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Epistemologia e Educação com Clave Espinosana


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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS APLICADAS 
FACULDADE DE FILOSOFIA 
 
 
 
 
IVAN LUIS ROMÃO 
 
 
 
 
 
EPISTEMOLOGIA E EDUCAÇÃO: 
Uma educação com clave espinosana 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAMPINAS 
2019 
 
 
Ivan Luis Romão 
 
 
 
 
 
 
EPISTEMOLOGIA E EDUCAÇÃO: 
Uma educação com clave espinosana 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao curso de 
Licenciatura em Filosofia da Pontifícia 
Universidade Católica de Campinas, 
como requisito parcial para a obtenção do 
título de Licenciado em Filosofia. 
Orientador: Prof. Dr. José Trasferetti 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAMPINAS 
2019 
 
 
Ivan Luis Romão 
 
 
 
 
EPISTEMOLOGIA E EDUCAÇÃO: 
Uma educação com clave espinosana 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao curso de 
Licenciatura em Filosofia da Pontifícia 
Universidade Católica de Campinas, 
como requisito parcial para a obtenção do 
título de Licenciado em Filosofia. 
 
Área de concentração: Filosofia da 
Educação. 
 
Campinas, ____ de _________ de _____. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Professor Examinador 
 
________________________________________ 
Prof. Dr. José Trasferetti 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAMPINAS 
2019 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Homem nenhum pode mostrar melhor o poder de seu engenho e arte, do que 
educando os homens para que vivam, ao final, sob o império da própria razão.” 
 (Ética, Parte IV, Apêndice [Capítulo 9]) 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço à minha família pelo apoio emocional e por possibilitar meus 
estudos, especialmente ao meu pai Aparecido, o homem mais forte e incrível que eu 
já conheci. 
Ademais, agradeço aos professores do curso de Licenciatura em Filosofia da 
universidade Pontifícia Universidade Católica de Campinas por transmitirem e 
possibilitarem minha construção e acepção de conhecimento filosófico. 
Agradeço também a Alexandre por fazer minha pesquisa de monografia 
possível e por me ajudar com todo o estresse e ansiedade que envolveu a 
construção do mesmo. 
Obrigado a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização 
do presente trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
Este escrito busca a apresentação do pensamento espinosano frente à questão 
epistemológica, afetiva e, por fim, uma aplicação do sistema filosófico espinosano ao 
âmbito educacional. Objetivando a análise e construção de uma proposta que habita 
a tangente oposta ao ensino mecanizado por ordenamentos político-curriculares, o 
presente trabalho suscita a necessidade de tratamento da esfera humana mais 
censurada e refreada desde os primórdios do pensamento ocidental: a afetividade. 
Dar-se-á a partir de uma análise hermenêutica e textual da obra espinosana, bem 
como de seus comentadores e também dos correlatos à área da educação. Quanto 
aos resultados, trata-se de um trabalho experimental frente às possibilidades de uma 
educação com clave espinosana. Não obstante ao teor experimental, ao longo do 
desenvolvimento do presente trabalho são descritos e aplicados os pensamentos do 
filósofo à um âmbito do atual contexto histórico-filosófico que se encontra em 
dinâmica mudança e atividade, a educação. Assim sendo, este trabalho apresenta 
uma investigação sobre o desenvolvimento epistemológico e a afetividade humana 
dentro do âmbito educacional, trazendo à tona um modelo pedagógico pautado na 
razão afetiva, onde o educador assessora e orienta o aluno enquanto o mesmo 
transita entre os gêneros de conhecimento e constrói seus saberes a partir de uma 
autoeducação. 
 
Palavras-chave: Espinosa, educação, gêneros de conhecimento, afetividade, 
epistemologia, conhecimento, autoeducação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This writing seeks the presentation of spinosan thought in the face of the 
epistemological, affective and, finally, an application of the spinosan philosophical 
system to the educational field. Aiming at the analysis and construction of a proposal 
that inhabits the opposite tangent to the teaching mechanized by political-curricular 
ordinances, the present work raises the need for treatment of the human sphere 
more censored and restrained since the beginning of western thought: affectivity. It 
will be based on a hermeneutical and textual analysis of the work of the spinosan, as 
well as of its commentators and also of those related to the area of education. As for 
the results, it is an experimental work facing the possibilities of an education with a 
spinal key. Notwithstanding the experimental content, throughout the development of 
this work, the philosopher's thoughts are described and applied to an area of the 
current historical-philosophical context that is undergoing dynamic change and 
activity, education. Thus, this work presents an investigation on the epistemological 
development and human affectivity within the educational environment, bringing to 
light a pedagogical model based on affective reason, where the educator advises 
and guides the student while he transitions between the genders of knowledge and 
builds his knowledge from a self-education. 
 
Keywords: Spinosa, education, genders of knowledge, affective, epistemological, 
knowledge, self-education. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
Introdução .................................................................................................................. 9 
1. O conhecimento e suas possibilidades ............................................................ 11 
1.1 O Conhecimento ............................................................................................. 11 
1.2 Primeiro Gênero de Conhecimento: Conhecimento Imaginativo ...................... 13 
1.3 Segundo Gênero de Conhecimento: Conhecimento Racional ......................... 17 
1.4 Terceiro Gênero de Conhecimento: Ciência Intuitiva ....................................... 21 
2. A Afetividade ....................................................................................................... 25 
2.1 Teoria dos afetos ............................................................................................ 26 
2.2 O tratamento dos afetos ................................................................................... 30 
3. Espinosa e a educação ....................................................................................... 35 
3.1 O Educador ...................................................................................................... 36 
3.1.1 Cristo e os Apóstolos: Um modelo professoral exemplar ...................... 41 
3.2 Uma educação com clave espinosana ............................................................. 42 
4. Considerações finais .......................................................................................... 46 
5. Referências bibliográficas .................................................................................. 48
9 
 
Introdução: 
A presente monografia tem por intuito, partindo de uma análise espinosana, 
apresentar uma investigação com relação ao movimento de aferição de 
conhecimento e do processo educacional. Dispondo de um itinerário metodológico 
que abarcará diversos aspectos do sistema filosófico de Espinosa, reflexionará 
sobre os papeis dos corpos-mentes num ambiente de construção epistemológica e 
demonstrará como essa construção se efetiva na educação. 
É verdade que Espinosa nunca se pôs como educador. Suas experiências 
como tal sempre obtiveram resultados insatisfatórios para ele mesmo. Durante a 
vida teve diversas oportunidades para ensinar de forma presencial e professoral, 
mas não o fez. Recusou a Cátedra de Filosofia em Heidelberg, ofertada 
indiretamente por Carlos Luís (1617-1680)1, dizendo que nunca fora seu desejo 
ensinar em público por diversos motivos, entre eles “a impossibilidadede cessar as 
críticas e o pensamento particular para com as religiões estabelecidas, a relutância 
em incitar controvérsias inevitáveis e a falta de vontade de abandonar a pesquisa 
filosófica para se dedicar ao ensino”2. 
Não obstante à displicência perante o ato de ensinar, Espinosa, enquanto 
sistemático, dispôs diversos apontamentos e conhecimentos que podem aperfeiçoar 
e nortear a educação de jovens e adultos. Este trabalho, a partir de uma análise 
hermenêutica das obras deixadas por ele, buscará explorar as concepções 
espinosanas e aplica-las ao âmbito educacional e epistemológico. 
Dar-se-á em três momentos distintos. O primeiro tratará do pensamento em 
si, ao passo que apresenta a visão espinosana a respeito da construção e 
possibilidades de conhecimento, formando uma base sólida para os 
desdobramentos posteriores e trazendo à tona a visão do filósofo sobre o que de 
fato é conhecer e de como a questão epistemológica se estrutura num sistema 
interdependente e necessário; o segundo, por sua vez, abordará uma concepção 
fundamental no sistema filosófico de Espinosa, concepção esta que postula a 
necessidade de tratamento dos encontros existenciais: os afetos; e por fim, o 
terceiro e último momento, discorrerá acerca da educação propriamente dita, 
analisando os deveres e desejos daqueles que compõe o aparato educacional e 
explicitando como se desvela uma educação com clave espinosana. 
 
1
 Filho do príncipe eleitor Frederico V. 
2
 RABERNOT, 2016, p. 67. 
10 
 
Espinosa “olhou para a educação como um processo natural em harmonia 
com o caráter em desenvolvimento do universo”3. O sistema filosófico espinosano, 
mesmo que indiretamente, se aplica a todas as áreas e vivências humanas, inclusive 
na educação. Suas concepções possuem a capacidade de aprimorar o processo 
educacional e de aferição epistemológica como um todo, fazendo como que o corpo-
mente compreenda de forma imaginativa, racional e intuitiva a realidade que o cerca 
e, por conseguinte, tornando-o lúcido perante os afetos e o capacitando à beatitude 
e a uma afetividade saudável e consciente. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3
 RABERNOT, 2016, p. 85. 
11 
 
Capítulo 1: O conhecimento e suas possibilidades 
Antes de adentrar na especificidade educacional, é necessário fazer 
apontamentos, principalmente no que tange as possibilidades de construção, estado 
e aferição epistemológicas. O processo educacional e de construção do 
conhecimento não deve somente informar o educando sobre o conteúdo em si, mas 
também fazê-lo perceber a construção unificada na qual se encontra a mente e 
todas as outras coisas. 
Para efetivar e compreender essa percepção da essência que coliga os 
elementos no cosmo, Espinosa sistematiza todas as possibilidades de conhecimento 
em uma teoria epistemológica disposta em três gêneros, os quais seguem um 
ordenamento qualitativo e podem coexistir em um mesmo corpo-mente: o 
imaginativo, o racional e o intuitivo. É de extrema importância compreender os 
aspectos epistemológicos que permeiam a educação, uma vez que, se 
compreendido de maneira correta, podem orientar e nortear o processo educacional 
de forma bastante positiva. 
1.1 O conhecimento 
O conhecimento se dá a partir dos afetos4, afetos estes que geram afecções 
nos modos5 envolvidos no afeto, ocasionando uma transição de um estado de 
perfeição para outro, seja maior ou menor. Esses afetos são semelhantes a 
encontros e os mesmo resultam numa afecção (mudança) nos modos, o que implica 
numa maior ou menor abertura à potência de pensar e agir. O resultado do encontro 
entre os modos traz, a ambas as partes, um conhecimento a partir do gênero 
epistemológico no qual os corpos-mentes estão insertados. Todos esses gêneros 
são tidos como verdadeiros e se ordenam num sistema hierárquico e ao mesmo 
tempo dependente, onde são classificados segundo o entendimento e a percepção 
acerca do encontro, podendo alagar a potência de agir e pensar do corpo-mente até 
que alcance a liberdade e, por conseguinte, a beatitude. 
É importante salientar que, para Espinosa, a ideia recorrente sobre uma 
dualidade separada entre corpo e mente não passa de disparate. Diferente de 
Platão, que colocava a mente como algo que pilotava o corpo e de todo 
 
4
 Espinosa ressignifica o termo, posicionando o afeto como “as afecções do corpo pelas quais sua 
potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias 
dessas afecções” (ESPINOSA, 2009a, p. 163, Grifo próprio). 
5
 As afecções da substância, isto é, o que existe noutra coisa pela qual também é concebido. 
12 
 
desdobramento que segue tal ideal platônico, como o cristianismo e o dualismo 
cartesiano, a filosofia espinosana traz à tona o paralelismo psicofísico. O paralelismo 
é um conceito geométrico que indica que dois objetos, planos ou retas, encontram-
se numa mesma direção. Espinosa, que se posiciona como geômetra, utiliza do 
termo e o aplica à questão psíquica e corporal, fazendo emergir o paralelismo 
psicofísico. O paralelismo psicofísico é uma concepção espinosana que busca a 
superação da dicotomia corpo-consciência, a fim de trazer a unificação entre corpo e 
alma, na tentativa de restaurar a unidade humana. Para o filosofo, não existe 
separação hierárquica entre corpo e alma. Ambos os aspectos constituintes da 
unidade humana agem de modo tautócrono, numa relação de expressão e 
correspondência segundo os seus meios disponíveis: mente e corpo expressam a 
mesma coisa, porém de formas diferentes, ou seja, o corpo, assim como a mente, é 
capaz de conhecer. Não existe a recusa para com a experiência e o corpo no 
pensamento espinosano, a unicidade é a única possibilidade de conceber e pensar a 
realidade dos corpos-mentes. 
Espinosa aborda a questão do conhecimento sob um espectro diferente. Para 
o filósofo não existem ideias6 verdadeiras ou falsas sobre o conhecimento. Não 
obstante ao caráter displicente quanto ao aspecto de verdade que permeia a 
concepção de ideia, a mesma é caracterizada conforme um ordenamento gradual, 
resultando em ideias e conhecimentos adequados ou inadequados. O elemento 
sistemático espinosano fica ainda mais evidente nesse assunto especificamente. 
Percebe-se a construção de uma cadeia de pensamentos coligados e necessários, 
que fomentam e objetivam a questão epistemológica e os desvelamentos na vida 
dos corpos-mentes, tudo isso com pretensão universal. 
 As ideias ou conhecimento adequados são aqueles que, quando 
reflexionadas e aferidos por alguém, carregam consigo o conhecimento das causas 
e afecções advindas dos afetos, enquanto os conhecimentos inadequados são os 
que desconsideram ou desconhecem as causas e afecções de um afeto, podendo 
ocasionar num conhecimento defasado, transfigurando-se em duas formas 
negativas acerca da ideia e do ideata (aquele que concebe a ideia): as paixões. 
Espinosa entende por paixões a conservação e efetivação das ideias 
inadequadas num corpo-mente. Provenientes do não entendimento acerca das 
 
6
 Espinosa coloca a definição de ideia de um modo diferente, tratando-a como “um conceito da 
mente, que a mente forma porque é uma coisa pensante”. (ESPINOSA, 2009a, p. 131.) 
13 
 
causas, afecções e dos afetos, ocasionam em duas posturas diferentes, sendo a 
primeira a responsável pelo medo, ignorância e ódio, oriunda da carência de ideias 
adequadas e pelo desconhecimento das causas e efeitos dos afetos; e a segunda, 
em consoante com a ausência factual da primeira, emerge a partir dos desejos 
advindos das ideias infactíveis e fantasiosas, habitando o lado externo do campo 
lógico da realidade, resultando em afecçõesinadequadas, como a frustração e a 
inveja. 
No que tange a questão educacional, o pensamento epistemológico 
espinosano aparece de forma semelhante ao desenvolvimento fisiológico e moral do 
educando. O emprego dessa concepção tão íntima acerca das questões que 
envolvem ideia e conhecimento traz à tona certa preocupação com os aspectos 
inerentes e subjetivos dos corpos-mentes, postulando a necessidade de reflexão 
acerca das paixões individuais e dos conhecimentos inadequados, a fim de tratá-los 
e substitui-los por conhecimentos sadios e adequados ao aluno. 
As ideias ou conhecimentos inadequados, que desbocam nos desejos, 
diminuem a possibilidade de abertura à potência de pensar e agir de um corpo-
mente e está presente no que Espinosa denomina “primeiro gênero de 
conhecimento”. 
1.2 O primeiro Gênero de Conhecimento: Conhecimento Imaginativo 
Antes de discorrer sobre o primeiro gênero de conhecimento são necessários 
certos apontamentos. Os gêneros de conhecimento são também “maneiras de viver, 
modos de existência”7. Todo gênero de conhecimento é considerado verdadeiro, 
porém existe uma classificação hierárquica entre eles. Não obstante ao aspecto 
hierárquico dos gêneros, aquele que avança e amplia sua potência de agir e pensar 
precisa, necessariamente, dos conhecimentos e aprendizados do gênero anterior, 
ou seja, é um sistema epistemológico interdepende, onde todas as esferas e 
possibilidades do pensar são fundamentais para a formulação de um conhecimento 
condizente com a realidade material, racional e essencial de determinado modo 
existente. 
Tal maneira de observar a construção do caráter epistemológico de um corpo-
mente de modo processual, é semelhante ao entendimento atual de educação 
seriada – é evidente a necessariedade para com os conteúdos das séries anteriores 
 
7
 DELEUZE, 1968, p. 201 
14 
 
para efetivar os conhecimentos posteriores –, porém com ressalvas: o 
conhecimento, desde idades e entendimentos iniciais, deve ser orientado a fim de 
construir um saber completo, porém a possível impossibilidade de entendimento e 
as limitações de um corpo-mente novo no que tange a idade e o aparelho fisiológico-
intelectivo irão influenciar o processo educacional e de aferição epistemológica. 
Essa contestação, de certo modo, retira Espinosa do campo pedagógico inicial, onde 
estão as crianças, e o posiciona no processo de aprendizado de jovens e adultos, já 
preenchido por seus aspectos morais e tendo ferramentas fisiológicas 
desenvolvidas. 
 Voltando ao escopo central do capítulo, a teoria do conhecimento de 
Espinosa, o primeiro gênero de conhecimento é de ordem imaginativa e passiva, 
sendo o mais ineficaz para a construção e efetivação de um conhecimento 
adequado. Abarca a opinião infundada, o conhecimento pouco confiável e prático 
oriundo de experiências vagas e o desprendimento para com o caráter íntimo dos 
modos e dos afetos. É tido como ineficaz por conter em si conhecimentos baseados 
em percepções meramente sensoriais da realidade, desconhecendo as causas e 
afecções provenientes dos afetos, caracterizando a futilidade do mesmo. 
O primeiro gênero de conhecimento é então o conhecimento de efeitos do 
encontro, ou dos efeitos de ação e de interação das partes extrínsecas 
umas sobre as outras. Oh, não se pode definir melhor. É muito claro [...] os 
efeitos causados pelo choque ou pelo encontro de partes exteriores umas 
com as outras define todo o primeiro gênero de conhecimento.
8
 
 
Caracteriza-se pela aglomeração de sensações e sentimentos advindos, 
única e exclusivamente, da experiência sensível. Tal caracterização revela a 
problemática deste gênero: aquele que habita e adota tal postura vive em função 
das afecções resultantes dos afetos, no acaso e no vácuo do entendimento acerca 
das causas e afecções, além de trazer consigo concepções universais adventícias, 
externas ao corpo-mente e transpassadas de forma não reflexiva, gerando apenas o 
que Espinosa chama de imagens de coisas: 
Chamaremos de imagens de coisas as afecções do corpo humano, cujas 
ideias representam os corpos exteriores como nos estando presentes, 
embora elas não reproduzam as figuras das coisas. E quando a mente 
contempla os corpos sob essa relação, diremos que ela os imagina.
9
 
Um exemplo desse caráter imagético do conhecimento de primeiro gênero é a 
superstição. A superstição é uma forma de conhecimento imaginativo e imagético 
 
8
 DELEUZE,1981, p. 252. 
9
 ESPINOSA, 2009a, p. 35. 
15 
 
pouco fundamentado, que é transpassado pela tradição e pelas instituições morais 
que permeiam um corpo mente, ou seja, chegam até o mesmo de forma externa e o 
corpo-mente apenas cria uma imagem acerca dessa ideia, imagem esta que ele 
toma pra si como verdadeira sem nenhum tipo de reflexão autônoma e passa a ter a 
pretensão de universalizar essa construção epistemológica infundada e viciada, o 
que acaba por fazer dele refém de ideias vindas de outro. 
Ademais, é comum a confusão e uma fundamentação generalizada dos 
afetos dentro deste gênero epistemológico. Os corpos-mentes nele inseridos operam 
segundo uma dualidade estritamente oposta, tal como o maniqueísmo entre as 
concepções bem e mau: os traços e estruturas epistemológicas do corpo-mente 
inserido no primeiro gênero se embaraçam e esses termos (bem e mau) surgem 
porque o “corpo humano”, por ser limitado, “é capaz de formar, em si próprio distinta 
e simultaneamente, apenas um número preciso de imagens”.10 
Essa confusão corriqueira é mais facilmente compreendida a partir de um 
exemplo ilustrativo que utiliza um elemento natural comum e presente, em variadas 
formas, na vida de todo homem, seja primitivo ou moderno: o fogo. O corpo-mente 
que habita esse primeiro gênero entende que o fogo queima e por isso, é algo ruim 
ou mau. Este corpo-mente não entende a causa que justifica o queimar, tampouco 
entende o afeto que se desvelou na afecção chamada queimadura. Ele percebe 
apenas o efeito resultante do encontro dos dois modos constituintes do afeto. 
O primeiro gênero (imaginação) é constituído por todas as ideias 
inadequadas, pelas afecções passivas e seu encadeamento, Esse primeiro 
gênero corresponde, antes de mais nada, ao estado de natureza: percebo 
os objetos ao sabor dos encontros, segundo o efeito que eles têm sobre 
mim. Esse efeito é apenas um ‘signo’, uma ‘indicação’ variável. Esse é um 
conhecimento por experiência vaga, e vaga, segundo a etimologia, se refere 
ao caráter casual dos encontros. Aqui, só conhecemos a “ordem comum” da 
Natureza, isto é, o efeito dos encontros entre partes, segundo 
determinações meramente extrínsecas.
11
 
 
A problemática, proveniente da falta de entendimento acerca dos encontros, 
se agrava com o funcionamento da memória. A associação e a comparação 
revelam-se, fazendo com que o corpo-mente se lembre de situações que obtiveram 
uma afecção semelhante. Todas as experiências que se assemelharem ao evento 
serão processadas e tratadas de uma mesma maneira, uma vez que o imaginativo 
da recordação age de maneira assimilativa e opera segundo a junção de objetos e 
 
10
 ESPINOSA, 2009a, p. 41. 
11
 DELEUZE, 1981, p. 201. 
16 
 
situações que são semelhantes. É mais trabalhoso à mente humana memorizar as 
diferenças. Dado tal processo, o assimilativo, cria-se um conhecimento universal 
acerca da experiência, conhecimento este que não possui outras fundamentações 
senão a experiência sensível, a recordação fisiológico-assimilativa e à indução, 
formas pouco confiáveis de conhecimento e que podem levar o corpo-mente a um 
conhecimento inadequado. 
A mente imagina um corpo qualquer porque o corpo humano é afetado e 
arranjado pelos traços de um corpo exterior da mesma maneira pela qual 
ele foi afetadoquando algumas de suas partes foram impelidas por esse 
mesmo corpo exterior. Mas (por hipótese), o corpo foi, naquela primeira vez, 
arranjado (dispositum) de tal maneira que a mente imaginou dois corpos ao 
mesmo tempo. Portanto, agora, ela imaginará, igualmente, dois ao mesmo 
tempo, e sempre que imaginar um deles, imediatamente se recordará 
também do outro.
12
 
 
Espinosa diz que o primeiro gênero de conhecimento, quando separado, só 
pode criar ideias ou conhecimentos inadequados. As ideias ou conhecimentos 
inadequados são construções conceituais estruturadas a partir da percepção 
sensorial, experimental e moral, que quando aferida pelo corpo-mente, tem parte de 
sua composição, as afecções e as causas, descartada e desconsiderada, gerando 
um conhecimento limitado e corrompido acerca do afeto. Carrega a palavra 
inadequada por conhecer apenas o resultado das afecções e não os afetos como 
um todo. 
O corpo-mente inserido nesse gênero não é capaz de absorver e perceber o 
que de fato ocorre, apenas separa e numera os efeitos segundo uma noção 
equivocada e maniqueísta, levando-o a crer que o saber se resume à futilidade de 
aplicar uma compleição moral aos fenômenos. Ou seja, conhece-se o efeito, 
enquanto a causa e a pretensão de saber acerca dela não são objeto de seu 
pensamento. Espinosa diz que muitos erros, não só no âmbito cotidiano, mas 
também cientifico e filosófico, ocorrem por conta da compleição moral e maniqueísta 
daqueles que habitam o primeiro gênero de conhecimento: 
Cada um, de acordo com a disposição do seu corpo, forma imagens 
universais das outras coisas. Não é de se surpreender que dentro os 
filósofos que pretendem explicar a natureza exclusivamente pelas imagens 
e sensações advindas das coisas, tenham surgido tantas contradições.
13
 
 
O trecho traz à tona a fragilidade e a probabilidade de se confundir quando se 
pretende atingir premissas verdadeiras a partir de um conhecimento puramente 
 
12
 ESPINOSA, 2009a, p. 43. 
13
 ESPINOSA, 2009a, p. 24. 
17 
 
imaginativo e que se baseia, única e exclusivamente, na observação de imagens 
das coisas ou representações das mesmas. 
Neste gênero do conhecimento o homem é refém das afecções resultantes da 
incompreensão acerca dos afetos. O corpo-mente nele posicionado apenas junta e 
separa as situações a partir dos efeitos que causam, resultando num conhecimento 
fracionado, caracterizado pela futilidade e apocrifidade. Trata-se de um gênero 
bastante comum, não só numa sala de aula, mas também na construção pedagógica 
de conteúdo. 
O gênero imaginativo do conhecimento encontra-se afastado de um elemento 
específico, elemento este que é fundamental para a formulação de um 
conhecimento adequado: a razão. Apesar de não descartar a possibilidade das 
experiências de maximizar e auxiliar a acepção de conhecimento, Espinosa 
considera que ela desacompanhada da razão pode levar a um conhecimento 
inadequado. A percepção e o uso da razão ocorrem somente a partir do momento 
que o corpo-mente adentra o segundo gênero de conhecimento: o conhecimento 
racional. 
1.3 Segundo Gênero de Conhecimento: Conhecimento Racional 
Existe um hiato entre o primeiro e segundo gêneros de conhecimento. Este 
hiato só é superado a partir do uso continuado e perene da atividade racional. Mais 
extenso que o conhecimento imaginativo, o segundo gênero de conhecimento 
abarca objetos epistemológicos mais trabalhados a partir da potência de agir e 
pensar do corpo-mente, abrangendo um número maior de afecções e de causas, 
trazendo uma compreensão maior dos afetos e, por conseguinte, da realidade. 
Diferente do primeiro gênero de conhecimento espinosano, o segundo traz à 
tona uma nova perspectiva e um instrumento para o processo epistemológico de 
construção e acepção de conhecimento: a razão. Responsável pela criação e 
fomentação de noções gerais individuais e universais, esse gênero abarca uma 
compreensão mais profunda acerca da realidade, que deixa de ser imagética e 
imaginativa e passa a ser fundamentalmente racionalizada e alegre, seja no sentido 
das paixões ou da atividade da alegria. 
O segundo gênero é urdido a partir de um elemento basilar e necessário: a 
razão (ratio). A razão ou a atividade racional é posta como um instrumento apoiado 
em noções comuns para uma melhor efetivação e conservação da própria 
existência, o conatus. Caracterizada como um agente melhorativo do corpo-mente, 
18 
 
“a razão é potência de compreender na mente e agir no corpo, é o esforço para 
organizar os encontros de tal maneira que sejamos afetados por um máximo de 
paixões alegres”14. Ou seja, é uma ferramenta que possibilita o entendimento dos 
afetos e das afecções a partir do uso continuado da razão. Na relação entre o 
interior e o exterior, da particularidade e da universalidade, o corpo-mente 
potencializa as esferas do pensamento e as ações, trazendo-o certa autonomia e um 
entendimento que faz com que tenha somente desejos adequados, fundamentados 
e não fúteis como os do gênero imaginativo. 
A cada instante, portanto, as afecções determinam o conatus; mas a cada 
instante o conatus é a procura daquilo que é útil em função das afecções 
que o determinam. É por isso que um corpo vai sempre o mais longe que 
pode, tanto na paixão quanto na ação; e aquilo que ele pode é seu direito.
15
 
 
Este gênero epistemológico traz consigo uma postura mais ativa perante o 
conhecimento e os afetos, possibilitando um entendimento maior das relações que 
estruturam um corpo-mente e os demais modos que constituem a realidade. Isso 
ocorre a partir de uma mudança no paradigma interpretativo das afecções, fazendo 
com que o corpo-mente organize as afecções provenientes dos afetos a partir de um 
método que relaciona a composição e decomposição do próprio corpo, método este 
que se efetua com o instrumento racional, posicionando o conhecimento verdadeiro, 
como na máxima espinosana, como “o conhecimento das relações que me compõe 
e das relações que compõe as outras coisas”16. 
A partir desse gênero despede-se das noções individuais com pretensão 
universal e das concepções fundamentalmente pautadas na empiria, dando espaço 
para a superação das ideias imaginativas e ocasionando a transfiguração delas para 
as noções comuns. As noções comuns são “ideias ou noções comuns a todos os 
homens, todos os corpos concordam em certas coisas”17. Remetem a conceitos 
“presentes na mente de todos os seres humanos, conceitos esses que são ideias 
adequadas das quais decorrem verdadeiras ações”18. Trata-se da percepção e da 
compreensão dos aspectos universais e necessários que habitam e se aplicam a 
todos, o que acarreta na consciência acerca dos afetos, causas e efeitos, 
possibilitando um entendimento maior da realidade. 
 
14
 DELEUZE, 1968, p. 189. 
15
 Ibid., 1968, p. 177. 
16
 Ibid., 1981, p. 245. 
17
 ESPINOSA, 2009, p. 40. 
18
 DELEUZE, 1981, p. 161. 
19 
 
Para Espinosa, a razão é o único meio de decifrar e compreender os afetos e 
“é da natureza da razão perceber as coisas verdadeiramente como elas são em si 
mesmas, isto é, não como contingentes, mas como necessárias”19. Ela possibilita 
certa autonomia ao passo que coloca todo conhecimento à prova e elimina as 
noções universais inadequadas. Ademais, a razão possui a capacidade de retirar a 
caracterização, absurdamente comum no primeiro gênero, de resumir algo a um 
espectro maniqueísta: o fogo não é ruim porque queima. A afecção resultante de um 
afeto entre um corpo-mente e o fogo é que determina o resultado do afeto, ou seja, 
tudo depende da maneira em que o afeto e as afecções são compreendidos. 
Diferente do primeiro gênero de conhecimento, o conhecimento racional não é 
composto por imagens das coisas, pelo contrário, é formado por pensamentos sem 
imagem, eleindepende de signos e se efetiva a partir do encontro entre os modos, 
interpretando os afetos e as afecções a partir da conveniência entre a composição 
ou não entre os corpos. 
Sendo assim, é necessária uma busca perene para atingir a conveniência 
para com os encontros e efeitos. Tudo depende do fato de convir ou não ao corpo-
mente e tudo que convém, de forma interessada e passiva, é tido como uma paixão 
alegre. As paixões alegres, mesmo sendo de ordem passiva e ainda ideias 
inadequadas, aumentam gradualmente a abertura à potência de agir e pensar de um 
corpo-mente: ao passo que o corpo-mente forma constantemente ideias 
inadequadas à luz das paixões alegres e da necessidade de existência proveniente 
do conatus, ele forma noções comuns individuais, que, paulatinamente, a partir do 
uso conivente da atividade reflexiva racional, passa a entender e efetivar as noções 
comuns universais. 
A razão é de extrema importância durante esse processo de percepção ou 
construção de uma noção comum universal. A percepção do comum-universal se dá 
a partir do uso racional e da aplicação dessa racionalidade às noções comuns 
menos universais e mais individualizadas. Quanto mais se forma noções individuais 
e próprias, mais se pode formar uma noção comum universal. Nesse processo a 
alegria perde a caracterização passiva. É necessária uma ação expressiva do corpo-
mente para tal construção epistemológica, o que acaba por transfigurar a alegria 
passiva, proveniente das paixões alegres, em uma alegria ativa que sempre 
 
19
 ESPINOSA, 2009a, p. 43. 
20 
 
produzirá ideias adequadas e juntamente com as paixões alegres formarão o 
entendimento do corpo-mente sobre a realidade. 
É importante salientar que Espinosa, enquanto racionalista, acredita num 
sistema hierárquico que coloca a razão como elemento súpero para a construção de 
conhecimento. Não obstante a esse fato, Espinosa não desconsidera, tampouco 
separa a razão das experiências e dos aspectos subjetivos e emocionais que 
permeiam um corpo-mente. O aspecto racional não habita um campo metafisico 
distante e intocável, pelo contrario, ela se apresenta ao passo que ela se relaciona 
com os eventos e afecções, concretizando-se também como afeto e possibilitando a 
efetivação do mais potente dos afetos: o conhecimento. 
As afecções resultantes dos afetos configuram uma incorporação, onde o 
indivíduo entra em composição com o que o afeta. O homem que habita o segundo 
gênero de conhecimento não teme o fogo e a sua capacidade de queimar, ele 
entende e percebe que o resultado depende única e exclusivamente, da relação dele 
com o modo. Trata-se de um domínio mais abrangente do conhecimento, uma vez 
que abarca as relações e as possibilidades dos afetos, dimanando a capacidade do 
corpo-mente de se relacionar com o conhecimento e a natureza, que não é mais 
vetada a ele, mas sim uma noção imutável e eterna, disposta a interagir com o 
corpo-mente, configurando uma relação afetuosa entre a natureza e a razão. 
É necessário o desenvolvimento e a aplicação desse gênero de conhecimento 
no campo educacional. O entendimento de determinados conteúdos se dá apenas a 
partir do uso continuado da razão, o que possibilita um entendimento mais 
aprofundado do conteúdo estudado. Devem-se entender os aspectos que permeiam, 
causam e resultam de determinado conhecimento. O conteúdo dado por si só, sem 
posicionamento desses aspectos citados, fica estirado ao vento e não provoca 
interesse algum no educando, tampouco o agrega de forma verdadeira, uma vez 
que um conhecimento dado por outrem de forma parcial, sem as causas efeitos 
provenientes do mesmo, é tido como fútil e possui pouca fundamentação. 
Dado o conhecimento racional, que é adequado, o individuo percebe os 
elementos que antecedem e resultam no afeto: as causas. A causa, para Espinosa, 
é o ápice do conhecimento verdadeiro, sendo caracterizada como um elemento, por 
elemento entende-se qualquer ato, aspecto, sejam material ou não, que se dá a 
priore do afeto, resultando num embate e consecutivamente, numa afecção. A partir 
do conhecimento das causas é possível superar os enganos e erros adquiridos a 
21 
 
partir da opinião e perceber o movimento natural do todo, movimento esse que se 
alicerça em noções comuns, que é a causa direta de uma ideia adequada. 
Não obstante ao alto nível de compreensão do segundo gênero, Espinosa 
busca entender a realidade com ainda mais afinco. A razão por si só “não é 
suficiente, uma vez que lida com elementos comuns, mas falha ao conhecer casos 
particulares da existência”20, fazendo emergir a necessidade de um terceiro gênero 
de conhecimento, gênero esse que tem pretensão ainda mais arrojada que o 
primeiro e o segundo gêneros, ambicionando um conhecimento ainda mais intimo, 
buscando conhecer aquilo cuja essência envolve a existência: a ciência intuitiva. 
1.4 Terceiro Gênero de Conhecimento: A ciência intuitiva 
Os gêneros de conhecimento se organizam de forma ordenada e crescente. 
Começa-se com um conhecimento imaginativo, pouco seguro e um tanto quanto 
supersticioso; a compreensão gradativa dos encontros e a análise destes, leva ao 
uso continuado da racionalidade pelo corpo-mente que passa a entender o 
desvelamento dos afetos e afecções a partir da causa; por fim, os conhecimentos, 
imaginativos e racionais, levam à figura divina, como causa anterior a causa, uma 
causa geradora de tudo e inclusive de si mesmo, abarcando um conhecimento 
íntimo e essencial dos modos existentes. Deve-se “passar pela imaginação e pelas 
noções comuns para atingir as ideias de terceiro gênero”21. 
Espinosa vê grande importância nesse âmbito de conhecimento. Todos os 
gêneros de conhecimentos já citados postulam, imprescindivelmente, a necessidade 
de formulação de um gênero que ultrapasse as ideias imaginativas do primeiro 
gênero e as noções comuns da racionalidade, uma vez que “o esforço supremo da 
mente e sua virtude suprema consistem em compreender as coisas através do 
terceiro gênero do conhecimento”22. O corpo-mente que habita este gênero descobre 
em si mesmo e no mundo a potência criadora, potência essa que advém do aparato 
divino e se fixa no homem, concebendo-o a capacidade criadora advinda da natura 
naturans23. 
Diferente dos gêneros anteriores, a ciência intuitiva busca, a partir da potência 
do ser e da natureza criativa divina presente no corpo-mente, perceber a unicidade e 
 
20
 RABERNOT, 2016, p. 177. 
21
 DELEUZE, 1968, p. 210. 
22
 ESPINOSA, 2009a, p. 115. 
23
 Trata-se da essência da natureza proveniente de Deus, natureza esta que permite ao corpo-mente 
criar e modificar os modos presentes na realidade. 
22 
 
o elemento que coliga todo o cosmo e, ao mesmo tempo, perceber o que há de 
particular e único num modo. Essa percepção só ocorre a partir do entendimento 
intuitivo de que existe uma potência divina que se efetiva a partir da criação e 
modificação do mundo, potência essa que ao mesmo tempo é o mundo e modifica a 
si mesma. 
Caracterizado pela capacidade de experimentar e contemplar a essência das 
coisas e a eternidade que se exprime a partir do todo, é um gênero um tanto quanto 
abstrato. Chega-se ao conhecimento intuitivo e constata-se a potência criadora em 
tudo que constitui a realidade. O corpo-mente deriva de uma substância monista, ele 
é uma afecção da mesma. Ademais, a ciência intuitiva só é capaz de produzir ideias 
ou conhecimentos adequados, visto que apresenta a causa e adentra ainda mais na 
especificidade de um conhecimento, abarcando também sua essência. 
A relação de interconectividade é ainda mais evidente neste gênero. O corpo-
mente constitui e é o mundo, uma vez que possui a mesma essência e a potência 
criadora advindas de Deus. Conhece-se e se percebe o produtor no produto, o queantecede a causa e qualquer noção de técnica: Deus dispõe e manifesta no corpo-
mente um anseio; o corpo-mente é contagiado por tal anseio, o anseio de criação, 
de produção. Por fim, o corpo-mente se torna inventor, produtor de si mesmo e do 
mundo, aproximando-se cada vez mais da liberdade e, por corolário, da beatitude, 
qualidades de corpos-mentes que só estão disponíveis quando se alcança o terceiro 
gênero de conhecimento. 
Toda vez que um homem age segundo aspectos que divergem da sua própria 
natureza, é coagido, o que resulta num estado de servidão. A liberdade, tangente 
oposta da servidão, é posicionada por Espinosa de uma maneira diferente. Para ele 
“a liberdade não é uma propriedade do sujeito, mas um estado do ser” 24, uma vez 
que ela não se efetiva de modo contínuo e incessável, pelo contrário, os corpos-
mentes são afetados e coagidos a todo o momento. Sendo assim, a liberdade 
emerge ao passo que a razão é exercitada e começa a analisar, refrear, pensar e 
ponderar os afetos. Trata-se de um processo ativo de estudo da realidade, estudo 
esse que qualifica o corpo-mente e possibilita-o enfrentar e compreender um número 
maior de afetos e, por corolário, o capacita para selecionar afetos que aumentarão 
 
24
 ESPINOSA, 2009a, p. 19. 
23 
 
sua potência de pensar e agir, instruindo-o a evitar os maus-encontros e 
proporcionando-o um aumento no próprio estado de perfeição. 
A liberdade25 apresenta-se ao passo que se executa a própria vontade e 
desejo de criar e existir, o conatus. Aquele que age exclusivamente pela natureza de 
sua necessidade de existir e criar é livre quando o faz e essa necessidade de 
existência postula bons encontros e um entendimento mais íntimo da realidade, 
entendimento esse que não habita somente os campos imaginativo e racional de 
conhecimento, mas também o intuitivo, da essência que coliga o corpo-mente e os 
demais modos que constituem a realidade. 
Como resultado dessa relação mais intimista e intuitiva, constrói-se certa 
conectividade e harmonia: o corpo-mente percebe o elemento que unifica o cosmo e 
age de modo a preservar esse aspecto harmônico e o utiliza para benefício próprio e 
de toda a unidade, ou seja, o homem aprende a interagir e existir em harmonia com 
a natureza de todas as coisas, sendo assim, a liberdade é conhecimento essencial 
de si mesmo e da natureza, liberdade essa que se maximizada, de forma súpera e 
máxima, faz do corpo-mente beato, detentor da beatitude. Mais do que perceber e 
entender a realidade, o conhecimento de terceiro gênero possibilita produzir uma 
compreensão acerca da essência e da verdade do objeto, dissemelhante do 
solipsismo racional, a ciência intuitiva é a própria natureza pensando no corpo-
mente. 
Seguindo a mesma base exemplificativa do presente escrito, o indivíduo que 
habita o campo da ciência intuitiva percebe que é parte do fogo, uma vez que o afeto 
entre os dois é que constitui a existência e a realidade do objeto. Ademais, vê em si 
mesmo a capacidade de criar e produzir, o que proporciona um entendimento 
completo do fogo, incluindo sua criação, o manuseio e o modo de agir 
harmoniosamente com esse elemento natural. Trata-se de uma esfera do 
conhecimento que abarca todas as outras: no conhecimento intuitivo compreende-se 
o caráter imagético e imaginativo, interpreta-se de modo racional a fim de criar 
noções comuns sobre o objeto e contempla-se a essência e a possibilidade de 
convívio harmonioso entre os modos. 
 
25
 É importante posicionar o pensamento de Espinosa sobre a questão que envolve a liberdade. Para 
ele a liberdade “não é uma propriedade do sujeito, mas um estado do ser” (ESPINOSA, 2009a, p.19), 
caracterizando o ser livre como aquele que age exclusivamente pela natureza de sua necessidade de 
existir e resistir, o conatus. 
 
24 
 
Conforme um indivíduo entende os afetos, potências, encontros, e, por 
conseguinte, sua posição no cosmo a partir da ciência intuitiva, vai obtendo o status 
de eterno. A finitude não seria adequada, ao passo que a essência criadora, da 
produção, parte idiossincrática do corpo-mente, sempre existiu. Quando um corpo-
mente morre, ele é acometido por um afeto, trata-se de uma mudança de estado, 
sua parte material deixa de existir, mas a mente, a sua produção e as mudanças que 
ele fizera enquanto vivo, suas relações e a interconectividade, sempre existirão. 
As esferas de conhecimento dispostos por Espinosa constituem e apresentam 
uma sistematização do conhecimento humano e dos fenômenos, apresentando as 
possibilidades e posturas possíveis do conhecimento, desde o gênero imaginativo, 
onde o corpo-mente é refém dos efeitos resultante dos afetos e não compreende as 
relações, caracterizando o homem fútil; à perene e necessária atividade racional, 
que coloca o corpo-mente numa postura ativa de construção e efetivação de noções 
comuns particulares e universais, tipificando o sábio; para enfim, num movimento 
independente, chegar à intuição, onde o corpo-mente pensa e age de forma 
harmônica consigo mesmo e com os demais modos existentes, atingindo a beatitude 
advinda do conhecimento das essências e pela percepção da interconexão entre os 
modos, particularizando o virtuoso. Tais posturas configuram a escalada comum aos 
homens, que transacionam e visitam os diversos gêneros em toda construção 
epistemológica, construção essa que acontece de modo simultâneo, envolvendo 
todos os gêneros de conhecimento e consumando a epistemologia espinosana. 
Os gêneros de conhecimento se efetivam a partir de um elemento 
idiossincrático do pensamento de Espinosa. Tal elemento é causa necessária para a 
estruturação e manutenção de todo o sistema filosófico espinosano. Traz consigo 
um entendimento profundo e se caracteriza como a única possibilidade para a 
construção de conhecimento: os afetos. O capitulo seguinte tem por objetivo 
apresentar a teoria dos afetos e aplicar esse conteúdo à reflexão central do presente 
trabalho, a educação. 
 
 
 
 
 
 
25 
 
Capítulo 2: A afetividade 
Os filósofos concebem os afetos com que nos batemos como vícios em que 
os homens caem por culpa própria. Por esse motivo, costumam rir-se deles, 
lamentá-los, maltratá-los e (quando querem parecer os mais santos) 
detestá-los. Acreditam assim, fazer coisa divina e alcançar o cume da 
sabedoria, ao louvar de muitas maneiras uma natureza humana que em 
lugar nenhum existe e fustigar com suas sentenças aquela que deveras 
existes.
26
 
 
Desde os primórdios do pensamento clássico, tratar da questão afetiva do 
homem sempre disse respeito à supressão e condenação das paixões e dos afetos. 
Correntes filosóficas clássicas, como as que servem de base ao cristianismo e o 
estoicismo, enxergavam a afetividade humana como uma esfera existencial 
desmedida e viciada, distante de uma vida racional e virtuosa. Com a transição do 
medievo para a modernidade, esse pensamento tão engendrado começa a ser 
discutido. Porém, somente com Espinosa o pensamento vigente, que colocava os 
afetos como algo maldito a ser freado, passa a ser combatido de forma reativa e 
bastante sólida. 
Destoando do pensamento convencional, Espinosa enxerga os afetos de uma 
maneira diferente. Essa esfera da natureza humana, tão criticada, subjugada e posta 
como maldita, não possui em si mesma nenhuma dessas características negativas. 
Discordando do pensamento moralista e religioso, sobretudo dos sacerdotes 
ascéticos que “concebem os homens não como são, mas como gostariam que 
fossem”27, Espinosa propõe um estudo mais íntimo das questões que antecedem, 
acompanham e resultam dos afetos, a fim de extinguir essa noção negativa e trazer 
ao corpo-mente a ciência de seu estado, tirando-o do desalento proveniente da 
deturpação de sua própria natureza e existência. 
Os objetivosde Espinosa ao dissecar os afetos são claros: retirar o caráter 
maniqueísta e ascético acerca da concepção, caráter esse que, para ele, é contra a 
vida e não acrescenta nenhum dado positivo para a mesma, uma vez que se choca 
com a natureza humana, afastando o corpo-mente e impedindo-o que acesse e 
efetive tudo aquilo que de fato pode. Ademais, o projeto espinosano sobre os afetos 
não objetiva a destruição das paixões e as considera uma parte intrínseca e muito 
importante da constituição de um corpo-mente. 
 
26
ESPINOSA, 2009b, p. 5. 
27
Ibid., p. 5. 
26 
 
Mais do que entender e pensar os afetos e sua potência, o pensamento 
espinosano propõe a instauração de uma estrutura de estudo, estudo esse que tem 
postura cientifica e objetiva a compreensão, explicação e tratamento dos afetos 
como um todo, incluindo as paixões, ações, ideias e os desvelamentos de todos 
esses itens, ocasionando uma reviravolta no pensamento vigente e fazendo emergir 
uma sistematização humana e realista da vida dos homens. 
Espinosa, enquanto sistemático, proporciona diversas aplicações para seu 
pensamento. O presente capítulo apresentará, num primeiro momento, um trabalho 
descritivo acerca do que o filósofo chama de afetos e uma discussão acerca das 
possibilidades desse aspecto humano para, num segundo momento, postular a 
necessidade de tratamento e potencialização da afetividade a partir dos remédios 
afetivos. A teoria doa afetos se configura como um dos elementos centrais da 
filosofia espinosana e tem por intuito tornar um corpo-mente mais ciente da vida e 
dos desvelamentos afetivos que o cerca, ao passo que faz dele mais compreensivo 
e autônomo perante o encontro entre modos existentes. 
2.1 A teoria dos afetos 
A afetividade humana é tema recorrente e possui um papel central nos 
escritos de Espinosa, sendo responsável por transfigurar o pensamento teórico 
espinosano em prático. Os afetos são construídos a partir de encontros 
experienciais. Mesmo racionalista Espinosa não descarta, tampouco despreza a 
experiência. A razão não se separa da experiência afetiva, uma vez que a 
experiência habita o primeiro gênero de conhecimento e a racionalidade o segundo 
e, por se tratar de um sistema epistemológico interdependente, a razão necessita da 
experiência para se constituir como tal. Sendo assim, o conhecimento só pode ser 
obtido a partir dos afetos, pois “só modificamos nossa maneira de pensar e agir na 
medida em que há uma experiência afetiva em jogo, pois um afeto só é vencido por 
outro mais forte e contrário”28. 
Para Espinosa, não existe separação entre afetos e razão, mas existe entre 
passividade e atividade, constituindo duas hipóteses para a afetividade humana, 
sendo uma mais sólida do que a outra. Agimos ativamente, de fato, se e somente 
se, “somos causa interna dos efeitos que produzimos dentro e fora de nós, da 
mesma forma que padecemos na passividade quando a causa dos efeitos que 
 
28
 ESPINOSA, 2009a, p. 82. 
27 
 
produzimos nos é exterior”29. É importante salientar a potência dos afetos: o afeto 
em si ainda é mais forte do que qualquer construção abstrata e cognitiva possível, 
mesmo se tratando de uma ideia verdadeira e dotada de razão. 
 Para não padecer na passividade afetiva e ser dominado, o corpo-mente deve 
construir relações de composição, coligando-se com o máximo de elementos da 
natureza que convém a sua potência e, por conseguinte, estruturando um corpo 
mais potente. As afecções, parte fundamental dos afetos, remetem a essa 
possibilidade de composição, de afetar e ser afetado de um corpo-mente. Das 
afecções resultam afetos que proporcionam uma passagem de um estado de 
perfeição para outro, ocasionando um aumento ou uma diminuição na potência de 
agir e pensar de um corpo-mente. 
A alegria, por exemplo, é a passagem de um estado menor de perfeição para 
um maior e só existe ao passo que um corpo-mente coliga-se com ela e a adiciona 
em sua composição; e a tristeza, tangente oposta da alegria, caracterizada pela 
passagem de um estado maior de perfeição para um menor, só existe e afeta o 
corpo-mente quando o mesmo entra em composição com ela. Esses encontros e 
composições, chamados de agenciamentos, alargam ou diminuem a potência de 
agir e pensar dos corpos-mentes, ocasionando um maior número de possibilidades 
de afetar e ser afetado, concretizando novas formas de se relacionar com o mundo o 
qual compõe. 
Alegria e tristeza não possuem um sentido usual na filosofia de Espinosa. 
Alegria sempre vai remeter a um aumento da potência de agir e pensar, o que pode 
resultar de uma experiência que não é alegre no sentido literal da palavra e o 
contrário também existe, experiências alegres e que diminuem a potência de agir e 
pensar de um corpo-mente. Ambas as esferas afetivas, alegria e tristeza, são 
chamados de afetos primários e deles resultam todas as possibilidades afetivas 
existentes: da alegria advém o amor, a coragem, a parcimônia e outros afetos que 
aumentam a potência de agir e pensar de um corpo-mente; ao passo que da tristeza 
agir e pensar de um corpo-mente. Mais do que remeter ao experiencial, a 
importância advém do que se faz com o efeito que resulta do afeto que causa a 
afecção. Ademais, um afeto passivo, vulgo paixão, não é necessariamente ruim e se 
 
29
 MARQUES, 2012, p. 14. 
28 
 
efetiva enquanto melhoria do corpo-mente quando lhe adiciona uma maior 
percepção sobre a realidade que o cerca. 
Aumentar nossa potência é expandir nosso território de ação no mundo e 
caminhar em direção a uma independência maior em relação ao ambiente – 
o que não significa diminuir as relações com a exterioridade, mas sim o 
contrário –, pois apenas quando somos a causa interna de nossos afetos 
aumentamos nossa potência de agir. As relações que mantemos com os 
outros corpos podem nos beneficiar ou aprisionar nossa expansão e, no 
segundo caso, reagiremos aos encontros ao invés de agirmos sobre eles.
30
 
 
Por afeto, Espinosa (Ética, parte III, prop. III) compreende as afecções do 
corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou 
refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções, sendo a ação uma 
afetividade mais ativa e a paixão mais passiva , mas ambas tendo sua validade. 
Afeto (affectus) exprime o transito de estados entre corpos envolvidos num mesmo 
encontro, ou seja, tanto no corpo afetante como no afetado. Caracteriza-se como 
potência em estado de variação, variação essa que resulta em um estado maior ou 
menor de perfeição para com os corpos-mentes envolvidos no encontro. 
Tudo que é vivo possui em si certa potência de agir e pensar. Alguns uma 
potência mais alargada, outros uma potência pouco desenvolvida, e essa variação 
entre limites mínimos e máximos é o que se chama de afeto. A potência aumenta ou 
diminui a partir das possibilidades afetivas dos corpos-mentes dentro de situações e 
condições específicas, mas ainda sim conservam o mesmo grau de perfeição. Por 
exemplo, seguindo o escopo do presente trabalho, um aluno não é menos perfeito 
ou menos desenvolvido potencialmente por não ser tão bom em matérias exatas 
quanto é em artísticas e vice-versa, são perfeitos em si e devem ser trabalhados a 
fim de desenvolver suas potencialidades como um todo, mas respeitando sua 
potencialidade particular e subjetiva, a fim de não suprimir ou ocultar certos aspectos 
particulares do mesmo. 
 Espinosa acredita que toda paixão é um afeto, mas nem todo afeto é uma 
paixão. O afeto ativo sempre exprime um avanço, a passagem de um estado de 
perfeição menor para um maior, ao passo que a paixão pode ser uma regressão, 
remetendo à passagem de um estado maior de perfeição para um menor. Esses 
avanços reverberam nocorpo-mente, causando afecções (affectio), que são 
modificações. Para Espinosa, essas afecções, independente do tipo, ocorrem na 
unidade humana e não em partes específicas, ou seja, são modificações que 
 
30
 MARQUES, 2012, p. 16. 
29 
 
ocorrem simultaneamente no corpo e na mente, partes distintas de um único modo 
existente, o corpo-mente. 
 É impossível desvincular a filosofia de Espinosa do conceito de potência. 
Potência, no sentido espinosano, não diz respeito apenas à ação, mas também à 
recepção, caracterizando-se como o “poder de afetar e de ser afetado que a 
substância e seus modos possuem, mesmo que em proporções distintas”31. 
Deleuze, grande estudioso acerca dos afetos, reconfigurou o pensamento 
espinosano, fazendo emergir duas concepções que exemplificam de forma clara a 
construção de um corpo-mente e a forma como ele interage com o mundo à sua 
volta: latitude (afetos) e longitude (relações de repouso e movimento que compõe 
um corpo). A vida de um corpo-mente se resume a um sistema interligado de afetos, 
sistema esse que resulta e postula a necessidade de cálculos utilizando a latitude e 
a longitude no sentido deleuzeano. 
Um corpo pode ser qualquer coisa, pode ser um animal, pode ser um corpo 
sonoro, pode ser uma alma ou uma idéia, pode ser um corpus lingüístico, 
pode ser um corpo social, uma coletividade. Entendemos por longitude de 
um corpo qualquer conjunto das relações de velocidade e de lentidão, de 
repouso e de movimento, entre partículas que o compõem desse ponto de 
vista, isto é, entre elementos não formados. Entendemos por latitude o 
conjunto dos afetos que preenchem um corpo a cada momento, isto é, os 
estados intensivos de uma força anônima (força de existir, poder de ser 
afetado). Estabelecemos assim a cartografia de um corpo. O conjunto das 
longitudes e das latitudes constitui a Natureza, o plano de imanência ou de 
consistência, sempre variável, e que não cessa de ser remanejado, 
composto, recomposto, pelos indivíduos e pelas coletividades.
32
 
 
Pensar os afetos sempre vai ser pensar a expansão e a retração da potência 
e das possibilidades de agir e pensar de um corpo-mente. Mais do que isso, 
“experimentar os afetos é antes de tudo experimentar-se a si mesmo, e é dessa 
maneira que formamos um primeiro ‘conhecimento’ de nós mesmos”33. Objetivando 
um maior número de possibilidades de afetar ser afetado, uma necessidade vem à 
tona: a liberdade. Diferente das concepções de liberdade comuns na filosofia, a 
espinosana traz um panorama verdadeiro da realidade e destoa de qualquer caráter 
utópico. Para ele, “a liberdade não é uma propriedade do sujeito, mas um estado do 
ser”34. Tal afirmação posiciona o ser livre como aquele que age exclusivamente pela 
natureza de sua necessidade de existir e resistir, o conatus. Ademais, a liberdade se 
efetiva ao passo que um corpo-mente se relaciona com o ambiente no qual está 
 
31
 MARQUES, 2012, p. 16. 
32
 DELEUZE, 2002, p. 132. 
33
 PAULA, 2009, p. 59. 
34
 ESPINOSA, 2009a, p. 19. 
30 
 
inserido, ou seja, ser livre “é acrescentar mais realidade à própria vida, fazer com 
que os encontros possam somar experiências ao invés de subtrair nossa potência 
de agir e conhecer o mundo e a nós mesmos”35. 
A teoria dos afetos é um elemento idiossincrático do pensamento espinosano 
e é responsável por transfigura toda a teoricidade à práxis afetiva. O modo como 
Espinosa enxerga esse aspecto da natureza humana é muito dissemelhante da 
tradição filosófica vigente em sua época. Trazendo à tona e sistematizando a vida do 
homem de forma mais humana, o pensamento espinosano carrega consigo uma 
sensibilidade experiencial associada à racionalidade afetiva, caracterizando uma 
justa medida entre elementos postos, de forma errônea, como estritamente 
antagônicos. O mundo é um amontoado de afetividades que intercorrem de forma 
tautócrona e compreender essas afetividades não é apenas entender um âmbito 
humano supostamente desmedido, mas sim toda as relações de composição, as 
afecções, os encontros experienciais e os desvelamentos afetivos, ou seja, 
compreender os afetos é compreender a realidade. 
2.2 O tratamento dos afetos 
 Num primeiro momento, o pensamento espinosano acerca dos afetos pode 
parecer de certo modo lascivo, mas isso não é verdade. Mesmo considerando as 
possibilidades e a importância da experiência para a constituição de um corpo-
mente, Espinosa ainda se mantém essencialmente racionalista. Sendo assim, a 
afetividade humana ainda depende, necessariamente, da razão para manter-se e se 
efetivar de forma saudável. A teoria dos afetos tem por finalidade não apenas 
explicitar ou descrever como os afetos e seus desvelamentos ocorrem, mas também 
tratá-los de modo a tornar a racionalidade e a paixão afetos dosados na vida de um 
corpo-mente. Essa busca por um equilíbrio abrange um pensamento fármaco para 
os problemas e desvelamentos provenientes dos afetos, pensamento esse que 
segue um ordenamento sistemático que objetiva compreender e melhorar esse 
âmbito das vivências humanas. 
 Como resposta às problemáticas afetivas e a partir da necessidade de um 
tratamento fármaco para com os afetos, Espinosa propõe ao longo de sua obra 
principal, Ética demonstrada à maneira dos geômetras (1667), uma série de 
contribuições e “remédios” afetivos. Esses remédios possuem o papel de estruturar 
 
35
 MARQUES, 2012, p. 15. 
31 
 
e assegurar o desenvolvimento e a manutenção da vida afetiva de um corpo-mente, 
cedendo-lhe instrumentos que possibilitam uma clareza perante a realidade dos 
afetos e fazendo dele mais ciente de si mesmo e do mundo que o cerca. 
O primeiro dos remédios afetivos descritos por Espinosa, diz respeito à 
construção conceitual. “Não há nenhuma afecção do corpo da qual não possamos 
formar algum conceito claro e distinto”36. Concatenado com o paralelismo monista e 
psicofísico, esse primeiro passo para o tratamento dos afetos refere-se à unicidade 
humana, mais especificamente, ao fato de que a construção de um conhecimento 
ocorre tanto no âmbito corporal quanto no mental, uma vez que possuem uma 
mesma ordem de conexão de ideias, sendo a mente uma ideia de um corpo que foi 
afetado. Ademais, a mente, a partir das afecções resultantes dos afetos, é apta a 
reconhecer a concordância ou a discrepância entre a construção de um corpo-mente 
e de outro corpo que o afeta, além de ser capaz de perceber o que há de comum 
entre os mesmos e ponderar a composição e o enlace entre os corpos envolvidos 
num mesmo afeto. Sendo assim, pela potência de pensar um afeto recepcionado 
pelo corpo de um corpo-mente, adquire-se a possibilidade de se relacionar com o 
mais potente dos afetos: o próprio conhecimento. 
 Elencado com o primeiro tratamento dos afetos, o segundo remete à 
formação de ideias claras e distintas a partir de afetos passivos, as paixões. O que 
transfigura um afeto numa paixão é o meio pela qual se adquire o mesmo. As 
paixões, mesmo enquanto elemento positivo para um corpo-mente, advêm de 
causas e efeitos externos e essa característica é o que posiciona os afetos passivos 
como paixões. Porém, uma paixão sempre é um conhecimento inacabado e 
incompleto, uma vez que não parte de um corpo-mente e é recebido de forma 
passiva, o que dificulta um conhecimento mais íntimo e causal acerca desse tipo de 
afeto. Como resposta a essa problemática afetiva, Espinosa suscita a necessidade 
de transmutar as paixões para compreendê-las de forma mais abrangente, uma vez 
que “um afeto que é uma paixão deixa de ser uma paixão assim que formamos dele 
uma ideia clara e distinta”37. Para transformar uma paixão em uma ideia clara e 
distinta, o corpo-mente deve desassocia-la de sua causa exterior e a conectar compensamentos próprios e mais adequados. Mais que entender a relação causal dos 
afetos externos, esse remédio afetivo do sistema espinosano reforça a compreensão 
 
36
 ESPINOSA, 2009a, p. 109. 
37
 Ibid., p. 109. 
32 
 
da composição entre um corpo-mente e os demais modos existentes e, por 
corolário, retira o caráter maniqueísta acerca das afecções provenientes dos afetos: 
tudo depende da relação de conveniência que se têm, sendo assim, bom ou ruim, 
bem ou mal, entre outras oposições maniqueístas, dependem apenas da relação e 
interpretação de um corpo-mente envolvido num afeto. 
 O terceiro remédio afetivo descrito por Espinosa opera em consoante com o 
pensamento racional e é responsável pela organização harmoniosa dos afetos. 
Trata-se de uma atividade perene de checagem e reflexão acerca dos afetos, sendo 
o corpo-mento o único que detém “o poder de ordenar e concatenar as afecções do 
corpo segundo a ordem própria do intelecto”38. Ao passo que se pensa sobre os 
afetos o corpo-mente adquire mais informações afetivas e, por conseguinte, acaba 
se afastando do mero acaso existencial. Produzindo e percebendo a realidade de 
forma racionalizada, o corpo-mente se aparta cada vez mais da passividade e da 
confusão afetiva, o que resulta num aumento qualitativo e quantitativo da criação e 
percepção de mais noções comuns. 
 A partir da possibilidade e necessidade de uma pluralidade afetiva, de afetar 
e ser afetado, em consoante com as inevitabilidades para uma afetividade saudável, 
emerge o fármaco afetivo plura simul. A teoria dos afetos de Espinosa postula a 
pluralidade afetiva, uma vez que “é útil ao homem aquilo que dispõe seu corpo a 
poder ser afetado de muitas maneiras, ou que o torna capaz de afetar de muitas 
maneiras os corpos exteriores”39. Plura simul, ou simplesmente aptidão ao múltiplo, 
é uma das partes idiossincráticas do conatus, da força de existir e ir além, e diz 
respeito ao esforço e ao movimento natural de abertura e ampliação das 
possibilidades de afetar e ser afetado. Essa ampliação à afetividade não é 
exclusividade do aparelho corporal, visto que não existe a dicotomia corpo e mente 
no pensamento espinosano. Nesse sentido, quanto mais um corpo-mente pensa, 
mais ele age e vice-versa, sendo ambos, corpo e mente, aptos de forma igual aos 
encontros e resultados provenientes dos afetos. 
Quanto mais um corpo é capaz, em comparação com os outros, de agir 
simultaneamente sobre um número maior de coisas, ou de padecer 
simultaneamente de um número maior de coisas, tanto mais sua mente é 
capaz, em comparação com as outras, de perceber, simultaneamente, um 
número maior de coisas.
40
 
 
 
38
 ESPINOSA, 2009a, p. 111. 
39
 Ibid., p. 92. 
40
 Ibid., p. 32. 
 
33 
 
A aptidão ao múltiplo, mesmo configurando um movimento de abertura à 
totalidade, ainda opera segundo uma racionalidade extrema, racionalidade essa que 
é impregnada e imbuída de afetos. O pensamento espinosano sobre os afetos 
sempre intentará a alegria ativa e perene, que provém de um afetar e ser afetado de 
modo a conservar e aumentar a potência de agir e pensar de um corpo-mente. Sob 
o conceito de alegria e da necessidade do aumento da potencialidade de um corpo-
mente, Espinosa apresenta as noções de bem, mau, bom, ruim e todas essas 
concepções postas como essencialmente maniqueístas e exclusivistas, sendo elas 
apenas dependentes da conveniência de um corpo-mente para com um afeto e seus 
desvelamentos. 
 Todos os remédios afetivos têm um único propósito: oferecer ao corpo-mente 
possibilidades de afetar e de ser afetado de forma positiva. O último dos remédios 
afetivos, elencado e associado com todos os outros, diz respeito às vivências 
humanas propriamente ditas e à parcimônia afetiva. Dependente da execução dos 
demais tratamentos, o quinto remédio se ampara na efetivação saudável dós 
fármacos já citados e tem o intuito de proporcionar uma vida moderada e assertiva 
quanto às possibilidades de agir, de pensar, de afetar e de ser afetado. Aquele que 
constrói ideias claras e distintas da realidade, que compreende e transmuta as 
próprias paixões, que é instruído a ordenar e concatenar a esfera afetiva de forma 
racional e que é apto e aberto ao múltiplo, possui conhecimentos profundos sobre si 
mesmo e também do mundo o qual compõe. Essa ciência de si, do outro e do 
mundo faz com que um corpo-mente seja capaz de traçar planos e controlar mais o 
âmbito afetivo, resultando numa vida mais alegre, no sentido espinosano da palavra, 
evitando ao máximo a tristeza afetiva. Somente a partir da compreensão e do 
tratamento dos afetos que se é capaz de moderar e manipular os encontros de 
modo a conservar e expandir a potência de agir e de pensar de um homem. 
Os afetos são um elemento idiossincrático do sistema de pensamento 
espinosano. Esse âmbito epistemológico sempre foi associado a uma deturpação 
moral e do aparato divino, associação essa que é desmistificada e anulada na 
filosofia de Espinosa. Os afetos não se configuram apenas como uma parte 
importante da estrutura humana, eles são o próprio homem e suas vivências, sendo 
assim, a hostilização para com a afetividade é um ataque contra o homem e sua 
própria natureza. Não obstante ao caráter natural da afetividade, a mesma não deve 
ser posta como incompreensível e imutável, tampouco é impraticável uma possível 
34 
 
melhoria, e é dessa problemática que Espinosa se ocupa. A compreensão da esfera 
afetiva é gradual e concebe ao corpo-mente a possibilidade de tratá-la a partir de 
remédios afetivos, remédios esses que trazem ao homem clareza e distinção 
perante a realidade a qual compõe, além da possibilidade de transmutar e 
reinterpretar as paixões afetivas, fazendo dele capaz de ordenar e concatenar sobre 
os afetos a partir de uma abertura para contemplar a multiplicidade e as diversas 
formas de afetar e ser afetado, resultando num controle afetivo e numa vida 
moderada, onde se objetiva alcançar um número maior de afetos alegres, em 
detrimento dos afetos tristes. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
35 
 
Capítulo 3: Espinosa e a educação 
Espinosa nunca escreveu com objetivos diretamente pedagógicos e 
educacionais. Uma educação com clave espinosana emerge ao passo que 
elementos distintos, porém interligados, de seu sistema filosófico são postos em 
conexão de modo a pensar a questão do ensinar e do aprender. Assentado na 
expressividade dos afetos e na estrutura epistemológica dos gêneros de 
conhecimento, o pensamento espinosano aplicado ao âmbito da educação tem por 
intuito administrar e oferecer bons encontros entre os modos que constituem o afeto 
educacional. 
Pensar sobre a educação é analisar encontros afetivos que se efetuam a 
partir da relação de composição entre os diversos modos inseridos na circunstancia 
educacional. Os encontros afetivos ocorrem a partir da relação do educador com o 
educando, sendo o conhecimento, que também se configura como um afeto, a 
resultante desse encontro, conhecimento esse que possui a capacidade de 
aumentar ou diminuir a potência de agir e de pensar tanto do educando, como do 
educador. 
Mais que dispor conteúdos e orientar as possibilidades epistemológicas do 
professor e do aluno, o pensamento espinosano aplicado à questão educacional 
possibilita um entendimento mais abrangente da estrutura e do cerne da educação, 
uma vez que orienta não só o trabalho professoral, mas também a atividade e as 
possibilidades de aprendizado. O projeto educacional advindo do pensamento de 
Espinosa posiciona o aluno numa dinamicidade dos afetos, tornando-o ciente de um 
movimento afetivo perene e propondo um aprendizado ativo e autônomo, voltada à 
autoeducação e ao convivo com a multiplicidade. 
O presente capítulotrará, a partir de uma análise e aplicação do pensamento 
espinosano, explicitar as possibilidades e os desvelamentos da questão afetiva 
dentro do âmbito educacional, envolvendo todas as partes que constituem um dos 
mais celebres dos afetos: a educação. Dar-se-á em dois momentos diferentes, 
porém interdependentes. O primeiro abordará a figura do educador e o papel que o 
mesmo possui perante o ato de ensinar e de aprender; enquanto o segundo 
momento intentará uma reflexão sobre o construto educacional como um todo, 
abordando a possibilidade de uma educação a partir da aplicação do pensamento de 
Espinosa. 
3.1 O Educador 
36 
 
Espinosa sempre foi um bom aluno. Seu desempenho na escola rabínica era 
invejável. Possuía fluência em hebraico e um vasto conhecimento acerca do 
judaísmo e das Sagradas Escrituras. Ademais, conhecia a fundo a literatura 
filosófica clássica, a medieval e o cartesianismo, além de estudar as ciências da 
natureza. Na tangente oposta, no que diz respeito ao ato de ensinar, Espinosa 
lecionou poucas vezes. Seja na troca de correspondências com Willem van 
Blijenbergh, ou na tutoria privada de Johannes Casearius, Espinosa descortinava 
“que seu possível papel como educador possuía limites”41, mas foi “a impossibilidade 
de cessar as críticas para com as religiões estabelecidas, a relutância em incitar 
controvérsias inevitáveis e a falta de vontade de abandonar a pesquisa filosófica42” 
que o afastaram definitivamente do professorado. 
Pode aparentar, por conta das queixas sobre os limites educacionais, que 
Espinosa não acredita na educação e na construção epistemológica a partir de uma 
troca existencial, porém é justamente o contrario. É a partir da “aceitação da 
impossibilidade de compartir o pensamento com todos e sob quaisquer 
circunstâncias43”, que o educador percebe a importância e a inviabilidade de 
construção e efetivação de uma teoria educacional senão pela via dos encontros 
potenciadores. 
Pensar a educação é pensar um encontro existencial. O processo 
educacional é, basicamente, um encontro. Esse encontro ocorre a partir da relação 
afetiva entre os modos que constituem a realidade circunstancial do ambiente 
escolar, mais especificamente, a sala de aula. Tais modos constituintes são, 
necessariamente, o educador e o educando, além das metodologias e conteúdos 
dispostos para o aprendizado como um todo. 
A palavra ‘educador’ tem origem no latim ‘educare’ e significa, basicamente, 
criar e alimentar, além de ser correlacionado com a terminologia ‘educere’, que 
remete a um fazer sair, pôr para fora e pôr no mundo. A base etimológica da palavra 
educador, num primeiro momento, parece ser distante do sentido usual e da 
realidade de alguém que exerce o professorado, mas, para Espinosa, é exatamente 
isso que um educador deve fazer. Associado com um desenvolvimento da potência 
de um corpo-mente, o educador deve ter como objetivo a efetivação de um ato 
 
41
 RABERNOT, 2016, p. 21. 
42
 Ibid., p. 67. 
43
 Ibid., p. 21. 
37 
 
educativo por excelência, sendo o ato educativo por excelência “aquele que permite 
que cada um expresse sua própria potência de pensar e agir”44. Sendo assim, o 
papel central e fundamental do educador é possibilitar que o educando exprima e 
execute sua própria potência de pensar e agir. A premissa aparenta certa 
simplicidade quanto ao papel daquele que educa, mas em tempos com exigências 
para com o cumprimento de normas curriculares e a acentuação do fator de 
preenchimento subjetivo do educando, o que significa possibilitar que alguém pense 
e aja? 
Refletir acerca do procedimento metodológico e pedagógico de um educador 
com clave espinosana revela um processo educacional um tanto quanto difícil, 
porém necessário. Além dos obstáculos e limitações advindas das exigências de 
ordenamento político-curricular e das questões sociais que permeiam a construção e 
a efetivação do educando enquanto sujeito imbuído de diversos aspectos subjetivos, 
o ato de ensinar, que consiste em permitir a expressão da potência de agir e pensar 
esbarra num problema basilar: “o aprender não é efeito direto do ensinar”45. 
Dada a discrepância entre o aprender e o ensinar, o papel do educador 
aparenta conservar em si certa fragilidade e irrelevância dentro do sistema de 
pensamento disposto por Espinosa, mas isso não é verdade. Os preceitos 
espinosanos e as experiências particulares de Espinosa para com o ato professoral 
demonstram a necessidade de uma postura distinta ante o afeto educacional. O 
educador deve agir tal como um provedor, estimulando e cedendo os instrumentos e 
ferramentas que possibilitam a aferição do conhecimento e, por fim, o aprendizado. 
Portanto, o processo de aprendizado ocorre segundo mediação do educador no que 
tange os fomentos e métodos para a captação, construção, efetivação e transmissão 
do conhecimento adquirido, conhecimento esse que é tido como um resultado 
particular do educando a partir dos instrumentos disponibilizados pelo educador e é 
à esse processo de construção epistemológica a partir de métodos externos que é 
dado o nome afeto educacional. 
Dentre as responsabilidades fundamentais do educador, uma em especial é 
mais trabalhosamente específica e refere-se às possibilidades de estimular algum 
educando sobre algum conteúdo. Os educandos não são, apesar dos ditames 
 
44
 RABERNOT., 2016, p. 16-17. 
45
 Ibid., p. 17. 
38 
 
político-curriculares, padronizados e isso acaba por criar uma nova problemática 
frente à realidade do processo educacional como um todo. A subjetividade e os 
gostos particulares do aluno interferem em todo o processo educacional e cabe ao 
educador, enquanto agente fomentador dos estímulos e do aprendizado, instigar o 
educando diante do conteúdo. Essa realidade postula a adoção de uma proposta 
que disponha de diferentes formas para sensibilizar o educando, a fim de 
estabelecer certa rotatividade no que tange os estímulos e atividades, sejam com 
atividades práticas, oficinas interdisciplinares, conversas, gestos e métodos 
diferenciados, intentando uma maior abrangência do caráter subjetivo dos corpos-
mentes que constituem uma sala de aula e a efetivação de uma abertura à potência 
do pensar e agir para uma quantidade maior de alunos. 
O educador, a partir de um processo interno de abertura às diversas formas 
de sensibilizar e atingir os educandos, conserva em si um princípio espinosano que 
é fundamental para a construção de um maior número de conhecimentos, além de 
alargar as possibilidades de transmitir conhecimento: o plura simul (aptidão ao 
múltiplo). É fundamentalmente necessário àquele que exerce o trabalho professoral 
que seja apto ao múltiplo e que tenha a capacidade de afetar os educandos de 
diversas maneiras. Porém, voltando à questão afetiva, também é responsabilidade 
do educador fustigar no educando uma maior abertura para as diferentes formas de 
sensibilização. Tornar o educando apto ao múltiplo é permitir que ele afete e seja 
afetado de diversas maneiras e, por corolário, isso expande suas possibilidades de 
aprendizado, uma vez que “é útil ao homem aquilo que dispõe seu corpo a poder ser 
afetado de muitas maneiras, ou que o torna capaz de afetar de muitas maneiras os 
corpos exteriores”46. 
Pode aparentar que o pensamento de Espinosa inferioriza a ideia tradicional 
de um professor e sua possível contribuição para a construção epistemológica de 
um aluno, porém é justamente o contrário. Partindo de uma idiossincrática 
racionalidade, cabe ao educador orientar, cuidar, refrear e estimular o educando 
enquanto ele transita na dinamicidade afetiva. Ademais, cabe a ele, o professor, 
ceder os instrumentos, e por instrumentos entende-se o próprio conhecimento, as 
ferramentas e os métodos de aprendizado, ao educando

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