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EA D Conceito e Natureza da Teologia 2 1. OBJETIVOS • Definir teologia. • Estudar a etimologia do termo teologia. • Analisar e enunciar a teologia como hermenêutica da fé, como crítica histórica e como vivência ética da fé. • Reconhecer como nasce concretamente a teologia. • Interpretar e identificar a perspectiva e objeto de estudo da teologia. • Apontar as características da estrutura do discurso teoló- gico em particular. 2. CONTEÚDOS • Conceito de teologia. • Origem do termo. © Introdução à Teologia 24 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO • Teologia como hermenêutica da fé, como crítica histórica e como vivência ética da fé. • Como nasce concretamente a teologia. • Perspectiva e objeto de estudo da teologia. • Estrutura do discurso teológico em particular. 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Para aprofundar seus conhecimentos sobre os assuntos referidos no texto principal, é importante que leia as páginas 24 e 25 da obra de Geffré denominada Crer e interpretar. Tal obra está referenciada ao término desta unidade. 2) Para ampliar seus conhecimentos sobre a hermenêutica, é importante que leia as páginas 30 e 31 da obra Sujeito e sociedades complexas, de Sung, referenciada ao térmi- no desta unidade. 3) O ato teológico é um ato de discernimento ou de apro- priação espiritual tanto do texto como da práxis para pe- netrar mais a fundo tanto nos mecanismos de morte e de dominação como na força da ressurreição e da vida plena do povo de Deus no mundo. Com base nesta afir- mação, procure refletir sobre a seguinte questão: que feito poderia ser considerado um ato teológico? 4) Amplie seus conhecimentos sobre imago dei. Para tan- to, acesse o site referenciado a seguir. SOLASCRITURA. Imago dei. Disponível em: <http://solascriptura-tt.org/ AntropologiaEHamartologia/ImagemDeDeus-Barauna. htm>. Acesso em: 10 jan. 2012. 5) Sugerimos que você, confira a obra, Teoria do Método teológico de Clódovis Boff, referenciada ao término des- ta unidade. 6) "O XXI Concílio Ecumênico, chamado Vaticano II, termi- nou no dia 08 de dezembro de 1965. Durante três anos, 25© Conceito e Natureza da Teologia um mês e vinte e nove dias (de 11 de outubro de 1962 até 08 de dezembro de 1965) viveu a Igreja Católica em estado de Concílio. Neste tempo cerca de 2.200 Bispos do mundo inteiro (incluídos os Superiores Maiores das Ordens e Congregações) encontraram-se quatro vezes em Roma, vivendo, rezando e trabalhando juntos duran- te 281 dias" (WIKIPÉDIA, 2011). Para saber mais, acesse o site do Vaticano referenciado ao término desta unida- de. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior, tivemos a oportunidade de estudar os conceitos introdutórios da teologia, refletindo, de maneira espe- cial, sobre a importância de se fazer e viver a teologia na práxis e pela práxis. Nesta etapa, vamos aprofundar nossos conhecimentos ao entrar no mundo da teologia pela argumentação de um possível conceito de teologia. Observe que nossa pretensão não será de elaborar uma teo- ria fechada. Pretendemos, sim, criar uma plataforma que nos insira nesta área do conhecimento, descobrir os elementos básicos para construir, recriar e atualizar este saber. Seremos, então, capazes de interagir e relacionar a teologia com nossa experiência pessoal e comunitária da fé e com outras áreas do conhecimento geral. Nosso primeiro passo será definir o conceito de teologia. 5. CONCEITO DE TEOLOGIA O ato teológico fundamenta-se na experiência da fé. Teolo- gia não pode ser feita sem fé. Sem a base da fé, o discurso torna-se filosofia da religião, sociologia da religião ou antropologia da reli- gião. Estes conhecimentos são importantes para o saber teológico, mas não é teologia. © Introdução à Teologia 26 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Assim, quem teologiza reflete primeiro sobre seu próprio compromisso ou adesão de fé ou de sua comunidade. O filósofo, o antropólogo e o sociólogo da religião não estão envolvidos na experiência da fé, são observadores e refletem sobre a adesão de fé de outros. Santo Agostinho afirmou: crede ut intelligas, o que nos faz pensar que a teologia não pode ser compreendida pelo descrente. Não vamos à teologia para nossa fé. Teologia existe para nos dar uma compreensão maior a respeito do que já cremos. Crede ut intelligas: “crê para que possas entender". Nesse sentido, a teologia não é um saber, individualizado, fechado e independente. É sim a relação entre a fé e a razão. A fé, entendida como encontro e adesão a Deus que se revela e se co- munica aos seres humanos, é o fundamento da teologia. Isso quer dizer que a experiência da fé, nas suas dimensões subjetiva e objetiva, é a "matéria-prima" da teologia. Em outras palavras, para haver teologia, é preciso passar pela experiência de fé. Fé pessoal, mas também experiência comunitá- ria que está inserida na história. Pela fé, o ser humano encontra Deus e conhece a si mesmo e ao mundo de forma específica. A fé vivida em nível pessoal e comunitário – no presente e no passado – leva ao autoconhecimento. A fé exige do crente honestidade consigo mesmo e com aqueles com os quais partilha sua fé. Por isso, parafraseando a Primeira Carta de Pedro (BÍBLIA SA- GRADA, 2002), a pessoa de fé necessita "dar as razões da sua fé" aos que perguntarem. A tarefa de compreender a fé que se profes- sa tem como exigência saber articular, interagir com outras fontes do conhecimento. Usar a razão iluminada pela fé emerge como instrumento privilegiado na interação com outros saberes. Desse modo, a Teologia constitui-se de duas tarefas fundamentais: 27© Conceito e Natureza da Teologia • saber examinar com os recursos racionais a experiência da fé pessoal e comunitária; • saber dialogar, interagir com os diversos conhecimentos. Se a fé é um conhecimento pessoal de Deus, este conheci- mento é sempre sacramental. Isto é, nossa percepção de fé de Deus é mediada pela nossa experiência das realidades criadas: pessoas, eventos, objetos. Não existe uma fé pura sem mediações. Uma fé real e viva existe sempre em um estado cognitivo e reflexivo. Isso significa que o ato teológico é um modo de se tornar consciente da experiência e vivência da fé. Desse modo, não podemos expressar a fé em palavras e ações independentemente da teologia. A Teologia é uma disciplina simbólica. A epistemologia sobre a qual repousa é simbólica... Símbolo é qualquer fragmento da realidade finita, qualquer coisa, evento, pessoa, situação, conceito, proposi- ção ou narrativa que medeia à consciência humana algo diverso de si mesmo. No caso da teologia, a única forma pela qual seu objeto próprio e específico torna-se acessível à consciência humana é por meio da mediação de símbolos finitos (HAIGHT, p. 241). O termo mais usado para compreender a teologia é fides quarens intellectum (fé que procura, ama saber) proveniente de Agostinho e de Anselmo. Teologia é o processo pelo qual trazemos nosso conhecimento e compreensão de Deus ao nível da reflexão e da expressão. É a articulação, de um modo mais ou menos siste- mático, da experiência de Deus dentro da existência humana. Teologia não é simplesmente falar ou discursar sobre Deus, ou sobre Cristo ou sobre a Bíblia, ou mesmo sobre fé. A teologia procura descobrir a relevância, o sentido, o significado para hoje da comunidade de fé. Teologia na busca de atualização e continui- dade histórica entre o evento fundante (Jesus Cristo e a comuni- dades dos primeiros cristãos) e o evento atual (Igreja-contempo- rânea), se constituirá como vivência, conversão, práxis. Este será o elemento que avaliará o processo de fazer teologia, seu objetivo último. © Introdução à Teologia 28 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO A teologia, então, não pode ser apenas história da teologia, mas reflexão da vivência dafé na realidade histórica concreta do povo de Deus hoje. Ela tem implicações imediatas sobre a dimen- são Pastoral da fé. O cuidado pastoral e a atividade missionária da Igreja devem interrogar a Teologia e dela devem esperar orienta- ção. Há uma interação constante entre a Teologia e a pastoral. A pastoral motiva a tarefa teológica e a teologia sustenta a atividade pastoral eficazmente. Do mesmo modo, a fé tem uma história e situa-se na reali- dade atual. Ela não pode se fechar num mundo à parte, mas pre- cisa viver em diálogo com as mudanças e as situações concretas da vida, hoje. A fé é dinâmica e histórica. Por isso, a teologia é também uma tarefa nunca acabada. A fé pode também adoecer ou sofrer um processo de ideologização. Cabe, dessa forma, à Teologia uma tarefa crítica de diagnos- ticar e denunciar os processos viciosos. Se a fé e a religião são ne- cessárias e benéficas ao ser humano e à sociedade, elas só podem cumprir esse papel se forem sadias. E para serem sadias, precisam de um processo teológico adequado. A fé vivida situa-se concretamente na estrutura e na con- juntura da realidade social, econômica, política e cultural. Ela tem uma dimensão de atualidade e de dinamismo. A teologia, da mes- ma forma, não é um conhecimento alheio ao que vivem as pessoas no tempo presente. Ela precisa encarnar-se na realidade atual e regional. O Concílio Vaticano II expressou isso numa fórmula bastante conhecida: "As alegrias e os sofrimentos, as esperanças e as an- gústias dos homens do nosso tempo, são também as alegrias e os sofrimentos, as esperanças e as angústias da Igreja". Sendo da Igreja, são também do saber teológico. Como você pode verificar, aprender teologia é um processo complexo. 29© Conceito e Natureza da Teologia Mas o que queremos dizer com “complexo"? A complexidade é um modo de pensar que se compara com a arte de tecer, colocar os fios juntos. Procura criar relações, tecer diálogos e perceber a interdependência que existe entre os diver- sos aspectos da vida humana. Aplicado à teologia, pretende em relação a ela uma metodologia menos positivista, procurando en- fatizar o problema, as questões fundamentais apresentadas pela humanidade neste momento específico da história. Quais seriam os princípios que vão nortear este caminho te- ológico? Vejamos: 1) Na comunidade de fé, lugar privilegiado do fazer teoló- gico, aprende-se teologia juntos, todos são sujeitos do processo; 2) Dinamismo fecundante entre ação e reflexão, leitura da tradição e vivência histórica da fé; 3) Ninguém entra vazio no processo de elaboração teológi- ca e o que já se sabe influencia a compreensão, transfor- mação do saber teológico. Aprende-se, também, desa- prendendo, e desaprendendo se constrói novas pontes para o conhecimento. 4) No aprendizado o que vale é a intensidade e a qualidade do processo de conhecimento. Aprofundar a fé é um de- safio constante para o crente e sua comunidade. Você pode se perguntar: mas onde se originou este termo? Teologia é um termo cristão ou deriva de um outro sistema de co- nhecimento? Vamos responder a essas questões juntos. Origem do termo teologia Na etimologia da palavra teologia, podemos perceber dois aspectos importantes para sua compreensão: Teo – Deus é seu objeto principal; Logia – estudo, saber, discurso humano sobre Deus. © Introdução à Teologia 30 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Assim, Theologia – do grego, discurso sobre as coisas divinas, é um termo pré-cristão. Ele aparece pela primeira vez em Platão (1956) numa passagem em que este se interroga sobre a utilização pedagógica da mitologia. Aristóteles retoma o uso, modificando-o também: os "teólogos" são Hesíodo ou Homero, distinguidos fi- lósofos. Eles falam de filosofia teológica e de conhecimentos te- ológicos para designar a mais alta das três ciências teóricas, após a matemática e a física. É ao estoicismo, todavia, que cabe dar realmente o direito de cidadania filosófica a teologia e aos termos aparentados: a teologia torna-se ali, explicitamente, uma discipli- na filosófica. (LACOSTE, 2004). Estoicismo: “doutrina fundada por Zenão de Cício (335-264 a.C.), e desenvolvida por várias gerações de filósofos, que se caracte- riza por uma ética em que a imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a aceitação resignada do destino são as marcas funda- mentais do homem sábio, o único apto a experimentar a verdadei- ra felicidade [O estoicismo exerceu profunda influência na ética cristã]" (DICIONÁRIO HOUAISS). Uso do termo na História Na Sagrada Escritura, não é usado o termo teologia. A te- ologia cristã começa com os apóstolos como testemunhos de fé, do evangelista ou da comunidade; Teologia é um termo comum e bem desenvolvido na cultura grega, que passou a ser mais utiliza- do com Agostinho e Orígenes. Já a escolástica utiliza outros termos como: sacra doutrina ou doutrina cristã. Assim, a teologia assume o significado técnico que tinha a sacra doctrina. Na Idade Moderna, surgem outros as- pectos da teologia, nascendo um pluralismo de teologias. Intelecção do termo Teologia – reflexão metódica e crítica sobre o que vem expos- to no querigma da Igreja, aceito no ato de fé, pelo qual a pessoa 31© Conceito e Natureza da Teologia se submete à Palavra de Deus. Como ato do teólogo – é reflexão sobre a fé. Visto do aspecto do objeto, ela faz ciência sobre Deus. Estes dois aspectos fundem-se em um único movimento que pode ser lido de duas maneiras: Querigma significa, no novo testamento, pregação. É o primeiro anúncio do Evangelho, é como o primeiro badalar do sino, o ba- dalo forte. Segundo o Catecismo da Igreja Católica (CIC – VATI- CAN, 2006), o querigma pode ser considerado como a pregação missionária para suscitar a fé. Ele não pode ser confundido com a catequese, que é o passo seguinte ao querigma. Deus é o objeto da teologia - aspecto objetivo - ao qual o teó- logo tem acesso pela fé transmitida na pregação viva da Igreja – as- pecto subjetivo -, e sua reflexão crítica e metódica se faz a respeito de Deus na mediação da fé acolhida na tradição viva da Igreja. 6. TEOLOGIA COMO HERMENÊUTICA DA FÉ Durante séculos, a razão teológica foi identificada com a razão especulativa, no sentido aristotélico da palavra. Aristóteles elabora sua filosofia na busca das causas últimas, de uma verdade absoluta e metafísica, por meio da lógica e da comprovação empí- rica. Já a teologia, como compreensão da fé em Deus que se revela na história e na experiência da comunidade, exige que teologizar seja uma prática interpretativa, isto é, hermenêutica. Podemos afirmar, portanto, que uma teologia que se pre- tende perfeita, completa e fechada em si mesma corre o risco de tornar-se ideológica e fundamentalista. Desse modo, compreender teologia como hermenêutica da fé é compreender a história e tudo que é possível relacionar dela com a fé. A hermenêutica que a fé faz da história se diferencia da prática do historiador, a fé interpreta os eventos históricos como memoriais, isto é, como carregados de sentido, de força e esperan- ça para a fé de hoje. © Introdução à Teologia 32 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Como você já sabe, teologia é um processo contínuo de in- terpretação do testemunho da fé, vivenciado na comunidade cris- tã de ontem que anseia ser atualizada em nossa experiência histó- rica de hoje. Assim, a hermenêutica da fé exigirá um diagnóstico rigoroso de nossa situação atual, mas, também, a reconstrução da experiência cristã de uma salvação em Jesus Cristo vivida pelos pri- meiros discípulos e discípulas. Não há compreensão da fé como ato teológico sem reinter- pretação criadora. Neste sentido, a revelação será sempre evento atual, não um fato do passado. Revelação torna-se uma palavra viva quando interpretada para os homens e mulheres do nosso tempo. Hermenêutica teológica não se refere somente às Escritu- ras fundantesda fé, mas também à releitura da tradição, em parti- cular das fórmulas dogmáticas. 7. TEOLOGIA COMO CRÍTICA HISTÓRICA Sabemos que o ser humano é localizado e histórico. Desse modo, ele é chamado a reconhecer sua universalidade e natura- lidade. Partilhamos, também, com todos os seres vivos e o cos- mo de elementos comum. Mas esta compreensão se dá, no ser humano, partindo de um contexto que contribui e influencia em nossa construção pessoal e coletiva de vida. Estar consciente des- sa condição é reconhecer os limites humanos. Somos incapazes de conhecer plenamente a realidade e de construir uma sociedade de acordo com nossas utopias. A consciência de seus limites não mata no ser humano seu anseio de plenitude, de transcendência, de felicidade. O ser huma- no é um ser de esperança, esta condição o leva a criar símbolos, de elaborar projetos e utopias, de regrar sua vida e sua liberdade partindo de valores, do belo, da ética, das causas justas. Sua vida, então, mesmo em meio às dificuldades e crises, orienta-se para um sentido último. 33© Conceito e Natureza da Teologia Você pode pensar: de que modo a fé se insere na dimensão histórica do ser humano? Para encontrar uma resposta para essa questão, é importan- te saber que a fé não é somente um valor dotado de potencial ético e moral. Ela é um modo de conhecer e compreender o mundo em que vivemos. Não de modo passivo, como aceitação da realidade, mas de nos tornarmos sujeitos de transformação da própria his- tória. A fé é um óculos para perceber realidades e potenciais que aos olhos superficiais não são perceptíveis. Quando Jesus curava os doentes, colocava na fé do doente o ponto fundamental de sua cura. "Vai, tua fé te curou". Se a fé é um modo de ver o mundo e interpretá-lo, como aplicar este pressuposto na argumentação teológica? Teologia não será somente reflexão sobre Deus e realidades divinas, interpretação de dogmas e doutrinas. É, sobretudo, com- preendida como interpretação da história que procura esclarecer e refletir criticamente as bases que fundamentam as esperanças e visões de mundo das correntes teóricas e sociais. Ela é a esperança de que a injustiça que caracteriza o mundo não pode ser a reali- dade final, que o injusto não pode se considerar como a última palavra. A teologia assume a tarefa de discernir entre o "ideológico" e o "Espiritual", o que vem do Espírito e que é simplesmente falsifi- cação e superficialidade humana. O ato teológico é um ato de dis- cernimento ou de apropriação espiritual tanto do texto como da práxis para penetrar mais a fundo tanto nos mecanismos de morte e de dominação como na força da ressurreição e da vida plena do povo de Deus no mundo. A hermenêutica é um discernimento das armas ideológicas da morte e uma base da força do Espírito da vida (Jo, 1: 4 – BÍBLIA SAGRADA, 2006). © Introdução à Teologia 34 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 8. TEOLOGIA COMO VIVÊNCIA ÉTICA DA FÉ A fé, como resposta ao Deus da revelação, estaria traindo sua identidade e sua vocação se não afirmasse a dignidade intrín- seca da pessoa humana, os deveres e direitos humanos, a defesa da natureza dessa terra como lar comum da humanidade e o bem- comum como propósito e razão de ser de toda ordem social. A santidade da vida de fé implica na afirmação da dignidade humana. Viver a fé e compreendê-la significa não compactuar com o mal, presente tanto no egocentrismo humano, como nas estru- turas que geram a miséria, a exclusão, a opressão, o privilégio de poucos frente à exclusão de milhões. Note que a fé é um ato de liberdade ante o projeto de Deus, o que necessariamente defende o direito da liberdade de pensa- mento e de profissão religiosa. Defende, também, o direito à vida, que tem sua base na distribuição daquilo que é o bem-comum, o qual torna a história menos tirana e mais humana. Hoje, a doutrina social da Igreja centra-se sobretudo nos homens e nas mulheres enquanto que estão envolvidos numa complexa rede de relacionamentos, dentro das sociedades modernas. As ciências humanas e a filosofia ajudam a interpretar o lugar central da pes- soa humana na sociedade e também ajudam a compreender o que é, afinal, um ser social. Porém, a verdadeira identidade duma pes- soa só nos é revelada plenamente através da fé; e é precisamente com a fé que a doutrina social da Igreja começa. Enquanto apro- veita todos os contributos das ciências e da filosofia, a sua doutrina social dirige-se para o auxílio da humanidade na sua caminhada de salvação (CENTESIMUS ANNUS, n. 53-54). A ética cristã, por um lado, afirma o ser humano como ima- go dei, com todas as suas implicações; por outro lado, reafirma a intrínseca ambigüidade moral da condição humana, a que a teo- logia denomina de pecado, o mal, o egoísmo, tornar o próximo objeto-instrumento. Pecado que está presente em todos os seres humanos e em todos os sistemas humanos. A teologia, em sua esfera pública, deve elucidar para indiví- duos, governantes e sistemas a realidade do mal e suas perversas 35© Conceito e Natureza da Teologia conseqüências sobre a vida humana e a criação. A Teologia tem como tarefa, juntamente com outras instituições, a formação da consciência para valores humanos e um chamado constante à con- versão. Aqui, a teologia tem a tarefa de ser profética nas várias di- mensões da vivência da fé: 1) pessoal; 2) comunitária; 3) social; 4) política. Assim, a competição representa a base da economia e do modelo de sociedade atual, já a fé e a ética respondem com o valor do amor e da solidariedade. Ao totalitarismo e ao individualismo, insiste-se com as noções de pessoa e de bem-comum. Ao mate- rialismo que destina os seres humanos à produção e ao consumo, responde-se com as necessidades do espírito: "Nem só de pão o humano viverá, mas de toda palavra que procede da boca de Deus". A fé e a ética afirmam que o planeta faz parte do universo, não é somente terra, mas também oikos, o lar comum da humani- dade. Deste modo, não se pode aceitar um mundo de donos, mas, sim, um mundo onde todos podem ter um lar. O oikonomos só tem sentido se conseguir incluir a todos no oikos, no lar. Contudo, como falar de lar, quando não se tem um teto, es- cola, saúde, trabalho, lazer, segurança e realização? Quando, para muitos, lar tem sentido de exílio, desterro, prisão? Quando muitos não conseguem ganhar seu pão com o suor de seu rosto? O conteúdo de uma fé que se torna ética frente aos grandes desafios da humanidade não se baseia em ideologias políticas do século 19. Está fundado num patrimônio multisecular. Na herança do Ano Sabático e do Ano do Jubileu prescritos na Torah. Também na herança dos profetas como Isaías, Jeremias, Amós ou Miquéias. © Introdução à Teologia 36 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Nada mais atual do que as palavras de Jeremias ao rei: "Assim diz o Senhor: Executai o direito e a justiça, e livrai o oprimido da mão do opressor; não oprimais o estrangeiro nem o órfão, nem a viú- va, nem derrameis sangue inocente neste lugar" (Jr, 22:3 – BÍBLIA SAGRADA, 2006). Ano Sabático. “O termo vem do hebraico shabbath, e significa re- pouso. É o dia de recolhimento semanal dos judeus. No Antigo Testamento, há referência ao ano sabático: um ano, a cada seis, em que a terra fica sem cultivo para depois iniciar um novo ciclo de fertilidade" (SABÁTICO, 2007). Ano Jubileu: “O Jubileu tem suas raízes no Antigo Testamento, sendo comemorado a cada 7 anos = ano sabático, e depois de 7 vezes 7 = Jubileu. Diz o Levítico: «Santificareis o qüinquagésimo ano, proclamando no país a liberdade de todos os que o habitam. Este ano será para vós jubileu, cada um de vós recobrará a sua propriedade e voltará para a sua família" (MONTFORT, 2007). Torah “(do hebraico הָרֹוּת, significando instrução, apontamento, lei) é o nome dado aos cinco primeiros livros do Tanakh (também cha- mados de Hamisha Humshei Torah, הרות ישמוח השמח - as cinco partesda Torá) e que constituem o texto central do judaísmo" Enquanto isso, os direitos sociais estão sendo ridicularizados em nossos dias, retirados das Constituições, extintos, aumentando a vulnerabilidade e a fragilidade do ser humano. A herança dos Pais da Igreja, como Crisóstomo, Gregório, Basílio ou Ambrósio (s/d), já nos ensinava: "Não é teu o bem que distribuis ao pobre, apenas retribuis o que é dele. Porque tu és o único a usurpar o que é dado a todos para uso de todos". 9. COMO NASCE CONCRETAMENTE A TEOLOGIA Fides quaerens intellectum! A clássica expressão de Santo Anselmo nos dá uma definição clara da teologia. Esta nasce do co- ração da própria fé. Igualmente, o amor nasce da fé e deseja saber as razões por que ama. Tal é a dupla fonte objetiva da teologia. 37© Conceito e Natureza da Teologia Fides quaerens intellectum: “a fé que deseja saber". Quanto à fonte subjetiva, é o próprio espírito humano que "deseja naturalmente conhecer" (ARISTÓTELES, s/d.) e disso não estão excluídas as coisas da fé. Toda a pessoa de fé, à medida que procura entender o porquê daquilo que crê, é, a seu modo, teólo- ga. Em sua raiz mais profunda, a Teologia nasce da fé, entendida em sua unidade como novo nascimento, mais simplesmente como conversão. Só um ser profundamente transformado pode, verda- deiramente, ter acesso aos mistérios divinos. A fé é uma realidade unitária, mas também complexa. E é segundo essa complexidade que a fé é fonte, objeto e fim da Teo- logia. De fato, a fé compreende: • um elemento cognitivo: é a fé-palavra; • um elemento afetivo: a fé-experiência; • um elemento ativo: a fé-prática. Há uma relação íntima e orgânica entre fé e teologia. Esta é a fé em estado de ciência. Porém, a fé sempre precede a teologia e tem primado absoluto sobre ela. 10. O QUE ESTUDA A TEOLOGIA E EM QUE PERSPEC- TIVA Vejamos a estrutura do discurso científico em geral: Sujei- to epistêmico não é fruto da herança genética, nem resultado da ação do meio, nem ainda mera soma desses dois conjuntos de fa- tores; mas, antes, constituído pela ação do indivíduo sobre o meio e sobre si mesmo, numa relação de troca permanente com essas instâncias constituidoras do sujeito. © Introdução à Teologia 38 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Epistêmico: “relativo à epistema ou episteme - conhecimento ou saber como um tipo de experiência; puramente intelectual ou cog- nitivo" (DICIONÁRIO HOUAISS). • Objeto teórico: toda investigação parte de algum proble- ma percebido (posto) ou formulado, de tal modo que não se pode prosseguir, a menos que se especifique claramen- te o que se quer obter. É necessário delimitar o contexto da investigação • Método específico: uso de técnicas e ferramentas espe- cíficas para a observação, análise e elaboração de hipóte- ses sobre o objeto da investigação. Como em toda ciência, é preciso distinguir, na Teologia, o objeto material e o objeto formal: • Objeto material: define a coisa de que uma ciência trata, o que se estuda (matéria-prima, temática, assunto, ques- tão) – objetum quod. • Objeto formal: indica o aspecto segundo o qual se trata o ente escolhido (aspecto, dimensão, faceta, lado, nível, razão específica). O objeto formal só é captado partindo de uma perspectiva particular em que se põe o sujeito epistêmico. A perspectiva é o correlato (subjetivo) do aspecto (objetivo) que se tem em vista. Objetum sub quo. (BOFF, 1999, p. 40-56). Perspectiva neste contexto refere-se a: ótica, visão, ponto de vis- ta, prisma, ângulo, abordagem. 11. ESTRUTURA DO DISCURSO TEOLÓGICO EM PAR- TICULAR Qual é a estrutura do discurso teológico? 39© Conceito e Natureza da Teologia Como você já sabe, o objeto de estudo da teologia é Deus. Diante Dele, o discurso teológico estrutura-se da seguinte manei- ra: 1) Objeto material da teologia: • Deus e tudo o que se refere a Ele. • Deus, como objeto primário (primeiro) principal. • Tudo o mais como objeto secundário (segundo), con- sequencial. . 2) Objeto Formal da Teologia: • Deus enquanto revelado. • Toda e qualquer realidade à medida que se relaciona com o Deus revelado. Trata-se, portanto, de Deus e das realidades com ele relacio- nadas enquanto vistas à luz da fé (perspectiva). Desse modo, é o objeto formal que determina se um discur- so é ou não teológico. 12. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira, na sequência, as questões propostas para verificar seu desempenho no estudo desta unidade: 1) Como nasce concretamente a teologia? 2) Qual a perspectiva e objeto de estudo da teologia? 3) Quais as características da estrutura do discurso teológi- co em particular? 4) Ainda tenho dúvidas em relação aos conteúdos estuda- dos na Unidade 2? Quais? Como posso eliminá-las? 5) O que posso fazer para ampliar meus conhecimentos so- bre teologia, como hermenêutica da fé, crítica histórica e vivência ética da fé? © Introdução à Teologia 40 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 13. CONSIDERAÇÕES Nesta unidade, vimos que precisamos aprender a pensar te- ologicamente, adquirir uma imaginação teológica, passar de um modo espontâneo de elaboração teológica para uma prática teo- lógica mais reflexiva e elaborada. Além disso, vimos que toda pes- soa de fé, de alguma forma, elabora teologia. Mas nem sempre de forma sistemática. Assim, em um curso de teologia, o mais importante é apren- der a pensar, usar a imaginação teológica de forma metódica me- diante ferramentas adequadas. O que significa basicamente fazer o exercício de pensar de modo mais sistemático a teologia? Significa, especialmente, aprender a provocar a reflexão. Sig- nifica aprender a se voltar sobre a experiência feita, sobre o que ainda está no nível do relato, da narrativa. Concretamente, o que queremos dizer? 1) Como aprendizes de teologia, devemos saber levantar perguntas, aprender a aprender. 2) Na base de toda experiência de fé estão os problemas, as dificuldades, as suspeitas que provocam esse retorno ao que foi vivenciado. 3) Em relação ao segredo de todo aprofundamento teoló- gico, está a habilidade de captar a questão que gera a argumentação teológica e descobrir o modo mais ade- quado de debatê-la. 4) No caso pessoal, é importante saber levantar perguntas ricas, gerais, básicas, novas, decisivas, suspeitosas, que nos obriguem a interpretar, recriar, atualizar a experiên- cia da fé. Na terceira unidade, vamos refletir juntos sobre a tarefa da teologia, procurando responder à seguinte questão: para que te- ologia? Até lá! 41© Conceito e Natureza da Teologia 14. E-REFERÊNCIAS Sites pesquisados SOLASCRITURA. Imago dei. Disponível em: <http://solascriptura-tt.org/ AntropologiaEHamartologia/ImagemDeDeus-Barauna.htm>. Acesso em: 10 jan. 2012. VATICAN. 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