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EA D 3 Morte e Vida Eterna 1. OBJETIVOS • Interpretar o Novo Testamento – os milagres – e o Antigo Testamento – a longevidade. • Analisar o sentido da morte. • Refletir sobre o sentido cristão da morte, bem como so- bre o significado cristão do sofrimento. • Analisar o ensinamento da Igreja acerca do cuidado com os moribundos e os mortos. • Compreender, por meio dos ensinamentos de Cristo, a Ressurreição. • Conhecer os conceitos básicos da Escatologia Individual na sua formulação dogmática e na sua interpretação te- ológica. • Analisar a evolução do pensamento monoteísta sobre a Escatologia. © Escatologia70 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 2. CONTEÚDOS • Novo Testamento: milagres. • Antigo Testamento: longevidade. • Morte. • Sentido cristão da morte. • Sentido cristão do sofrimento. • Ensinamento da Igreja acerca do cuidado com moribun- dos e mortos. • Ressurreição. 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Lembre-se de que muitos cristãos não gostam de refletir sobre a morte. No entanto, só quem compreende bem seu sentido conseguem viver bem. Quanto mais se com- preende a morte, melhor se vive. 2) É importante que você tenha clareza nos conceitos uti- lizados nesta unidade, a fim de compreender de modo correto a doutrina da Igreja e as perspectivas teológicas. 3) Ao mesmo tempo convém prestar atenção aos concei- tos e ideias que pessoas ao seu redor tem sobre estes temas, pois há muito de sincretismo entre nós que não condiz com aquilo que cremos e pregamos. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Nesta unidade, você é convidado a refletir sobre temas rela- cionados à morte, à ressurreição e, também, à vida eterna. A escatologia geral e particular são apresentadas servindo- -se de conceitos próprios do tempo, da cultura e do contexto vital 71© Morte e Vida Eterna em que foram formuladas. Desse modo, o pesquisador atual ne- cessita de chaves de leitura que lhe deem suporte e instrumento para compreender o conteúdo. Utilizando-se de categorias científicas e de conhecimentos acadêmicos, faremos contato com esse universo de conceitos e de formulações, não prescindindo da discrição nem da humildade, que asseguram um olhar sereno sobre as realidades apresentadas. Bom estudo! 5. VIDA ETERNA Viver para sempre é o desejo de todos os seres humanos, e a doutrina de Jesus assegura e aponta para essa certeza no Além. A imortalidade da alma confere à totalidade do ser humano a con- dição de vida na eternidade. Já perguntava Fiódor Dostoiévski, na sua obra Os irmãos Karamazovi, se poderia haver virtude sem Deus e sem a imortalidade da alma. "A frase é: 'Se Deus não existe, tudo é permitido'. Textualmente, a frase não é formulada assim, ainda que o conceito seja esse, há uma série de variantes e recom- binações" (FÄRBER, 2009, p. 330). A teologia bíblica encontra ricas intuições e claros enuncia- dos sobre o conceito de vida eterna, que, como outros, foi, ao lon- go da história, evoluindo, recebendo novos significados e catali- sando o conjunto de crenças monoteístas. 6. NOVO TESTAMENTO: MILAGRES A prédica e a prática de Jesus são voltadas para a apresenta- ção da vida plena, que começa na história e atinge a consumação na eternidade. Utilizando-se de figuras de linguagem e de gêneros literários da época, especialmente das parábolas (Lázaro e o rico avarento; as dez virgens; o banquete de núpcias etc.), Jesus ofere- ce elementos para criar, no imaginário religioso dos seus ouvintes, © Escatologia72 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO noções da vida na eternidade. Aos seus discursos, frequentemen- te, seguem-se milagres que exercem papel de suma importância na autenticação da verdade exposta. A ideia de milagre está, frequentemente, associada ao extra- ordinário, ao maravilhoso e ao que causa admiração, mas milagre é mais que isso. Milagres são acontecimentos estranhos e sinais da ação salvadora de Deus. Todos os milagres apontam para a vida eterna em seus vários aspectos e dimensões. A transformação (a transubstanciação) da água em vinho nas bodas de Caná (cf. Jo 2,1-10) é entendida como um sinal de que Jesus é o Messias; por isso, "seus discípulos creram nele" e auten- ticaram que Ele pode mudar as realidades, porque não está sob as leis naturais e físicas. Quando Jesus responde aos enviados de João Batista (cf. Mt 11,2-6) se é ou não o Messias, Ele aponta para os sinais (milagres) que têm realizado, pois Suas ações, entre as pessoas, são sinais de que o Reino de Deus chegou (cf. Lc 11,20). Os milagres de cura realizados por Jesus cumprem a profecia de Isaías (53,4), que afirma: "ele carregou nossas enfermidades" (cf. Mc 1,29-31; Lc 6,6; 22,50s; Mc 1,4; Mt 8,15; Jo 9,6). Além dis- so, acompanham o perdão dos pecados (cf. Mc 2,1-12) e sinalizam para a salvação (cf. Lc 8,47s). Todas as enfermidades são "lembre- tes" da finitude humana. Uma vez consumada a história, elas não mais existirão (cf. Ap 22,2). A superação da doença, da dor, do so- frimento e da morte na vida eterna (cf. Ap 21,4) já é esboçada pe- los milagres de cura que Jesus operou. Entretanto, a cura é menor que a salvação, pois a salvação é: 73© Morte e Vida Eterna A cura, por sua vez, é: Os milagres de expulsão de demônio autenticam que o mal é banido da presença de Deus e, na eternidade, ele terá desapare- cido por completo (cf. Ap 20,14). Segundo Weiser (1978), de toda a tipologia dos milagres, a ressurreição (reanimação) de mortos é a mais emblemática (mis- teriosa), pois confere a certeza da superação da morte física e, ain- da, chancela (marca) a imortalidade da alma. Assim, é demonstra- da de forma a abranger todas as pessoas, de todos os gêneros e faixas etárias. Observe: • Jo 11,43s: adulto – "Lázaro, sai para fora!". • Mc 5,41: menina – "Menina, levanta-te!". • Lc 7,11-17: jovem – "Jovem, levanta-te!". Os milagres de ressurreições apontam para a vida definitiva que se inicia desde aqui, pela adesão a Jesus, e que se consuma na eternidade. Assim, crendo, temos a vida (cf. Jo 20,31), pois Cristo é a vida (cf. Jo 11,25; 14,6) e quer que tenhamos vida em plenitude (cf. Jo 10,10). 7. ANTIGO TESTAMENTO: LONGEVIDADE O quarto mandamento (honrar pai e mãe) é o único ao qual está vinculada uma promessa de "vida longa sobre a terra" (Ef 6,1ss). Longevidade é um tema provocante nos escritos bíblicos e, de modo especial, nos textos cujo gênero literário empregado não é histórico, mas poético. Em Gênesis 5, por exemplo, uma lista de © Escatologia74 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO patriarcas longevos é apresentada; dentre eles, destaca-se Matu- salém, que teria vivido 969 anos. Na verdade, no início da história do povo hebreu, ainda não havia a revelação da vida eterna e, portanto, da retribuição póstu- ma do bem praticado na vida terrena. Essa revelação foi ganhando forma ao longo da história por meio da pedagogia divina e fez que o indivíduo intuísse com base em suas próprias experiências, as quais mostravam que quem vivia mais tinha maiores condições de superação dos reveses que pudesse ter sofrido, além de ter mais tempo de aproveitar o que, com seu esforço, adquiriu e de estar com as pessoas que amava. O tema da imortalidade da alma e da retribuição póstuma é tardio. É somente a partir do Livro de Sabedoria que ele será abor- dado, trazendo, assim, um novo enfoque sobre a duração da vida e o sentido dado a ela: "o justo, ainda que morra prematuramente, terá descanso; velhice venerável não é longevidade, nem se mede pelo número de anos" (Sb 4,7s). Vida longa era sinônimo de benção divina. Quem era bom, vivia muito. Aqueles que foram muitíssimo bons não são apresen- tados como quem teve vida longa e morreu, mas como aquele nem chegou a passar pela morte e foi arrebatado. Esse é o caso de Henoc (cf. Gn 5,24) e de Elias (cf. 2Rs 2,11s); por terem vivido na amizade com Deus, ofinal de seus dias é apresentado por meio do eufemismo "subiu ao céu". Assim, entendia-se que a justiça divina retribuía quem vivia de acordo com os ditames de Deus. Mais que improvável, é impossível uma vida longa assim como narra Gênesis 5. A longevidade atribuída aos antepassados era a forma de homenagear quem merecia honra e respeito. En- quanto alguém é lembrado, permanece vivo, ainda que na mente daqueles que são seus pósteros. 75© Morte e Vida Eterna Mesmo na documentação extrabíblica aparecem narrativas similares a Gênesis 5, em que pessoas muito importantes para uma determinada sociedade foram apresentadas como quem muito havia vivido; contudo, as pessoas não viviam mais que hoje. A vida longa é um emblema de retribuição e de bênção (cf. Dt 4,40; 30,20), mas aponta para a Escatologia e para as realidades futuras, nas quais a morte deixará de existir (cf. Sl 21 (20),5; 23(22),6; Is 65,20). O próprio texto bíblico adverte que a vida é breve, e o sal- mista afirma que "setenta anos é o tempo da nossa vida, os mais fortes chegam aos oitenta" (cf. Sl 90 [89],10). Por mais que a humanidade busque e, em determinados as- pectos, alcance, a longevidade permanece a contradição interior do viver para sempre diante da provisoriedade da vida. A semente de eternidade que leva dentro de si, irredutível à só matéria, insurge-se contra a morte. Todas as conquistas da técnica, ainda que altíssimas, não conseguem acalmar a angústia do ho- mem. Pois a longevidade, que a biologia lhe consegue, não satisfaz o desejo de viver sempre mais, que existe inelutavelmente em seu coração (GS 18a). 8. MORTE Na Antropologia Cristã, há sempre alguma instância que se confronta com o tema "morte", pois a vida humana como um todo é orientada para ela. A morte é a realidade que, inexoravelmente, atinge e alcança toda a humanidade; é nela e por ela que acontece a verdadeira igualdade de todos os seres humanos. A morte equi- libra todas as forças. O mistério da morte é apresentado assim na Gaudium et Spes 18a: "Diante da morte, o enigma da condição humana atinge seu ponto alto". Segundo Färber (2009), na dogmática católica, a univer- salidade da morte é apresentada como decorrência do pecado © Escatologia76 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO original. Se todos pecaram, todos deverão morrer. Apesar dessa apresentação, a própria Sagrada Escritura prevê e relata exceções, como, por exemplo, o fim da história humana de Elias, que sobe ao céu levado em um carro de fogo, ou de Henoc, que é arrebatado ao céu sem ter passado pela morte. Ademais, no Novo Testamen- to, Paulo afirma que nem todos morrerão, mas, sim, serão trans- formados (cf. 1 Cor 15,51). A morte, mais que um ato estanque na existência, é um evento que descortina o Além e revela o Aquém. Morrer é um ato pessoal e distintivo do ser. Ainda que não nos tenham perguntado se queríamos ou não vir a existir, somos chamados a responder quanto ao fim da nossa vida. Nesse sentido, a morte é a possibili- dade mais íntima que o homem tem de ser ele mesmo. Diz Karl Rahner (1989, n. p.): A vida tem uma finalidade, um sentido. Tal finalidade se realiza com a morte que impõe esta finalidade à vida, não enquanto a morte constitui uma privação, mas especialmente enquanto é por exce- lência, um ato pessoal no qual atua a última perfeição do homem, no sentido que a morte, pondo termo à vida temporal, abre a porta para a vida plena, ou seja, a vida eterna. A responsabilidade diante da morte é de todos, mas é, tam- bém, pessoal, como o destino da própria vida é individual. Cabe, portanto, a cada um conscientizar-se de que a morte o cerca, não está distante e nem é um dado abstrato, mas um evento natural que confere qualidade à vida humana; por isso, dirá Karl Rahner (1989), é uma realidade fecunda de autenticidade. A morte, muito mais que um tema ou um argumento, é um fato e um evento que atinge todos os seres vivos, mas somente o ser humano pode refletir sobre ele. O que difere o evento morte entre as pessoas e os demais seres é a capacidade de aceitação e a liberdade com que os humanos foram dotados. Capacidades essas que darão significado a esse momento de sua existência. O pensamento sobre a morte percorre dois caminhos niti- damente distintos. O primeiro é aquele que a entende como o fim 77© Morte e Vida Eterna do viver biológico, no qual o corpo, entrando em colapso e falên- cia, deixa de ter suas funções. Adepto dessa abordagem, Jean Paul Sartre apresenta a morte como um evento meramente externo ao homem em sua obra O Ser e o Nada. Além dele, Wittgenstein afir- ma: "A morte não é um evento da vida, não se vive a morte". Já a segunda orientação percebe a morte presente no desenrolar da existência humana. 9. SENTIDO CRISTÃO DA MORTE Das inúmeras possibilidades de eventos que poderão ou não acontecer em nossa vida, a única que temos certeza de enfrentar é a morte. Essa realidade acompanha o ser humano desde sempre e de modos diversos. Morrer é preciso, pois só não morre aquele que não viveu. A primeira vez que toda pessoa encara a morte é no seu nascimento. Confortável, cômoda e tranquila é a vida do tem- po da gestação, mas ela acaba. Terminado esse prazo (às vezes, antes de nove meses), todos passam pela sua primeira experiência de morte. Nascer para essa vida equivale a morrer para a outra. Nunca mais aquela pessoa viverá no útero materno; nunca mais sua conexão com o mundo e com as pessoas se dará da forma que acontecia na fase fetal. Essa morte cada um vive a seu modo, mas ela é, ao mesmo tempo, comum a todos. Poderia o bebê pensar: "Há vida após o nascimento?". Nós, experimentados pela vida, responderíamos: "Sim, há vida após o nascimento. Só quem já passou por esse evento conhece quanta vida há para o lado de cá!". Mais ampla é a vida após o nascimento, e infinitamente maior é o espaço para viver e para se movimentar, bem como o número de pessoas com as quais se relacionar; isso sem mencionar as possibilidades de conhecer e de experimentar coisas e sensações. Uma vez feita a experiência da vida após o nas- cimento, não há quem deseje voltar e ter uma vida tão limitada como a que teve antes. © Escatologia78 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Analisando desse modo, nascimento e morte são duas reali- dades conexas, dois enfoques do mesmo evento. Negar um é, con- sequentemente, negar o outro. O que nasceu para uma realidade, morreu para outra. Apesar dessa constatação, ainda é comum ouvirmos falar da morte como fim, como sinônimo de término, quando, na verdade, ela tem um fim, uma finalidade. Essa finalidade é a vida plena, in- finitamente mais ampla e cheia de possibilidades. Para o cristão, a morte existe sim (a morte física); ela, con- tudo, não é sinônimo de "fim da vida". A vida permanece, trans- cende-se e amplia-se com essa passagem. Enquanto vivemos aqui: Trazemos incessantemente em nosso corpo a morte de Jesus, a fim de que a vida se manifeste, também ela, em nosso corpo [...] en- quanto o nosso homem exterior vai definhando, o nosso homem interior se vai renovando de dia a dia (2 Cor 4, 10.16). A morte recebe o mesmo olhar que a pessoa tem pela vida; por isso, acolhemos a morte da mesma forma que aceitamos a vida. Assim foi com Jesus, como afirma o Documento de Apare- cida: "Durante o ministério dele, os discípulos não foram capazes de compreender que o sentido de sua vida selava o sentido de sua morte" (DA 143). Quem vivencia com serenidade as situações ad- versas que se apresentam se prepara para aceitar a morte. Desse modo, morre melhor quem morre um pouco a cada dia, quem renuncia e aceita as limitações que se impõem e, ainda que não tenha todas as respostas, mantém-se confiante em Deus e em Sua providência. Lidar com a morte nem sempre é fácil, afinal, a ausência fí- sica é dolorosa. Pensar no futuro sem a pessoa amada parece, a princípio, inadmissível. Aceitar o"nunca mais aqui" é difícil e re- quer tempo. Sofrer pela morte daquele que queremos bem é hu- mano. Aliás, o próprio Jesus comove-se com a morte do amigo (cf. Jo 11,33). Diante do sofrimento da família de Lázaro pela sua mor- te, Jesus afirmou: "Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda 79© Morte e Vida Eterna que morra, viverá. Quem crê em mim jamais morrerá" (Jo 11,25s). É a fé em Jesus Cristo que fortalece e impulsiona cada pessoa em tempo de luto. A ressurreição de Jesus é a certeza e a afirmação de que a vida não acaba, mas transcende. Com a morte, a pessoa sai do tempo para entrar na eternidade, pois toda pessoa é um ser imortal vivendo no tempo. A dor do cristão que se confronta com a morte não é nem pode ser sinônimo de desespero, pois é em Deus que se deve re- pousar sua esperança, afinal, onde há esperança, não há desespe- ro. O Livro da Sabedoria (1,13s) afirma que "Deus não fez a morte nem experimenta alegria quando perecem os vivos. Criou todas as coisas para que tenham existência". Ainda que morte e sofrimento estejam associados, a litera- tura bíblica apresenta a intervenção e a presença de Deus nessas situações. Tais intervenções acontecem pela Sua palavra e, espe- cialmente, pela experiência de Jesus no processo de Sua paixão e morte. Nas últimas horas que antecederam a Sua morte, Jesus selou Sua presença e Sua permanência na comunidade e na vida de cada cristão por meio da Eucaristia, que é, ao mesmo tempo, anúncio e antecipação do evento pascal, coroado pela ressurrei- ção. Tanto é certo que Deus quer que todos cheguem ao termo de sua vida cheios de força, que se deu em alimento na Eucaristia. Esta é, por sua vez, comunhão com Cristo e sinal da vida eterna que inicia seu processo já na história cotidiana, colocando o cristão na dinâmica do encontro definitivo com Deus e com todos que já estão junto d'Ele: Quem comer do pão que desce do céu, não morrerá [...] quem co- mer deste pão viverá eternamente [...] quem come a minha carne e bebe do meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia (Jo 6,50-51.54). Com Jesus, não há morte. Há páscoa, passagem desta vida para a vida definitiva: "em verdade, em verdade, vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, possui a vida © Escatologia80 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO eterna [...] passou da morte para a vida" (Jo 5,24). Quando acontece a morte física, aqueles que fizeram a opção fundamental por Deus estarão com Ele para sempre, como é apresentado em uma das sete bem-aventuranças do Apocalipse: "Felizes os mortos, os que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham" (Ap 14,15). Nessa linha, está, também, o pensamento de Karl Rahner (1989), o qual apresenta o que chama de "aspecto velado da mor- te". Na morte, cessa essa dimensão do viver, que comporta a afir- mação veemente das opções feitas, pelo que morre. Tais opções fazem que a morte seja ou "em Adão", negando a Deus e tendo como consequência o afastamento Dele, ou "em Cristo", levando à salvação. Todavia, alcançar, desde aqui, esse conhecimento não é possível, pois, na morte, há um aspecto velado que só Deus pode revelar. 10. SENTIDO CRISTÃO DO SOFRIMENTO Diante das dificuldades cotidianas, pode a pessoa encontrar alento ou, então, deixá-las passar sem grandes conflitos. Entretan- to, a maneira de enfrentá-las muda quando o sofrimento não é corriqueiro, mas um grande sofrimento, especialmente em decor- rência da morte. A Bíblia narra vários casos de pessoas inquietas diante do sofrimento. Um livro todo foi escrito sobre essa inquietação: Jó é a personificação daquele que, sabendo-se justo, não compreende seu sofrimento. Ele até compreende o sofrimento da pessoa má, pois este seria um castigo, mas por que o justo sofre? Assim, anexa Jó mais um sofrimento aos que já possuía: o de buscar uma razão para o sofrimento. Depois de muitas tentativas, ele acaba perce- bendo que não há resposta, mas que, pelo sofrimento, se pode encontrar com Deus. "Conhecia-te só de ouvido, mas agora meus olhos te viram" (Jo 42,5). 81© Morte e Vida Eterna Além disso, em várias citações bíblicas, demonstra-se que o sofrimento humano não existe como punição e que sofrer não é vergonhoso e nem motivo para ser apontado como alguém que está sofrendo uma represália da parte de Deus. Jesus ensinou isso tomando como exemplo a morte de alguns conterrâneos dos dis- cípulos: "Acreditais que por terem sofrido tal sorte, esses galileus eram mais pecadores do que os outros galileus? Não, eu vos digo [...]" (Lc 13,1-3). Assim, Jesus dissuade seus interlocutores de uma ideia falsa sobre as tragédias que se abatem sobre as pessoas e a sua ligação com uma suposta punição pelos pecados. Ademais, continua Jesus a dissipar os equívocos que pensamentos precon- ceituosos produzem nos discípulos, os quais imaginam que aci- dentes são represálias divinas. Diz Jesus: "Ou os dezoito que a tor- re de Siloé matou em sua queda, julgais que a sua culpa tenha sido maior do que a de todos os habitantes de Jerusalém? Não, eu vos digo". Jesus é taxativo, é claro, é conciso. Essa associação da doença, da morte e do sofrimento ao pe- cado é algo tão arraigado que os discípulos tiveram dificuldades de assimilar. Em Jo (cf. 9,3), eles perguntam a Jesus se a deficiência física é fruto do pecado do seu portador, ou se o pecado de ge- rações passadas estava afetando o cego e fazendo-o sofrer. Mais uma vez, Jesus desmistifica o tema, afirmando que nem um nem outro pecaram. Com o sofrimento, especialmente quando este acontece na vida de uma pessoa de bem, é comum perguntarem o porquê des- sa realidade, o porquê de ser desse jeito, o porquê de ser com essa pessoa. O Papa João Paulo II, na Carta Apostólica intitulada O sentido cristão do sofrimento humano, diz que a pergunta que deve ser feita é "para quê?" e não "por quê?". Gostaríamos de obter uma resposta taxativa sobre o porquê do sofrimento, mas o que nos ensina Jesus sobre esse tema não foi, por Ele, feito um discurso. Jesus não responde ao sofrimento, mas assume-o; não explica o porquê, mas é solidário com quem © Escatologia82 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO sofre, aceitando-se sofredor. Em Isaías (52,13; 53,12), o Messias é identificado com o "homem das dores", tal era o seu sofrimento. Se somente as pessoas com um passado ruim sofressem, o que di- ríamos da vida de Jesus? Em sua vida, Jesus sintetizou o sofrimen- to humano. Se Jesus, sendo Deus, passou por tantos sofrimentos sem ter cometido falta alguma, o sofrimento na vida do cristão não deve ser visto como uma punição de Deus. Jesus encarou o sofrimento de maneira muito digna ao rezar assim: "Se for possível afasta de mim este cálice, mas faça-se a tua vontade e não a minha" (Mt 26, 42). Eloquente é o seu exemplo: apesar de sofrer, abandona-se na vontade do Pai. O Papa diz a nós o seguinte: "Na cruz de Cristo não só se realizou a Redenção atra- vés do sofrimento, mas também o próprio sofrimento humano foi redimido". O sofrimento pode ser um momento de salto de quali- dade na vida espiritual ou pode, ainda, ser um profundo fracasso no abismo do niilismo (na ausência de sentido). Tudo depende de como a pessoa vê sua história e de como se relaciona com Deus. O cristão, na dor e, especialmente, no confronto com a morte, deve lembrar-se de que o sofrimento não tem sentido em si mesmo; será ele quem terá de encontrar e dar sentido. 11. ENSINAMENTO DA IGREJA ACERCA DO CUIDADO COM MORIBUNDOS E MORTOS No Catecismo da Igreja Católica, são apresentados vários as- pectos práticos do agir cristão diante da morte, do morrer e do morto. Vamos, neste momento, estudá-los. Acompanhe. Cuidados com os moribundos: Deve-se dispensar atenção e cuidado aos moribundos para os aju- dar a viver os seus últimos momentos na dignidade e na paz. De- vem também ser ajudados pela oração dos familiares.Estes cuida- rão que os doentes recebam em tempo oportuno os sacramentos que preparam para o encontro com o Deus vivo (CaIC 2299). Respeito com os mortos: 83© Morte e Vida Eterna Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e carida- de, na fé e esperança da ressurreição. O enterro dos mortos é uma obra de misericórdia corporal (cf. Tb 1,16-18) que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo (CaIC 2300). Autópsia: "a autópsia de cadáveres pode ser moralmente admitida por motivos de investigação legal ou de pesquisa cientí- fica" (CaIC 2301). Doação dos órgãos: "a doação dos órgãos após a morte é legitima e pode ser meritória" (CaIC 2301). Cremação: A Igreja permite a incineração se esta não manifestar uma oposição contrária à fé na ressurreição dos mortos (CaIC 2301). A Igreja recomenda insistentemente que se conserve o costume de sepultar os corpos dos defuntos; mas não proíbe a cremação, a não ser que tenha sido escolhida por motivos contrários à doutrina cristã (CDC 1176 § 3). Suicídio: Não se deve desesperar da salvação das pessoas que se mataram. Deus pode, por caminhos que só ele conhece dar-lhes ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atenta- ram contra a própria vida (CaIC 2283). Missa pelos mortos: O Sacrifício Eucarístico é também oferecido pelos fiéis defuntos que morreram em Cristo e não estão ainda plenamente purifica- dos, para que possam entrar na luz e na paz de Cristo (CAIC 1371) (cf. MR, oração III, 116: oração pelos defuntos). Eucaristia, remédio de imortalidade: Desta grande esperança, a dos céus novos nos quais habitará a jus- tiça, não temos penhor mais seguro, sinal mais manifesto do que a Eucaristia. Com efeito, toda vez que é celebrado este mistério, opera-se a obra da nossa redenção e nós partimos um mesmo pão, que é remédio de imortalidade, antídoto não para a morte, mas para a vida eterna em Jesus Cristo (CAIC 1405). © Escatologia84 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 12. RESSURREIÇÃO A ressurreição não é um tema dentre os tantos no corpo doutrinal cristão. Todavia, é o eixo que move e que dá estrutura e fundamento para todas as demais realidades. Diz Libânio (1985, p. 193): O fulcro central da razão da nossa esperança é a ação vivificadora do Pai em relação a Jesus e aos mortos. A fé nesta ação de Deus sustentou a Igreja em seus começos difíceis. É essa esperança que alimenta a trajetória da Igreja ao longo dos séculos. Ressurreição de Jesus A centralidade do evento pascal faz com que a morte e a res- surreição de Jesus sejam pedagógicas e formadoras da noção escato- lógica que se aplica a todo homem. Diz o Documento de Aparecida: Jesus Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, com palavras e ações e com sua morte e ressurreição, inaugura no meio de nós o Reino de vida do Pai, que alcançará sua plenitude lá onde não haverá mais "nem morte, nem luto, nem pranto, nem dor, porque tudo o que é antigo terá desaparecido". (DA 143) A apresentação neotestamentária é pródiga na atestação da ressurreição, e o acento recai sobre a ressurreição de Jesus, para a qual são orientadas todas as reflexões e expectativas. Observe: • "Por que procurais entre os mortos aquele que vive?", pergunta-lhes o anjo (Lc 24,5). • "Não vos espanteis! Jesus Cristo, o Crucificado, Ressusci- tou!", diz o jovem (Mc 16,5). • "É verdade! O Senhor ressuscitou [...]", confirmam os dis- cípulos de Emaús (Lc 24,34). • "Alegrai-vos!", diz Jesus (Mt 28,9). Em um mundo em que o transitório é desejado, e os valores são subvertidos, Cristo garante a vida que vence a morte, pois a morte não tem poder sobre Jesus e, consequentemente, sobre a humanidade. 85© Morte e Vida Eterna A ressurreição, de forma estrita, só aconteceu com Jesus. Todos os demais que morreram e que voltaram à vida voltaram, também, a morrer. Jesus não. Uma vez morto, ressuscitou para sempre. Isso faz da ressurreição o núcleo central do Evangelho, do kerigma e do Cristianismo; sem ela, vazia seria a esperança cris- tã e, também, vazio seria o seu discurso, diz São Paulo em 1 Cor 15,13. Mas Ele ressuscitou. Essa certeza brilha e ilumina a vida de modo todo especial quando nos deparamos com o limite humano da morte. A morte não tem a última palavra; a vida vence, trans- forma-se e amplia-se. Cristo ressuscita e aparece para seus amigos, para seus dis- cípulos e para toda uma comunidade. Ressuscitar é, portanto, ter o corpo emancipado das leis naturais, mas, mesmo assim, ter um corpo físico, visível, tocável. Dadas as dificuldades de compreen- são, Jesus Ressuscitado dá provas de que Ele não é uma visão ape- nas e de que seu corpo não é uma projeção ou um ectoplasma. Ele apareceu para Pedro, para os Doze e para mais de quinhentas pessoas (cf. 1 Cor 15,6). Fez refeição (cf. At 1,4; Jo 21,12), comeu diante deles (Lc 24,42s) e, especialmente, ordenou a Tomé: "Põe teu dedo aqui e vê minhas mãos! Estende tua mão e põe-na no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê!" (Jo 20,27) – ainda que Tomé não tenha realizado o ato. Ressurreição da carne A profissão de fé na ressurreição da carne tem seu funda- mento na literatura bíblica veterotestamentária, que ganhará novos e decisivos aportes no Novo Testamento. Essa fé passa da atuação de Elias e Eliseu (cf. 1 Rs 17; 2 Rs4) ao simbolismo da reno- vação após a morte na profecia dos ossos secos (cf. Ez 37), encon- trando, na atuação de Jesus tanto nas ressurreições (cf. Jo 11,43s; Mc 5,41; Lc 7,11-17) como nos seus discursos (cf. Jo 6, 22-71), bem como nas Suas aparições depois de ressuscitado (cf. Mt 28; Mc 16; Lc 24, Jo 21; At 1), a matriz para a que a ressurreição na carne seja professada pelos cristãos. © Escatologia86 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO A fé na ressurreição da carne é professada pela Igreja e ates- tada no Catecismo da Igreja Católica dos números 988 a 1004. Res- surreição da "carne", ressurreição "dos mortos" ou, simplesmen- te, "ressurreição" são termos e expressões com os quais estamos familiarizados. Apesar disso, sua explicação faz-se necessária es- pecialmente pelo fato de ela, ao longo da história, ter passado por ressignificações e releituras. Carlos Susin (1995, p. 116) resenha esse itinerário e apre- senta questões abertas que clamam por respostas. Nesses termos: Se o dualismo exacerbado pela tradição platônica foi, no entanto, suavizado pelo pensamento aristotélico: a alma é essencialmente a forma do corpo. Santo Tomás retomou esta concepção que arti- cula bem a relação de alma e corpo: 'Anima essentialiter corporis forma'. Mas a tradição platônica sempre foi mais sedutora e até 'cômoda'. Tanto que a modernidade identificou a alma com pen- samento, consciência, mas o corpo continuou em segundo lugar como máquina proletária. Só em nosso século, já na aurora da pós-modernidade, houve tal reação e tal monismo, expresso em termos psicofísicos (ciências humanas) e do homem-no-mundo (fi- losofia), que ao desaparecer as relações do homem com o mundo, dissolve-se o homem como tal. A metafísica platônica e a ontologia aristotélica foram substituídas por uma fenomenologia do ser-no- -mundo. Esta é uma questão nova, pós-moderna, fortemente desa- fiadora, que magistério e teologia precisam levar em conta sem se refugiar em respostas estereotipadas. O Concílio Vaticano II também declarou a unicidade da pes- soa (corpo e alma), seguindo essa mesma abordagem. Observe: Corpo e alma, mas realmente uno, o homem, por sua condição cor- poral, sintetiza em si os elementos do mundo material, que nele assim atinge sua plenitude e apresenta livremente ao Criador uma voz de louvor. Não, é portanto lícito ao homem desprezar a vida corporal, mas ao contrário, deve estimar e honrar o seu corpo, por- que criado por Deus e destinado à ressurreição no último dia (GS 14a). A ressurreição é, portanto, a transformação significativa da condição de vida, alcançadapor meio da morte, sem negar nem excluir as dimensões anteriores, mas plenificando-as. Assim, po- de-se entender o processo de plenificação da vida perfazendo três estágios, os quais estão inter-relacionados e encadeados: 87© Morte e Vida Eterna a) A vida intrauterina. É a vida em sentido estrito, com to- das as prerrogativas e direitos do ser humano, porém, diferente em aspectos significativos. A forma de se rela- cionar é somente a via materna. Os aspectos sensoriais e os sentidos são, em geral, reduzidos, fazendo que a alimentação seja a nutrição e não o ato de experimentar diferentes sabores, cheiros e texturas. A vida comunitá- ria praticamente inexiste. Apesar disso, a vida é plena. Plena para aquela condição. Se fosse possível oferecer ao bebê a opção de ele passar por uma transformação em que todos os aspectos de seu viver seriam alterados para que passasse a viver mais plenamente, ele, possi- velmente, resistiria. Contudo, ao bebê, não é conferido optar. A gestação tem prazo e ao seu término chamamos nascimento. b) A vida depois do nascimento. É o que, normalmente, convencionamos chamar de vida. Após o final da vida in- trauterina, o corpo passa por adaptações severas de co- nexão com as pessoas (que não mais acontece por meio do cordão umbilical) e de influxo de sons, cores, luzes e movimentos. Em todos os âmbitos, o viver é enriqueci- do. Mas esse segundo estágio da vida também tem um limite, ao qual chamamos de morte. c) A vida após a morte. A vida atinge seu fim, sua finali- dade, ou seja, a plenitude. Como acontece com a saída do útero materno, de uma vida mais estreita, passa-se para uma vida muito mais ampla, sem negar a condição de vida anterior, enriquecendo e potencializando cada aspecto que já fazia parte integrante de seu existir, isto é, afetos, conhecimentos, identidade numérica (corpo- reidade, gênero). Essa é a esperança (porque estamos reservados para a vida no Além) e a certeza (porque a fé nos assegura) que a expectativa cristã apresenta e nutre a respeito da ressurreição, como afirma a GS 22d: Por esse Espírito, 'penhor da herança' (Ef 1,14), o homem todo se renova interiormente, até a redenção do corpo (Rm 8,32). 'Se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dos mortos habita em vós, aquele que ressuscitou Jesus dos mortos, vivificará também os vos- © Escatologia88 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO sos corpos mortais, por virtude do seu Espírito que habita em vós' (Rm 8,11). É certo que a necessidade e o dever obrigam o cristão a lutar contra o mal através de muitas tribulações e a padecer a morte. Mas, associado ao mistério pascal, configurado à morte de Cristo e fortificado pela esperança chegará à ressurreição. Comunhão dos Santos As relações humanas e, portanto, interpessoais não se desfa- zem com a morte, uma vez que a ressurreição restabelece, se não as características, as sinergias que configuram a individualidade e a alteridade do ser humano. Os relacionamentos interpessoais e os afetos não serão des- considerados na vida futura nem haverá ruptura com a condição essencial emocional, psicológica e espiritual da pessoa na eterni- dade. Ao contrário, tudo aquilo que há de mais genuíno do ser será reafirmado, daí a necessidade de empenho nesta vida para fazer opções que remetam à vida, Deus. A reflexão que decorre desse postulado é de que há uma co- nexão entre as pessoas desde aqui que não é dissolvida pela morte, ainda que, fisicamente, não possa ser verificada. Essa é a base para entender a comunhão que nem o tempo nem o espaço desfaz. Afirma a GS 18 b: Deus chamou e chama o homem para que ele, com a sua nature- za inteira, de sua adesão a Deus na comunhão perpétua da incor- ruptível vida divina. Cristo conseguiu esta vitória, por sua morte, libertando o homem da morte e ressuscitando para a vida. Para qualquer homem que reflete, apresentada com argumentos sóli- dos, a fé dá-lhe uma resposta à sua angústia sobre a sorte futura. Ao mesmo tempo oferece a possibilidade de comunicar-se em Cris- to com os irmãos queridos já arrebatados pela morte, trazendo a esperança de que eles tenham alcançado a verdadeira vida junto de Deus. A comunhão entre os santos do Céu com o povo da Terra é de fácil aceitação entre as pessoas. Já a reflexão sobre essa rea- lidade utilizando-se de categorias teológicas e doutrinais é mais complexa. 89© Morte e Vida Eterna Apesar dos limites da linguagem para adaptar o conteúdo da revelação ao cotidiano dos cristãos, é notória a aceitação e a crença na comunhão dos santos, a qual implica o reencontro e o reconhecimento das pessoas no Além. Na literatura bíblica, também está presente esta convicção do reen- contro das pessoas na vida eterna, quando então, todos os limites humanos serão superados. Assim é atestado em 2 Mc 7,29b: 'Acei- ta a morte, a fim de que eu torne a recuperar-te com eles na mise- ricórdia' esta é a frase que a mãe dirige ao filho prestes a ser morto. Luís Alonso Schökel escreve (na nota de rodapé da Bíblia do Pere- grino, reportando-se a esta narrativa literária, da morte da mãe e de seus sete filhos): 'Para cada um deles, o sofrimento e a morte levam à ressurreição; para todo o povo esses sentimentos marcam o cume e o fim da cólera. Como haverá um tempo de misericór- dia em que voltarão à vida, assim chega um momento histórico em que Deus se compadece e se torna propício. Na unidade familiar se reflete a unidade do povo fiel. Como cada um 'recuperará' seus membros amputados, a mãe recuperará seus filhos'. É também o parecer de outros comentadores deste trecho, original e singular, da Sagrada Escritura: 'Recuperar-te com os teus irmãos é uma nova formulação do pensamento da ressurreição, que assume aqui o ca- ráter de uma espontânea manifestação de afeto da parte de uma mãe que desejava ter todos os seus filhos consigo, seja nesta vida, seja na outra', diz Adalberto Sisti (FÄRBER, 2009, p. 94-95). O mundo e a história são construídos pelo homem, que, ao mesmo tempo, sofre o impacto desses agentes, os quais lhe impõem nova ordem e nova formação. Sendo essa a dialética do existir humano, as conexões e as relações estabelecidas nesta vida não se desfazem com a morte ou, então, o próprio homem seria desfeito. Veja o que diz Libânio (1985, p. 194): Essa relação não se dissolve com a morte, fazendo do homem um ser absolutamente a-histórico e acósmico. Pois nunca o foi e nunca o será. Pela morte o homem estabelece uma relação pancósmica, na expressão de K. Rahner. E, pela mesma razão, relaciona-se glo- balmente com o tempo. Para finalizar nossos estudos, é interessante mencionar al- guns dados sobre Santo Agostinho a respeito da crença nesse re- encontro. Acompanhe: © Escatologia90 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO SANTO AGOSTINHO –––––––––––––––––––––––––––––––––– Já na época Patrística, Santo Agostinho apresentava a crença nesse reencontro quando, utilizando-se do recurso literário da poesia, assim se pronunciou: Não chores se me amas. Se conhecesses o dom de Deus e o que é o céu. Se pudesses ouvir o canto dos anjos e ver-me no meio deles. Se pudesses ver abrir-se diante dos teus olhos os horizontes, os campos e os novos caminhos que percorro... Se por um instante pudesses contemplar como eu a beleza diante da qual as belezas empalidecem... Como! ... Tu me viste, tu me amaste no país das sombras e não te resignas a ver-me e a amar-me no país das realidades imutáveis? Crê-me. Quando a morte romper tuas ataduras como rompeu as que me pren- diam, quando chegar o dia que Deus fixou e conhece, e tua alma chegar a este céu no qual te precedeu a minha... Nesse dia voltarás a ver-me. Sentirás que continuo amando-te, que te amei, e encontrarás o meu coração com todas as suas ternuras purificadas. Voltarás a ver-me transfigurado, em êxtase feliz. Já não esperando a morte, mas caminhando comigo, que te levarei pela mão aos caminhos novos de luz e de vida. Enxuga teu pranto enão chores se me amas (AGOSTINHO, 2012). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 13. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira, a seguir, as questões propostas para verificar seu de- sempenho no estudo desta unidade. 1) Porque os milagres de Jesus sempre tem significado escatológico? 2) Antecipando-se ao conceito de vida eterna, o AT privilegia a longevidade. Como justificá-la em sentido escatológico? 3) Comente a seguinte afirmação: A morte não é o fim da vida. Mas, tem a fina- lidade de nos transportar para a vida eterna. Ela, apesar da separação, não pode ser vista em desespero, antes: ela nos abre para a plenitude da vida. 4) Porque se pode dar um sentido cristão ao sofrimento. 5) É justificável cristamente a cremação? 91© Morte e Vida Eterna 6) A Igreja católica está atenta aos moribundos e aos mortos humanos. Faria sentido dar a mesma atenção aos animais nestas circunstâncias? 7) O que significa a ressurreição? 8) O que a Igreja católica compreende quando usa as expressões "ressurreição dos mortos", "ressurreição da carne" ou simplesmente "ressurreição"? 9) E possível estabelecer uma comparação e/ou uma distinção entre a ressur- reição de Jesus e a do ser humano em geral? 10) Qual o significado do que professamos ao dizer: "creio na comunhão dos santos"? 11) Na oração sacerdotal – a partir do capítulo 15 do Evangelho de São João – Je- sus fala muitas vezes de "vida eterna". Como se compreende essa expressão evangélica? 14. CONSIDERAÇÕES Nesta unidade, estudamos a morte, a vida eterna e a ressur- reição. Na próxima unidade, ampliaremos nossos conhecimentos sobre o Céu, o Inferno e o Purgatório. Até lá! 15. E-REFERÊNCIA AGOSTINHO. Não chores se me amas. Disponível em: < http://www.parima.com.br/ imp_noticia.php?cod=2215 >. Acesso em: 1 dez. 2009. CELAM. Documento de Aparecida. Aparecida, 30/5/2007. Disponível em: <http://www. tvaparecida.com.br/santuario/media/arq/DOCUMENTO%20DE%20APARECIDA.pdf > Acesso em: 26 jun 2012. 16. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BETTENCOURT, Estevão. Curso de Escatologia. Escola Mater Ecclesiae. Rio de Janeiro: Última Cor, [s/d]. BLANK, R. Escatologia do mundo: o projeto cósmico de Deus. São Paulo: Paulus, 2002. ______. Escatologia da pessoa. São Paulo: Paulus, 2003. © Escatologia92 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO ______. Nosso mundo tem futuro. São Paulo: Paulinas, 1993. ______. Nossa vida tem futuro. São Paulo: Paulinas, 1991. BOFF, L. Vida para além da morte. Petrópolis: Vozes, 1993. FÄRBER, S. S. Morte na teologia e na literatura. Porto Alegre: Pallotti, 2009. LIBÂNIO, J. B.; BINGEMER. M. C. Escatologia cristã. O novo Céu e a nova Terra. Petrópolis: Vozes, 1985. QUEIRUGA, A. T. Repensar a ressurreição: a diferença cristã na continuidade das religiões e da cultura. São Paulo: Paulinas, 2004. RAHNER, K. Curso fundamental da fé. São Paulo: Paulinas, 1989. SUSIN, L. C. Assim na Terra como no Céu. Petrópolis: Vozes, 1995. SCHNEIDER, T. [Org.] Manual de Dogmática. Petrópolis: Vozes, 2000. v. 2. WEISER, A. O que é milagre na Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1978.
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