, havendo variações consideráveis nas datas. Seja como for, o período foi marcado por transformações em muitas áreas da vida humana, que assinalam o final da Idade Média e o início da Idade Moderna. Apesar destas transformações serem bem evidentes na cultura, sociedade, economia, política e religião, caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo e significando uma ruptura com as estruturas medievais, o termo é mais comumente empregado para descrever seus efeitos nas artes, na filosofia e nas ciências. http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura http://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade http://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade http://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade http://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade http://pt.wikipedia.org/wiki/Economia http://pt.wikipedia.org/wiki/Economia http://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADtica http://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADtica http://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADtica http://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3o http://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3o 28 “A Santa Ceia” de Leonardo da Vinci - Obra do Renascimento Fonte: Fonte: www.biography.com Características: Predomínio da razão, da harmonia e do equilíbrio (simetria), princípios referentes ao contexto do Renascimento como o antropocentrismo (o homem como o centro do universo, a principal criatura de Deus, a valorização da ciência (racionalismo) e a inserção da obra de arte na natureza), sobre a emoção e o movimento gerador de tensão. Princípios que se fazem presentes: Na disposição das formas, perfeitamente equilibrada (simétrica), reparem Que cristo se encontra no centro e há seis apóstolos de cada lado; 29 No equilíbrio estático (e não dinâmico) - notem que leonardo da vinci não explora as linhas diagonais para distribuir os apóstolos (assim como faz tintoretto) e sim as linhas que dividem o quadro na horizontal e na vertical; Na iluminação intensa e geral (que denota a razão) - observem que a luz se espalha por igual em toda a tela, sem contrastes de claro e escuro (luz e sombra) como ocorre na pintura de tintoretto; No equilíbrio na disposição das cores quentes e frias; Na clara delimitação dos contornos das formas/figuras, sem rebuscamento de linhas. “A Santa Ceia” de Tintoretto - Obra do Barroco Barroco é o nome dado ao estilo artístico que floresceu entre o final do século XVI e meados do século XVIII, inicialmente na Itália, difundindo-se em seguida pelos países católicos da Europa e da América, inclusive o Brasil, antes de atingir, em uma forma modificada, as áreas protestantes em prédios públicos e alguns pontos da arte e arquitetura do Oriente. Fonte: www.biography.com Características: Predomínio da emoção, da tensão e do movimento em detrimento da razão e do equilíbrio. 30 Princípios que se fazem presentes: a) Na disposição das formas distribuídas de maneira a gerar a ilusão (ou sensação) de movimento - reparem que, embora Cristo se encontre no centro da tela, os apóstolos e demais figurantes não se encontram distribuídos de igual maneira ao seu redor; b) No aproveitamento da diagonal que liga o canto inferior esquerdo ao superior direito para distribuir a maioria dos participantes da ceia - este procedimento também gera a ilusão de movimento, pois obriga o olhar do espectador a se deslocar no sentido da diagonal sem se fixar na imagem de Cristo no centro da tela; c) No aproveitamento, embora menor, da outra diagonal, reparem que a luz da luminária e os anjos a sua volta, no canto superior esquerdo, encontram um certo equilíbrio na imagem do homem de azul no canto inferior direito (que se opõe à mulher embaixo da luz, também azul como ele); d) No predomínio da escuridão e dos contrastes de luz e sombras; e) No abuso dos arabescos e linhas tortuosas (especialmente na representação dos anjos, tanto no canto superior direito quanto esquerdo, ao redor da luz) e na indefinição dos contornos das formas devido às sombras ou até mesmo ao excesso de luz; f) Na "bagunça" da cena que expressa muito mais a realidade da vida do g) Que o equilíbrio estático da pintura de da vinci (nela todos se dispõem artificialmente ao longo da mesa para "tirar o retrato", ou seja, fazem "pose"). Reparem que no quadro de tintoretto há até um cachorro bebendo água na tina que se encontra na parte inferior da pintura, ao centro, bem na linha que divide verticalmente a obra ao meio (situando- se, portanto, abaixo de cristo). 31 2.2 A Filosofia no contexto da transição do século XVI e XVII As concepções físicas do universo e o comportamento humano A concepção física de que o universo não tinha centro, nem limites, e que a terra não girava à volta do Sol, fora já sustentada na antiga Grécia, mas a concepção dominante foi sempre a contrária. Aristóteles já havia apresentado, em defesa do geocentrismo, argumentos que foram considerados durante séculos incontestáveis. Estes argumentos eram validados pelas descrições do universo feitas na Bíblia. A grande ruptura com esta concepção geocêntrica ocorreusomente no século XVI. Entre os que contribuíram para esta transformação conceitual que então aconteceu destaca-se Nicolau Copérnico (1473-1543). Na sua obra “Sobre as Revoluções dos Corpos Celestes” explicou de forma pormenorizada como era mais belo ou estético que o centro do universo não fosse a Terra, mas o Sol. Como escreveu: "Neste templo (o cosmos), o mais belo que existe, quem poderia achar para esta lâmpada (o Sol) um lugar melhor que este (o centro), de onde pode iluminar ao mesmo tempo todas as coisas?" Galileo Galilei também acreditava nesta harmonia cósmica, no entanto as suas observações levaram-no a concluir que a mesma não se encaixava na antiga concepção do cosmos, finito e hierarquizado segundo graus de perfeição. As observações com a luneta revelaram-lhe que a lua não era um corpo cristalino e sem peso, pelo contrário tinha vales e altas montanhas. Acreditou mesmo que possuía rios, mares e florestas. Esqueceu-se de afirmar era habitada. O Sol perdeu também a sua perfeição cristalina, quando lhe descobriu manchas. Para espanto de todos descobriu que um planeta, Saturno, era rodeado de 32 anéis. Esta imagem era inconcebível na concepção anterior dos astros. Todos deviam naturalmente de ser esféricos, porque a forma mais perfeita de todas era a esfera. Observando o movimento pendular do lampadário do Duomo de Pisa mostrou ainda que o mesmo se devia ao movimento de rotação da Terra. Estes e outros fatos eram mais do que suficientes para sustentar que foi ele que apresentou provas concludentes a favor da concepção heliocêntrica do Cosmos, embora não tenha sido o seu criador. A oposição entre os contextos Renascimento e Barroco pode nos mostrar como as concepções filosóficas, o universo das ideias, estão sujeitas às transformações culturais realizadas nos diversos períodos históricos. Caracterizado pelo antropocentrismo, onde o homem é a principal criatura de Deus, pelo racionalismo e pela valorização das argumentações científicas esta concepção renascentista ainda é reforçada pelo fato de este homem ainda acreditar que está no centro do universo – a concepção física do Geocentrismo. Ao analisarmos a pintura da Santa Ceia de Leonardo Da Vinci podemos constatar esta visão cultural em comparação com a Santa ceia de Tintoretto. O universo Barroco que se situa no final do século XVI na Europa se revela através de elementos filosóficos opostos aos do Renascimento: a assimetria, a emoção no lugar da razão, o contraste de claro-escuro sem a inserção da natureza e reforçado agora pela nova concepção física do universo, o Heliocentrismo onde o homem não é mais o centro do universo e sim, uma pequena parte. Esta concepção filosofia produz um homem frágil, com dúvidas e que valoriza o sofrimento e a emoção – elementos próprios do universo Barroco. 33 2.3 Francis Bacon e a crítica a esterilidade da tradição filosófica O texto que se segue é de autoria do professor Bernardo Jefferson de Oliveira (UFMG) estudioso da filosofia de Francis Bacon. Iremos apresentar fragmentos comentados de seu livro Francis Bacon e a fundamentação da ciência como tecnologia. 2ª edição. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, pp. 61-71, buscando orientar o sentido de aprendizagem do curso de Filosofia e Ética para o entendimento do contexto de transição do século XVI para o XVII quando se propõe uma nova classificação e aplicabilidade dos conhecimentos. Boa leitura! 2.4 A divisão sistemática dos conhecimentos Fonte: www.biography.com Os amontoados de erros são tantos e tão grandes que é impossível tratá-los isoladamente. Eles devem ser derrubados e varridos em massa. Francis Bacon A crítica de Bacon à tradição da filosofia é variada e complexa. Embora ela seja o tema central dos escritos O parto masculino do tempo (Temporis partus masculus, 1603), Fio do labirinto (Filium labyrithi, 1606), Pensamentos e conclusões (Cogitata et visa de interpretatione naturae, 1607), Refutação das filosofias (Redargutio philosophiarum, 1608), ela aparece disseminada em boa parte de sua obra, especialmente nos livros Do progresso do conhecimento (The advancement of learning, 1605), do Novo órganon (1620), do livro Da dignidade e do Desenvolvimento da Ciência (De dignitate et augmentis scientiarum, 1623), nos quais a tradição filosófica, seja em casos específicos ou em grupos, é examinada sob diferentes aspectos, como seus objetivos, posturas e métodos. 34 Por causa destes diferentes aspectos em exame, alguns autores são vigorosamente criticados em certos escritos e tidos como modelos em outros. Essa variedade se torna especialmente complexa porque, além de criticar os equívocos do passado, Bacon busca analisar as origens dos erros e compreender suas "razões históricas". Ou seja, ainda que o tom de algumas passagens revele uma condenação impiedosa até mesmo ingênua da tradição, Bacon desenvolve uma crítica mais profunda e ponderada com um tipo de análise histórica na qual busca compreender as causas culturais e sociopsicológicas dos pensamentos mais significativos da tradição. E o que é mais interessante: juntamente com as filosofias e as condições históricas de sua produção, busca examinar sua recepção, ou seja, a relação que as audiências tiveram com estes textos e suas ideias. 35 Além disso, Bacon não deixará de examinar as condições da própria análise, isto é, os perigos e preconceitos a que a própria investigação está sujeita. "O entendimento deve ser preparado antes de ser instruído, e as mentes precisam ser tratadas antes de exercitadas." Daí a necessidade de se deter no reconhecimento desses falsos ídolos e nos cuidados para evitá-los. Tudo isso traz dificuldades para avaliação da posição de Bacon frente à tradição, pois se tem a impressão de ela estar pontuada por ambiguidades e contradições. Seja como for, nosso interesse aqui é o exame das características centrais da crítica de Bacon, e não resta dúvida de que o eixo da crítica é a esterilidade de toda a tradição filosófica, pois, para Bacon, a filosofia como um todo, talvez com exceção de alguns raros momentos como entre os pré-socráticos, se caracterizava pela futilidade de abstrações sem sentido e inutilidade para a melhoria da vida dos homens. 36 Bacon pretende abrir ao entendimento humano uma via completamente distinta da conhecida no passado, e o exame geral de sua posição frente à tradição nos fornece um importante elemento para a compreensão de seu projeto, pois indica justamente o tipo de falta que sua reforma deverá sanar para instaurar o programa que idealiza. Assim, a análise do que ele considera estéril e fútil lança luz sobre o que ele concebe como a nova ciência produtiva e fecunda. A nosso ver, a crítica de Bacon à esterilidade da tradição se desenvolve em três vertentes: os objetivos do conhecimento, as formas de se alcançá-lo e a postura frente a ele. Embora estas vertentes se entrelacem, vamos procurar tratá-las separadamente e nesta ordem. Antes, contudo, é conveniente traçar, ainda que em linhas gerais, o contexto no qual elas se formam. No mundo intelectual da Europa do final do século XVI, Platão e Aristóteles serviam de bases às principais correntes de pensamento. O primeiro se fazia influente através de um platonismo cristianizado (Thomas Morus, Giordano Bruno e Campanella) ou de um neoplatonismo que, de maneira sincrética, misturava fontes herméticas1 com outras doutrinas espiritualistas, como se pode depreender da filosofia de Marsílio Ficino, de Pico della Mirandola e de outros pensadores renascentistas. Já o aristotelismo imperava nas escolas, isto é, era a base dos currículos universitários e exercia, por intermédio dos escolásticos, forte influência na lógica e na filosofia natural. A resistência ao aristotelismojá era relativamente difundida na época de Bacon. Paracelso, Erasmo de Roterdan, Lutero, Ramus, Telésio, Giordano Bruno, Campanella, Galileu e vários outros se opunham às ideias do estagirita (relativo à Estagirita – cidade natal de Aristóteles na Macedônia) sob diferentes pontos de vista. Ou seja, embora representasse a filosofia oficial, o aristotelismo era também o alvo preferencial de todos aqueles que, por diferentes razões, criticavam o ensino acadêmico e o conhecimento oficial. Entretanto, várias destas críticas e suas alternativas serão também, por sua vez, criticadas por Bacon. Algumas destas, como a perspectiva dos humanistas, a dos reformadores da retórica 4, não se diferenciavam muito, aos seus olhos, dos objetivos equivocados, da linguagem artificialmente complexa e da impostura da tradição. 37 Os objetivos equivocados A primeira vertente da crítica à esterilidade da tradição filosófica diz respeito aos objetivos do conhecimento. Bacon não hesita em condenar a elevação do espírito ou a honra pública, o prazer ou a tranquilidade da alma como fins inferiores e degenerados. A seus olhos, a função meramente contemplativa da filosofia e a ausência de uma tentativa de compreensão que representasse um domínio da natureza são as principais razões da estagnação, dos "destemperos do conhecimento" e de seus procedimentos dogmáticos. Uma das causas básicas da confusão de objetivos estava, para Bacon, "na mescla danosa" com a teologia. Platão é condenado por sua falta de interesse pela filosofia natural e por ter corrompido o estudo da natureza com a religião, o que o teria levado a entender e explicar a natureza em termos do sumo bem. Também Aristóteles e sua doutrina da causa final acabam segundo Bacon (The advancement of learning. VI, 223), incorrendo numa perspectiva teleológica equivalente à de Platão. Esta perspectiva impedia, a seu ver, a busca das causas físicas que possibilitam ter algum domínio sobre os fenômenos naturais. Explicações finalistas sobre operações da natureza, como a de que as chuvas são feitas para aguar a terra e as folhas das árvores para proteger os frutos, transformam, segundo Bacon, a ciência numa teologia. As causas finais são, portanto, vistas como questões acerca da providência divina, e suas especulações como "uma virgem consagrada a Deus, que não produz nada". Assim, é razoável que Bacon colocasse os pré-socráticos naturalistas acima de Platão e Aristóteles. Especialmente Demócrito, que, a seu ver, removeu Deus e a mente da fábrica das coisas e tratou das causas das coisas particulares como 38 necessidades da matéria, sem nenhuma intromissão das causas finais. Também os céticos serão reverenciados por suas críticas às pretensões do conhecimento filosófico, mas não serão poupados da acusação de esterilidade, por causa da desesperança e conformação que seus pontos de vista levavam. Ao tentar compreender as razões da adoção de objetivos equivocados, Bacon se deterá em alguns momentos na análise dos elementos psicológicos e culturais. Assim, em O parto masculino do tempo, a incapacidade dos filósofos em procriar (filosofias estéreis em obras) expressa uma atitude moralmente culpada, advinda da soberba daqueles que não prestaram atenção aos limites, nem tiveram apreço pela realidade e respeito pela obra do Criador, colocando acima de tudo “as astúcias do engenho e a obscuridade das palavras”. Esta postura se revela, por exemplo, na pretensão de encerrar a universalidade do saber e a totalidade da natureza em princípios e doutrinas. Já em The advancement of learning, Bacon trata dos erros e da futilidade como destemperos do conhecimento, que seriam de três tipos: “...o primeiro, conhecimento fantástico, o segundo, contencioso e o terceiro, delicado. Vãs imaginações, vãs altercações e vãs afetações”. Estes três destemperos caracterizariam as principais tendências de sua época: neoplatonismo, escolástica aristotélica e retórica humanista. Mas a denominação pejorativa de estéril não diz respeito somente a estas correntes, mas ao conjunto das filosofias antigas e de sua época. Mesmo a obra do italiano Bernardino Telesius, por quem Bacon nutre reconhecida admiração, não deixa de ser considerada, pejorativamente, como contemplativa e pastoral. A esterilidade vale frisar, não é propriamente teórica, mas em termos de frutos (obras) que aliviem a condição material dos homens. Bacon considera os sistemas dos filósofos como teias de aranha. Com esta imagem ele exprime, simultaneamente, 39 a percepção de sua perfeição e de seu deslocamento da realidade. Ou seja, reconhece a beleza e a habilidade das mentes na construção dos sistemas que, como os fios com que as aranhas tecem suas teias, são tirados delas mesmas, sem comércio com a natureza, e pairando acima e fora do mundo real. O interesse dos gregos pela teorização, que diferenciava seu conhecimento dos de outros povos e que geralmente é visto como elemento fundador da cultura ocidental é visto por Bacon como um equivocado excesso, que desvirtuara toda a filosofia. Isto não quer dizer que o conhecimento operatório, que ele proporá em substituição, deva abrir mão de qualquer teorização. Bacon defenderá, como veremos, uma verdadeira união da teoria com a prática e, portanto, criticará também o desinteresse dos técnicos pelas teorias e métodos que potencializassem o conhecimento-domínio da natureza e o avanço das invenções. Mas a seu ver a "inclinação grega" fora excessiva, levando a um descaminho que praticamente esterilizou toda tradição filosófica. Como se poder ver, a refutação dos objetivos equivocados da tradição filosófica vai indiretamente revelando as finalidades do programa baconiano. Ou seja, expressos negativamente como crítica da esterilidade, os objetivos da ciência baconiana se revelarão positivamente como transformação da ciência (filosofia natural) em tecnologia. 2.5 A Ética e a prática filosófica Espinosa e a Filosofia da Existência Fonte: www.citador.pt 40 Baruch de Espinosa é, com toda a justiça, considerado um dos grandes da história da filosofia — “o filósofo dos filósofos” ou, como disse Bertrand Russell, “o mais nobre e o mais amável dos grandes filósofos”. Ainda assim, suas ideias foram amplamente rejeitadas em sua época. Mesmo antes de escrever suas obras principais, ele foi excomungado pela comunidade judaica de Amsterdã em julho de 1656. Tinha então 24 anos de idade. Seus livros, quase todos publicados postumamente, foram proibidos e postos no Índex do Vaticano. O filósofo morreu em 1677, aos 44 anos. Entre os que influenciaram a filosofia de Espinosa, é importante destacar Aristóteles, os Estóicos, Descartes e Giordano Bruno, este último cosmólogo e poeta além de filósofo, e também vítima da ortodoxia da Igreja Católica: em 1600, foi queimado numa das fogueiras da Santa Inquisição. Eis algumas das ideias de Espinosa: a) A realidade é una; b) Deus e a realidade são uma coisa só; c) A mente e a realidade também são unas; d) O propósito da filosofia é perceber a unidade que existe na diversidade. Espinosa é um filósofo racional e revolucionário. A seu ver, é possível compreender a totalidade da realidade por meio da razão (do conhecimento). Para ele, a compreensão de tudo não é somente um simples exercício intelectual: é um exercício de liberdade. Seu ponto de partida é ousado: se Deus é onipresente, não há como imaginá-lo fora do mundo. O divino faz parte de tudo o que existe no mundo natural. Não é, pois, transcendente, mas sim imanente (permanente). Na verdade, Ele é a própria Natureza, o conjunto de todos os seres, vivos ou não, o que evidentemente inclui os humanos, suas mentes e seus corpos. Daí a conhecida expressão espinozista: Deus sive Natura ou Natura Naturante (Deus = Natureza). ParaEspinosa Deus é livre para criar todas as coisas, pois não seria “constrangido” (impedido) por nenhuma força estranha (lei, norma, regra, etc), e expõe a ideia de um Deus produtor e não transcendente. Ao contrário de Deus, o homem, segundo a filosofia de Espinosa, não teria a possibilidade de ser livre – o homem estaria na servidão. O homem não seria capaz de efetuar a sua própria natureza, pois estaria, ao contrário de Deus, sujeito às forças 41 estranhas (leis, normas, regras) que impediriam ao homem de criar algo a partir de suas próprias ideias. Para Espinosa a Liberdade seria essencial, o elemento primordial para a criação e o estabelecimento de novas ideias e novas proposições na natureza e o homem para experimentar a liberdade e conhecer as coisas e o universo ao seu redor teria de ter necessidade da liberdade para promover o seu conhecimento. Espinosa e os três níveis do conhecimento humano: a consciência, a razão e a criação Espinosa estabelece uma relação direta entre a atividade produtiva e a liberdade. Segundo a obra de Espinosa, principalmente a “Ética”, para se produzir ou “efetuar a sua natureza” seria imprescindível ter liberdade. Seria dessa forma que Espinosa estruturaria a atividade divina – Deus seria livre para efetuar a sua natureza, Deus seria livre para criar. No entanto, para Espinosa essa atividade de criação não estenderia aos homens, ou seria quase impossível aos homens alcançar este nível do conhecimento. Espinosa estrutura seu pensamento estabelecendo três níveis do conhecimento aos quais os homens, eventualmente, poderiam atingir: 42 Dessa maneira, estão dadas as condições, segundo Espinosa para que o homem alcance a liberdade por meio do conhecimento e consiga efetuar a sua própria natureza, ou seja, realizar suas escolhas e produzir o seu conhecimento. 43 2.6 O desfio das diferenças Urbana e globalizada, a contemporaneidade defronta-se com permanente interseção cultural. Grandes debates marcam, hoje, o campo da ciência e, mais particularmente, o das ciências humanas e sociais. O desenvolvimento tecnológico, as novas tecnologias e seus significados éticos e sociais; a globalização da economia e da cultura e as interseções global / local, como reaparecimento dos grupos étnicos, o fortalecimento de fundamentalismos de várias ordens, a organização e luta das minorias oprimidas; a diluição das fronteiras e a reconfiguração dos grupos de pertencimento e os sentimentos identitários; a homogeneização e a instantaneidade da informação concomitante à proliferação das formas comunicativas; a individualização da sociedade e a personalização dos interesses, aliadas à busca das vivências grupais e à reativação dos laços comunitários; a presentificação da temporalidade contemporânea e o obscurecimento da ideia de futuro são temáticas que, acolhendo contradições e marcando a diversidade desafiadora do contemporâneo, instigam o trabalho do conhecimento. A globalização, os avanços tecnológicos e seus efeitos sobre o trabalho, a constituição da sociedade informacional, a ocidentalização da cultura e a superexposição da mídia são processos contemporâneos que produzem mudanças nos modos de estar e sentirem-se juntos, desarticulam formas tradicionais de coesão e modificam modelos de sociabilidade. A diversidade marca territorialmente nossos espaços de viver a partir de formas de vida específicas, que se refletem em padrões de comportamento diversos e, às vezes, em tensões e conflitos. 44 A gestão dessas tensões e a construção da convivência com o respeito à diferença são alguns dos desafios mais importantes que todas as sociedades enfrentaram ou têm enfrentado. A expressão da diversidade cultural, das tensões daí advindas, da riqueza de possibilidades contidas nessa diversidade ocorre, preferencialmente, nas cidades. As cidades crescem e a população mundial se concentra cada vez mais nas zonas urbanas. As cidades se convertem no principal lugar da diversidade cultural, dos contatos e da criatividade cultural. Mas essa diversidade implica um desafio: encontrar os meios institucionais capazes de garantir a interculturalidade, principalmente nos tempos atuais, com um espírito de paz e democracia. Nesse contexto, as cidades aparecem como imensos caleidoscópios (mosaicos) de padrões, valores culturais, línguas e dialetos, religiões e seitas, etnias e raças. Modos distintos de ser passam a concentrar-se e a conviver em um mesmo lugar. Os tempos atuais produzem, simultaneamente, o desenvolvimento de uma cultura de massa por intermédio dos meios de comunicação e o florescimento das chamadas culturas locais. Esses dois elementos da transformação cultural encontram um lugar privilegiado nas cidades, onde formam parte de um processo amplo de construção de identidades. As cidades são o espaço da diversidade, do encontro com o estrangeiro, do reconhecimento da distinção entre o “eu” e “os outros”. A tendência da globalização – um mundo “uno”, interconectado e interdependente – supõe, simultaneamente e como parte de um mesmo processo, a reafirmação da diversidade cultural e das identidades locais e nacionais. Hoje, temos uma profunda mudança na compreensão do que entendemos por diversidade. Até há algum tempo, diversidade cultural era entendida como heterogeneidade radical entre culturas, cada uma delas enraizada em um território específico, dotada de um centro e de fronteiras nítidas. Qualquer relação com outra cultura se dava como estranha / estrangeira e, concomitantemente, perturbação e ameaça em si mesma, para a identidade própria. O avanço tecnológico dos transportes e da comunicação “borrou” o tempo e o espaço, derrubando as barreiras que rodeavam as culturas. O processo de globalização que agora vivemos, no entanto, é, ao mesmo tempo, um movimento de 45 potencialização da diferença e de exposição constante de cada cultura às outras, de minha identidade àquela do outro. Reaparece a noção de fronteira, dentro da cidade, à medida que a multiplicação de identidades está ligada à multiplicidade de territórios, às desigualdades sociais e à distinta capacidade de acesso a serviços. Ao mesmo tempo, surge um futuro delineado por forças econômicas, tecnológicas e ecológicas que exigem integração e uniformização e engendram comportamentos idênticos em toda parte, moldados por um padrão urbano e cosmopolita (que é composto por indivíduos de origens culturais distintas). Isso passa a exigir um permanente exercício de reconhecimento daquilo que constitui a diferença dos outros como enriquecimento potencial da nossa cultura, e uma exigência de respeito àquilo que, no outro, em sua diferença, há de intransferível, não transigível e, inclusive, incomunicável. A cultura se encontra no centro dos debates contemporâneos sobre a identidade, a coesão social e o desenvolvimento de uma economia fundada no saber, que tem levantado algumas questões: 46 2.7 Cultura e Diversidade - Considerações sobre a multiplicidade das mani- festações Milton Moura4 A discussão sobre diversidade cultural ocupa lugar de destaque na ordem política internacional. A Declaração Universal sobre Diversidade Cultural (UNESCO, 2001), resultado da Conferência de Estocolmo, realizada em 1998, sinaliza a relevância da temática. A diversidade cultural é colocada no mesmo plano dos direitos econômicos e sociais e remete a uma conceituação de cultura consideravelmente ampla, fortemente ancorada na discussão antropológica. Afirma-se em diversos momentos a diversidade cultural como compatível com a unidade do gênero humano e com o intercâmbio entre diferentes culturas. Aspectos quantitativos e qualitativos são integrados no bojo de sua definição. Diante do impacto das novas tecnologias, o documentoapresenta-se otimista no que se refere às possibilidades de diálogo. Em alguns trechos, diversidade cultural é identificada com democracia. São várias as questões que poderiam ser descultural entre os povos e a dobradas a partir destas observações iniciais. Aos efeitos da forma de interpretação despresente reflexão, cabe destacar aqueles que dizem respeito à definição daquilo que poderia ser tomado como uma unidade cultural. Em que sentido, em que medida, de que forma podemos falar em “uma cultura” ou “cada cultura”? Quando nos referimos aos nossos “campos”, muitas vezes plataformas de aplicação de nossos conceitos, problemáticas e hipóteses, não são raras expressões como “na cultura deles”, “são culturas completamente diferentes”, etc. Um problema que surge à primeira leitura dos documentos e da bibliografia ensaística dedicada ao tema se relaciona aos contornos do que se chama, na maioria das vezes de modo simplificado, “cultura latino-americana”, “cultura negra”, “culturas indígenas”, etc. Estas expressões são frequentes em formulações programáticas e estratégicas de organismos como a International Network for Cultural Diversity (INCD) e a International Network for Cultural Policies (INCP). No Brasil, esta temática 4 Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas e Professor Associado do Departamento de História na Universidade Federal da Bahia (UFBA) / Brasil. 47 alcançou uma visibilidade maior por ocasião da assembleia da United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD), realizada em São Paulo em 2004. Apesar do esforço de diversas redes de discussão, de produção cultural e de militância política, restam lacunas a merecer equacionamento e aprofundamento. De Bernard (2005) coloca a necessidade de considerar cinco dimensões da diversidade cultural para que este conceito possa ser estabelecido de forma mais consistente: Diversa, pelo qual a própria compreensão da diversidade cultural precisa superar a suposição de que a simples pluralidade ou multiplicidade já seria, por si, diversidade; Cultural, repelindo o equívoco de identificar biodiversidade e diversidade cultural, ou mesmo extrapolar a lógica histórica em busca de homologias ou analogias entre os dois termos do binômio, porquanto a cultura é invenção humana e fluxo contínuo de criação e conflitividade; Dinâmica, o que coloca sob suspeita a perspectiva simplificada – às vezes, simplória – de “preservar” ou “manter”; Questão e resposta – política, social, pedagógica e econômica – a desafios percebidos na cena dramática da contemporaneidade; Projeto, utopia, ponto de tensão, em vez de “ideal”. Uma formulação assim radical de um projeto de reflexão aponta para bem mais que o estabelecimento da diversidade cultural – ou multiculturalismo e interculturalismo – como mais um modismo. Isto viria a coincidir com o interesse dos grandes grupos empresariais para os quais a diversidade bem poderia ser uma configuração pictórica de diferentes, qual um outdoor da CocaCola. O resultado cumulativo da presença de militantes de diversas minorias sociais na cena midiática não deixa de corresponder inclusive ao apelo consumista diante de novas categorias de consumidores. É interessante registrar as interseções genéticas entre os conceitos de diversidade cultural e de biodiversidade (SEGOVIA, 2005). É daí que se pode partir para compreender o caráter até certo ponto sagrado de cada unidade chamada, numa simplificação às vezes inevitável, de “cultura”, na acepção de “uma cultura”, de “cada 48 cultura”. Assim, cada cultura seria intransferível, singular, a ser admirada e defendida contra as ameaças à sua continuidade. O desaparecimento de cada cultura seria uma perda irreparável, já que cada unidade cultural seria intransferível e irrecuperável. Este paralelo, contudo, não deixa de oferecer dificuldades. No campo sociológico, a reflexão deve considerar outros elementos. Anthony Giddens (1991) deixou patente a importância dos mecanismos de transferência de elementos (inclusive culturais) de uma sociedade a outra. O próprio MiKhail Bakhtin (2001), com o conceito de dialogismo, já havia tematizado a importância dos trânsitos entre enunciados de sujeitos os mais distintos. Numa apropriação singular desta Figura 6 - Dialogismo é uma figura de linguagem, intuição, Ginzburg (1987) criou o conceito de circularidade cultural, que dá conta de trocas entre sujeitos situados em classes sociais não somente diferentes, como antagônicas. Não é raro observar que a visão veiculada pelas mídias acerca da diversidade cultural supõe o mundo como uma pluralidade de estados-nações com um território definido, um governo efetivo e uma população estável com ligações culturais comuns (GOLDSMITH, 2005). E não é difícil imaginar que esta tendência seja hegemônica nos ambientes e ocasiões em que os diferentes estados-nações se fazem participar mediante seus representantes intelectuais e/ou políticos. A unidade básica quando se fala de cultura, no caso, se pauta sobre as linhas do estado-nação; como se diz na linguagem comum, o “país”. A partir, sobretudo do final dos anos ’80, com o desmoronamento da Iugoslávia e da União Soviética, o que pareciam simplesmente “países” se revelaram somatórios complexos de unidades sócio-político-culturais que em processos muito violentos foram reunidos sob o mesmo Estado, configurando, no mapa, uma unidade. Quase de repente, apareceram “outros países”... Entretanto, é mais fácil perceber à distância a falácia da unicidade cultural como contrapartida da unidade político-institucional. De perto, resulta desconfortável reconhecer que somos múltiplos, diversos, e que a compatibilização de unidades muito diferentes é viabilizada mediante estratégias complicadas e nem sempre exitosas. Não é raro sentirmos certo escrúpulo cívico diante da percepção de problemas relacionados à constatação de que é artificial a “unidade da nação brasileira”. Onde ficaria, então, aquilo que cultivamos como “a pátria”, o construto sócio histórico ao qual o senso comum e a maior parte dos agentes midiáticos se referem 49 como “a nação brasileira”, “nosso Brasil”, “nosso país”, etc.? Não seria mais cômodo cultuar a “nação” amada a partir de sua compreensão como unidade simplificada? A historiografia não costuma registrar épocas em que o cultivo do civismo e do ufanismo nacionalista coincide com o reconhecimento da pluralidade ou do pluralismo. Em cada unidade nacional politicamente definida, diversos tipos de elite tomam para si a tarefa de registrar o que é “daqui” e o que é “dos outros”; que maneira de falar seria simplesmente a maneira de falar, que outras seriam “sotaques”; o que seria risível aqui e ali e o que, no âmbito do risível, seria ridículo; o que seriam o culto e o brega; o que seria o oportuno, o conveniente, o que sempre cabe corretamente... e o que seria chulo, medíocre, impertinente. Trata-se de administrar a diversidade para que sempre tenda a uma subsunção pela unicidade da referência principal. As agências hegemônicas no campo da mídia – principalmente no caso da televisão – integram diversos ícones da diferença em seus programas humorísticos, mediante o recurso da derrisão. Esta é provavelmente a visibilidade mais grosseira de uma concepção de diversidade mesquinha e perversa. 3 INDÚSTRIA CULTURAL E IDENTIDADE 3.1 Indústria Cultural e o conflito de gerações - Identidade A noção de identidade é um processo contínuo de elaboração de um conceito estável de si mesmo como indivíduo e adoção de um sistema de valores que promove um senso de direção. É um processo no qual se forma a autoimagem, a integração das ideias sobre si e sobre o que os outros pensam de você. Um dos componentes que promove a elaboração da identidade
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