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1 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM � Apreender as noções de língua e linguagem; � Reconhecer a Linguística como o estudo científico da linguagem. Língua, linguagem e linguística INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARAÍBA UNIDADE 01 AULA 02 2 INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - Língua, linguagem e linguística 2 COMEÇANDO A HISTÓRIA Podemos dizer que a linguagem verbal está presente em quase todas as nossas ações cotidianas. Desde muito cedo a utilizamos com bastante desenvoltura, basta observarmos as crianças ao nosso redor para verificar isso. Sem dúvida, uma das nossas mais corriqueiras atividades é falar. Fazemos isso de uma forma quase automática. Entretanto, dificilmente refletimos sobre sua natureza ou seu funcionamento. Você já parou para pensar sobre o que é a linguagem humana ou como a adquirimos? Nesta aula, iremos nos debruçar um pouco sobre esse fenômeno tão complexo, mais especificamente como alguns linguistas o conceberam e como se definiu o objeto de estudo da Linguística. Antes disso, e recorrendo aos seus conhecimentos prévios e de mundo, reflita sobre as seguintes questões: � Há alguma diferença entre língua e linguagem? � Podemos utilizar essas palavras para nos referirmos ao mesmo fenô- meno? Embora muito tenha sido dito a respeito da linguagem humana, ela continua até hoje a intrigar muitos estudiosos e certamente intrigará você também... Antes de continuar nossa conversa, leia a lenda abaixo. Recolhido a seus aposentos numa certa noite do final do século VII a.C., Psamético, um dos últimos faraós do Egito, que reinou de 664 a 610 a.C., refletia sobre as línguas que os homens falavam. Sua riqueza e diversidade, as semelhanças e as diferenças entre as palavras, as pronúncias, as inflexões de voz, tudo o fascinava – principalmente a idéia de que essa multiplicidade tinha uma origem comum, uma língua-mãe falada por toda a humanidade num tempo muito remoto, como afirmavam as lendas da época. 3 O faraó imaginou então uma experiência engenhosa e cruel. Convencido de que, se ninguém ensinasse os bebês a falar, eles se expressariam naquele idioma original, determinou que dois irmãos gêmeos fossem tirados da mãe logo ao nascer e entregues a um pastor para que os criasse. O pastor recebeu ordens severas, sob pena de morte, de jamais pronunciar qualquer palavra na presença das crianças. Quando completaram 2 anos, o faraó mandou que se deixasse de alimentá-las, na suposição de que a pressão da fome faria com que pedissem comida em sua “língua natural”. Não se sabe bem o que aconteceu, mas tudo indica que o pastor, movido pela compaixão, não fez exatamente o que lhe havia sido ordenado, pois o inverossímil relato enviado ao faraó informava que um dos meninos, faminto, havia pedido pão em cíntio, idioma falado antigamente na região que viria a ser a Ucrânia, na União Soviética. Assim, satisfeito com o desfecho da impiedosa pesquisa, Psamético decretou que o cíntio era a língua original da humanidade. Por incrível que pareça, a experiência seria repetida dezenove séculos mais tarde. O idealizador foi o rei germânico Frederico II (1194-1250), que pelo visto não se convenceu das conclusões do faraó. Certamente vigiado mais de perto, o experimento resultou no inevitável: os dois gêmeos morreram. Super Interessante Junho/1990 A lenda apresentada remonta a um interesse da Antiguidade em se chegar à “língua-mãe”, como vimos na aula passada. Mas, além disso, é possível imaginarmos que as crianças colocadas numa situação como a descrita desenvolveriam a linguagem falada? Anote suas reflexões. Vamos refletir um pouco... A língua que utilizamos para nos comunicar surgiu naturalmente, tal como parecia acreditar o faraó da nossa lenda, ou é produto de convenções entre os homens? Anote suas reflexões. UNIDADE 01 AULA 02 4 INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - Língua, linguagem e linguística 3 TECENDO CONHECIMENTO Na aula passada, vimos que o século XIX caracterizou-se pela abordagem diacrônica dos estudos linguísticos. Aqueles estudos pretendiam investigar as línguas para se chegar à “língua-mãe” ou protolíngua para descobrir as relações de parentesco entre elas ou as leis que regiam as mudanças ocorridas nelas. O linguista brasileiro Joaquim Mattoso Câmara Jr., em seu livro História da Linguística (1975), observa que foi a partir dos neogramáticos que se empreenderam efetivamente esforços no sentido de situar a linguística no campo da ciência. Mas tal empreendimento atingiu seu auge com as reflexões apresentadas pelo linguista Ferdinand de Saussure. 3.1 A Visão Saussuriana da Língua No início do século XX, Ferdinand Saussure, linguista europeu, ao se propor definir o objeto de estudo da Linguística, já reconhecia a dificuldade de sua delimitação. Para ele, em seu livro Curso de linguística geral (1916), enquanto em outras ciências o objeto é dado a priori, na Linguística “diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto” (p. 15). Conforme Saussure, a princípio, a língua não se confunde com a linguagem, mas é uma parte essencial dela. Para o autor, a linguagem é uma capacidade que o homem tem de se comunicar com seus semelhantes por meio de signos verbais. Logo, observa que ela tem um lado individual e um lado social, e, além disso, que é estável, mas ao mesmo tempo está sujeita à evolução. O dilema que se apresenta para a Linguística, então, é ou se deter em um dos aspectos e relegar as dualidades próprias do fenômeno linguístico ou abarcá-lo em todos os seus aspectos. Como solução para esse dilema, Saussure assevera que “é necessário colocar-se primeiramente no terreno da língua e tomá-la como norma de todas as outras manifestações da linguagem” (p. 17). Para o autor, a língua se compara a um dicionário, acrescido de uma gramática, cujos exemplares são distribuídos por todos os membros de uma sociedade, como um bem coletivo, de caráter social. Sendo assim, é um “todo por si”, homogêneo. Essa sua especificidade, conforme o autor, possibilita tomá- la como objeto de estudo, pois é suscetível de classificação, diferentemente da linguagem (esta abrange a língua e a fala), que, sendo um fenômeno “heteróclito”, ou seja, que envolve aspectos de diferentes ordens – físicos, fisiológicos e psíquicos –, é uma realidade individual e social ao mesmo tempo. 5 Por isso, presta-se também à análise de outras ciências, tais como a psicologia, a antropologia, a biologia, ou seja, para além de uma abordagem estritamente linguística. Logo, não seria possível depreender sua unidade. Tomando a língua como uma parte essencial da linguagem, ele a define como “um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (p. 17), opondo-a à fala que, por seu caráter individual e variável, torna-se inviável para um estudo sistemático. A manifestação da fala é individual e momentânea, diferente da língua, que é comum a todos e independe da vontade dos falantes. Sendo a língua, por sua vez, a parte social da linguagem, o indivíduo não poderia modificá-la nem criá-la, mas seguir as leis estabelecidas pelo “contrato social” estabelecido pelos membros da comunidade, que garante a permanência de uma língua. Nas palavras de Saussure, Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro, ou, mais exatamente, nos cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo (p. 21). UNIDADE 01 AULA 02 6 INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - Língua, linguagem e linguística Seria a língua esse “tesouro” depositado na mente dos falantes? A ideia de tesouro associa-se à de “cristalização” da língua. Como Saussure defende que a linguagem tem um lado social (a língua) e um lado individual (a fala),essa ideia cristalizada da língua relega ao falante uma atitude totalmente passiva, em que ele atua como um depósito no qual é colocado o sistema linguístico acordado pela sociedade. Como forma de delimitar ou constituir o objeto de estudo da Linguística, Saussure separa o que é homogêneo do que é heterogêneo ou o que é sistematizável do que não é sistematizável. Além disso, para separar o sistema linguístico de outros sistemas também simbólicos, Saussure concebe a Semiologia para se referir a uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida social, ou seja, que trate dos sistemas semiológicos de um modo geral. A Linguística é uma parte dessa ciência mais geral e deverá se voltar para um sistema específico, o da língua, que, enquanto um sistema de signos que “exprimem idéias”, assemelha-se a outros sistemas. Portanto, para o autor, a função da Linguística será a de “definir o que faz da língua um sistema especial no conjunto dos fatos semiológicos” (p. 24). Os efeitos dos princípios saussurianos para a Linguística desencadearam um movimento de estudos chamado estruturalismo, no qual seus adeptos se empenharam em descrever a estrutura da língua a partir de suas relações internas. Ou seja, a língua deve ser estudada em si mesma e por si mesma, abandonando-se qualquer preocupação extralinguística, seja ela social, cultural, histórica ou geográfica ou de qualquer outra ordem que não seja estritamente linguística. Trata-se, portanto, do princípio da “imanência da língua”, já referido na aula anterior. Ferdinand Saussure, linguista suíço, aos 18 anos, já era um neogramático. Doutorou- se em 1878 com a tese “O emprego do genitivo absoluto no sânscrito”. Foi professor de Linguística Geral na Universidade de Genebra, de 1906 a 1911. Sua mais famosa obra Curso de Linguística de Geral não foi escrita por ele, mas corresponde à compilação das anotações de suas aulas por dois amigos. Publicada em 1916, após sua morte, apresenta a síntese de suas ideias1, tais como a distinção entre língua (langue) e fala (parole), a definição do objeto de estudo da linguística, a definição de signo linguístico e a determinação de sua arbitrariedade, a distinção entre sincronia e diacronia, relações sintagmáticas e associativas (paradigmáticas). Enfim, dicotomias que se tornaram fundamentais para o desenvolvimento da Linguística Moderna. 1 Essas ideias serão retomadas na unidade correspondente às contribuições de Saussure para a Linguística Moderna. 7 EXERCITANDO Aponte os princípios epistemológicos instaurados por Saussure para constituir o objeto de estudo da Linguística. Pelo que vimos, Saussure se refere a uma faculdade da linguagem, mas não se detém nela e diz que a língua é algo que recebemos como um produto pronto e acabado. Diante disso, e antes de prosseguirmos, reflita sobre as seguintes questões: � O homem, desde sua origem, possuía essa “faculdade” ou ela é fruto de seu processo evolutivo? � A primeira forma de linguagem humana foi a fala? Alguns estudiosos defendem que foi a organização da vida em sociedade, quando havia uma maior proximidade ou um contato mais íntimo entre os homens, que os levou a sentir a necessidade de se comunicar e para isso começaram a utilizar sinais ou gestos para se expressarem, adotando um mesmo significado para uma determinada forma. Esses gestos foram sendo substituídos por formas mais elaboradas da linguagem. Voltando a nossa lenda, as crianças desenvolveriam a linguagem falada sem receber estímulos externos do contato com seus semelhantes? Vejamos o que nos diz a abordagem de Noam Chomsky sobre o fenômeno da linguagem. 3.2 A visão Chomskiana da linguagem Na primeira metade do século XX, a abordagem behaviorista2 impregnava não apenas a linguística, mas também outras ciências. Um dos principais linguistas estruturalistas norte-americano que seguiu essa tendência foi Leonard Bloomfield. Ele defendia que a linguagem humana era condicionada 2 Na concepção behaviorista ou ambientalista, o conhecimento humano é derivado da experiência, das condições presentes no meio em que a criança se encontra. Logo, a fonte do conhecimento não está na mente, mas na capacidade de formar associações entre estímulos e respostas. UNIDADE 01 AULA 02 8 INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - Língua, linguagem e linguística socialmente, como uma resposta do organismo humano aos estímulos do ambiente externo. Nessa perspectiva, a criança é uma “tábula rasa” antes de adquirir os conhecimentos linguísticos. Estes só são adquiridos por meio do estímulo-resposta e do reforço, como num processo de repetição e memorização. Mas como explicar as construções linguísticas da criança, as quais nunca foram ensinadas? Como a criança domina tão cedo estruturas sintáticas e semânticas complexas sem qualquer instrução específica da gramática de sua língua? Everything I know, I learned from someone. No final da década de 1950, o linguista americano Noam Chomsky3 , opondo- se radicalmente à postura behaviorista e estruturalista, revoluciona os estudos linguísticos ao introduzir a relação entre pensamento e linguagem. Para ele, qualquer ser humano nascido em condições normais possui um aparato mental geneticamente programado para a linguagem, ou seja, possui uma capacidade inata subjacente à aquisição e desenvolvimento da linguagem. Nessa perspectiva, pelo simples fato de a criança viver num ambiente em que se fala uma determinada língua, começa a produzir os sons dessa língua, desenvolvendo-a gradativamente. Chomsky considera, pela análise de diferentes línguas, que elas têm pontos em comum ou princípios universais que se atualizam no contato com o meio. A partir desses princípios é possível criar parâmetros que explicam a organização das línguas e, consequentemente, uma gramática universal. Essa gramática permite ao falante reconhecer uma sentença como gramatical ou não, em outras palavras, como bem formada ou não em sua língua. Para exemplificarmos o 3 As ideias desenvolvidas por Chomsky deram origem a uma corrente de estudos dentro da Linguística conhecida por gerativismo. 9 funcionamento dessa gramática, sentenças como “gosto mamão de doce comer de” são violações dos parâmetros envolvidos na construção de sentenças da língua portuguesa, que nem mesmo as crianças cometem. É o conhecimento das possibilidades de organização dos itens lexicais na sentença com base nas categorias gramaticais, por exemplo, que não nos permite cometer violações desse tipo. As ideias de Chomsky, além de se oporem ao behaviorismo e ao estruturalismo norte-americano e europeu, deram um novo rumo à concepção racionalista dos estudos da linguagem. Para ele, a capacidade humana de falar e entender uma língua, a competência linguística, é um dispositivo inato, genético, determinado pelo organismo e não pelo ambiente externo, logo, universal, ideal. A essa competência linguística corresponde a faculdade da linguagem. É ela que nos torna capazes de dominar naturalmente um sistema linguístico tão complexo quanto o de uma língua natural e que certamente nos separa de outros animais. Chomsky distinguiu a competência do desempenho. Este diz respeito à realização individual, particular de uma língua, exteriorizada, não sendo de interesse dos estudos científicos da língua, assim como a fala para Saussure. Portanto, o objeto de estudo da linguística só poderia ser a competência, assim como o era a língua para Saussure. Em seu livro Syntactic Structures (1957 apud PETTER, 2007, p. 14), Chomsky afirma: “Doravante considerarei uma linguagem como um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em comprimento e construída a partir de um conjunto finito de elementos”. Essa definição valeria para todas as línguas naturais, faladas ou escritas, pois, de acordo com o autor, todas são linguagens. Ele considera que: a) toda língua natural possui um número finito de sons (e um número finito de sinais gráficos que osrepresentam, se for escrita); b) mesmo que as sentenças distintas da língua sejam em número infinito, cada sentença só pode ser representada como uma sequência finita desses sons (ou letras). Diante das considerações apresentadas até o momento, podemos dizer que há um consenso geral na linguística em atribuir ao termo linguagem a capacidade que todos nós, seres humanos, temos para utilizar sinais com vistas à comunicação como resultado de um processo evolutivo. A língua, por sua vez, seria a realização concreta, material, dessa capacidade, um conjunto organizado UNIDADE 01 AULA 02 10 INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - Língua, linguagem e linguística de signos, conforme as regras específicas de cada uma das línguas naturais e que possibilita a comunicação entre os membros de uma comunidade linguística. EXERCITANDO Para uma melhor fixação do conteúdo, elabore um quadro contrastivo entre as duas abordagens estudadas. 3.3 O Papel da Linguística Como acontece em qualquer outra ciência, a Linguística tem diferentes orientações teóricas e metodológicas e que se refletem nas diferentes abordagens do fenômeno linguístico4 . Entretanto, independentemente de sua orientação teórica, cabe ao linguista sistematizar suas observações, criando métodos rigorosos para a descrição das línguas. Lyons (1987) observa que, embora seja possível diferenciar os termos língua e linguagem, é inegável a interdependência entre ambos (no inglês, por exemplo, um mesmo termo, language, serve aos dois conceitos), ou, nas palavras do autor, “não se pode possuir (ou usar) a linguagem natural sem possuir (ou usar) alguma língua natural específica” (p. 16). Se podemos nos referir a “línguas” diante de manifestações tão diversas quanto o português, o mandarim, o árabe, o alemão, tão distantes geograficamente, também podemos pensar que, de fato, existe alguma capacidade mais geral ou específica dos seres humanos que possibilita o desenvolvimento de uma língua. Cunha, Costa e Martelotta (2009) apresentam quatro características dessa capacidade mais geral da linguagem humana, a saber: a) uma técnica articulatória complexa: a espécie humana tem a capacidade de produzir e perceber diferentes sons por meio de movimentos articulatórios. Cada um desses sons possui uma função dentro do sistema linguístico, o que os distingue uns dos outros. Um exemplo de como isso ocorre diz respeito à realização dos fonemas /p/ e /b/, por exemplo, em que a substituição de um pelo outro, numa sequência linguística sonora, produz diferenças de significado das palavras, como em “pato” e “bato”; b) uma base neurológica composta de centros nervosos que são utilizados 4 As demais orientações teóricas e metodológicas da Linguística Moderna serão vistas ao longo do curso. 11 na comunicação verbal: a linguagem se relaciona com uma estrutura neurobiológica. Essa estrutura, localizada no cérebro, é responsável pela produção da linguagem; c) uma base cognitiva, que rege as relações entre o homem e o mundo biossocial e a simbolização ou representação desse mundo em termos linguísticos: associa-se à estrutura neurobiológica e compreende o próprio funcionamento mental, que diz respeito aos processos que envolvem a forma como compreendemos o mundo, armazenamos e transmitimos informações nas situações reais de comunicação, tudo isso obedecendo a uma organização mental sem a qual a capacidade da linguagem não existiria; d) uma base sociocultural que atribui à linguagem humana os aspectos variáveis que ela apresenta no tempo e no espaço: a linguagem se vincula diretamente à vida em sociedade; por meio dela interagimos com nossos semelhantes, revelando comportamentos típicos de cada grupo social e de cada época e, além disso, adequamos seu uso às diferentes situações de comunicação. De acordo com os autores (2009), Quando falamos, então, que os linguistas estudam a lin- guagem, queremos dizer que, embora observem a estrutu- ra das línguas naturais, eles não estão interessados apenas na estrutura particular dessas línguas, mas nos processos que estão na base da sua utilização como instrumentos de comunicação. Em outras palavras, o linguista não é neces- sariamente um poliglota ou um conhecedor do funciona- mento específico de várias línguas, mas um estudioso dos processos através dos quais essas várias línguas refletem, em sua estrutura, aspectos universais essencialmente hu- manos. (p. 16) A Linguística é, portanto, o estudo científico da linguagem, cuja preocupa- ção central está em descrever sua estrutura e funcionamento. Para isso, ela deve se valer da observação empírica dos enunciados falados e escritos, dos padrões sonoros, gramaticais, lexicais e sintáticos e, sendo assim, não deve ser confundi- da com o estudo tradicional da gramática. Não interessa ao linguista avaliar os usos linguísticos como melhores ou piores, como certos ou errados, mas descre- vê-los e explicá-los à luz de princípos teóricos e metodológicos bem definidos. UNIDADE 01 AULA 02 12 INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - Língua, linguagem e linguística Nesse sentido, diferentemente da análise da gramática tradicional que prioriza a língua escrita, especialmente da literatura, como modelo padrão para qualquer uso falado ou escrito, a Linguística investiga quaisquer usos linguísticos, independentemente do grupo social ou região que os utilize, pois admite-se que a língua não é um bloco homogêneo, invariável, mas, muito pelo contrário, por ser uma realidade intrinsecamente heterogênea, apresenta variações de pronúncia, de vocabulário, de sintaxe, e cada uma dessas realizações tem sua própria complexidade estrutural e funcional. Ora, se a Linguística pretende construir uma teoria geral sobre a linguagem humana, não cabe ao linguista atribuir qualquer julgamento de valor às formas analisadas, logo, não é sua atribuição prescrever usos, mas descrevê-los e/ou explicá-los. Além disso, não referenda a supremacia da escrita sobre a fala, esta que durante muito tempo ficou excluída dos estudos linguísticos. Inclusive, a língua falada passa a ter prioridade, já que se entende ser ela a manifestação mais natural da linguagem. O que importa é a depreensão dos princípios que regem a capacidade humana de se comunicar por meio de línguas naturais. EXERCITANDO No filme Nell (1994), estrelado por Jodie Foster, conta-se a história de uma jovem que, após a morte de sua mãe, passa a viver sozinha na floresta onde morava com ela. Isolada da civilização, Nell desperta a curiosidade das pessoas, em especial do médico da cidade. Este resolve estudar o seu comportamento, e um aspecto, em especial, chama a sua atenção – a linguagem utilizada por ela para se comunicar. Após assistir ao filme, reflita sobre as seguintes questões: 1) O que explicaria a linguagem utilizada por Nell? 2) Podemos dizer que Nell, apesar de suas limitações conceituais ou Figura 1: ilustração de Alberto Ruggieri Figura 2: ilustração de Alberto Ruggieri 13 representativas do mundo real, consegue reintegrar-se à comunidade. Como isso foi possível? 4 APROFUNDANDO SEU CONHECIMENTO Neste livro, indicamos a leitura do primeiro capítulo “Linguística”. Nele, os autores tratam de alguns conceitos de linguagem e de língua, da constituição do campo de estudo da linguística, das aplicações de suas teorias e de sua relação com outras ciências. No primeiro capítulo deste livro, “Linguagem, língua, linguística”, a autora Margarida Petter traça um panorama dos avanços na compreensão do objeto de estudo – linguagem, língua – e como ele foi sendo delineado até chegar a sua configuração atual no campo da Linguística. Figura 3 Figura 4 UNIDADE 01 AULA 02 14 INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - Língua, linguagem e linguística 5 TROCANDO EM MIÚDOS Nesta aula, vimos que Saussure teve uma importância fundamental para a constituição do objeto da Linguística Moderna. Ao fazer a distinção entre língua e fala, defende que a língua deveser estudada como um objeto em si mesmo, enquanto um conjunto de regras que organiza os sons, as formas e as relações sintáticas necessárias para a produção de significados. Ela é concebida como um produto criado coletivamente e não se confunde com a linguagem, pois é apenas uma parte essencial dela, podendo ser considerada, em sua totalidade, homogênea e autônoma. Chomsky, por sua vez, propõe que a linguagem tem uma base natural, inata, geneticamente transmitida pela espécie, logo a faculdade da linguagem é uma propriedade específica da espécie humana e não um construto social ou cultural. É essa faculdade que torna o indivíduo capaz de produzir e compreender as sentenças de uma determinada língua. Seria um tipo de gramática internalizada organizada por princípios e parâmetros responsável pela competência linguística dos falantes. Em linhas gerais, vimos que a linguagem compreende uma capacidade geral, ou faculdade da linguagem, que a espécie humana possui como resultado de seu processo evolutivo, organizada de tal forma que permite aos falantes a sua competência linguística. A língua, por sua vez, é a realização concreta, material dessa capacidade, constituindo as diferentes línguas naturais, de forma que um falante de uma determinada língua é capaz de reconhecê-la e diferenciá-la de outras línguas. Por fim, vimos que a Linguística, ao definir seu objeto de estudo, empreende seus esforços na observação, descrição e explicação das realizações linguísticas efetivamente produzidas por seus falantes. 6 AUTOAVALIANDO 1) Com base no que você compreendeu, elabore uma definição para os termos língua e linguagem. 2) Por que a Linguística se caracteriza como a ciência da linguagem? INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA - Língua, linguagem e linguística REFERÊNCIAS CUNHA, A. F. da.; COSTA, M. C.; MARTELOTTA, M. E. Linguística. In.: MARTELOTTA, M. E. (org.) Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2009. LYONS, J. Linguagem e Linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987. MATTOSO CÂMARA JR., J. História da linguística. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1975. PETTER, M. Linguagem, língua, linguística. In.: FIORIN, J. L. (org.) Introdução à Linguística: objetos teóricos. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2007. SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1975. Língua, linguagem e linguística 1 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM 2 COMEÇANDO A HISTÓRIA 3 TECENDO CONHECIMENTO 3.1 A Visão Saussuriana da Língua 3.2 A visão Chomskiana da linguagem 3.3 O Papel da Linguística 4 APROFUNDANDO SEU CONHECIMENTO 5 TROCANDO EM MIÚDOS 6 AUTOAVALIANDO REFERÊNCIAS
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