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EA D 3 O povo de Deus II 1. ObjetivOs • Conhecer as obrigações e direitos dos fiéis leigos, bem como dos fiéis clérigos. • Compreender a normativa relativa às associações de fiéis. 2. COnteúdOs • Obrigações e direitos dos fiéis leigos (cânn. 224-231). • Obrigações e direitos dos fiéis clérigos (cânn. 273-289). • Associações de fiéis em geral (298-329). 3. Orientações para O estudO da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: © Direito Canônico I148 1) A reflexão eclesiológica do Concílio Vaticano II re-propôs a imagem bíblica do povo de Deus como uma expressão adequada da dimensão comunitária e societária da Igreja. Tal imagem evidencia, além da universalidade da redenção operada por Cristo, o caráter pessoal da resposta a Deus, fa- zendo emergir a condição do fiel cristão como o elemento básico de pertença à Igreja, como visto na unidade anterior. 2) Partindo de tais premissas, os sucessivos documentos do Concílio desenvolveram as diversas situações nas quais os fiéis poderão se encontrar na Igreja, dedicando uma atenção especial à posição que nela compete ao fiel leigo. Portanto, nesta unidade, nosso foco se voltará, em primeiro lugar, para esta figura, procurando apresentar suas obrigações e direitos, como, também, sua presença nas associações. Nunca é demais lembrar o que o decre- to conciliar sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem (n. 2) nos diz sobre o fiel leigo: 3) Existe na Igreja diversidade de serviços, mas unidade de missão. Aos Apóstolos e a seus sucessores foi por Cristo conferido o múnus de, em nome e com o poder d'Ele, ensinar, santificar e reger. Os leigos, por sua vez, partici- pantes do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, compartilham a missão de todo o povo de Deus na Igre- ja e no mundo. Realizam verdadeiramente apostolado quando se dedicam a evangelizar e santificar os homens e animar e aperfeiçoar a ordem temporal com o espírito do Evangelho, de maneira a dar com a sua ação neste campo claro testemunho de Cristo e a ajudar à salvação dos homens. Já que é realmente característico do estado leigo viver em meio ao mundo e aos negócios seculares, são eles chamados por Deus para, abrasados no espírito de Cristo, exercerem o apostolado a modo de fermento no mundo. 4) Do texto conciliar acima reportado podemos deduzir que a missão da Igreja não é exclusiva e nem se iden- tifica com aquela dos clérigos, dos quais, também, nos ocuparemos nesta unidade, mas é própria de todo o povo de Deus, leigos incluídos. Portanto, o fiel leigo pos- sui um ministério diferente do ministério dos clérigos e Claretiano - Centro Universitário 149© U3 - O povo de Deus II dos consagrados em razão de sua condição secular, isto é, do seu estar imerso na vida do mundo. Sua vocação é procurar que o Reino de Deus aconteça entre nós, ocu- pando-se das coisas temporais e ordenando-as segundo os desígnios de Deus. O leigo deve santificar a si mesmo e ao mundo em que vive, isto é, na família, no trabalho, nas realidades sociais. Portanto, após o Concílio Vatica- no II, o leigo não é mais entendido como o instrumento por meio do qual a Hierarquia da Igreja age no mundo, mas é considerado como a própria Igreja no mundo. No estudo desta unidade, você perceberá tudo isso. 5) Por fim, nesta unidade você também conhecerá um pouco mais de perto a normativa sobre as obrigações e direitos dos ministros sagrados ou clérigos. Observando- -a globalmente, percebe-se que este estatuto jurídico é uma espécie de apanhado compacto e proporcionado de elementos tradicionais, oportunamente filtrados por meio do magistério do Concílio Vaticano II, juntamente com aspectos novos emergentes da sensibilidade e das exigências do tempo presente. Portanto, a imagem do clérigo que deriva deste estatuto reflete a realidade pós- -Conciliar e a Tradição da Igreja. Vamos lá, então? 4. intrOduçãO À unidade Na unidade anterior, você teve a oportunidade de conhecer al- guns aspectos ligados à compreensão da Igreja como povo de Deus, como, também, os princípios que regem sua organização. Além disso, você pôde se interar a respeito de uma categoria jurídica muito im- portante (o fiel), estudando os direitos e deveres que dela derivam. Vistas a imagem ideal do fiel e suas categorias essenciais, como também as suas obrigações e direitos, trataremos, agora, da normativa relativa a duas categorias de fiéis: leigos e clérigos, pas- sando, deste modo, do gênero à espécie. Além disso, vamos nos ocupar das associações de fiéis em geral e em especial. © Direito Canônico I150 No final da unidade, você perceberá que no âmbito interno deste "povo de Deus", partindo dos princípios da igualdade fun- damental e da diversidade funcional, caberá às pessoas e grupos deveres e direitos específicos que, numa perspectiva de comu- nhão, contribuem para que a Igreja realize a missão recebida de Cristo. 5. OBRIGAÇÕES E DIREITOS DOS FIÉIS LEIGOS (CÂNN. 224-231) A grande maioria do povo de Deus é constituída por leigos. Iniciamos, agora, o estudo daqueles deveres e direitos específicos do leigo. Valeria a pena acompanhá-lo de perto, pois há muita coi- sa interessante a ser descoberta. Vamos lá? A identidade do leigo constrói-se na relação com Cristo e com o mundo. De um ponto de vista jurídico, o perfil canônico do leigo é de- finido não somente partindo do fato de que ele seja um fiel cristão, mas, também, considerando a sua condição específica que para ser realizada não necessita do sacramento da ordem. Consequen- temente, o leigo pode ser descrito como aquele fiel cristão que, permanecendo na consagração recebida na iniciação cristã, edifica o Reino de Deus na Igreja e no mundo com a característica pecu- liar, embora não exclusiva, da secularidade. Para uma maior compreensão das obrigações e direitos dos fiéis leigos, sugerimos que você leia o Capítulo IV da Lumen Gentium, n. 30-38, que é dedicado aos leigos. Uma noção de leigo e a índole secular do estado laical você encontrará no número 31. O cânon 224 logo de início nos recorda que as normas relati- vas aos fiéis leigos estão divididas em três grupos: Claretiano - Centro Universitário 151© U3 - O povo de Deus II • O primeiro é constituído por aqueles que dizem respeito aos deveres e direitos que são próprios de todos os fi- éis cristãos (cânn. 208-223), e que foram expressamente chamados em causa pelo cân. 224. Assim, tais deveres e direitos dos fiéis em geral aplicam-se predominantemen- te, embora não exclusivamente, aos leigos, pois quando se trata dos clérigos e consagrados, os mesmos cânones foram reformulados e adaptados consideravelmente, de- vido às exigências do estado clerical e da vida consagrada. • O segundo grupo é constituído por outros cânones espa- lhados pelo CIC, nos quais são estabelecidos deveres e direitos relativos aos leigos. A indicação de tais cânones é muito genérica. Trata-se, especialmente, de todas aque- las disposições que regulam a participação ou habilitação dos leigos ao múnus de ensinar, santificar e governar à qual fazem referência os cânn. 228-230. • O terceiro grupo compreende os cânones 225-231. Temos de admitir que não é muito aquilo que o legislador indi- cou como deveres e direitos específicos dos leigos nestes cânones, mas, sem dúvida, é suficiente para nos mostrar que o leigo não pode ser definido somente em referên- cia aos clérigos e consagrados, mas, sim, por meio da sua identidade específica. De maneira ilustrativa e sintética, apresentaremos, também aqui, o elenco dos deveres e direitos dos fiéis leigos contidos nos cânn. 225-231, com um breve comentário sobre eles. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Para uma compreensão dos deveres e direitos dos fiéis leigos,sugerimos as obras em língua portuguesa: FELICIANI, G. Asbases do Direito da Igreja: co- mentários ao Código de Direito Canônico. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 155- 167.; GHIRLANDA, G. O direito na Igreja, mistério de comunhão. Compêndio de Direito Eclesial. Aparecida: Santuário, 2003, p.118-126.; MULLER, I. Direitos e deveres do Povo de Deus. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 47-69; NEVES, A. O povo de Deus: renovação do Direito na Igreja. São Paulo: Loyola, 1987, p. 101-122. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– © Direito Canônico I152 Obrigação e direito de evangelização universal, principalmente, naquelas realidades nas quais o leigo é insubstituível (cân. 225 §1) A norma desdobra-se, afirmando uma obrigação geral e um direito genérico ao apostolado em qualquer lugar, precisando, po- rém, que a obrigação vincula o leigo, especialmente, naquelas rea- lidades em que Cristo não pode ser conhecido a não ser por inter- médio do leigo. Não se trata de uma presença apostólica supletiva, mas por meio do leigo é a mesma Igreja que se faz presente. Por razões contingentes e ambientais, a obrigação do apostolado pode cair predominantemente ou até exclusivamente sobre os leigos, tornando-se, neste caso, uma especial obrigação. O fundamento da norma encontra-se nos sacramentos do batismo e da confirmação. Trata-se, portanto, de uma capacitação ontológica que para se tornar jurídica não necessita de qualquer concessão da Hierarquia. A obrigação prevista pela norma possui uma índole geral, tendo um caráter mais moral que jurídico em sentido estrito, pois juridicamente o apostolado é objeto de um direito de liberdade e, portanto, o exercício deste direito não pode ser imposto ou im- pedido. Esta afirmação é confirmada pelo fato de que não existe qualquer pena ou punição prevista pelo ordenamento canônico para o leigo que não faça apostolado. Portanto, trata-se de uma obrigação não tutelada. O direito previsto encontra a sua raiz na participação laical na missão comum da Igreja, sendo, portanto, um direito funda- mental e constitutivo do povo de Deus. Em relação à resposta que a Hierarquia deve dar a esta obrigação-direito, devemos ressaltar que compete a ela aquelas iniciativas finalizadas a favorecer o cumprimento da obrigação e o exercício deste direito. Seria, por exemplo, o caso de fornecer princípios, doutrina, motivações teológicas sobre o apostolado; de preparar os instrumentos e os subsídios que tornem o apostolado efetivo; de moderar aquelas obras apostólicas inspirando-se na co- Claretiano - Centro Universitário 153© U3 - O povo de Deus II munhão e no bem comum; de vigiar para que sejam observados a doutrina e o direito da Igreja que regulam a ação apostólica. Quanto à modalidade de apostolado prevista pela norma, podemos afirmar que é dupla: individual e associada. Para a forma individual, é importante se ater aos documentos do Concílio Vaticano II (LG 33; AA 2, 3 e 17; AG 21,36) e à exorta- ção pós-sinodal Christifideles laici (n. 28). Para a forma associada, deve ser seguida a normativa dos cânn. 298-329 que disciplinam o direito associativo na Igreja. Quanto ao âmbito do apostolado, evidentemente que abra- ça a missão da Igreja na sua inteireza. O leigo desenvolve o seu serviço na Igreja e na vida quotidiana. Mas o legislador achou por bem evidenciar alguns espaços que serão mais bem precisados pe- los cânones posteriores. Obrigação específica de animar evangelicamente as realidades temporais (cân. 225 §2) Este dever constitui o aspecto específico, peculiar e inaliená- vel da vocação do leigo. Podemos afirmar que o papel do leigo em contato com as realidades seculares, mesmo não sendo exclusivo e excludente, não poderá jamais ser plena e integralmente desen- volvido por um clérigo ou consagrado. É importante sublinhar que o sentido da expressão "segundo a própria condição" é diferente daquele indicado pelos cânn. 208- 223. Ali, tratava-se da condição eclesial e aqui se trata da condição secular, mundana, laical. Se a primeira é tríplice, a segunda não é passível de descrição, pois as possibilidades são inúmeras (família, trabalho, política, associações etc.). Em relação à natureza do dever contido no cânon, temos que afirmar que ela é moral e não jurídica. Trata-se de uma obriga- ção evangélica que deve permanecer como tal, mas que no texto assume uma índole jurídica genérica. O motivo é que o leigo no © Direito Canônico I154 mundo é livre e, consequentemente, esta sua liberdade não pode ser constrangida ou forçada por algo diferente do dever evangélico de proclamar o Reino. Além disso, o poder da Hierarquia limita-se à vida interna da Igreja e ao serviço desta, estando condicionado ao fim salvífico da Igreja e a quem opta por acolher o Reino. Fora deste espaço, compete à Hierarquia incentivar o fiel para que se interesse e atue como fermento nas realidades temporais. Obrigação específica (para os casados) de edificar o povo de deus por meio do matrimônio e da família (cân. 226 §1) A norma formula um dever moral, peculiar e específico do leigo casado de edificar (qualitativa e quantitativamente) o povo de Deus de dois modos distintos: mediante o sacramento do ma- trimônio e a família. Quanto ao matrimônio, ele edifica a Igreja, pois o sacramen- to configura em Cristo os cônjuges, conferindo uma dimensão so- brenatural aos fins do matrimônio, tornando-os ministros de Cris- to enquanto esposos. Quanto à família, ela edifica a Igreja, enquanto se torna se- mente de novos cristãos, célula fundamental da sociedade cristã e centro de irradiação cristã. Convém observar que o dever formulado pela norma não possui uma índole jurídica estritamente falando, pois a família pos- sui uma dupla liberdade que impede a Igreja de transformar esta obrigação moral em realidade jurídica. A primeira diz respeito à liberdade dos pais em relação à geração e à educação dos filhos a ser proclamada seja diante do Estado, seja diante da Igreja. A se- gunda diz respeito à liberdade dos pais e filhos entre si a respeito da própria vida religiosa. Obrigação gravíssima (para os pais) de educar os filhos de modo cristão, segundo a doutrina da igreja (cân. 226 §2) A norma contém um duplo dever-direito. O primeiro é de direito natural, fundado na procriação, podendo ser exercitado Claretiano - Centro Universitário 155© U3 - O povo de Deus II imediatamente depois e a causa da procriação e aplicando-se a to- dos os pais, e não somente àqueles cristãos. O segundo é peculiar- mente cristão, sendo causado pelo primeiro, ou seja, se os pais são obrigados e têm o direito natural a educar os filhos, os pais cristãos têm o dever e o direito de educar na fé cristã aos próprios filhos, antes e acima de qualquer outra pessoa ou entidade jurídica. O dever-direito natural tem como sujeito passivo os pais naturais e o fundamento deste é o simples fato de terem gerado e dado a vida aos filhos. Era impossível raciocinar diversamente, uma vez que a Igreja considera que o pacto matrimonial é orde- nado pela sua natureza ao bem dos cônjuges, à procriação e à educação da prole (cân. 1055 §1). Estes são os fins constitutivos do matrimônio e, por esta razão, a norma estabelece um nexo de causalidade entre procriação e educação, subordinando a segunda à primeira. Convém destacar que a educação à qual se refere o cânon deve ser entendida em sua integralidade, ou seja, trata-se de um desenvolvimento harmônico dos dotes físicos, intelectuais, artís- ticos, morais e religiosos dos filhos, ajudando-os na aquisição do senso de responsabilidade, do reto uso da liberdade, da participa- ção ativa na vida social e eclesial (cânn. 795 e 1136). Outro aspecto relevante é a aplicação do adjetivo "gravíssi- mo" ao dever. Isso porque pertence à natureza mesma do homem ser educado; porque a criança tem o direito à vida, ao crescimento e a um amadurecimento integral como pessoa; porque osmales que derivariam da não educação seriam gravíssimos para a própria pessoa, para a sociedade e para a humanidade. Já o dever-direito cristão tem como sujeito passivo os pais cristãos, o batizado, vinculando a ambos do mesmo modo. O fun- damento não é a procriação, mas os sacramentos do batismo e da confirmação, com as relativas consequências em nível de fé. A educação cristã, respeitando as notas relativas à educação em geral, impõe uma adesão à doutrina da Igreja que encontra no CIC © Direito Canônico I156 um consistente desenvolvimento, como, por exemplo, nos cânn. 774§2; 793; 797; 798; 835§4; 868 §1; 890; 914 e 1366. Liberdade condicionada nas realidades terrenas igual àquela que compete a qualquer cidadão (cân. 227) A norma contém um direito e dois deveres relativos ao exer- cício de tal direito: • o direito de reconhecimento da liberdade (incluída aque- la religiosa – LG 36), que, por direito natural, compete a cada cidadão enquanto pessoa e que não pode ser dimi- nuído pelo batismo; • o dever prático de comportarem-se como cristãos e pra- ticantes do Evangelho no exercício de tal direito, ou seja, ser um cidadão livre que com espírito evangélico escuta a doutrina proposta pelo Magistério da Igreja e a coloca em prática; • o dever de não apresentar, nas questões que são opiná- veis, as opiniões pessoais como sendo doutrina da Igreja. O alcance do direito ao reconhecimento da liberdade nas re- alidades temporais é tão importante e amplo que compreende o complementar direito à liberdade religiosa (LG 36). Tanto um quan- to outro define a posição jurídica do leigo diante da sociedade civil e eclesiástica. Não se trata de um privilégio ou concessão, mas de reconhecimento de algo que pertence à dignidade humana. A di- ferença entre ambos consiste no fato de que o direito de liberdade religiosa é formulado, acima de tudo, diante do Estado, pois nesta matéria este é incompetente. Em contrapartida, o direito de liber- dade nas realidades terrenas é formulado, acima de tudo, diante da Igreja, pois ela nesta matéria também é incompetente. No direito público externo, a liberdade religiosa é a base so- bre a qual se fundamenta as relações entre Igreja e Estado. No direito público interno, a norma reconhece um espaço de liberda- de que o leigo possui na própria atividade e autonomia temporal. Claretiano - Centro Universitário 157© U3 - O povo de Deus II Este espaço encontra um limite relativo no munus docendi da Hie- rarquia no caso de magistério infalível (cân. 750 §1), de magistério definitivo (cân. 750 §2) e de magistério autêntico (cân. 752) seja em matéria de fé ou de moral. Podemos concluir reafirmando a incompetência da Igreja no que diz respeito à organização e ao desenvolvimento da vida tem- poral. A consciência desta incompetência explica o cuidado com o qual a Igreja prescreve a não instrumentalização de seu nome, proibindo que se apresentem como doutrina eclesial matérias opi- náveis e relativas à ordem temporal ou terrena. a participação do leigo no munus regendi (cân. 228) A norma reconhece uma radical habilidade global do leigo (in- dependentemente da idade, do sexo ou do estado de vida, exceto daquele clerical), do ponto de vista jurídico, para o máximo grau de participação ao munus regendi próprio da Hierarquia. Com exatidão o cânon emprega a expressão latina habiles sunt, pois não se trata de um direito, mas sim de uma capacidade derivada do batismo e da confirmação. Esta encontra um limite insuperável no sacramento da ordem, ou seja, os leigos são incapazes de desempenharem aqueles ofícios ou funções para os quais se exige como requisito "ad validita- tem" a recepção em qualquer grau do sacramento da ordem. Embora a norma reconheça uma habilidade global do leigo para participar do múnus de governo, requer-se dele uma idonei- dade, ou seja, um conjunto de requisitos e qualidades positivas explícita ou implicitamente formuladas em relação a cada ofício, para que possa receber validamente um ofício na Igreja. Portanto, do ponto de vista ontológico-sacramental, todos os leigos são hábeis e capazes, potencialmente falando, para participar da função de governo; mas, do ponto de vista jurídico-positivo, so- mente os leigos considerados idôneos poderão de fato e de direito receber os ofícios para os quais demonstraram idoneidade. Portan- to, somente a idoneidade poderá transformar em realidade prático- -jurídica a habilitação ou a capacidade ontológico-sacramental. © Direito Canônico I158 Quantos aos ofícios e encargos para os quais os leigos são habilitados, a norma indica os seguintes: 1) Ofícios eclesiásticos, ou seja, qualquer encargo constitu- ído estavelmente por disposição divina ou eclesiástica, a ser exercitado para uma finalidade espiritual. As obriga- ções e direitos próprios de cada ofício são definidos pelo próprio direito pelo qual o ofício é constituído, ou pelo decreto da autoridade competente com o qual é simul- taneamente constituído e conferido (cân. 145). São excluídos aqueles ofícios para os quais somente são hábeis os que receberam o sacramento da Ordem, mas são incluídos os ofícios clericais para os quais o direito admite a cooperação dos leigos no seu exercício (cân. 129). 2) Munera, ou seja, encargos e funções distintos dos ofícios anteriormente indicados pelas seguintes razões: • ou porque não possuem estabilidade; • ou porque não exigem o sacramento da Ordem para serem ocupados; • ou porque foram pensados expressamente pela Hie- rarquia como ofícios ou funções a serem conferidos aos leigos. 3) Peritos ou técnicos, ou seja, aqueles ofícios, estáveis ou não, ocasionais ou permanentes, que, humanamente fa- lando e em qualquer grupo ou sociedade, exigem um co- nhecimento científico, além de prudência e honestidade de espírito e vida. 4) Conselheiros ou consultores, ou seja, aqueles que aju- dam nas decisões de governo, atuando nos casos previs- tos pelo direito. Portanto, o cânon funda e acena para um complexo de nor- mas que, nos vários livros do CIC, configuram inúmeras formas de participação do leigo nas funções peculiares da Hierarquia relati- vas ao exercício do poder de regime. Claretiano - Centro Universitário 159© U3 - O povo de Deus II Vejamos algumas dessas normas: 1) moderador de associações públicas não clericais (cân. 317 §3); 2) os cânones que tratam dos superiores dos Institutos lai- cais (cân. 596 §§ 1 e 3); 3) chanceler e notário (cân. 483 §2); 4) administrador e conselheiro econômico de qualquer pessoa jurídica, mesmo pública (cân. 1279 §2); 5) cooperação no Sínodo diocesano (cânn. 460; 463 §1,5º e § 2 e 3); 6) cooperação nos Conselhos pastorais (cânn. 512 e 536) e nos Conselhos de Economia (cânn. 492; 494; 537); 7) cooperação nos Concílios particulares (cânn. 443 §4); 8) delegação para assistir aos matrimônios (cân. 1112); 9) juiz instrutor (cân. 1421 §2); assessor (cân. 1424); 10) auditor (cân. 1428 §2); 11) promotor de justiça e defensor do vínculo (cân. 1435). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Para que você possa compreender melhor a participação do leigo no munus regendi, sugerimos os seguintes artigos: GOMES, E. X. Capacidade dos leigos para assumirem ofícios eclesiásticos. In: Revista Brasileira de Direito Canônico. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Direito Canônico, Ano XX, 2006, nº 51, p. 11-24. VIVEIROS, P. T. Dimensão cooperativo-laical no ofício eclesiástico. In: Direito e Pastoral. Rio de Janeiro, Instituto Superior de Direito Canônico, Ano VI, 1992, n. 23-24, p.3-25. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– a participação do leigo no munus docendi (cân. 229) Esta norma é uma especificação dos cânones 217 e 218 que regulam os deveres e os direitos dos fiéis à formação e ao ensi- namento. Trata-se de um direito laical de receber uma formação doutrinal (inclusive de alto nível),como também da habilidade para ensinar as ciências sagradas, mediante um formal mandato dado pela legítima autoridade eclesiástica. © Direito Canônico I160 As motivações do cânon se encontram no §1: testemunho na vida da doutrina cristã; anúncio e, se necessário, defesa desta; melhor participação no exercício do apostolado. Quanto ao grau necessário de conhecimento da doutrina, o legislador coloca um limite humano e de caráter pedagógico com- preensível e realista: deve ser um grau adequado à capacidade e condição de cada um; de consequência, um grau muito diverso que, de um lado, pode ser mínimo, como aquele imprescindível para uma pessoa que tenha desenvolvido minimamente as suas capacidades mentais, espirituais e intelectuais, mas que, de outro lado, pode ser máximo, como aquele acenado nos parágrafos 2 e 3 da mesma norma. Portanto, podemos por meio da catequese para crianças e adultos chegar até ao mais difícil tratado de teologia, direito ou exegese. A diferença entre o primeiro e o segundo parágrafo está no fato de que, no primeiro, se fala de dever e de direito simultanea- mente; já no segundo, fala-se somente de direito, pois não se pode exigir de todos o dever de chegar a um conhecimento superior das ciências sagradas. As ciências sagradas indicadas pela normativa são aquelas que tradicionalmente e atualmente, em razão de matéria, são in- dicadas como tais, encontrando-se presente no Ordo Accademicus das Universidades Eclesiásticas e Pontifícias e nas demais Facul- dades de Ciências Religiosas, à norma da Constituição Apostólica "Sapientia Cristiana" sobre os estudos eclesiásticos superiores e, também, em documentos ulteriores que possam surgir. O §3 do cânon trata da habilitação para ensinar as ciências sagradas. Para ensiná-las sem qualquer intervenção da Hierarquia, não oficialmente, mas privadamente, não em nome da Igreja, mas em nome próprio, é suficiente conhecê-las. No texto trata-se de ensinar por mandato, ou seja, em nome da Igreja de modo que é ela que se vê representada no ensinamento. Claretiano - Centro Universitário 161© U3 - O povo de Deus II –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Convém recordar que o Livro III, disciplinando o exercício do Munus Docendi, atribui aos leigos outras possibilidades de participação, que são as seguintes: admissão para pregar na Igreja ou oratório, se a necessidade o exigir, em de- terminadas circunstâncias, ou a utilidade o aconselhar, em casos particulares, de acordo com as prescrições da Conferência dos Bispos e salvo o cân. 767 §1 (homilia reservada ao sacerdote ou diácono); colaboração com o pároco na for- mação catequética dos adultos, dos jovens e das crianças (cân. 776); em âmbito missionário, sob a guia do missionário, colaboração como catequistas, como pro- positores da doutrina evangélica, como organizadores dos exercícios litúrgicos e das obras de caridade (cân. 785). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– a participação do leigo no munus sanctificandi (cân. 230) A norma não disciplina toda a práxis dos ministérios não or- denados, mas, somente, a habilitação e acesso dos leigos aos mi- nistérios instituídos ou estáveis §1, aos ministérios ocasionais §2 e aos ministérios extraordinários ou supletivos §3. Vamos conhecer melhor esses ministérios? 1) Ministérios estáveis: os ministérios estáveis são somente dois: o de leitor e o de acólito. Esta estabilidade não de- riva da natureza ou das características deste ministério, mas, sim, do fato de que são assumidos pela Hierarquia com a finalidade de garantir a continuidade das mesmas pessoas físicas nestas funções ministeriais que, na práti- ca, são esporádicas e, portanto, instáveis: As competências do leitor são as seguintes: o anúncio da Palavra de Deus (cânn. 759 e 766), a animação litúrgica; a catequese e a preparação dos fiéis para os sacramentos. Já aquelas do acólito são as seguintes: o serviço do altar e da Igreja, antes, durante e depois das celebrações; a exposição e reposição do Ssmo. Sacramento em casos excepcionais (cân. 943); ser ministro extraordinário da distribuição da comunhão (cân. 910 §2) e do batismo (cân. 861 §1). a) O rito litúrgico marca o momento jurídico da assun- ção e da estabilidade, exalta os ministérios e recorda aos interessados o dever que assumem de servir pu- blicamente a Igreja, de acordo com a natureza e as funções do ministério recebido. © Direito Canônico I162 b) O leitorado e o acolitado, além de serem ministérios laicais, podem também ser, e são de fato e de direi- to, uma espécie de passagem prévia ao diaconato permanente ou transeunte, sendo este última um "degrau" para o presbiterato (cân. 1035 §1). c) Compete às Conferências Episcopais instituir outros ministérios laicais, além destes dois previstos pela legislação canônica. Mas, na prática, isso não é mui- to comum. 2) Ministérios temporais ou ocasionais: são os mesmos elencados anteriormente, materialmente considerados, e mais muitos outros criados de acordo com o direito (CIC, direito litúrgico universal e particular e normas emanas pela Conferência Episcopal) e segundo as neces- sidades pastorais e a capacidade de imaginação. São di- ferentes dos ministérios estáveis pelas seguintes razões: a) são conferidos sem qualquer rito litúrgico; b) são conferidos mediante um encargo temporário e menos formal; c) são menos estáveis; d) limitam-se a algumas funções de um determinado ministério. 3) Ministérios extraordinários ou supletivos: materialmente são os mesmos elencados pelo § 1, mas com diferença de grau e de estabilidade e, ainda, outros possíveis em cone- xão com o leitorado ou acolitado. Outra diferença subs- tancial são as condições que devem ser observados para a institucionalização destes ministérios: existência de uma necessidade pastoral e falta de ministros, tanto ordinários quanto laicais aos quais se referem os § 1 e 2 da norma. Estes dois requisitos devem ocorrer simultaneamente. Por fim, convém observar que as mulheres podem desenvol- ver os ministérios de leitor e acólito desde que não ocorra de modo estável e seja realmente necessário. Alguns justificam este limite à assunção das mulheres em modo estável recordando que os minis- térios instituídos na prática atual são utilizados como passo prévio ao diaconato e isto poderia causar problemas. Na prática, a dife- Claretiano - Centro Universitário 163© U3 - O povo de Deus II rença entre ministério estável e não estável desapareceu e, em um futuro não muito distante, o problema anteriormente indicado po- derá ser solucionado sem maiores problemas, pois o fundamento dos ministérios não é o sacramento da ordem, mas, sim, o batismo. Obrigação de adquirir a devida formação para poder desempenhar dignamente os serviços da igreja (cân. 231 §1) Na verdade, temos dois deveres que competem aos leigos. São eles: • a necessária formação prévia e concomitante à assunção dos ministérios e ao permanente exercício destes; • a responsabilidade, assiduidade e consciência com a qual deverão exercitá-lo. Quanto à formação, não se trata somente de um mero co- nhecimento da doutrina cristã ao qual todos estão obrigados (cân. 229 §1), mas, também, de um conhecimento suficiente das disci- plinas sagradas que estejam em conexão com o tipo de ministério que irão desenvolver. Quanto à responsabilidade, assiduidade e consciência, é o mínimo que se pode esperar daqueles que querem cooperar com a "salus animarum". direito à remuneração, previdência, seguro social e assistência à saúde (cân. 231 §2) O código reconhece aos ministros leigos que prestam um serviço especial à Igreja, exceto aos leitores e aos acólitos, dois im- portantes direitos que competem aos trabalhadores de qualquer legislação civil dos estados modernos: • direito a uma retribuição econômica adequada e decorosa; • direito à seguridade social.Tratando-se de dois genuínos direitos, compete à hierarquia o dever de observá-los. © Direito Canônico I164 Os sujeitos passivos beneficiários deste direito são todos os lei- gos que desenvolvem os encargos indicados pelo cân. 230, com exce- ção dos que foram instituídos estavelmente como leitores e acólitos. Deste modo, enquanto um encargo temporário e não estável é con- siderado pelo legislador como merecedor de retribuição, desde que, à norma do §1 do mesmo cânon, exija uma dedicação a tempo pleno e o serviço seja eclesiástico, o encargo de leitor e de acólito é qualifi- cado como uma função comum (para efeito meramente retributivo), presumivelmente porque o seu desenvolvimento aparece como não diário e não exige uma dedicação a tempo pleno e, às vezes, coincide, inclusive, com o dever de participar das celebrações. São excluídos desta norma os leigos que, a título meramente profissional ou de trabalho, prestam um serviço a entes eclesiás- ticos mediante a estipulação de um contrato de trabalho. Neste caso, deve-se aplicar integralmente o direito civil em vigor do lugar onde se desenvolve a prestação de serviço e, ainda, o cân. 1286. A Hierarquia deve ter presente que não poderá aplicar as leis civis eventualmente contrárias ao direito divino e aos direitos huma- nos, nem aquelas que encontram a matéria já regulada de outro modo pelo direito canônico (cân. 22). 6. ObriGações e direitOs dOs FiÉis CLÉriGOs (CÂNN. 273-289) Inicialmente é necessário esclarecer que por ministros sa- grados ou clérigos se entende aqueles que são constituídos nas or- dens do episcopado ou do presbiterato ou do diaconato, a norma do cân. 1009. Do ponto de vista canônico, os termos ministros sagrados ou clérigos são equivalentes, diferentemente do CIC anterior, que considerava como clérigos não somente os ministros sagrados, mas, também, aqueles que haviam recebido a primeira tonsura, as ordens menores e o subdiaconato. Claretiano - Centro Universitário 165© U3 - O povo de Deus II –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O Papa Paulo VI, com o motu próprio Ministeria quaedam (15-08-1972), restrin- giu a noção de clérigo, identificando-a com aquela de ministro sagrado. A orien- tação eclesiológica do Concílio Vaticano II era direcionada para uma participação mais ativa dos fiéis não ordenados na edificação do Corpo de Cristo, não em forma supletiva, mas como função própria da condição batismal. Portanto, a par- tir da reforma realizada por Paulo VI e acolhida pelo CIC atual, alguém se torna clérigo com a ordenação diaconal. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Embora o CIC trate explicitamente dos clérigos nos cânones 232-293, devemos observar que encontramos em outras partes do código uma abordagem orgânica do mesmo tema, como é o caso da normativa a respeito do sacramento da ordem no contexto do munus sanctificandi (cânn. 1008-1054) e daquela relativa à Consti- tuição Hierárquica da Igreja (cânn. 330-572). O fato de o legislador colocar este primeiro e mais importan- te bloco de normas relativas ao clero imediatamente depois dos fiéis em geral e, mais imediatamente ainda, depois dos fiéis leigos nos demonstra, claramente, que o estatuto jurídico dos clérigos pode ser concebido somente como uma espécie do gênero chris- tifidelis (fiel) e, portanto, ao interno e na prospectiva deste estado abstrato e basilar. Portanto, podemos deduzir que o legislador na elaboração da normativa quis que o clérigo fosse e aparecesse aci- ma de tudo como um fiel, assim como o leigo e o consagrado. Neste tópico, vamos nos limitar a tratar das obrigações e di- reitos dos clérigos, deixando de lado os demais temas (formação, incardinação, perda do estado clerical). Para um estudo das obrigações e direitos dos fiéis clérigos, su- gerimos que você consulte os seguintes textos: FELICIANI, G. As bases do Direito da Igreja: comentários ao Código de Direito Canônico. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 152-155.; GHIRLANDA, G. O direito na Igreja, mistério de comunhão. Compêndio de Di- reito Eclesial. Aparecida: Santuário, 2003, p.165-179.; MULLER, I. Direitos e deveres do Povo de Deus. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 70-99. © Direito Canônico I166 Observações preliminares A normativa relativa às obrigações e aos direitos dos clérigos têm por finalidade tutelar a identidade do ministério sagrado e se encontra prevalentemente (não exclusivamente) nos cânones anteriormente indicados. Observando-a globalmente, percebe-se que este estatuto jurídico é uma espécie de apanhado compacto e proporcionado de elementos tradicionais, oportunamente filtra- dos por meio do magistério do Concílio Vaticano II, juntamente com aspectos novos emergentes da sensibilidade e das exigências do tempo presente. Portanto, a imagem do clérigo que deriva des- te estatuto reflete a realidade pós-Conciliar e a Tradição da Igreja. Na exposição do tema, seguiremos uma ordem diferente daquela adotada até aqui. Agruparemos os cânones partindo da seguinte classificação: deveres, direitos, proibições e recomenda- ções. Além disso, iremos nos valer de uma ordem diferente da- quela que se encontra no código, pois julgamos que existe uma hierarquia de valores a ser observada. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– As proibições são uma espécie de "deveres negativos", pois impedem de fazer alguma coisa; as exortações ou recomendações são, do ponto de vista jurídico, uma espécie de "deveres doces ou débeis". São mais frequentes os deveres po- sitivos que as proibições, mas, de um ponto de vista ético, todas estas variantes são importantes e devem ser tidas em consideração. Por direito, neste contexto em que nos encontramos, devemos entender um es- paço de liberdade que compete ao fiel em razão de sua condição eclesial a fim de poder realizá-la adequadamente e, nem tanto, uma reivindicação de ordem subjetiva no confronto da Hierarquia ou da comunidade. Trata-se de direitos que nascem em razão e em função do dever de ser fiel à própria vocação. Por dever entende-se não uma imposição externa com motivações extrínsecas, mas, sim, uma exigência vinculante que encontra as raízes na condição de fi- delidade, procurando, apenas, reforçá-la. Trata-se de aspectos que devem ser observados para que o "dever ser" torne-se uma realidade. Quanto às recomen- dações, podemos dizer que não possuem um grande alcance jurídico, mesmo considerando que são úteis para o desenvolvimento do ministério e para o tes- temunho pessoal do ministro. Poderiam ter um alcance jurídico se não fossem observadas de modo sistemático e por desprezo ao estado clerical e à Igreja. Quanto aos deveres e proibições, eles são de natureza jurídica, uma vez que a não observância causa um dano à vida eclesial. Alguns destes deveres são pro- tegidos penalmente, como o caso das atividades não convenientes (cân. 1392), do celibato e da castidade (cân. 1394) e da obrigação de residência (cân. 1396). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Claretiano - Centro Universitário 167© U3 - O povo de Deus II Clérigos Procurar a santidade (cân. 276) A procura da santidade deve ser entendida não apenas como uma dimensão interior, mas, também, exterior, no sentido que exi- ge uma postura coerente com a condição de clérigo. O fundamento deste dever está radicado na consagração a Deus mediante o sacra- mento da ordem que destina os clérigos para o serviço do povo de Deus, tornando-os dispensadores dos mistérios divinos. Os meios que contribuem para que se chegue à santidade na vivência do pró- prio estado estão elencados no § 2 do cânon: o ministério pastoral, a Bíblia e a Eucaristia, a liturgia das horas, os retiros espirituais, a oração mental, o sacramento da penitência, a devoção mariana etc. Obediência ao romano pontífice e ao respectivo Ordinário (cân. 273) Dentre os deveres conexos com o princípio de comunhão encontra-se a obrigação de umaespecial reverência e obediência ao Romano Pontífice e ao respectivo Ordinário (entendido à luz do cân. 134 §1). Tal obrigação deve ser vivida como uma obedi- ência ativa no diálogo, como serviço e virtude, que possibilitem um desempenho fiel da missão recebida. Convém destacar que a obediência à qual se refere o cânon não deve ser entendida como uma realidade apenas moral, mas, também, jurídica em relação aos atos de governo e de magistério. Nunca é demais recordar o quanto dito em relação ao dever de obediência que vincula a to- dos os fiéis (cân. 212 §1). A obediência é devida, em primeiro lugar e de modo muito es- pecial, ao Papa em razão da dimensão universal do presbiterato que está ligado à Igreja universal, com toda a ordem episcopal e com o Romano Pontífice na condição de cabeça e Ordinário de toda a Igreja. É devida, ainda, ao próprio Ordinário em razão da comunhão hierárquica que nasce do sacramento e da promessa feita no dia da ordenação, como, também, do vínculo gerado pela incardinação. © Direito Canônico I168 vida fraterna e de colaboração (cân. 275) Os clérigos devem criar entre si um clima de fraternidade, de ora- ção e de colaboração, uma vez que todos participam da mesma missão de edificar o corpo de Cristo. Assim, cabe ao direito particular dar nor- mas sobre o modo de fomentar a fraternidade e a cooperação entre os clérigos. Convém destacar que o cânon obriga os clérigos a remover qualquer postura paternalista ou autoritária em relação aos leigos, in- centivando-os a reconhecer e promover a missão que os leigos exercem na Igreja e no mundo, cada um conforme a parte que lhe cabe. Quanto ao exercício da fraternidade presbiteral, ver o nº 8 do de- creto conciliar Presbyterorum Ordinis (PO). Continência perfeita e perpétua e celibato (cân. 277) O celibato é um elemento notável e importante para a iden- tidade do ministro sagrado na Igreja latina. Os cânones conciliares, certamente a partir do cân. 33 do Concílio de Elvira (Espanha) do ano 300 d.C., de modo constante e uniforme sempre evidenciaram o caráter de conveniência do ministério ordenado celibatário, não como um vínculo essencial. Além disso, quase todos os Papas re- centes dedicaram encíclicas ou outros documentos ao tema, reafir- mando a importância e valor do celibato. Também as Conferências Episcopais de vários países aderiram a esta postura tradicional da Igreja quanto ao celibato. Diante disso, o cân. 277 limita-se a acolher uma práxis consolidada há muitos séculos e legisla a partir dela. A afirmação de que o celibato não é uma exigência decorrente da natureza do sacerdócio se encontra no decreto Conciliar Presbyte- rorum Ordinis (PO), nº 16: "A perfeita e perpétua continência pelo Reino dos céus, recomendada por Cristo Senhor, ao longo dos sé- culos, e também nos nossos dias, voluntariamente abraçada e lou- vadamente observada por não poucos fiéis, sempre foi considerada pela Igreja como afim à vida sacerdotal. Certamente essa não é uma exigência da natureza do sacerdócio, como resulta evidente da práxis da Igreja primitiva e da tradição das Igrejas orientais". Claretiano - Centro Universitário 169© U3 - O povo de Deus II A atual disciplina contida no cân. 277 sublinha tanto o aspec- to carismático ("um dom especial de Deus" - PO 16) quanto o as- pecto jurídico (os clérigos são obrigados a observar a continência perfeita e perpétua por causa do Reino dos céus; por isso são obri- gados ao celibato), afirmando implicitamente a estreita relação entre a lei e o carisma, como que dizendo que quem não recebeu o dom não pode ser garantido somente pela lei. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– No número 29 da exortação apostólica Pastores dabo vobis de 25 de março de 1992, o Papa João Paulo II reforça o caráter de dom da vocação à castidade celibatária: Este sínodo novamente e com força afirma quanto a Igreja latina e alguns ritos orientais exigem, isto é, que o sacerdócio seja conferido somente àqueles homens que receberam de Deus o dom da voca- ção à castidade celibatária (sem o prejuízo da tradição de algumas Igrejas orientais e dos casos particulares de clero casado prove- niente de conversões ao catolicismo para o qual se dá exceção na encíclica de Paulo VI sobre o celibato sacerdotal (n. 42). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O conteúdo do celibato é a continência perfeita e perpétua que se configura negativamente como renúncia ao matrimônio e, positivamente, como vida vivida de maneira casta. A finalidade do celibato é teologal e ascética, pois consiste em aderir a Cristo mais facilmente com o coração indiviso, e eclesial-pastoral, pois, assim, é possível se dedicar mais livremente ao serviço de Deus e dos homens. O §2 do cânon adota uma norma cautelar, convidando os clérigos a terem a necessária prudência nas relações de familia- ridade com aquelas pessoas que possam criar dificuldades para a observância da continência perfeita e do celibato, ou então que possam gerar escândalo para os fiéis. Por fim, cabe ao Bispo diocesano estabelecer normas mais determinadas e julgar sobre a observância dessa obrigação em ca- sos particulares. © Direito Canônico I170 posse e desenvolvimento fiel dos ofícios eclesiásticos de governo (cân. 274) O § 1 do cânon 274 afirma que apenas os clérigos podem obter os ofícios para cujo exercício se requer poder de ordem ou poder de regime eclesiástico. Você deve estar se perguntando: este texto deve ser inter- pretado no sentido de que os leigos não podem ter acesso aos ofícios ligados ao poder de regime? Como visto no cân. 129 §2, os leigos podem cooperar no exercício do poder de regime, à norma do direito. Contudo, certas funções do poder de regime são conexas com o sacramento da or- dem e, neste sentido, os clérigos são insubstituíveis, além, é claro, daquelas funções que derivam da ordenação. É nesta perspectiva que deve ser interpretado o cân. 274 §1. O texto, longe de ser uma reserva de direito subjetivo exclusivo dos clérigos, é, ao contrário, a afirmação de uma exclusiva obrigação, à qual os clérigos não po- dem se subtrair, devido à peculiaridade de sua condição que os habilita a desempenhar certas funções que não são delegáveis a outros. O §2, como consequência do primeiro, insiste no dever que os clérigos têm no que tange à assunção e ao cumprimento dos encargos que lhes tiver sido confiados pelo Ordinário, a não ser que sejam escusados por legítimo impedimento. Não se trata, por- tanto, de uma obediência passiva, mas ativa, ou seja, consciente e responsável. residência na igreja particular (cân. 283 §1) Coligado com a questão dos ofícios e encargos a serem assu- midos pelos clérigos está o dever de residência, estendido, na ver- dade, a todos os clérigos, pois, segundo a norma, não podem ficar ausentes da própria diocese por tempo razoável, a ser determina- do pelo direito particular, sem a licença, ao menos presumida, do próprio Ordinário. No caso em que não haja determinação alguma por parte do direito particular, por analogia se poderia eventual- mente recorrer ao que foi previsto para os párocos (cân. 533 §2). Claretiano - Centro Universitário 171© U3 - O povo de Deus II –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Antes do CIC de 1917, o dever de residência era diretamente ligado a um ofício. Na ausência de um benefício ou de um ofício residencial, não existia uma norma comum que exigisse a presença dos clérigos na diocese. Já o cân. 143 do CIC de 1917 estabeleceu que, mesmo no caso em que a obrigação de residência não estivesse ligada a um ofício ou benefício, os clérigos não deviam se ausentar de sua diocese sem a permissão, ao menos presumida, do próprio Ordinário. Esta norma foi retomada pelo cân. 283 §1 do CIC atual que praticamente a repete. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Formação permanente (cân. 279) O texto é claro e dispensamaiores comentários. É certo que a necessidade de um competente e eficaz exercício do ministério pastoral confere aos clérigos a obrigação de buscar uma formação permanente e uma constante atualização, mediante uma série de iniciativas que aparecem exemplificadas no cânon, mas não são taxativas. O hábito eclesiástico (cân. 284) O presente cânon trata da questão relativa ao hábito eclesi- ástico. A fórmula escolhida pelo cân. 284 do CIC atual é bem geral: declara que os clérigos devem usar hábito eclesiástico convenien- te, de acordo com as normas dadas pela Conferência dos Bispos e com os legítimos costumes locais. Em relação a isso, aqui no Brasil, a CNBB estabeleceu o seguinte: "usem os clérigos um traje eclesi- ástico digno e simples, de preferência o "clergyman" ou "batina". Note-se que a expressão "de preferência" indica que existem ou- tras opções, pois, como diz o texto, também é necessário levar em conta os legítimos costumes locais. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Durante os primeiros cinco séculos os clérigos não se distinguiam dos leigos no que tange às vestes. Segundo a tese tradicional, após as invasões bárbaras, en- quanto os leigos começaram a usar as roupas segundo o estilo das populações do norte, os clérigos teriam continuado a usar as roupas segundo o estilo roma- no. Graciano em seu decreto recorda que os clérigos não deviam usar roupas luxuosas e o Concílio Lateranense de 1215 detalha melhor em que consistiria na prática evitar roupas luxuosas. Já no período posterior ao Concílio de Trento os sínodos começam a insistir sobre o uso da veste talar de cor preta que, aos © Direito Canônico I172 poucos, se tornou o hábito característico dos clérigos, particularmente nos paí- ses latinos. Mas tal práxis nunca foi uniforme em todos os países. O cân. 136 do CIC de 1917 determinava que os clérigos usassem um hábito eclesiástico conve- niente, segundo os costumes dos lugares e as prescrições do Ordinário do lugar. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Os direitos dos clérigos Associação (cân. 278) O direito de associação, sancionado para todos os fiéis (cân. 215), é reconhecido e garantido também aos clérigos pelo cân. 278 §1, tendo se inspirado no decreto conciliar PO 8. Note-se que o câ- non não coloca limite algum aos associados que, portanto, podem ser clérigos e leigos (homens e mulheres). Limitações existem para os clérigos e em relação aos fins, pois estes devem ser absoluta e exclusivamente conformes o estado clerical. Portanto, devem estar coerentemente relacionados com a vida e o ministério dos clérigos, dando a este ministério sustento e qualificação. O §2 exorta os clérigos seculares a darem importância, espe- cialmente, às associações que, tendo os estatutos aprovados pela autoridade competente, por uma organização de vida adequada e convenientemente aprovada, e pela ajuda fraterna, são de estí- mulo à santidade no exercício do ministério e favoreçam a união dos clérigos entre si e com o Bispo. Em outros termos, o direito de associação, embora reconhecido como um direito nativo, é con- cebido em uma perspectiva subsidiária e instrumental em relação à globalidade do ser e agir do ministro sagrado. Este aspecto é importante porque é por meio dele que se justificaria e motivaria uma eventual intervenção da autoridade eclesiástica sobre a confi- guração das associações dos clérigos em fase de reconhecimento, como, também, eventuais restrições em relação à adesão dos clé- rigos a determinadas associações. Em relação à natureza jurídica das associações de clérigos ordinariamente se tratará de associações privadas, enquanto origi- Claretiano - Centro Universitário 173© U3 - O povo de Deus II nadas de um livre acordo de seus membros (cân. 299 §§1-2). Não se prevê aqui, mas, também, não se exclui, a intervenção da auto- ridade eclesiástica na fundação destas associações, como seria o caso se tratasse de associações públicas. O conceito de associação de fiéis e a distinção entre associações públicas e privadas veremos mais adiante. As associações de clé- rigos regem-se pelas normas para as associações de fiéis conti- das nos cânn. 298-326. É perfeitamente possível legitimar associações de clérigos fundadas e erigidas segundo as leis civis. São, ao contrário, excluí- das aquelas associações, erigidas ou não por clérigos, que tenham por finalidade ou atividade algo que resulte incompatível com a condição de clérigo ou com o cumprimento dos ofícios inerentes a tal condição. Em relação às associações de clérigos proibidas (especialmente aquelas que perseguem fins atinentes à política, que maquinam contra a Igreja ou que pretendem reunir os presbíteros e diáconos em uma espécie de "sindicato"), ver a declaração Quidam Episcopi da Congregação para o Clero, de 08 de março de 1982, AAS 74 (1982), p. 642-645. remuneração e assistência social (cân. 281) O cân. 281 §1 trata da remuneração dos clérigos que se dedi- cam ao ministério eclesiástico, afirmando que estes merecem uma remuneração condizente com sua condição, levando-se em conta seja a natureza do próprio ofício, sejam as condições de lugar e tempo, de modo que com ela possam prover às necessidades de sua vida e também a justa retribuição daqueles de cujo serviço necessitam. Uma aplicação concreta desta norma encontra-se no cân. 1274 §1, que trata do instituto diocesano para o sustento dos clérigos. © Direito Canônico I174 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Os parâmetros indicados pelo cânon, que servirão para quantificar o valor desta remuneração (natureza do ofício, condições de lugar e tempo, necessidades da vida, justa retribuição daqueles de cujo serviço os clérigos necessitam), são bem razoáveis, embora não sejam de fácil aplicação. De qualquer forma, tais critérios servem para evitar um nivelamento incompreensível e injustificável entre todos, possibilitando a criação de mecanismos elásticos que possam ser adaptados às diversas situações. Convém ainda ter presente que tal remuneração jamais deve ser entendida como um salário nos termos na legislação trabalhista, ou seja, como o pagamento de uma prestação em uma relação de patrão-empregado, mas, sim, como uma justa recompensa que se fundamenta no direito de prover de maneira digna e sóbria às próprias necessidades e a dos colaboradores. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Conexa com o direito a uma remuneração está a garantia de um sistema previdenciário, de modo que atenda convenientemen- te às necessidades dos clérigos em caso de enfermidade, invali- dez ou velhice. No Brasil, os clérigos que não estiverem filiados à previdência social por outro título devem fazê-lo na condição de autônomos. O §3 trata da remuneração dos diáconos casados. Aqueles que se dedicam em tempo integral ao ministério eclesiástico têm direito a uma remuneração com que possam prover ao sustento seu e da própria família; os que receberem remuneração em razão de profissão civil, que exercem ou exerceram, devem atender às necessidades próprias e de sua família com tais rendas. Férias (cân. 283 §2) Todos os clérigos têm direito de gozar anualmente do devido e suficiente período de férias, determinado pelo direito universal e particular. Este tempo está fixado pelo direito universal para os bispos (cân. 395) e para os párocos (cân. 533) e consiste em um mês, contínuo ou interrupto, sem computar nele os dias dedicados ao retiro anual. Coincide, portanto, com a legislação civil brasileira. O que dissemos vale, também, para os bispos coadjutores e auxi- liares (cân. 410) e para os vigários paroquiais (cân. 550 §3). Para os demais é preciso recorrer ao direito particular. Claretiano - Centro Universitário 175© U3 - O povo de Deus II isenções (cân. 289 §2) É direito dos clérigos fazer uso legítimo das isenções de en- cargos e cargos públicos civis, impróprios ao estado clerical,que lhes forem concedidas pelas leis, convênios ou costumes, salvo de- cisão contrária do próprio Ordinário em casos particulares. as proibições Atividade não conveniente (cân. 285) Em geral, aos clérigos é vetado tudo aquilo que não é con- veniente ou é impróprio ao seu estado de vida. O teor desta dis- posição é propositada e sabiamente amplo para dar espaço tanto às determinações do direito particular, quanto à prudência e ao bom senso dos próprios clérigos. Caberá, especialmente, a eles ponderar bem cada coisa, julgando, nas diversas situações, o que é oportuno evitar, mesmo se não exista uma prescrição normativa para determinadas situações. No cân. 285, o legislador quis explicitar algumas proibições relativas a determinadas atividades que considera inconvenientes ou impróprias ao estado clerical: 1) os clérigos não podem assumir cargos públicos que im- plicam participação no exercício do poder civil (legislati- vo, executivo e judiciário); 2) os clérigos não podem, sem a devida licença, adminis- trar bens pertencentes a leigos e exercer ofícios secula- res que implicam na obrigação de prestar contas; 3) os clérigos, sem antes consultar o próprio Ordinário, não podem, também, prestar fiança, mesmo com os pró- prios bens; 4) por fim, não devem assinar obrigações, com as quais se assume compromisso de pagamento, sem nenhuma causa especificada. © Direito Canônico I176 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Como você pode notar, os clérigos não podem ser membros do congresso na- cional, das assembleias legislativas, das câmaras municipais, não podem ser presidente, ministros de Estado, governadores, prefeitos etc. Não podem ser ma- gistrados ou membros das diversas cortes. Tal proibição não prevê qualquer tipo de exceção, mas, existindo uma adequada motivação, é sempre possível aplicar o quanto dispõe o cân. 87 §2, que reconhece ao bispo o poder de dispensar va- lidamente os próprios súditos das leis disciplinares universais. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– atividade permitida somente com licença (cân. 286) Neste cânon, o legislador proíbe que os clérigos exerçam, por si ou por outros, para utilidade própria ou alheia, negociação ou comér- cio, salvo licença da legítima autoridade eclesiástica, que poderá ser o Ordinário próprio ou, então, do lugar onde tem sede a atividade para a qual se solicita a licença que, caso seja negada, impedirá tal atividade. Para uma compreensão do significado do termo "negociação" e "comércio", sugerimos que você leia o comentário do Pe. Jesus Hortal, que se encontra na nota de rodapé do cân. 286. Caberá a você se inteirar do texto. Cf. CÓDIGO de Direito Canônico. Pro- mulgado por João Paulo II, Papa. São Paulo: Loyola, 1983. Militância política e sindical (cân. 287 §2) Também a militância ativa, ou seja, a adesão explícita e oficial a um partido político ou, mesmo a assunção de cargos de responsabilidade, mesmo colegial, no partido político, como, tam- bém, a direção de associações sindicais são proibidas. O legislador prevê duas exceções que excluem o interesse e preferências pes- soais, cabendo à autoridade competente, Ordinário próprio ou do lugar onde será desenvolvida a atividade, avaliá-las: a defesa dos direitos da Igreja ou a promoção do bem comum. Quanto ao comentário do cân. 287 §2, ver, também, a nota relativa ao cânon elaborada pelo Pe. Jesus Hortal. Caberá a você se in- teirar do texto. Cf. CÓDIGO de Direito Canônico. Promulgado por João Paulo II, Papa. São Paulo: Loyola, 1983. Claretiano - Centro Universitário 177© U3 - O povo de Deus II prestação de serviço militar voluntário (cân. 289 §1) A última proibição explícita para os clérigos e para os candi- datos às ordens sacras diz respeito ao serviço militar voluntário, mesmo se a motivação da não conveniência de tal atividade com a condição de ministro sagrado pudesse ter sido colocada no con- teúdo do cân. 285 §1. O cânon limita-se a proibir o serviço militar voluntário, exigindo uma licença do Ordinário próprio do clérigo que queira se oferecer para isso. as recomendações Embora as recomendações não possuam um grande alcance jurídico (deveres dóceis), são muito úteis para o desenvolvimento do ministério e para o testemunho pessoal do ministro ordenado. promoção da paz e da concórdia (cân. 287 §1) O §1 do cân. 287 destaca o dever dos clérigos de promover sempre e o mais possível a manutenção entre os homens da paz e da concórdia fundamentada na justiça, pois, sem esta, é muito difícil se alcançar aquela. vida simples (cân. 282 §1) O legislador aconselha os clérigos a buscarem uma vida sim- ples, isto é, livre de qualquer tipo de apego e caracterizada por escolhas essenciais, sem desperdícios e sem vaidade, sem o culto à aparência e ancorada nos valores evangélicos, como é o caso da pobreza. discrição no uso dos bens econômicos (cân. 282 §2) O §2 do cânon 282 inspira-se no decreto conciliar PO 17, que, por sua vez, está ancorado em uma antiga tradição canônica segundo a qual os bens eclesiásticos eram destinados em parte aos pobres. Considerava-se que o titular de um benefício eclesiás- © Direito Canônico I178 tico era obrigado, após ter atendido às suas necessidades, a utili- zar do seu benefício para as causas pias e para os pobres. vida comum (cân. 280) Ancorado em uma sólida tradição, o cân. 280 recomenda vivamente aos clérigos certa prática de vida comunitária, acon- selhando que ela seja conservada nos lugares onde esta existe. É preciso admitir que a vida comunitária pode sustentar a vida es- piritual, favorecer a colaboração ministerial, aliviar as dificuldades da solidão. Se, por acaso, fosse impossível ou muito difícil cumprir esta recomendação, seria conveniente que, ao menos, os clérigos partilhassem a mesa comum e alguns encontros periódicos e fre- quentes. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Na antiguidade encontramos casos ilustres de vida comum do bispo com alguns clérigos, por exemplo, Santo Agostinho. Este último se refere ao ideal presente nos Atos dos Apóstolos no qual tudo era colocado em comum. A época carolíngia conheceu um movimento favorável à vida comum do clero, particularmente para o clero das catedrais e das Igrejas maiores, os "canônicos, influenciada pelo modelo monástico. Tratava-se de uma vida comum que comportava, inclusive, a partilha de bens. No ano 816, o imperador Ludovico publica algumas regras para promover a vida comum dos "canônicos". As recomendações à vida comum dos clérigos aparecem, também, durante os séculos 11 e 12, sem que se insista, mais, na partilha comum dos bens. O cân. 134 do CIC de 1917 declarava que o costume da vida comum no clero deveria ser louvado e conservado onde ainda estava em vigor. Uma recomendação aos clérigos para que tenham vida em co- mum encontramos, ainda, no decreto Presbyterorum Ordinis nº 8. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– estudo pessoal (cân. 279 §1) Ao lado do dever da formação permanente e de uma atuali- zação cultural e pastoral de acordo com as modalidades propostas nas várias Igrejas particulares, o legislador recomenda aqui o es- tudo pessoal e metódico para que os clérigos estejam em sinto- nia com o progresso das ciências sagradas, para que enriqueçam a própria cultura teológica, para que se renovem espiritual e pas- toralmente. Claretiano - Centro Universitário 179© U3 - O povo de Deus II Concluímos a parte relativa à exposição das obrigações e di- reitos dos fiéis clérigos. É importante que todos os fiéis, sabedores do que cabe a cada um na Igreja, se empenhem para que em cada comunidade eclesial as pessoas possam viver em conformidade com a identidade que possuem. Esta é a melhor maneira de tute- lar cada estado de vida na Igreja. 7. as assOCiações de FiÉis Como você pode notar, na Igreja muitos fiéis participam de alguma associação, embora,muito provavelmente, desconheça as implicações canônicas disso. Saiba você que as associações de fiéis foi um dos temas que sofreu no novo código uma profunda trans- formação. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O CIC de 1917, fiel à concepção eclesiológica que privilegiava o papel da Hie- rarquia e ignorava de fato a categoria do fiel cristão com obrigações e direitos derivantes do batismo, mesmo dedicando dois títulos às associações canônicas (cânn. 684-725) na parte reservada aos leigos, reconhecia como eclesiásticas somente aquelas associações erigidas e aprovadas pela autoridade eclesiástica (cân. 686 §1). Se, neste caso, a eclesialidade equivalia a "estar na Igreja" era necessário reconhecer que as associações surgidas apenas por iniciativa dos fiéis e não aprovadas pela autoridade eclesiástica era como se não existissem para o ordenamento canônico. Esta rígida configuração das associações presente no código pio-beneditino foi colocada em discussão em 1920 por uma resposta da Sagrada Congregação do Concílio. Nela se afirmava a distinção entre associações eclesiásticas e associa- ções laicais e, observadas certas condições, reconhecia-se a essas últimas for- mas de eclesialidade que eram completamente ignoradas pelo CIC promulgado três anos antes. O Concílio Vaticano II desenvolveu o tema e afirmou o duplo princípio do direito de associação para os cristãos e insistiu que as associações erigidas por inicia- tivas dos fiéis possuíssem requisitos de eclesialidade. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Na normativa sobre as associações não encontramos ape- nas o recurso a uma técnica jurídica atualizada para dar ao CIC uma veste de modernidade, colocando-o no mesmo plano das le- gislações civis atuais. O legislador quis, acima de tudo, acolher no ordenamento canônico o direito de associação que tinha sido afir- © Direito Canônico I180 mado pelo Concílio Vaticano II, seja como um direito fundamental da pessoa humana (GS 68), seja como um direito do cristão (AA 19). Além disso, quis formular este direito em categorias jurídicas adequadas às condições específicas dos fiéis. Para um estudo da normativa a respeito das associações de fiéis, sugerimos a seguinte bibliografia: FELICIANI, G. As bases do Di- reito da Igreja: comentários ao Código de Direito Canônico. São Paulo: Paulinas, 1994, p.142-145.; GUIMARÃES, F. Considerações sobre as Associações de Fiéis. In: Direito e Pastoral, nº 19-20. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Direito Canônico, 1991, p. 39-57.; Trombeta, B. Estudo histórico-canônico e sociológico das associa- ções de fiéis (presbíteros e leigos). In: Direito e Pastoral nº 18. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Direito Canônico, 1990, p. 11-16. Nos próximos números iremos nos ocupar de algumas ques- tões básicas relativas ao fenômeno associativo na Igreja para, em seguida, estudarmos a normativa. Vamos lá? Fundamento eclesiológico das associações canônicas Uma primeira questão a esclarecer diz respeito ao funda- mento eclesiológico das associações de fiéis. Para isso, recorremos aqui ao decreto conciliar Apostolicam Actuositatem nº. 18 sobre o apostolado dos leigos: Os cristãos são chamados, como indivíduos, a exercerem o apos- tolado nas diversas circunstâncias de sua vida. Lembrem-se, no entanto, que o homem é por natureza social e que agrada a Deus reunir os que crêem em Cristo no povo de Deus (1 Pd 2,5-10) e em um único corpo (1Cor 12, 12). Por isso, o apostolado associado corresponde felizmente às exigên- cias humanas e cristãs dos fiéis e ao mesmo tempo se apresenta como sinal da comunhão e da unidade da Igreja de Cristo que disse: 'Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome eu estarei no meio deles' (Mt 18,20). Em tal texto fica, portanto, evidenciado que se a sociabili- dade do homem nos reporta à ordem da criação, a referência ao Claretiano - Centro Universitário 181© U3 - O povo de Deus II povo de Deus e ao único Corpo de Cristo nos reporta à ordem da redenção. Trata-se de dois planos que se fundem em um único projeto de Deus e nos permitem reconhecer no ser humano uma fundamental reciprocidade que atinge a sua plenitude na commu- nio (comunhão) e nos permite explicar teologicamente o fenôme- no associativo. Em resumo: as associações na Igreja não se justificam apenas pelas muitas vantagens que decorrem da ação associada para o apos- tolado, mas porque sublinham uma exigência co-natural à Igreja e ao ser cristão, aquela, isto é, de estar em comunhão com todos e em todos os níveis e de colher cada ocasião para formar comunidade. a autonomia dos fiéis e o papel da autoridade eclesiástica A inclusão do direito de associação e de reunião entre as obrigações e os direitos do fiel cristão (cân. 215) nos obriga a con- figurá-lo no âmbito da autonomia que o ordenamento canônico reconhece ao batizado. O termo "autonomia" não nos deve enga- nar. De um ponto de vista jurídico, autonomia não equivale à "in- dependência", mas, sim, a um espaço de liberdade que é reconhe- cido ao indivíduo para o exercício de seus direitos fundamentais no âmbito de um todo social. Trata-se, portanto, de um conceito relativo, que supõe uma relação com o todo. Nesse sentido, o direito de associação deve ser coordenado e harmonizado com todos os outros direitos e deve ser exercitado no respeito às estruturas fundamentais do ordenamento jurídico, mas, em contrapartida, não pode ser considerado como uma mera concessão da autoridade e muito menos pode por ela ser revoga- do ou feito inoperante. No ordenamento canônico, a autonomia do fiel cristão deve ser compreendida ao interno da communio; portanto, também o direito de associação, se, de um lado, deve ser reconhecido e tute- lado, de outro lado, deve ser exercitado no respeito dos direitos de todos os fiéis e no necessário vínculo com a autoridade. © Direito Canônico I182 Portanto, o papel da autoridade é garantir a autenticidade da fé e do testemunho cristão, reconhecer e tutelar os direitos dos fiéis e coordenar a ação comum. Este papel pode ser exercitado de várias maneiras: tacitamente, por meio de uma vigilância discreta; explicitamente, por meio de intervenções que podem assumir di- versas formas. Critérios de eclesialidade A necessidade de coordenar a autônoma iniciativa dos fiéis com a responsabilidade da comunidade eclesial coloca a questão dos critérios de eclesialidade das formas associativas. Trata-se de dar indicações sobre os requisitos mínimos que cada associação deve possuir para que possa, de fato e de direito, pertencer à Igre- ja. Um eventual juízo negativo, devido à falta de um desses requi- sitos, não poderia nos levar a afirmar, em linha de princípio, que se queira negar o direito de associação. Seria apenas uma forma de disciplinar o exercício de um direito que para ser eclesial deve se harmonizar com a natureza e a missão da Igreja. O problema dos critérios de eclesialidade foi advertido com uma maior urgência após a afirmação do direito de associação por parte do Vaticano II e com o desenvolvimento que o fenômeno associativo passou a ter na Igreja. O decreto sobre o apostolado dos leigos indicou alguns princípios que ajudaram o legislador a fixar tais critérios. São eles: • o direito-dever dos fiéis de exercitar os próprios carismas em comunhão com os irmãos e, sobretudo, com os Pasto- res a quem cabe julgar sobre a genuína natureza e sobre o uso ordenado dos carismas (AA 3); • a consideração sobre a natureza das associações que não são consideradas como um fim em si mesmo, mas devem estar a serviço da missão apostólica no mundo (AA 19); Claretiano - Centro Universitário 183© U3 - O povo de Deus II • a advertência de que a incidência apostólica das asso- ciações depende da conformidade com as finalidades da Igreja, do testemunho e do espírito evangélico dos mem- bros e de toda a associação(AA 19). as associações de fiéis no CiC atual (cânn. 298-326) A Comissão de reforma do CIC, ao formular os esquemas do novo código, limitou-se a delinear um quadro geral para abarcar na sua globalidade o fenômeno associativo. Aplicando o princípio de subsidiariedade deixou uma ampla margem de autonomia aos legisladores particulares e aos estatutos. Portanto, na solução de casos concretos, não basta recorrer aos cânones que tratam das associações. Será preciso examinar, também, as leis particulares e os estatutos das associações à norma do cân. 309. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Na assembleia geral do Sínodo Romano de 1967, foram fixados dez princípios diretivos para a reforma do Código. Dentre esses princípios, encontramos o de subsidiariedade (5º princípio), que basicamente significa o seguinte: os vários grupos devem resolver os problemas com os próprios meios e tomar aquelas decisões que não ultrapassem suas possibilidades. O nível superior de governo poderá fazer aquilo que o nível inferior não é capaz de realizar por si, vindo, portanto, em sua ajuda, tanto por iniciativa deste último quanto do primeiro. Evi- dentemente que tal princípio deve ser aplicado no âmbito interno de um ordena- mento dado, sendo relativo às leis e a uma estrutura já constituída. Aplicação do princípio de subsidiariedade à vida da Igreja significa respeito à justa autonomia dos diversos grupos e dos diversos níveis de governo, tendo presente o direito universal e o direito particular a fim de que na unidade e na pluralidade resplandeça a catolicidade da Igreja. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O estatuto jurídico das associações de fiéis contido nos cânn. 298-326 constitui um idôneo desenvolvimento orgânico e aplicativo dos direitos e da liberdade de associação e de reunião reconhecidos aos fiéis em geral, ou seja, reconhecidos a cada fiel à norma do cân. 215. No que diz respeito aos leigos, encontramos nos cânn. 327-329 uma aplicação do cân. 215, o mesmo ocorrendo com os religiosos, nos cânn. 573-730 e 731-745. Já o mesmo não deu com os clérigos, pois não encontramos um estatuto jurídico que seja uma aplicação do direito de associação previsto pelo cân. 215. Uma única exceção © Direito Canônico I184 é o caso singular da prelazia pessoal enquanto fenômeno associati- vo hierárquico e de composição estritamente clerical. Para um estudo das associações de fiéis no CIC atual: tipologia, natureza, fins, constituição e relações com a autoridade eclesiás- tica, admissão e demissão dos membros, administração dos bens e extinção, sugerimos o seguinte texto: GHIRLANDA, G. O direito na Igreja, mistério de comunhão. Compêndio de Direito Eclesial. Aparecida: Santuário, 2003, p. 267-281. Âmbito da normativa, natureza e finalidade das associações O cân. 298 §1, com o qual se inicia o título dedicado às as- sociações de fiéis, estabelece o âmbito dentro do qual se aplicam as normas formuladas pelo legislador. Das diversas formas asso- ciativas existentes e que podem surgir na Igreja são excluídos, so- mente, os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica, embora, em tempos idos, as ordens e congregações não fossem algo diferente das associações de fiéis que desejavam responder de modo integral à sua vocação cristã. A natureza das associações é delineada com traços essen- ciais: encontramo-nos, antes de tudo, diante de um fenômeno eclesial (veja a expressão "na Igreja"); os membros destas asso- ciações são fiéis ("clérigos ou leigos, ou conjuntamente clérigos e leigos") que se empenham, mediante uma ação comum, para realizar fins eclesiais. Portanto, temos três elementos constitutivos para uma associação canônica: fiéis cristãos, que tendem median- te uma ação comum para a realização de fins eclesiais. A partir dos fins eclesiais se traçam em termos bem gerais os principais gêneros: associações que tendem ao incremento de uma vida mais perfeita de seus membros; associações que promo- vem o culto público e a catequese; associações que se dedicam às obras de apostolado: evangelização, obras de piedade ou carida- de, animação da ordem temporal com espírito cristão. Claretiano - Centro Universitário 185© U3 - O povo de Deus II tipologia das associações O legislador eclesiástico considera o complexo fenômeno as- sociativo a partir de duas grandes categorias: • público; • privado. Embora na linguagem corrente se fale de confrarias, pias uniões, movimentos, comunidades de base, comunidades de vida e amor, comunidades de aliança, grupos eclesiais etc., na lingua- gem jurídica todas estas realidades se inserem nas duas categorias formuladas pelo legislador: públicas e privadas. Mais adiante es- clareceremos tais conceitos. Além da distinção geral entre associações públicas e priva- das, o CIC formula outras tipologias de menor relevância que se aplicam tanto a um quanto a outro tipo de associação. Uma das distinções propostas pelo CIC para as associações faz referência à tríplice classificação dos fiéis em clérigos, leigos e consagrados. Assim, temos as seguintes associações: 1) clericais: aquelas associações de fiéis dirigidas por cléri- gos que assumem o exercício de ordem sagrada e são re- conhecidas como tais pela autoridade competente (cân. 302); 2) laicais: aquelas associações compostas por leigos que, de vários modos, se propõem a animar, mediante o espí- rito cristão, as realidades temporais (cân. 327); 3) ordens terceiras ou outro nome idôneo: aquelas asso- ciações cujos membros levam vida apostólica e tendem à perfeição cristã, e no mundo participam do espírito de um instituto religioso sob a alta direção desse instituto. (cân. 303); 4) católicas: aquelas associações qualificadas como tal com o consentimento da autoridade eclesiástica competente; 5) associações privadas: são mais complexas, seja por sua variedade, seja pela linguagem pouco clara adotada pelo legislador; © Direito Canônico I186 6) informais: aquelas associações constituídas mediante um acordo privado entre os fiéis e que se propõe a rea- lizar fins que não são reservados à autoridade eclesiás- tica. Trata-se de associações para as quais não se exige qualquer forma de aprovação explícita por parte da au- toridade eclesiástica ou, então, que ainda se encontram na fase prévia a um explícito reconhecimento (cân. 299 §1); 7) associações louvadas ou recomendadas: aquelas asso- ciações privadas que receberam da competente autori- dade eclesiástica uma avaliação positiva (cânn. 298 §2; 299 §2); esta avaliação pressupõe um conhecimento da natureza e dos fins que a associação se propõe a realizar; 8) associações reconhecidas (cân. 299 §3): não aparece muito claro o significado jurídico que o legislador quis dar a este termo. Parece que se trata de um juízo de ecle- sialidade pronunciado pela competente autoridade após ter examinado os estatutos da associação. Este juízo não muda a natureza privada da associação (cân. 299 §2) e nem a ela confere a personalidade jurídica. Limita-se, portanto, a um reconhecimento de sua eclesialidade; 9) erigidas em pessoa jurídica: aquelas associações priva- das às quais a competente autoridade eclesiástica confe- riu a personalidade jurídica (cânn. 116 e 310). as normas comuns a todas as associações (cânn. 298-311) Examinados os cânones nos quais se configura a natureza das associações e se estabelece sua tipologia, resta-nos, ainda, considerar outros princípios gerais que o legislador formula para todas as associações públicas e privadas e que estão presentes nas normas comuns (cânn. 298-311). Este conjunto de cânones que precede àqueles que contêm normas específicas sobre as associa- ções públicas e privadas estabelece as bases canônicas sobre as quais se torna possível fundar, erigir e constituir uma associação de fiéis na Igreja. Vejamos,
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