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EA D 5 Século 20: O Século Breve 1. OBJETIVOS • Analisar e compreender os fatos do século 20, sobretudo as guerras mundiais. • Analisar o pontificado de Pio X. • Reconhecer a história do Vaticano II e o período pós-con- ciliar. 2. CONTEÚDOS • Pontificado de Pio X. • Igreja e as duas guerras mundiais. • Vaticano II: seu significado histórico e posteriores desen- volvimentos conciliares. © História da Igreja Moderna e Contemporânea128 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações a seguir: 1) Para enriquecer seus conhecimentos, será interessante que você faça uma análise do contexto do século 20 e suas grandes transformações no campo da política e das novas tecnologias. 2) Também é importante que, você aprofunde seus estu- dos nas mudanças ocorridas após as duas grandes guer- ras mundiais e seu influxo na espiritualidade contempo- rânea e nas relações entre as religiões. 3) Sugerimos que você compreenda o processo de abertu- ra da Igreja Católica para as questões modernas que têm o seu ponto crucial no Concílio Vaticano II. 4) Para completar seus estudos, seria interessante você co- nhecer a vida e atuação dos grandes papas deste perío- do, com destaque para Pio X, Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI. 5) Em torno do tema do futuro ou dos desafios do Cristia- nismo no Terceiro Milênio, sugerimos que você leia: • LIBÂNIO, J. B. A Religião no Início do Milênio. São Paulo: Loyola, 2002. • ______. Olhando para o futuro. Prospectivas teoló- gicas e pastorais do Cristianismo na América Latina. São Paulo: Loyola, 2003. • ______. Qual o futuro do Cristianismo? São Paulo: Paulus, 2006. • JENKINS, P. A próxima cristandade. A chegada do cris- tianismo global. Rio de Janeiro: Record, 2004. 6) É interessante conferir a obra do jornalista francês: Hen- ri. T. Desafíos para el papa Del tercer milênio. La herencia de Juan Pablo II. Santander: Sal Terrae, 1997. Ele traça oito desafios: Roma: voltar a um exercício mais modesto do papado? Um povo de crentes: descentralizar o gover- no da Igreja? Para uma Igreja sem sacerdotes: ordenar 129© Século 20: O Século Breve homens casados? A outra metade da humanidade: abrir pouco a pouco a porta para as mulheres? O caminho da unidade: acelerar a reunificação dos cristãos? O Diálogo das Religiões: resistir aos integrismos? Uma sociedade moderna desencantada: responder à busca de sentido? Até os confins do mundo: responder às seitas mediante a inculturação? 7) Sugerimos que você consulte a obra: COMBLIN. J. Quais os desafios dos temas teológicos atuais?, São Paulo: Pau- lus, 2007. Nesta obra o autor recomenda uma teologia construída no diálogo com as religiões do mundo para se contrapor ao imperialismo da religião global americana. Ele sugere dez temas teológicos a serem aprofundados: a questão teológica do Pobre; o Pluralismo religioso, a Revelação, Deus, Cristologia, Eclesiologia, a Missão, a Bioética, a Criação e os Sinais dos tempos. 8) Sugerimos, também, que você leia: LIBÂNIO, J. B. Cená- rios de Igreja. São Paulo: Loyola, 1999. O autor aponta para quatro cenários modelos existentes e nos convida a um aprofundamento sobre os mesmos: uma Igreja de Instituição, uma de Igreja de Kerigma, uma Igreja de Ca- rismas e uma Igreja de Práxis-Libertadora. 9) Leonardo BOFF, seguindo a mesma dinâmica do Libâ- nio, mas tendo como ponto de partida as Comunidades Eclesiais de Base, CEBs, aprofunda o tema falando dos seguintes perfis: a Igreja grande instituição: oficial, dog- mática, hierárquica, sacramental; a Igreja popular: au- tonomia das classes populares, devocional, religiosidade popular, santos e leigos; a Igreja rede de comunidades: CEBs, círculos bíblicos, catolicismo popular e a Igreja de carismas: demanda da subjetividade, centralidade não está nos conteúdos doutrinais, mas na experiência espi- ritual, leigos têm a palavra; fiel à instituição; mais intuiti- va que cerebral e mais espiritual que material ( BOFF, L. Igreja: carisma e poder. Ensaios de eclesiologia militan- te. Petrópolis: Vozes, 1981). 10) Clodovis Boff, também aprofundou o tema, a partir daquelas que seriam as exigências do mundo contem- porâneo, tão machucado e violentado. Apresenta cin- © História da Igreja Moderna e Contemporânea130 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO co apelos ou traços de Igreja: Mística, contemplativa e mistagógica, guiado pelo Espírito Santo; Querigmática, ou seja, anunciadora, missionária e centrada na prega- ção da Boa Nova do Reino de Cristo; Igreja hospitaleira que se abra ao diálogo com o diferente, e seja incluinte, magnânima e generosa; uma Igreja de misericórdia, ter- nura e piedade; e uma Igreja de Esperança, que vive o dinamismo de um projeto, com capacidade de sonho e utopia ( BOFF, C. Uma Igreja para o próximo milênio. São Paulo: Paulus, 1998). 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior, você aprendeu sobre a doutrina social da Igreja, a questão social, a questão romana e os tratados latera- nenses. Agora, nesta unidade, veremos que o século 20, o mais vio- lento da história da humanidade, se apresentou com aconteci- mentos que o marcaram intensa e profundamente, de tal sorte que ele alterou, de maneira irreversível, o homem, o seu ambiente e o seu modo de encarar a história. Um século de progresso cien- tífico extraordinário, de guerras totais, de crises econômicas e de prosperidade desigual, de revoluções na sociedade e na cultura. Pela aceleração assumida pelos eventos históricos, pode-se dizer um século breve. No livro Era dos Extremos. O breve século XX. 1914-1991, Eric Hobsbawm aprofunda os acontecimentos deste que é consi- derado um dos séculos mais difíceis e complexos da história da humanidade. Hobsbawm divide o século 20 em três eras: A "da catástrofe", é marcada pelas duas grandes guerras, pelas on- das de revolução global em que o sistema político e econômico da URSS surgia como alternativa histórica para o capitalismo e pela virulência da crise econômica de 1929. Também nesse período os fascismos e o descrédito das democracias liberais surgem como proposta mundial. A segunda são os anos dourado das décadas de 1950 e 1960 que, em sua paz congelada, viram a viabilização e a estabilização do capitalismo, responsável pela promoção de uma 131© Século 20: O Século Breve extraordinária expansão econômica e de profundas transforma- ções sociais. Entre 1970 e 1991 dá-se o "desmoronamento" final, em que caem por terra os sistemas institucionais que previnem e limitam o barbarismo contemporâneo, dando lugar à brutalização da política à irresponsabilidade teórica da ortodoxia econômica e abrindo portas para um futuro incerto (HOBSBAWM, 1991, n.p.). Assim, o avanço da industrialização levou, por meio de di- versas fases, ao modelo de sociedade pós-industrial: uma socie- dade caracterizada pela automação, pela produção desmateriali- zada e pela acentuação do poder financeiro. Essa nova sociedade apresentava uma economia planetária marcada por contínuas e profundas transformações; era uma sociedade sem fronteiras, na qual os mercados escapavam do controle de cada Estado. O futu- ro apresentava-se desarticulado: de um lado, uma sociedade sem Estado e, do outro, a profusão crescente de sociedades nacionais organizadas em Estados. A falta de equilíbrio institucional asseme- lhava-se à falta de equilíbrio dentro do homem, o qual estava per- dendo a evidência ética e transcendente. Vejamos o que nos diz Zagheni: O século XX apresenta-se extremamente complexo, porque os acontecimentos que o caracterizaram foram tão intensos e profun- dos que induziram mudanças que alteraram de maneira irreversível o homem, o seu ambiente e o seu modo de encarar a história. "O século vinte foi "o século mais violento da história da humanidade".[...] Um século de progresso científico extraordinário e de guerras totais, de crises econômicas e de prosperidade desigual, de revolu- ções na sociedade e na cultura. Um ´século breve´, pela aceleração assumida pelos eventos históricos e pelas transformações na vida dos homens, que ocorrem em ritmo cada vez mais vertiginoso ( 1999, p. 206). Dessa forma, conheceremos ainda nesta unidade, qual foi o posicionamento da Igreja diante das duas guerras mundiais, bem como a história do Concílio Vaticano II e seu posterior desenvolvi- mento e os desafios e possibilidades do III Milênio. Está preparado? Então, vamos aos estudos! © História da Igreja Moderna e Contemporânea132 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 5. PONTIFICADO DE PIO X Eleito papa no dia 4 de agosto de 1903, José Sarto (1825- 1914) aceitou, com relutância, tal designação, depois de longos e quase intermináveis conclaves. "Fazer a vontade de Deus e servi-lo por meio de um ministé- rio fiel" foi a direção profunda que o guiou interiormente duran- te todo o seu longo e agitado pontificado. Angariou uma grande simpatia de todos e mostrou não ser um simples vigário de roça, como tradicionalmente foi apresentado. Durante sua vida, acumu- lou uma ampla experiência pastoral e administrativa. É importante ressaltar que Pio X foi um papa reformador, so- bretudo no plano religioso, preocupando-se em manter a unidade interna da Igreja. Quando intervinha, fazia com que as mais diversas iniciativas fossem controladas pela Secretaria de Estado e pelo epis- copado; isso já aparece claro pelo lema escolhido para o seu pontifi- cado: instaurare omnia in Christo, isto é, fazer com que a influência de Cristo se estendesse a toda a sociedade, por meio do seu vigário na terra e dos seus demais representantes. Tal obra de restauração era necessária porque a sociedade moderna tinha-se afastado de Deus e, consequentemente, dos verdadeiros valores. Para trazer Deus de volta à sociedade, era preciso, antes, reformar a Igreja in- ternamente e purificá-la de tudo o que não se adequava à missão que Cristo lhe havia confiado. Restaurar tudo em Cristo significava tornar a Igreja mais espiritual, preservá-la dos desvios doutrinais, favorecer a unidade em torno do pontífice romano e dos bispos, fazendo que sua mensagem pudesse ser acolhida por todos. Desse modo, Pio X quis uma reforma que abrangesse todos os aspectos da vida cristã: o culto, a disciplina, a integridade dou- trinária, uma correta orientação em relação à sociedade e aos es- tados. Assim, as reformas promovidas por Pio X referem-se, princi- palmente, ao Código de Direito Canônico, à catequese e à liturgia, tópicos que veremos a seguir. 133© Século 20: O Século Breve • O código de Direito Canônico: para atualizar de vez as leis da Igreja, Pio X determinou a redação do Código de Direi- to Canônico. Inicialmente, não se acreditava na possibili- dade de se realizar, em menos de 25 anos, uma reforma do Código – pelo menos, assim era o parecer dos mais céticos. O Cardeal Gasparri foi o responsável pela obra e dividiu o trabalho em diversos grupos, que trabalhavam ao mesmo tempo. Foram gastos 14 anos nessa obra, e cada um dos esquemas do novo Código, depois de pron- to, passava, ainda, por 25 consultores. Assim, Bento XV, no dia 27 de maio de 1917, na festa de Pentecostes, pro- mulgou o Código, que entrou em vigor um ano depois. Com o passar dos anos, perceberam-se algumas reservas ao novo Código: incremento à centralização, já que con- solidou os poderes das congregações romanas; criação de certa uniformidade à Igreja, problema sentido, sobretu- do, na vida consagrada em torno dos três votos, em que o Código, tendendo a reduzir as características específicas dos vários institutos, não tutelava o carisma específico e não deixava muita liberdade de iniciativa; acentuação da tendência à latinização da Igreja; e oferta de perigo da prevalência dos elementos jurídicos sobre os carismáti- cos. • De 1500 a 1800, o sistema catequético da Igreja ocidental baseava-se em quatro catecismos: o de São Pedro Caní- sio, concluído por volta da metade de 1500 e que teve quatrocentas edições; o catecismo para os párocos, do Concílio de Trento, sob a direção de Carlos Borromeo; o catecismo de Roberto Belarmino e o de Miguel Casati. A catequese de 1800, entretanto, tinha seus limites, uma vez que se dirigia somente às crianças, era assumida mais por religiosos do que por leigos, buscando transmitir as verdades de fé de maneira mnemônica, nocional e auto- ritária, além de ser desprovida de inspiração bíblica e ser, © História da Igreja Moderna e Contemporânea134 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO também, individualista. Somente por volta de 1900, sen- tiu-se a necessidade de se realizar uma reforma catequé- tica com uma melhor utilização da Bíblia. Com a encíclica Acerbo nimis, de 15 de abril de 1905, o papa descreveu a situação de ignorância religiosa e as consequências que daí derivavam, e disse que a responsabilidade recaía so- bre todos os sacerdotes e catequistas leigos no sentido de oferecer uma catequese sólida a todos. O documento dava normas práticas: catecismo festivo para as crianças; preparação para a primeira comunhão, confissão e cris- ma; criação, em todas as paróquias, da congregação da doutrina cristã; escolas especiais de religião; homilia do- minical e catecismo de adultos. Em 1912, saiu o Catecis- mo da Doutrina Cristã, que era um texto feito com base em perguntas simples e respostas também simples, fácil de se decorar. O texto, todavia, era desprovido de inspira- ção bíblica, sendo teológico demais e pouco pedagógico. O Catecismo de Pio X formou todas as gerações desde o início do século até o Vaticano II. • A reforma litúrgica: abrangia a música sacra, o Breviário e a Eucaristia. Com o Motu Proprio, de 22 de novembro de 1903, estabeleceu-se o princípio de que a música estava a serviço da liturgia e não o contrário. A música sacra devia ser aquela que mais se aproximava do canto gregoriano autêntico ou da polifonia. A importância desse documen- to foi que representou a carta magna do movimento litúr- gico e que indicaria, mais tarde, o rumo do renascimento litúrgico, traçando com clareza a direção a seguir. O rumo da piedade cristã teve três períodos: a partir do século 17, lutas contra e a favor do jansenismo; depois, uma lon- ga competição entre duas tendências; e, finalmente, um novo equilíbrio, com a recuperação de alguns elementos do jansenismo dentro de um contexto diferente. No iní- cio do século 20, essas duas tendências principais eram: 135© Século 20: O Século Breve uma minoria que pregava sobre a comunhão frequente e os que a desaconselhavam, falando sobre a dignidade do sacramento e a necessidade de afastamento do pecado. Com o decreto Quam singulari, de 8 de agosto de 1910, que recordava a praxe da Igreja primitiva, tornava-se obri- gatória a comunhão (juntamente com a confissão) aos 7 anos de idade. • Existem muitos juízos contrários e a favor das iniciativas de Pio X. Segundo Schlesinger; Porto: Ao contrário de Leão XIII, que, que procurou dialogar com as ideias políticas e sociais do século XIX, Pio X foi preponderantemente um pastor, mas voltado para a pastoral e o incremento da vida eclesiás- tica e cristã. [...] Alguns historiadores têm apreciado negativamente certos aspectos da luta de Pio X contra o modernismo, sobretudo a sua tendência de ver heresia modernista em tudo. Ele não foi um teólogo, Foi, sim, um pastor dedicado e, sobretudo, um verdadeiro santo, extremamente devoto, mas simples e sem ostentação. Foi canonizado em 1954 (1995, n.p.). 6. A IGREJA DIANTE DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL O século 20 tem sua primeira grande crise com os acontecimen- tos em torno da primeira grande guerra: O início do século foi marcado por fermentos sociais e por delitos políticos: entre eles, o assassínio do arquiduque austríaco Francisco Fernando,em Sarajevo, foi o pretexto para a guerra declarada, em 1914, pela Áustria-Hungria contra a Sérvia. França e Grã-Bretanha alinharam-se com a Rússia, e a Alemanha com a Áustria. As maio- res consequências políticas desse primeiro conflito mundial foram a queda do regime czarista, a revolução bolchevista de 1917 e a entrada dos Estados Unidos no cenário europeu. Vencedores e ven- cidos saíram do conflito arruinados em todos os campos: econômi- co, ideológico, político e social. A organização da Europa adquiria uma nova fisionomia, com o desaparecimento de velhos Estados e a criação de novos. Mas por toda a parte a guerra havia espalhado forte mal-estar, que desembocou, na Alemanha, na efêmera mas avançada república de Weimar e, na Itália, nos confusos aconteci- mentos que precederam a subida do fascismo ao poder, em outu- bro de 1922 (ZAGHENI, 1999, p. 207-208). © História da Igreja Moderna e Contemporânea136 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Giacomo Della Chiesa, eleito papa em agosto de 1914, assumiu o seu pontificado com o nome de Bento XV. Entre seus desafios, estava a questão de procurar contribuir para a paz ou, pelo menos, evitar que o conflito se estendesse mais ainda. Bento XV viveu momento difícil na condução do pontificado no início do século 20, com tantos problemas internos e externos: Formado no serviço da secretaria de Estado, sob Leão XIII e o car- deal Rampolla, possuía, no campo do governo eclesiástico e da diplomacia, aquela rica experiência e destreza que pareciam in- dispensáveis para reger a Igreja na época da guerra mundial. Con- temporaneamente havia dedicado sempre viva atenção também ao múnus religioso e pastoral (SCHLESINGER .; PORTO, 1995, n.p.). Vale dizer que, nessa época, o posicionamento dos católicos perante a guerra era bem diverso, tanto por parte dos leigos, como dos intelectuais e membros do clero. Em geral, na Itália, por exem- plo, professava-se um entusiasmo pela causa da própria pátria. Na França e na Alemanha, faziam-se apelos à forte unidade que devia reinar naqueles momentos: Guilherme II proclamava, em Berlim, que não deveria haver mais partidos, mas somente ale- mães; em Paris, Poincaré apelava para a união sagrada de todos os franceses, de qualquer religião, de qualquer tendência política. Assim, de modo geral, os católicos tinham a tendência de defender os direitos dos seus países. Na Itália, os bispos dividiram-se em três grupos: • Os filonacionalistas, que aderiram à propaganda in- tervencionista e ressaltavam o ideal de uma pátria maior. • Os pacifistas, que eram uma minoria. • E outro grupo, que era a maioria e que aceitou o fato consumado e colaborou com as autoridades para o sucesso da luta, embora tenha se dedicado, sobretu- do, ao alívio dos combatentes e de suas famílias. Dentro desse contexto, emergiu a figura de Bento XV. Criti- cado em vida, tem, atualmente, a aprovação de todos os historia- 137© Século 20: O Século Breve dores, os quais o consideram, com unanimidade, um dos maiores pontífices do século 20. Sua conduta na guerra seguiu três linhas complementares: • Condenação sem reservas do recurso às armas (guer- ra) como meio necessário para resolver questões pendentes, para reivindicar os próprios direitos e para afirmar a própria segurança; ao mesmo tempo, pedia que os católicos, leigos, clero e bispos se manti- vessem distantes da forte tentação do nacionalismo, de um amor exclusivo e indiscriminado pelo próprio país, em contraste com a caridade e o universalismo cristão. • Oferecimento de toda a ajuda possível às vítimas da guerra (feridos, prisioneiros, refugiados, famílias pri- vadas de seus chefes). • Esforço contínuo para impedir que o conflito se alas- trasse, para apressar o retorno à paz sem parar em genéricas afirmações de princípio, mas descendo a propostas concretas. Essa ação caritativa, no entanto, exigia enormes recursos e uma grande paciência. A condenação da guerra supunha uma for- te maturidade, capaz de se opor aos entusiasmos tão difundidos na época, e o esforço pela paz exigia grandes qualidades diplomá- ticas. Bento XV, rico de uma longa experiência diplomática, firme pastoralmente, mas aberto, estava preparado para esses desafios, contando sempre com a colaboração do Cardeal Gasparri e do jo- vem prelado D. Pacelli. Além disso, Bento XV não cansou de mostrar sua dor, in- dignação e amargura diante da guerra em alocuções e encíclicas: a guerra, para ele, era não só um inútil massacre (1º agosto de 1917) como o suicídio da Europa civil (4 de março de 1916) e a mais tenebrosa tragédia da loucura humana (4 de dezembro de 1916). Já no dia 8 de setembro de 1914, poucos dias depois da © História da Igreja Moderna e Contemporânea138 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO eleição, ele expressou seu horror pela guerra, que fazia a Europa se avermelhar de sangue cristão, dizendo: "basta de tanto sangue humano já derramado" (MARTINA, 1996, p. 134). Aos cardeais, no dia 24 de dezembro, ele exprimiu a sua amargura pelo fracasso de sua proposta, uma vez que pretendia, ao menos, obter uma trégua natalícia. Mais significativos ainda foram os esclarecimentos sobre a última raiz do mal: o papa combateu, sobretudo, o nacionalismo exagerado (diferentemente do amor à pátria). A ação caritativa da Santa Sé foi imensa e dirigida a todos. Diante do massacre de meio milhão de armênios por parte dos turcos, o papa, ainda que não condenasse solenemente, desdo- brou-se em favor das vítimas e, mediante uma série de passos di- plomáticos pouco conhecidos, conseguiu fazer parar, em alguns casos, a continuação do autêntico genocídio. Interveio, também, em favor da Rússia, reduzida a condições desastrosas, e em defesa da Áustria, derrotada e flagelada pelo desemprego e pela fome. As propostas de mediação foram tentativas concretas em favor da paz, como no inverno e na primavera de 1915, tentan- do impedir a intervenção italiana. Em 8 de setembro de 1914, pe- diu a cessação das hostilidades; no dia 1º de novembro, indicou os meios para o retorno à paz: renúncia aos egoísmos nacionais e adoção do confronto e das negociações; no dia 28 de julho de 1915, em uma nota aos governos, indicou alguns pontos a serem considerados para a solução do conflito: renúncia ao uso das ar- mas, recurso à diplomacia, reparação dos danos, respeito a cada nacionalidade e arbitragem internacional. No dia 1º de agosto de 1917, em nota endereçada às potên- cias beligerantes, o papa propôs como base o desarmamento, a liberdade dos mares, a arbitragem nas controvérsias, a recíproca quitação das despesas da guerra, a restituição dos territórios ocu- pados e a solução em espírito de equidade das questões territo- riais pendentes entre a Alemanha e a França. Todavia, a iniciativa não teve resultados positivos. 139© Século 20: O Século Breve No último ano da guerra, o papa manteve um eloquente si- lêncio sobre os problemas políticos, voltando sua atenção para os motivos estritamente religiosos, apoiando, inclusive, o despertar da devoção ao Sagrado Coração, em vista da renovação interior de todo o mundo contemporâneo. Mesmo assim, a Santa Sé con- tinuou seus esforços para uma verdadeira reconciliação entre os povos para superar os ressentimentos e restabelecer as relações pacíficas. Aprofundando mais esta questão, é interessante o testemu- nho de Lukacs, quando afirma o seguinte: A Primeira Guerra Mundial acabou com a predominância das po- tências europeias no mundo, incluindo a Grã-Bretanha, apesar das retiradas americana e russa da Europa, findo o conflito. Na época, o isolacionismo americano era seletivo; e os Estados Unidos já ti- nham se tornado a maior potência do mundo. A Rússia, sem sua revolução comunista de 1917- ou seja, se não houvesse se retirado da guerra e da Europa teria estendido sua influência pelo Leste Eu- ropeu; mas, ao contrário do que aconteceuapós a Segunda Guer- ra Mundial, teria também se tornado mais europeia. De qualquer forma, tal reconhecimento do declínio da Europa promoveu uma consciência ´européia´ entre algumas pessoas e o primeiro movi- mento organizado para algum tipo de Europa unida. Foi o movi- mento "Pan-Europa", iniciado em 1923 pelo conde Richard Coude- nhove-Kalergi (homem muito culto com pai austríaco, avós gregos e mãe japonesa). Essa aspiração a uma conferência europeia cor- respondia às ideias de importantes e respeitáveis pensadores. [...] Mas tudo se acabou com os movimentos nacionalistas radicais dos anos 30, com seu exemplo-líder Hitler. Para os nacionalistas – tanto o adjetivo "europeu" como a designação de alguém como europeu eram pejorativos; para eles significava algo ou alguém cosmopolita, antinacional, decadente. Somente depois (e, de certa forma, du- rante) da Segunda Guerra Mundial é que essa conotação pejorativa desapareceu (1993, p. 189-190). Internamente, apesar das dificuldades motivadas pela guerra, Bento XV deu continuidade à reforma interna da Igreja: Para o incremento dos estudos teológicos foi instituída em 1915, a S. Congregação cardinalícia dos seminários e das universidades dos estudos, e para tratar das questões atinentes às igreja orientais, que adquiriram sempre maior importância, foi fundada em 1917, também a Congregação adequada com um instituto oriental anexo. A obra de reforma da vida eclesiástica interna, iniciada já por seu © História da Igreja Moderna e Contemporânea140 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO predecessor, foi continuada por ele nos limites consentidos pelas condições difíceis dos tempos. O acontecimento mais importante neste setor foi o acabamento e a promulgação da obra, já começa- da por Pio X, do novo direito canônico geral Codex Iuris canonici de 1917 (SCHLESINGER, 1995, n.p.). Mas, o ano de 1939 começa com a eleição do Papa Pio XII e não obstante os esforços eclesiásticos e de muitas lideranças, no dia 1.9.1939, Adolf Hitler ataca a Polônia e dá início à II Guerra Mundial. 7. A IGREJA E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Talvez, um dos mais trágicos acontecimentos da história da hu- manidade (se não o mais trágico) tenha sido a Segunda Guerra Mundial. As feridas da Primeira Guerra Mundial não estavam cica- trizadas e novos interesses e cenários surgiram: Entre 1920 e 1940, a Europa viu a ascensão do bolchevismo na Rússia e a sua progressiva expansão para os Estados limítrofes, viu também a vitória do fascismo na Itália e na Espanha, bem como do nazismo na Alemanha. A difícil situação econômica geral, agrava- da pelos acontecimentos ligados à primeira guerra mundial, che- gou ao auge na grande depressão de 1929-30. O conflito latente em quase todos os Estados entre comunismo e fascismo explodiu abertamente na Espanha em 1936, com a guerra civil e o confronto final na segunda guerra mundial. Esse grande conflito provocou a divisão da Alemanha e repercutiu na China, permitindo a vitória da revolução, e nos impérios coloniais, onde teve início um rápido processo de desagregação. Logo houve também o enfraquecimen- to co acordo entre as potências vencedoras e começou a chamada "guerra fria", além de uma série de conflitos na Palestina, Indochi- na e na Coréia (ZAGHENI G., 1999, p.208). Dentre várias tragédias ocorridas nessa guerra, podemos ci- tar algumas, como: 1) O emprego de armas novas, como a bomba atômica, e a intensidade de todo tipo de armamento. 2) O uso da aviação com o objetivo de destruir (a pequena cidade inglesa de Coventry foi arrasada, de forma que até se criou o verbo "coventrizar", que significa "des- truir"). 141© Século 20: O Século Breve 3) Os ataques dos últimos anos da guerra sobre Leipzig e Dresden. 4) A fome que pesou sobre populações inteiras. 5) A resistência aberta ou clandestina, especialmente na Polônia, Itália e França. 6) A reconquista americana dos principais centros do Oce- ano Pacífico, ocupados pelos japoneses. 7) Os campos de concentração e de extermínio criados pelo nazismo para destruir todo o povo judeu. 8) Os extermínios do Extremo Oriente. 9) As bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Naga- saki, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945. 10) Evidentemente, essa guerra não foi uma explosão im- provisada e imprevista de violência, com técnicas cui- dadosamente trabalhadas, estudadas. Nesse sentido, podem-se meditar as palavras de Pio XII ditas no final da guerra na Europa, no dia 9 de maio de 1945: Ajoelhados em nosso espírito diante dos túmulos, [...] parece-nos que [...] os caídos avisam os sobreviventes e dizem: "Saiam de nos- sos ossos e de nossos sepulcros e da terra na qual fomos lançados como grãos de trigo, os plasmadores e os artífices de uma nova e melhor Europa, de um novo e melhor universo" (MARTINA, 1996, p. 206). A inútil carnificina registrada por Bento XV em 1917 transfor- mou-se, em 1939-1945, num fosco drama de dimensões apocalíp- ticas. Não foi sem razão que se falou de holocausto, a propósito do povo judeu, para resumir a intensidade dessa tragédia, que cons- tituiu apenas a página mais densa de um fenômeno que envolveu não somente os judeus, mas toda a humanidade. A II Guerra Mundial envolveu em torno de setenta países dos cinco continentes, com uma população global de 1.550 milhões de habi- tantes, dos quais 500 milhões sofreram diretamente as consequ- ências da guerra em forma de ocupação militar; luta nas ruas das cidades, bombardeios aéreos, etc. Só uns poucos, entre eles Espanha, Suíça e Suécia, permaneceram neutros. A guerra oca- sionou a invasão de 24 países e seu custo total foi calculado em dois bilhões e meio de dólares. O número total de vítimas se pode esti- mar em 70 milhões de feridos e mais e 28 milhões de mortos, dos © História da Igreja Moderna e Contemporânea142 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO quais 17 ou 18 milhões foram civis o resto, soldados. A guerra exigiu uma mobilização total de 93 milhões de homens e mulheres [...] Outra dura consequência da guerra foi o elevado número de pesso- as que se viram forçadamente deslocadas de suas pátrias e lares. O número de deslocados se eleva a mais de 40 milhões [...] Estes des- locamentos forçados não afetaram só aos alemães. Sofreram com eles também, pessoas de outros países em razão da condição em que lhes surpreendeu o final da guerra: prisioneiros, deportados políticos e raciais, trabalhadores requisitados, personalidades polí- ticas civis, refugiados, evacuados forçados etc. Um autêntico drama humano! No fundo do desprezo e do sacrifício de tantas vidas se percebe uma ideia errônea de homem: já não é considerado como um ser racional e livre, digno de amor e respeito por si mesmo, e menos ainda, se lhe aprecia como filho de Deus; e sim o valoriza como pura matéria, como uma simples máquina. Ele é estimado pelo que rende dentro dos objetivos que se pretende alcançar. Por outro lado, o princípio que regula as ações das autoridades é que o fim justifica os meios. Vale tudo, se serve para conseguir os objeti- vos fixados (Cf. MARQUÈS I SURINACH, 1999, p.119-121). Diante desse contexto, você deve estar se perguntando: qual foi, nesses anos, o comportamento da Igreja, ou seja, a Santa Sé, do episcopado e dos fiéis dos vários países? Esse comportamento esteve sempre à altura da sua missão e do momento que toda a humanidade atravessava? É o que veremos a seguir. Pio XII e seu posicionamento durante a guerra Na época da II Guerra, a maioria dos cidadãos dos países que participaram dela, eram católicos e cristãos de várias confissões. Calcula-se que só nos países do III Reich viviam em torno de 50 milhões de católicos e na Itália e França a grande maioria eram católicos. Eugenio Pacelli foi eleito papa no dia 2 de março de 1939. Romano, o novo papa, cujo nome adotado fora Pio XII, tinha atrás de si uma longa experiência: fora núncio em Munique e Berlim de 1917 a 1929,conhecera e ajudara os esforços de Bento XV pelo fim da Segunda Guerra; secretário de Estado preferido de Pio XI, estivera ao lado dele de 1930 até a sua morte, em uma admirá- vel sintonia; homem de oração e de severa ascese, de sincero zelo 143© Século 20: O Século Breve pastoral, exigente consigo mesmo e com os outros, era levado a concentrar em suas mãos quase toda a responsabilidade dos tra- balhos, tendo em vista que não queria colaboradores, mas execu- tores. Quando se pressentiu o início da guerra, dentre outros mo- tivos pelas questões de fronteiras, Pio XII apresentou a proposta de uma conferência internacional entre as potências interessadas em resolver, pacificamente, os problemas mais graves: a ideia foi aceita por Benito Mussolini, mas logo esvaneceu-se por causa da frieza e da oposição de outros Estados. No dia 24 de agosto, ele lançou, então, o seu apelo: "nada se perde com a paz. Tudo se perde com a guerra" (MARTINA, 1996, p. 208). O papa não falou de injusta agressão, diante da invasão da Polônia; no entanto, ma- nifestou sua solidariedade aos poloneses. Nos primeiros meses do conflito, o pontífice serviu de intermediário entre a resistência ale- mã e os aliados com a finalidade de reverter o nazismo. Contudo, nada se conseguiu. Pio XII tentou aproximar-se dos reis da Itália, mas Vitorio Emanuel III mostrou-se frio e cético, e, em uma última tentativa, escreveu a Mussolini para que poupasse o país da in- tervenção. O duce respondeu garantindo que haveria intervenção italiana quando fosse "de meridiana evidência para todos que, a honra, os interesses e o futuro impunham de maneira absoluta a fazer isso" (MARTINA, 1996, p. 209). No início de maio, as tropas alemãs invadiram os países neu- tros, Holanda, Bélgica e Luxemburgo, e o papa enviou telegramas aos soberanos condenando a agressão. Desde então, ele se pôs em silêncio. Segundo Marquès I Codinach (1999, p.126). Pio XII abraçou uma neutralidade total que ele preferia interpretar como "imparcialidade". Por ocasião dos bombardeios na cidade, o Papa foi ao bairro de São Lourenço para socorrer os feridos. Voltou ao Vaticano com a batina branca ensanguentada. Além do mais, foi por causa de sua atuação que Roma foi declarada como cidade aberta e foi salva, o que lhe conferiu o título de ´Defensor civita- tis´[...] Assim mesmo, realizou numerosas ações de alto risco, em © História da Igreja Moderna e Contemporânea144 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO parte conhecidas e em parte desconhecidas, dado que, pelas cir- cunstâncias do momento, a prudência exigia realizá-las em silêncio, entre outras, as obras e atos de assistência empreendidas pelo ou por diversas instituições do Vaticano sob sua direção para ajudar as vítimas da guerra mundial, informar aos familiares dos prisioneiros e desaparecidos e salvar inúmeros perseguidos, entre eles, muitos judeus [...]. Os silêncios de Pio XII Pio XII achava que não poderia fazer nada mais além do que já estava fazendo: iniciativas diplomáticas para impedir que o conflito se expandisse; protestos diante das violações públicas da neutralidade de países agredidos e o silencioso trabalho para ajudar os judeus. Quando a cidade de Roma foi bombardeada em 19 de julho e 13 de agosto de 1943, dirigiu-se aos lugares atingi- dos e, depois da fuga dos comandos militares e da casa real, foi a única autoridade a permanecer na Cidade Eterna. De setembro de 1943 a maio de 1944, em meio à angústia geral, o olhar de todos voltava-se para a Basílica de São Pedro. No dia 16 de outubro de 1943, diante da devastação dos ju- deus do gueto romano, que levou à prisão e à deportação de mais de mil judeus, Pio XII tomou medidas semioficiais, por meio de D. Hudal, reitor da igreja alemã de S. Maria Dell’Anima, do Pe. Pfeiffer e dos salvatorianos, conseguindo que as prisões fossem suspen- sas. Não foi feito nenhum protesto formal, uma vez que se temiam represálias por parte das tropas alemãs. Pensou-se, então, que o melhor a se fazer era calar-se, para salvar-lhes a vida e, realmente, naquele momento, os judeus romanos e italianos não ficaram sem a solidariedade das instituições católicas com a aprovação do Vati- cano. Em outros lugares, várias iniciativas tiveram êxito, como a do o Pe. Bento Maria du Bourg d’Iré, que organizou uma imensa rede de ajuda a todos os judeus. Marqués I Surinach (1999, p. 126-127) assim descreve a atu- ação de Pio XII em torno ao tema da ajuda aos judeus: 145© Século 20: O Século Breve Menção a parte merece a atuação de Pio XII em relação aos judeus. O pesquisador italiano Antonio Gaspari, autor de "Los judíos, Pío XX i La leyenda negra" (Ed. Planeta Testimonio) desmonta tal len- da trazendo testemunhos de dezenas de pessoas que sofreram em suas carnes a ameaça nazista e demonstra que a Igreja salvou dos campos de concentração a milhares de pessoas. Sobre este ponto disse o célebre cientista Albert Einstein: "Após a ocupação nazista, pude comprovar como os meios de comunicação, como as univer- sidades, foram reduzidos ao silêncio. Só a Igreja permaneceu de pé firme para enfrentar às campanhas de Hitler para suprimir a verda- de". E como Einstein, todo o povo judeu manifestou publicamen- te seu agradecimento a Pio XII pela atuação da Igreja na II Guerra Mundial. Mais ainda, apesar das tentativas de demolir a figura de Pio XII a partir de distintas partes da comunidade judaica, Gaspari demonstra em seu livro que Pio XII, sabendo que uma intromissão da Igreja no conflito poderia acabar com a vida de milhares de ju- deus católicos, organizou uma impressionante rede de ajuda aos perseguidos pelo nazismo. Só em Roma, 155 asas religiosas, paró- quias e colégios esconderam, alimentaram e salvaram da deporta- ção 4.447 judeus. No total, e segundo os dados do cônsul de Israel, em Milão, a Igreja católica salvou durante a II Guerra Mundial mais de oitocentos mil judeus de serem transladados para os campos de concentração nazistas... O próprio Pio XII, em virtude dos tratados Igreja-Estado, utilizou sua residência de Castelgandolfo como refú- gio de dezenas de perseguidos pelo regime de Hitler. Por que Pio XII se calou? O comportamento da Santa Sé e de Pio XII suscitou muitas questões injuriosas, polêmicas, sérias, dignas de atenção. Diante do genocídio de milhões de judeus, deveria o papa limitar-se a so- correr, em silêncio, os indivíduos ou levantar sua voz e protestar por toda a comunidade israelita ameaçada globalmente de exter- mínio? Não se pode negar que Pio XII levantou sua voz nas radio- mensagens natalícias contra as violações da lei natural, contra as injustiças que se cometiam; promoveu e sustentou atividades de socorro, desenvolvidas, sobretudo, por seus colaboradores (Cro- ácia, Turquia, Hungria, Eslováquia e França). Ele assistiu e salvou os indivíduos e as famílias, dedicando-se a eles, mas se calou. Por quê? © História da Igreja Moderna e Contemporânea146 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO O principal motivo que levou Pio XII a se limitar a condena- ções genéricas foi o temor das represálias dos alemães sobre os católicos e judeus. No Reich, viviam 40 milhões de católicos. Pode- -se falar de hesitações do papa entre duas soluções, mas é mais provável que Pio XII visse de boa vontade e encorajasse declara- ções da igreja local, pois agia com menor preocupação de ofender o sentimento nacional e não corria o risco de afastar os fiéis de Roma; podia julgar, com maior conhecimento, a gravidade do risco e a oportunidade de uma intervenção; no que se referia à Santa Sé, porém, o papa preferiu maior reserva. Alguns estudiosos, como Miccoli (1985), julgam que essas explicações são verdadeiras, mas não satisfazem o problema. O silêncio era causado parcialmente por aquele antissemitismo que há séculos se abatera sobre o mundo católico e do qual este ainda não se libertara totalmente. Havia uma distinção clara: o antisse- mitismo nazista, radical,condenado, e o antissemitismo modera- do, justificável e aceitável. Lukacs analisa a questão enfatizando as alianças que o Cris- tianismo fez com Estado em vários séculos de existência e a partir da rejeição ao comunismo que existia nos quadros católicos, na época da guerra, com o que ele chama de uma "indiscutível e in- questionável respeitabilidade nacionalista". Assim ele escreve: Tal respeitabilidade do nacionalismo -aliada, na Alemanha, a uma tradição profundamente esgastada de obediência ao Estado- foi um potente elemento do qual Hitler soube se aproveitar. Ele ascen- deu ao poder por causa dessa respeitabilidade. Durante a Segun- da Guerra Mundial, Pio XII, aquele papa frequente e injustamente difamado, não escapou imune ao argumento (em parte devido a suas experiências quando em Munique em 1919). Sob vários as- pectos um homem puro, não era nacionalista, nem nazista, nem simpatizante do fascismo. De fato, nutria uma profunda simpatia pela Alemanha e pelas coisas alemãs (seu compositor favorito era Wagner). Mais importante, politicamente também via a existência da Alemanha como um bastião contra o comunismo. Ainda mais importante era sua grande afeição pelos católicos alemães. Foi irre- preensível sua atitude de não sugerir nem a mais sutil aprovação ao hitlerismo. Talvez houvesse feito mais manifestando-se abertamen- te contra o regime; no entanto, contendo-se, ao menos diretamen- 147© Século 20: O Século Breve te, revelou-se prudente. Indiscutível é que Pio XII superestimou o perigo do comunismo ao mesmo tempo que subestimou os perigos talvez menos evidentes e mais traiçoeiros do nacionalismo... De to- das as Igrejas do Terceiro Reich, a católica foi a que teve a reputação menos comprometida; contudo –salvo por seus mártires e heróis solitários-, tal reputação no todo não demonstrou arrojo." (LUKACS J. 1993, p. 247-248). Naturalmente, pode-se discutir muito sobre a linha adota- da por Pio XII. Um papa mais profético e menos diplomata teria seguido a mesma estratégia? As denúncias e condenações vagas realmente diminuíram sua eficácia e não estimularam os católi- cos a se afastarem de modo mais decidido dos responsáveis pela tragédia? Os que se salvaram mostraram-se gratos ao papa? Além disso, para onde iria tudo aquilo se o papa, em vez de se limitar ao silencioso (embora eficaz) trabalho, tivesse defendido princípios? Convém ainda lembrar que, nos lugares mais tenebrosos, a Igreja estava presente com Maximiliano Kolbe, Tito Brandsma, Edith Stein e milhares de sacerdotes mortos nos diversos campos de concentração. Kolbe, quando estendeu sua mão ao algoz, sor- rindo, tornou-se o símbolo da Igreja, que saía da guerra purificada de um passado não isento de compromissos humanos; uma Igreja que tinha consciência nítida de sua missão em defender os pobres e oprimidos. Acabada a II Guerra em maio de 1945, ficava um rastro de sofrimento, destruição e dor na vida milhões de sobreviventes. As esperanças se renovam e se reforçam com Carta das Nações Uni- das no mesmo ano e com a Declaração Universal dos Direitos Hu- manos em 1948. Mas, parece que a lição das duas grandes guerras não foi absorvida pelas lideranças mundiais. De 1945 ao ano 2000, calcula-se que ocorreram no mundo todo quase 200 conflitos ar- mados, com um número de mortos calculado em torno de 40 mi- lhões. E nestes 12 anos do III Milênio, infelizmente, a humanidade não descobriu o caminho da paz e da justiça e ainda produz mi- © História da Igreja Moderna e Contemporânea148 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO lhões de mortes provocadas pelas guerras locais e regionais, pela fome, pelo narcotráfico e pela violência urbana e rural. Ainda há muito que se aprender e a paz permanecem um sonho alcançável! 8. CONCÍLIO VATICANO II Ângelo Roncalli foi eleito papa no dia 28 de outubro de 1958, para surpresa de todos, e escolheu o nome de João XXIII. Seus úl- timos seis anos de vida foram como patriarca de Veneza e não era conhecido, já que vivera 27 anos no exterior. Todavia, logo após sua eleição, mostrou sua personalidade. No discurso de sua coroa- ção, em 4 de novembro, deixou claro quem ele era e o que queria: a missão do papa não era nem diplomática, nem organizativa, e, sim, religiosa e pastoral; assim, ele resumiu a figura do pontífice nas palavras "bom pastor". Além disso, João XXIII nomeou cardeais imediatamente, en- tre os quais estava João Batista Montini. No natal, visitou o cárcere romano Regina Coeli. Há séculos nenhum papa tinha passado pe- los umbrais daquele cárcere, melhor dizendo, de nenhum cárcere de Roma. No dia 25 de janeiro de 1959, em discurso a 17 cardeais pre- sentes em Roma, ele anunciou um plano preciso: um sínodo ro- mano, um concílio ecumênico e a atualização do código de direito canônico. Foi uma verdadeira bomba, especialmente para quem pensava que ele seria um "pontífice de transição", uma vez que já contava com 77 anos. Vale dizer que, até os seus 77 anos, ninguém havia percebido quem era Roncalli; foi assim que a ideia de seu pontificado de tran- sição desapareceu. Nota-se que tanto Pio XI como Pio XII já tinham pensado na realização de um concílio; no entanto, a ideia não teve prosseguimento. Sobre a ideia do concílio, Marquès I Suriñach (1993, p.191- 192) assim escreve: 149© Século 20: O Século Breve A ideia de convocar um Concílio fora considerada pelos dois Papas precedentes, isto é, por Pio XI e Pio II. Mas o projeto não prospe- rou, por razões que não se conhecem com exatidão. Foi, por fim, João XXIII (25.XI,1881-3.VI.1963) o promotor deste revolucionário projeto que tinha com mexer com a Igreja e o mundo. No dia 20 de janeiro de 1959, quando tinham se passado somente dois meses de seu pontificado, recebeu o cardeal Tardini e juntos recordaram "as grandes angústias e agitações nas quais o mundo se encontra- va... O que fará a Igreja? Se perguntava o papa-. O barco místico de Cristo está a ponto de ser deixada em poder das ondas e ser arras- tada à deriva? Não esperamos, pelo contrário, precisamente, não só uma nova advertência, e sim a luz de um grande exemplo? Em que poderia consistir esta luz? Logo, uma grande ideia surgiu em Nós e iluminou Nossa ala. A acolhemos com uma inenarrável con- fiança no divino Mestre e de nossos lábios saiu uma palavra solene, imperativa. Nossa voz a expressou pela primeira vez: um Concílio. Essa decisão de celebrar um concílio foi tomada pessoalmen- te por João XXIII. Ele tinha visão mais pastoral do que curial e quis um concílio em que a doutrina da Igreja pudesse ser transmitida com clareza ao mundo com intuito de instaurar um diálogo com a humanidade; portanto, não se deviam preparar condenações, anátemas, estratégias de resistência, contraposição à sociedade moderna, mas dialogar com todos. Aquele homem, até então pou- co conhecido, mostrava, dessa forma, uma coragem e um espírito de iniciativa, inesperados. Desenvolvimento do Concílio Vaticano II No dia 11 de outubro, apresentaram-se para a sessão inau- gural 2.540 padres conciliares. De acordo com cálculos dignos de crédito, em 1961, havia 2.191 circunscrições territoriais entre pa- triarcados, exarcados, dioceses, prelaturas, abadias isentas, vica- riatos apostólicos, entre outros. Em todo o mundo, os bispos che- gavam a cerca de 4.000. Certamente, pode-se dizer que todas ou quase todas as dioceses estavam representadas. Jamais, não só na história da Igreja, mas na história de toda a humanidade, uma assembleia se apresentou tão numerosa e com caracteres tão uni- versais. © História da Igreja Moderna e Contemporânea150 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO O Concílio Vaticano II foi realizado em quatro períodos, de 1962 a 1964, com intervalos entre eles para estudos, aprofunda- mentos e revisões. O primeiro período ocorreu durante o ponti- ficado de João XXIII. Na noite de 3 de junho de 1963, morria o mentor do Concílio. Sua morte foi lamentada por todo o mundo:ateus, homens de outras religiões, budistas, muçulmanos, judeus, ortodoxos etc. Há séculos, não se verificava esse estreito acom- panhamento da morte de um chefe da Igreja Católica, respeitado e admirado em todos os países. , No dia 21, depois de um rápido conclave, foi eleito o cardeal João Batista Montini, que assumiu o nome de Paulo VI. Sua missão não era nada fácil, pois teria de dar continuidade ao Concílio, que tinha um número considerável de esquemas ainda a serem revistos, rediscutidos e aprovados. Esta fase foi difícil pois se percebia que os participantes do Concílio ainda não estavam concordes em tudo e que era preciso buscar uma unidade ou evitar divisões, como afirma Suriñch, ao dizer que na primeira sessão, do ano 1962, não se aprovou ne- nhum documento: [...] a grande assembleia conciliar estava dividida e um tanto deso- rientada. José Orlandis, escreve: "Como ocorreu nos tempos do Va- ticano I, também agora foi comum ouvir falar nos meios de comu- nicação sociais de um ´maioria´ e uma ´minoria´. A primeira estaria aberta a uma inovação, como o desejo de aproximar a Igreja do mundo contemporâneo; a ´minoria´, mais tradicional, se mostraria preocupada com a salvaguarda da doutrina e da disciplina eclesiás- tica. A ´maioria´-segundo alguns historiadores- tivera como núcleo a que denominam ´aliança do Reno´, integrada por um grupo de bispos procedentes de países situados em uma e outra margem do grande rio europeu. Entre suas figuras mais destacadas –ainda que seria preciso matizar muito- poderia se mencionar os cardeais alemães Frings e Döpfner, aos franceses Liénart e Garrone, ao belga Suenens, ao holandês Alfrinck, e também o italiano Lercano. Junto a eles trabalharam especialistas como Rahner, De Lubac, Daniélou, Ratzinger, Congar e Schilebeeckx, ainda que se deva dizer que as futuras trajetórias desses teólogos na época pós-conciliar seriam muito díspares. A minoria teve entre suas principais figuras aos cardeais Ottaviani, Siri, Ruffini, Browne, Santos e contava com um número considerável de padres, sobretudo italianos, espanhóis e ibero-americanos (MARQUÈS I SURIÑACH, 1993, p. 195-196). 151© Século 20: O Século Breve Em 29 de setembro de 1963, Paulo VI abria o segundo pe- ríodo do Concílio com uma calorosa alocução. O tema principal dessa nova parte era a Igreja, a sua relação com Cristo, princípio, caminho, guia, esperança e termo; a sua reforma, ou seja, sua re- novada fidelidade a Cristo; o seu diálogo com os irmãos separados pelo perdão recíproco, pelo respeito das tradições; e o seu diálogo com o mundo moderno, em um tom otimista e realista. Ainda no contexto das opiniões distintas entre os grupos conciliares, vários temas foram discutidos: a liberdade religiosa e a questão da confessionalidade do Estado, a colegialidade episcopal, os modos de ecumenismo, a Igreja diante do comunismo e das ́ de- mocracias populares´, a reforma litúrgica incluindo a substituição da língua latina pelas línguas vulgares etc. A disciplina do celibato não foi levada a público, apesar da vontade de alguns conciliares e a questão do controle de natalidade ficou para ser resolvido após o concílio, de acordo com a vontade do Papa Paulo VI. O terceiro e quarto períodos seguiram aprofundando os temas propostos para os documentos e foram aprovados quase unanimemente pela assembleia. Em uma atmosfera de intensa comoção, isenta de qualquer formalismo, no dia 8 de dezembro de 1965, na cerimônia de encerramento, vários cardeais leram as mensagens que o Concílio enviara aos governos, intelectuais, cien- tistas, artistas, mulheres, trabalhadores, pobres, doentes, aos que sofriam, aos jovens etc. Iniciava-se, assim, uma nova etapa na história da Igreja. Se- ria um novo Pentecostes, uma autêntica primavera ou uma idade de novos contrastes, ou, ainda, uma difícil encarnação da utopia sonhada pelo papa João XXIII e por Paulo VI, sem retorno a um passado superado e sem escapadas para um futuro? Principais documentos conciliares O Concílio promulgou quatro constituições, nove decretos e três declarações. É certo que houve uma reviravolta conciliar e os as- pectos doutrinal e pastoral da Igreja tornaram-se nítidos. Vejamos: © História da Igreja Moderna e Contemporânea152 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 1) Liturgia: a constituição sobre a liturgia, Sacrossantum Concilium, confirmou sua verdadeira natureza, "exercí- cio do sacerdócio de Cristo", "obra de Cristo sacerdote e de seu corpo, que é a Igreja" e desejou a "plena, cons- ciente e ativa participação nas celebrações litúrgicas [...] de todo povo cristão" (MARTINA, 1996, p. 309). A parti- cipação comunitária, caracterizada pela presença ativa dos fiéis, foi preferível à individual e quase particular. Além disso, a língua latina foi mantida, mas as conferên- cias episcopais poderiam permitir o uso de suas línguas vernáculas. O rito da missa deveria ser simplificado, eli- minando as repetições e restabelecendo elementos per- didos; concedeu-se a comunhão sob as duas espécies também aos leigos, em determinadas ocasiões; deveria ser revisto o rito da administração dos sacramentos; o ofício divino deveria ser renovado; o calendário litúrgico deveria ser refeito; e o canto gregoriano deveria man- ter o lugar principal, embora o canto popular religioso pudesse, também, ser cultivado e promovido. Em suma, o Concílio traçava um plano de renovação pastoral que deveria ser aprofundado e destinado a permanecer na vida da Igreja. Foi um caminho iniciado e percorrido com coragem. 2) Igreja: a Lumen Gentium apresentou uma eclesiologia na qual se ressaltava a natureza e a função do episcopado, apresentado como o apoio necessário, o insubstituível corresponsável com o papado no governo da Igreja uni- versal. O documento mostrava equilíbrio com a Teologia do episcopado e a afirmação de sua colegialidade, ou seja, de sua responsabilidade com o papa (LG n. 22). En- tre outras imagens, a Lumen Gentium tinha predileção pelo povo de Deus e ressaltava a participação de todos os fiéis na vida da Igreja, superando o clericalismo dos séculos precedentes e sublinhando o sacerdócio univer- sal dos fiéis. Pôs-se, também, em primeiro plano a di- mensão histórica da Igreja, povo peregrino no tempo a caminho da eternidade. "O novo Israel da era presente [...] caminha à procura da cidade futura e permanente [...] e não cessa de renovar a si mesmo" (LG n. 9). 153© Século 20: O Século Breve 3) Mundo contemporâneo: a Gaudium et Spes completou, por certos aspectos, a visão da Lumen Gentium quando disse que a Igreja "caminha com toda a humanidade e experimenta juntamente com o mundo a mesma sorte terrena" (GS, n. 40), "[...] não está vinculada a nenhuma forma particular de civilização humana ou sistema políti- co, econômico e social". Assim, a Igreja: Não põe a sua esperança nos privilégios que lhe oferecem a autori- dade civil. Pelo contrário, renunciará ao exercício de certos direitos legitimamente adquiridos, quando se demonstrar que o uso deles poderá fazer duvidar da sinceridade de seu testemunho ou que no- vas exigências exigirão novas disposições (GS, n. 42). 4) Religiões: a declaração Nostra Aetate, sobre as relações com as outras religiões, contava com quatro solenes afir- mações: a) Reconheceram-se os especiais vínculos que existiam entre judeus e cristãos, que tinham em comum um grande patrimônio espiritual. Esse povo recebeu a revelação do Antigo Testamento; os judeus eram a boa oliveira na qual foram enxertados os gentios. b) O chamado divino do povo hebreu, os seus dons e sua vocação permaneceram irrevogáveis. c) Era preciso promover o mútuo conhecimento e es- tima, de modo especial com os estudos bíblicos e teológicos e com um fraterno diálogo. d) O que aconteceu na paixão de Cristo não poderia ser atribuído indistintamente nem a todos os judeusque viviam na época, nem aos contemporâneos; as- sim, não deviam ser apresentados nem como rejei- tados, nem como malditos. Por isso, a Igreja deplorou os ódios, as perseguições e to- das as manifestações do antissemitismo dirigidas contra os judeus em qualquer época e por quem quer que fos- se. Tratava-se de uma reviravolta radical em uma histó- ria secular. A reação do mundo hebraico foi amplamente positiva. 5) Liberdade religiosa: a declaração Dignitatis humanae descrevia a liberdade religiosa como do direito dos seres humanos de se verem: © História da Igreja Moderna e Contemporânea154 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Imunes de toda forma de coerção por parte dos indivíduos, de gru- pos sociais e de qualquer autoridade humana, de modo que em matéria religiosa ninguém seja obrigado a agir contra a sua cons- ciência, nem seja impedido, dentro dos devidos limites, a agir em conformidade com ela, em particular ou em público, de forma indi- vidual ou em grupo (MARTINA, 1996, p. 314-315). A declaração admitia, ainda, a liberdade psicológica (a capa- cidade que Deus deu ao homem de construir seu próprio destino, até mesmo, em um caso extremo, de se rebelar contra o plano divino). Assim, essa declaração reconhecia a liberdade de culto público, de propaganda, de associação, mas reafirmava os limites dessa liberdade, ilícita quando se violassem os direitos dos outros; condenava toda forma de discriminação jurídica por motivos reli- giosos. Nesse sentido, o Concílio reivindicou a liberdade religiosa para todas as confissões, não somente para a religião católica. Levando em conta a história da Igreja dos séculos que an- tecederam imediatamente o Concílio Vaticano II, é fácil entender que este estava encerrando uma época e dando início a outra. Significado histórico do Vaticano II O Vaticano II fechou, definitivamente, a época pós-tridentina e abriu um novo curso, que não renega o passado, mas integra-o, aperfeiçoa-o e adapta-o à contínua evolução da humanidade. A afirmação da colegialidade e do episcopado, os esclarecimentos do decreto sobre os bispos Christus Dominus a respeito das con- ferências episcopais, o acento sobre o laicato nos capítulos II e IV da Lumen Gentium e, de modo mais amplo, no decreto sobre os leigos Apostolicam Actuositatem mostram-nos uma face da Igreja mais complexa e articulada. Revalorizam-se, assim, as igrejas locais e reconhecem-se a corresponsabilidade do episcopado em relação à Igreja universal, sublinhando-se o sacerdócio universal dos fiéis, que são chamados a uma participação ativa e responsável, como sujeitos e não só como objetos da vida eclesial. 155© Século 20: O Século Breve A Igreja mostrou-se, então, pobre não só materialmente, mas também sob o ponto de vista pastoral e cultural: não punha mais a sua confiança no apoio e na defesa estatal, mas na graça, na força da verdade, na pureza do seu testemunho. Participante do sofrimento de todos, a serviço da humanidade, sem soluções pré- -fabricadas universalmente válidas, e privadas de competências específicas para sugerir soluções concretas, ela pedia apenas para servir, como declarou Paulo VI na visita que fez à ONU no início de outubro de 1965. Desse modo, o Vaticano II demonstrou confiança no homem, dando ao conjunto uma imagem mais humana e mais completa do matrimônio e sublinhando o valor do mútuo amor entre os cônju- ges. Além disso, a Gaudium et Spes mostrou uma Igreja solidária com o mundo, com seus sofrimentos, mas também com suas con- quistas; uma Igreja que reconhecia a autonomia do temporal e, ao menos implicitamente, os aspectos positivos da secularização. Paulo VI no seu discurso conclusivo do Concílio convidou-nos a um diálogo com o mundo, chegando a reconhecer a parte de verdade que poderia haver até em certas formas de ateísmo. A constituição sobre a liturgia Sacrossantum Concilium coro- ava velhas aspirações e permitia prever uma autêntica revolução; propunha-se aos fiéis uma piedade alimentada diretamente pela liturgia, pela Escritura, pelos padres e expressa de forma mais co- munitária. 9. PERÍODO PÓS-CONCILIAR O período pós-conciliar está em processo de caminhada e ainda é difícil prever os seus resultados finais. Naturalmente, há muitos traços comuns na realidade de cada país com relação à aplicação dos decretos conciliares, mas é certo que a história da Igreja contemporânea ficaria mutilada sem um olhar sobre os úl- timos anos, e um juízo sobre o Vaticano II ficaria absolutamente © História da Igreja Moderna e Contemporânea156 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO incompleto se não procurássemos perceber as consequências dele na vida da Igreja. A história e o significado de um concílio não se esgotam na reconstrução do que nele aconteceu, da convocação a seu encerramento, mas compreende, também, a sua aplicação. O Vaticano II foi uma das realizações mais importantes da história do Cristianismo moderno e abriu possibilidade para mui- tas outras reflexões e ações. Mas, houve algumas falsas interpreta- ções ou compreensões do Concílio que provocaram divisões inter- nas no mundo católico e que ainda hoje perduram: Muitos compartilharam a impressão de que tinha início uma nova era para a Igreja: o Vaticano II encerrara o período do Concílio de Trento. Falava-se, a partir de então, de "pré-concliar" e de "pós- -conciliar". Alguns consideravam que a igreja, que vivera quatro sé- culos apoiada no Concílio de Trento, viveria numerosos anos com base no Vaticano II. Bastava pôr em prática os textos! Na realidade, as coisas não ocorreram exatamente dessa maneira. Os questio- namentos do Concílio, unidos à crise da civilização, mostraram a fragilidade de uma Igreja não qual as divergências se expressam mais livremente (COMBY, 1994, p. 213). O Papa Paulo VI teve grandes momentos de tristeza e frus- tração com os rumos que alguns deram a alguns aspectos do Con- cílio em torno de vários temas como: as divisões do Catolicismo no período pós-conciliar; erros sobre os dogmas e sacramentos; otimismo ingênuo ou fácil de alguns em torno da modernidade; a questão do Catecismo Holandês; os desvios em torno da reforma litúrgica; as várias ´teologias´, especialmente a ´Teologia da Liber- tação´ na América Latina; a questão em torno do celibato e da dis- ciplina eclesiástica; o tema do controle de natalidade e a encíclica ´Humanae vitae´; o cisma do bispo Marcel Lefèvre, de cunho con- servador; a crise na Companhia de Jesus, quando alguns jesuítas propõem a renúncia ao voto de obediência ao papa e se direcio- nam para a promoção da justiça e pela opção preferencial pelos pobres. Muitos autores escreveram sobre isso e Marquès I Surinach assim escreve: O papa Paulo VI, que conseguira , com uma dedicação e uma firmeza absolutas, a síntese das correntes conciliares na uni- dade fundamental do Concílio, se lamentará, e mais de uma vez 157© Século 20: O Século Breve anos depois, de que a fumaça do inferno entrara na Igreja através das rachaduras do Concílio; é uma das confissões mais amargas na vida do Papa Montini, num admirável e doloroso exercício de ob- jetividade [...] Efetivamente, antes do Concílio Vaticano II (1962), a Igreja aparecia unida e compacta, ainda que nela estavam laten- tes graves problemas de fundo; não obstante isso, o próprio Papa acreditava que todos tinham solução. Mas, durante o Concílio, e sobretudo depois de sua conclusão (1965), os conflitos começaram a flutuar na superfície com toda a sua crueldade, até o ponto que em julho de 1966 o cardeal Ottaviani, então Prefeito da Congre- gação da Doutrina da Fé, enviou aos bispos de todo o mundo e superiores dos Institutos Religiosos uma carta em que denunciava a propagação de fortes erros doutrinais na Igreja: sobre Cristo, a Eucaristia, a desvalorização sobre o pecado original, o ecumenismo desviado e o indiferentismo religioso. Os bispos franceses qualifica- ram de exagerada alista dos erros e fecharam os olhos ao conjunto de problemas que, como comentava o Papa, eram reais (MARQUÈS I SURINACH, 1993, p. 198-199). Do final do Concílio até hoje, temos assistido, seguramente, a dois fenômenos opostos: uma renovação religiosa com múlti- plos aspectos, e uma forte crise religiosa, com uma secularização crescente e uma perda cada vez maior de alguns valores funda- mentais. É claro que o afastamento da Igreja oficial e a perda dos valores não podem ser atribuídos aos efeitos do Vaticano II, visto que o fenômeno tem causas diferentes que atingem toda a socie- dade, sem nenhuma relação com o Concílio. Quais seriam, então, as perspectivas para a Igreja neste novo milênio? As reformas institucionais Paulo VI, em seu pontificado, esforçou-se para que fosse aplicado integralmente o Concílio na realidade concreta, com seus grandes princípios. Desde 1965 e com a continuação no pontifica- do de João Paulo II, sucederam-se frequentes constituições apos- tólicas e documentos de outros gêneros, que, no conjunto, reno- varam a estrutura jurídica da Igreja. © História da Igreja Moderna e Contemporânea158 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Santo Ofício No dia 7 de dezembro, dia em que o Concílio se encerrava, o Santo Ofício mudava de nome e de estrutura, pois já se critica- va muito esse anacrônico departamento, além do fato de não ser mais sua finalidade condenar os erros, e, sim, promover a fé. Pas- sou, então, a chamar-se Congregação para a Doutrina da Fé. Cúria Romana A Cúria Romana atualizou-se em vários aspectos para o me- lhor governo da Igreja. Grande importância teve o desenvolvimen- to das conferências episcopais, ou seja, a convocação periódica do sínodo dos bispos, instituído já durante o Concílio. A promulgação, em 1983, do novo código de Direito Canônico é outro instrumento importante para a organização da Igreja. As conferências episco- pais têm-se revelado como ótimo instrumento para traçar planos e ação pastoral comuns a todo o episcopado de uma região ou de uma nação. Também é de fundamental importância para a vida da Igreja, atualmente, o sínodo dos bispos, que é uma assembleia que se reúne, sem prazos fixos, a critério do pontífice, que congrega os bispos eleitos pelas conferências episcopais, os cardeais que pre- sidem os dicastérios romanos, os patriarcas, outros membros das igrejas orientais e dez religiosos eleitos pela União Romana dos superiores gerais. Ele (o sínodo) tem poderes consultivos, não de- liberativos, mas é um instrumento útil para uma efetiva colabora- ção entre papado e episcopado; o pontífice pode perceber melhor as exigências da base e a orientação das diversas correntes. Desde 1967, tem-se realizado essa reunião a cada três ou quatro anos. O novo "código" procurou atualizar sua linguagem de acordo com o Vaticano II, dando maiores poderes ao episcopado e lembrando a missão dos leigos na Igreja. 159© Século 20: O Século Breve Reformas litúrgicas Contrariamente às reformas institucionais, que não chama- ram muito a atenção, as litúrgicas atingiram quase todos, crentes e não crentes, praticantes e não praticantes, porque trataram-se de mudanças que influenciaram, também, os costumes que haviam permanecido imóveis desde o Concílio de Trento. No dia 26 de setembro de 1965, foi decidida a ampla intro- dução da língua vulgar na liturgia; sucessivamente, foram sendo renovadas as diversas partes da missa. Em maio de 1970, estava pronto o novo missal; tinham-se passado quatro séculos desde a publicação do missal de Pio V. O calendário também foi reformado, dividindo com mais clareza o ano litúrgico, deslocando algumas festas, eliminando-se alguns santos e introduzindo-se outros mais representativos da universalidade da Igreja. A partir de então, sucederam-se novos ritos para a administração dos sacramentos, sendo frequentemente atualizados e revistos. A nós, hoje, pode parecer que tais modificações não foram grandes ou importantes, no entanto, tratou-se de uma autêntica revolução litúrgica, bem maior do que no Concílio Tridentino. Pro- curou-se apresentar o mistério cristão em uma linguagem corres- pondente à nova mentalidade moderna. Tentou-se fazer da liturgia a fonte primeira, insubstituível, da vida e da instrução do povo de Deus, que, por muito tempo, em virtude de não compreender os ritos latinos, se refugiara em uma piedade devocional, alimentada por orações diferentes das que se verificavam na liturgia, endere- çadas a vários santos, distantes de qualquer modo da linguagem e do pensamento bíblico. Reforma catequética A renovação catequética aconteceu com maior lentidão e com maiores dificuldades em diversos países. Cada conferência episcopal procurou adaptar a realidade do Concílio em sua região, trabalhando o conteúdo a ser ministrado na catequese. © História da Igreja Moderna e Contemporânea160 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Hoje, cada diocese procura formular o seu projeto catequé- tico adaptando-o à realidade. Respondendo a vários apelos feitos no decorrer das duas últimas décadas, em 1992, concluiu-se o Ca- tecismo da Igreja Católica, uma obra de grande proporção, desti- nada a todo mundo. A obra foi amplamente difundida e o futuro haverá de fazer um juízo sobre seu efetivo alcance. Nos dias de hoje, a catequese aparece sempre sendo um desafio e precisa ser constantemente revista e atualizada. Teologia da Libertação As novidades da Igreja Católica no século 20, antes e depois do Concílio Vaticano II, não foram poucas. No continente latino- -americano, muitas lideranças católicas (bispos, padres, religiosos e religiosas, leigos engajados) apoiadas nos escritos de João XXIII e abertura conciliar, desenvolveram uma teologia própria, a Teologia da Libertação. Ela nasce, a partir da realidade do continente ´mais católico do mundo´, marcado pela triste realidade das ditaduras militares e do empobrecimento de milhões de cidadãos e fiel às exigências do Evangelho de Jesus Cristo no apelo à transformação social e à opção pelos pobres e excluídos. Na composição da Teologia da Libertação participam vários bispos (Helder Câmara, Aloísio Lorscheider, Ivo Lorscheider, Paulo Evaristo Arns, Luciano Mendes de Almeida, Pedro Casaldáliga etc); vários teólogos e estudiosos (Gustavo Gutierrez, Juan Luiz Segun- do, Jon Sobrino, Segundo Galilea, Leonardo Boff, Enrique Dussell, Pablo Richard, Ronaldo Muñoz, Inácio Ellacuría etc.). A Teologia da Libertação é apoiada e ratificada na II Con- ferência do Episcopado Latino-americano, CELAM, em Medellín, Colômbia, em 1967. Dela, participou o Papa Paulo VI que assim se pronunciava no seu discurso aos camponeses colombianos e latino-americanos: Continuaremos a denunciar as injustas desigualdades econômicas entre ricos e pobres, os abusos autoritários e administrativos co- metidos contra vós e contra a coletividade. Continuaremos a en- 161© Século 20: O Século Breve corajar as resoluções e programas que favoreçam as populações em vias de desenvolvimento... Nós vos exortamos a não colocar vossa confiança na violência e na revolução: isso seria contrário ao espírito cristão, podendo, da mesma maneira, retardar, em vez de favorecer, a elevação social à qual aspirais de pleno direito (COMBY, 1994, p. 217). A Teologia encontra oposição dentro de setores eclesiais, muitos dos quais, que sempre estiveram unidos aos grupos elitis- tas e empresariais e também, nos segmentos políticos e sociais que não aceitam um cristianismo que faz opção pelo pobre. Sur- gem os milhares de mártires no continente: Dom Oscar Romero, Dom Enrique Angelelli, Pe. João Bosco Penido Burnier, Pe. Inácio Ellacuría, Doroth Stang, Pe. Ezequiel Ramín etc. Pontificado de João Paulo II Karol Josef Wojtyla, eleito no dia 16 de outubro de 1978, as- sumindo o nome de João Paulo II, nasceu em Wadovice, cidade distante 50 km de Cracóvia,na Polônia, no dia 18 de maio de 1920. Era o último dos três filhos de Karol Wojtyla e de Emilia Ka- czorowska. Foi batizado no dia 20 de junho de 1920; com 9 anos, recebeu a primeira Eucaristia e, com 18 anos, o sacramento da Crisma. Terminados os estudos do segundo grau, inscreveu-se na Universidade Jagelônica de Cracóvia. Quando as forças nazistas fe- charam a Universidade em 1939, ele trabalhou em uma mina de extração de pedras, e, em seguida, em uma fábrica química, para poder ganhar a vida e evitar a deportação para a Alemanha. A partir de 1942, sentindo-se chamado para o sacerdócio, frequentou os cursos de formação do seminário maior clandestino de Cracóvia, dirigido pelo cardeal Adam Stefan Sapieha. Ao mesmo tempo, foi um dos promotores do Teatro Rapsódico, também clan- destino. Depois da guerra, continuou seus estudos no seminário maior de Cracóvia, novamente aberto, e, em seguida, na Facul- dade de Teologia da Universidade Jagelônica até sua ordenação presbiteral, que teve lugar no dia 1º de novembro de 1946, pe- © História da Igreja Moderna e Contemporânea162 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO las mãos do arcebispo Sapieha. Logo depois, foi enviado a Roma, onde, sob a direção do dominicano francês Pe. Garrigou-Lagrange, doutorou-se em Teologia, com a tese sobre o tema da fé na obra de São João da Cruz. Nesse período, durante as férias, exerceu o ministério pastoral entre os imigrantes poloneses na França, Bél- gica e Holanda. Em 1948, retornou à Polônia e foi coadjutor em algumas pa- róquias vizinhas à Cracóvia; foi capelão universitário até 1951 e defendeu outra tese na Universidade de Lublin sobre a ética cristã com base no sistema ético de Max Scheler. Mais tarde, tornou-se professor de Teologia Moral e Ética no seminário maior de Cracóvia e na Faculdade de Teologia de Lublin. No dia 4 de julho de 1964, o papa Pio XII nomeou-o bispo titular de Ombi e auxiliar de Cracóvia. Recebeu a ordenação episcopal no dia 28 de setembro de 1958 na catedral de Wawel (Cracóvia), das mãos do arcebispo Eugenio Baziak. No dia 13 de janeiro de 1964, foi nomeado arcebispo de Cracóvia por Paulo VI, que o criou car- deal no Consistório de 26 de janeiro de 1967. Além disso, ele participou do Concílio Vaticano II e contribuiu muito na elaboração da constituição Gaudium et Spes; também participou das cinco assembleias do sínodo dos bispos anteriores ao seu pontificado. Os cardeais reunidos em conclave elegeram-no papa no dia 16 de outubro de 1978, data em que assumiu o nome de João Paulo II e tornou-se o sucessor de Pedro de número 263. Seu pon- tificado foi um dos mais longos da história e durou quase 27 anos. Morreu no dia 2 de abril de 2005. João Paulo II exerceu seu minis- tério com incansável espírito missionário, dedicando todas as suas energias com solicitude pastoral para toda a Igreja. É considerado por muitos o papa mais importante do século 20 e talvez, de toda a história do Cristianismo. Num século em que houve duas grandes guerras e milhares de conflitos e ditadores (Hi- tler, Mussolini, Stalin, Mao Tsé Tung) e também, grandes santos e 163© Século 20: O Século Breve santas com Madre Teresa de Calcutá, Edith Stein, Maximiliano Kol- be, Pio de Pietralcina, Oscar Romero, aparece João Paulo II que é, [...] sem dúvida, a maior figura do século, que sem derramar uma gota de sangue –a não ser o seu próprio- proclamou no mundo uma única ´revolução´ digna do homem: a ´revolução´ fundamen- tada no amor; o respeito aos direitos de Deus, o reconhecimento da dignidade humana, a defesa da verdadeira liberdade, a ilusão pela vida (MARQUÈS I SURIÑACH, 1993, p. 243-244). Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Vejamos, em números, a dedicação de João Paulo II: - 104 viagens apostólicas. - 146 visitas pastorais na Itália. - 317 visitas a paróquias como bispo de Roma (sob um total de 333). - 1166 participações em Audiências Gerais das Quartas-feiras (participaram mais de 17 milhões e 600 mil peregrinos). - 38 visitas oficiais em audiência. - 738 audiências com Chefes de Estado. - 246 audiências e encontros com Primeiros Ministros. - 19 edições da Jornada Mundial da Juventude (iniciadas em 1985). - 147 cerimônias de beatificações (foram proclamados 1338 beatos). - 51 canonizações (para um total de 482 santos). - Proclamou doutora da Igreja Santa Tereza do Menino Jesus. - Criou 231 cardeais em 9 consistórios (mais um in pectore). - Convocou 6 reuniões plenárias do Colégio Cardinalício. - Presidiu 15 assembleias do sínodo dos bispos. - 14 encíclicas; 15 exortações apostólicas; 11 constituições apostólicas e 45 car- tas apostólicas estão entre seus principais documentos. - Promulgou o Catecismo da Igreja Católica. - Reformou o Código de Direito Canônico Ocidental e Oriental. - Escreveu 5 livros. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– João Paulo II promoveu, com sucesso, o diálogo com os ju- deus e com representantes de outras religiões, convocando-os em diversos encontros de oração pela paz, especialmente em Assis. Sob sua orientação, a Igreja aproximou-se do terceiro milê- nio e celebrou o Grande Jubileu do ano de 2000. Com o Ano da Redenção, o Ano Mariano e o Ano da Eucaristia, João Paulo II pro- moveu a renovação espiritual da Igreja. © História da Igreja Moderna e Contemporânea164 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO O fim do século 20 representa para muitos estudiosos o for- talecimento da crise da sociedade moderna em todos os seus seg- mentos, atingindo, especialmente, a dimensão religiosa. Repor- tando-se ao fim do século 18, assim escreve Lukacs: O declínio da religião e a decrescente influência das Igrejas se torna- ram casa vez mais evidentes ao longo do século 18, no fim do qual tinha-se a impressão de que se tratava de um declínio irreversível e talvez até completo. (Em dois mil anos, o poder e o prestígio do pa- pado nunca estiveram tão baixos quanto em 1799). Deu-se então um inesperado reavivamento católico e ultramontano, mas o declí- nio, no geral, prosseguiu durante o século 19 e persiste no 20. [...] A maioria das pessoas (inclusive intelectuais, teólogos e historiadores eclesiásticos) creem que o declínio da crença religiosa se deve à ascensão da crença na ciência. O fato pode ter sido verdadeiro no século 19, mas nesse caso não se tem evidências claras. A ascensão e o declínio da crença religiosa não corresponde necessariamente ao declínio e ascensão da crença na ciência. Ao rejeitar Darwin com veemência, Samuel Butler não aceitou ou recuperou sua religião. A descoberta de Henry Adams da fé na Virgem não o levou à rejeição de sua própria visão mecanicista-determinista da História. Agora, no final do século 20, muita gente respeita tanto a religião quanto a ciência; mas é um respeito vago. [...] A grande ameaça à fé religiosa em nosso tempo (mais precisamente, à qualidade e ao significado da fé) é o nacionalismo populista. A democratização das Igrejas le- vou a isso; mas trata-se apenas de uma consequência secundária, inseparável da democratização de sociedades inteiras. O elemento primário é mais simples e mais importante. O fato é que a religião da nação, os símbolos sentimentais da nação, são mais poderosos que a fé religiosa, em especial quando se misturam. O nacionalis- mo, repito, é o único religio (crença unificadora) popular em nosso tempo. Não vai durar para sempre, mas está aí ( 1993, p. 240-241). Pós-modernidade e a Igreja no 3º milênio A Igreja, atualmente, não está isenta nem isolada das reper- cussões de fenômenos mundiais (mundialização ou globalização). O tempo e a cultura de hoje são marcados por grandes mudanças que acontecem de forma acelerada. Essas mudanças podem ser evocadas por algumas expressões que se sobressaíram nos últi- mos tempos nas discussões dos sociólogos e antropólogos: "plu- ralismo", "pluralismo religioso", "urbanização", "diferenciação da sociedade", "aumento das desigualdades
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