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1 VOLUME 2 VOLUME 2 DIRETORIA DA FBH Presidente Adelvânio Francisco Morato Vice-Presidentes Altamiro Bittencourt Eduardo de Oliveira Manoel Gonçalves Carneiro Netto Reginaldo Teófanes de Araújo Francisco José Santiago de Brito José Pereira Mauro Duran Adan Álson Sousa Miranda Secretário-Geral Luiz Aramicy Bezerra Pinto Secretário Adjunto Ivo Garcia do Nascimento Diretor-Tesoureiro Mansur José Mansur Tesoureiro Adjunto Glauco Monteiro Cavalcanti Manso Diretor de Atividades Culturais Marcus Camargo Quintella CONSELHO FISCAL Membros Efetivos Fernando Antônio Honorato da Silva e Souza Leonardo Gigliotti Barberes Edivardo Silveira Santos Membros Suplentes Roberto de Oliveira Vellasco Maurício Souto Maior Benno Kreisel ASSESSORES DA DIRETORIA Leonardo Rocha Machado Ibsen Pontes Moreira Pinto DIREÇÃO E COORDENAÇÃO DO PROJETO – VIVA COMUNICAÇÃO GROUP Coordenação-Geral Viviã de Sousa Coordenação Científica Andréa Prestes José Antônio Ferreira Cirino Produção Executiva Rosana Oliveira Redator Felipe Nabuco Autores Allan James Paiotti Ana Cristina Barbosa Pontes Andréa Prestes Gilvane Lolato Hilmara Souto Mendes Moreira J. Antônio Cirino Josenir Teixeira Luiza Watanabe Dal Ben Marcelo Accetta Miquéias Alves Santos Paulo Salmão Péricles Góes da Cruz ORGANIZADORES Andréa Prestes José Antônio Ferreira Cirino Rosana Oliveira Viviã de Sousa Brasília Federação Brasileira de Hospitais – FBH 2020 VOLUME 2 ASSOCIAÇÕES AHCES – Associação de Hospitais, Clínicas e Prestadores de Serviços da Área de Saúde do Espírito Santo AHCSEP – Associação de Hospitais e Casas de Saúde do Estado do Pará AHEAL – Associação de Hospitais do Estado de Alagoas AHECE – Associação de Hospitais do Estado do Ceará AHEG – Associação dos Hospitais do Estado de Goiás AHERJ – Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro AHESC – Associação de Hospitais do Estado de Santa Catarina AHESP – Associação de Hospitais do Estado de São Paulo AHMG – Associação dos Hospitais de Minas Gerais AHOPAR – Associação de Hospitais do Estado do Paraná AHORN – Associação de Hospitais do Estado do Rio Grande do Norte AHRGS – Associação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul AHSEB – Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia ANH – Associação Nordestina de Hospitais APH – Associação Paraibana de Hospitais 8 SUMÁRIO SU M Á R IO Gestão da Mudança Planejamento Estratégico Compliance Gestão de Riscos Segurança do Paciente Inovação Tecnológica em Saúde Lean em Saúde Transição de Cuidados para o Ambiente Extra-hospitalar Gestão de Custos Gestão de Hotelaria Autores Palavra do Presidente Prefácio Introdução Considerações FBH e as Federadas PÁG. 10 PÁG. 16 PÁG. 18 PÁG. 22 PÁG. 188 PÁG 192 CAP. 2 PÁG. 38 CAP. 1 PÁG. 26 CAP. 6 PÁG. 104 CAP. 4 PÁG. 72 CAP. 8 PÁG. 150 CAP. 3 PÁG. 54 CAP. 7 PÁG. 130 CAP. 5 PÁG. 88 CAP. 9 PÁG. 168 CAP. 10 PÁG. 178 10 AUTORES A U TO R ES 11 Allan James Paiotti Executivo, possui MBA em Gestão e Administração de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e MBA em Gestão e Liderança pela Universidade de Harvard (Estados Unidos); formado em Biologia e Genética pela Universidade de São Paulo (USP). Liderou a GuardeAqui Self Storage, maior empresa brasileira no mercado de autoarmazenamento, tendo passado por grandes instituições como Grupo Libra, Klicknet, Phoenix Strategic Financial Advisors, HeliSolutions, Officemax, Lig-Lig e Booz-Allen & Hamilton. Possui mais de 25 anos de experiência na área financeira e na liderança de companhias de diversos segmentos. Atua nas áreas financeira, de suprimentos, de relações com o mercado, de engenharia e de manutenção. Ana Cristina Barbosa Pontes Administradora hospitalar, especialista em Gestão e Auditoria em Saúde pela Faculdade São Camilo; possui MBA Executivo em Saúde pela Fundação Getúlio Vargas (FGV); graduada pela Faculdade São Camilo. Atua no mercado de Saúde Suplementar há 29 anos. Trabalhou no Hospital Santa Izabel, no Hospital da Cidade e na Bradesco Saúde, em Salvador (Bahia). Docente em graduação e pós-graduação em Gestão. Diretora Comercial da Rede Primavera (Aracaju, Sergipe). Andréa Prestes Administradora com MBA em Gestão Hospitalar, especialista em Qualidade nos Serviços de Saúde - Acreditação, Master Black Belt em Lean Six Sigma, Life, Executive e Positive Coach. Mestranda em Gestão da Saúde (ENSP, Universidade Nova de Lisboa, em Lisboa, Portugal), consultora e professora. Coordenadora científica do Manual do Gestor Hospitalar, volume 1, da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), e autora do capítulo “Liderança e Pessoas”, na mesma obra. Professora conteudista da Organização Nacional de Acreditação (ONA). Ampla experiência em gestão de hospitais de média e alta complexidades, com atuação na direção de áreas estratégicas, administrativas, financeiras e de apoio. Conduziu e participou de implantações de unidades hospitalares (projetos, estrutura física, escopo de serviços, treinamento e desenvolvimento de pessoas e equipes), em grandes e importantes projetos no Brasil. É CEO e fundadora do Andrea Prestes Institute e General Manager para Portugal, da American Accreditation Commission International (AACI) 12 Gilvane Lolato Mestranda em Gestão e Metodologias da Qualidade e Segurança da Atenção em Saúde no Instituto Avedis Donabedian (Espanha); especialista em Qualidade e Segurança do Paciente pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal); possui MBA Gestão em Saúde e Controle de Infecção pelo Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa (Inesp); graduada em Administração de Empresas pela Universidade Gama Filho (UGF). Atua na gestão da qualidade em saúde há mais de dez anos, sendo, também, docente. Gerente de Educação da Organização Nacional de Acreditação (ONA). Fellowship ISQua. Hilmara Souto Mendes Moreira Enfermeira, pós-graduada e com vasta experiência em Terapia Intensiva, com ênfase em Gestão Hospitalar; formada pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Atua no mercado de Gestão em Saúde há mais de 12 anos, tendo sido coordenadora de Higienização de Hospital de grande porte em Salvador (Bahia). Atualmente, é gerente de Apoio e Assistência no Hospital Primavera (Aracaju, Sergipe), onde iniciou sua trajetória como coordenadora de Enfermagem das Unidades de Terapia Intensiva Clínica e Cirúrgica. J. Antônio Cirino Comunicólogo, gestor de qualidade, professor e pesquisador, atuando desde 2009 na área da Saúde. Doutor em Comunicação e Sociabilidade pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em estágio pós- doutoral em Comunicação e Cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no qual compõe o Núcleo de Estudos em Comunicação, História e Saúde (NECHS) em interface com o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (ICICT/Fiocruz); mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás (UFG); especialista em Gestão de Projetos pelo Instituto de Pós-Graduação e Graduação (Ipog); Black Belt em Lean Six Sigma pela FM2S Escola e Consultoria; graduado em Publicidade e Propaganda pelo Instituto de Ensino Superior Rio Verde (IESRIVER) e em Gestão de Marketing pela Universidade Paulista (Unip). Autor do livro "Gestão da Comunicação Hospitalar", coordenador científico do "Manual do Gestor Hospitalar" e organizador das obras “Mídias e Desigualdade” e “Comunicação e Mídia: interfaces com a cidadania e com a cultura”. Professor conteudista da Organização Nacional de Acreditação (ONA). Editor-assistente da Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde (Reciis/Fiocruz). AUTORES 13 Josenir Teixeira Advogado, mestre em Direito Civil pela Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp); pós-graduado em Direito do Terceiro Setor pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em Direito do Trabalho pelo Centro de Extensão Universitária de São Paulo, em Direito Empresarial pela UniversidadePresbiteriana Mackenzie e em Direito Processual Civil pela UNIFMU; graduado em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (UNIFMU). Membro da Comissão de Direito do Terceiro Setor e da Comissão de Direito Sanitário da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional São Paulo (OAB/SP). Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Advogados do Terceiro Setor (Ibats). Professor e palestrante de temas ligados às áreas da Saúde e do Terceiro Setor. Luiza Watanabe Dal Ben Doutora, mestra e graduada em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP); especialista em Administração Hospitalar pela Faculdade de Saúde Pública da USP; licenciada em Educação pela Faculdade de Educação da mesma instituição. Docente da Faculdade de Educação em Ciências da Saúde em São Paulo (FECS). Membro da Diretoria do Sindicato dos Hospitais e Clínicas do Estado de São Paulo/Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SINDHOSP/FEHOESP), da Rede Brasileira de Enfermagem e Segurança do Paciente (REBRAENSP) e da Academia Brasileira de História da Enfermagem (ABRADHENF). Marcelo Accetta Economista e consultor sênior de Custos, com foco em Gestão de Custos na Saúde. Especialista em Custos e Gestão da Saúde pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ex-diretor financeiro na área hospitalar privada. Professor do curso “Como Mapear a Rentabilidade e Tornar seu D.R.E. Viável e Competitivo". Palestrante e professor da Associação dos Hospitais do Estado do Rio de Janeiro (AHERJ) no tema Custos na Saúde. Consultor de Custos do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde do Leste Fluminense (SINDHLESTE). Miquéias Alves Santos Professor e historiador. Pós-graduando MBA Executivo em Hotelaria Hospitalar na Faculdade Unyleya (São Paulo); graduado pela Universidade Tiradentes de Sergipe (Unit). Possui experiência em Gestão de Atendimento ao Cliente presencial, call center e mídias sociais. Atua no mercado de Gestão em Saúde. Atualmente, é coordenador de Hotelaria Hospitalar na Rede Primavera, em Sergipe. AUTORES 14 Paulo Salmão Doutor em Informática em Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Diretor do Instituto HL7 Brasil, consórcio internacional de padrões em saúde. Fundador e CEO da DTO Sistemas em Saúde S/A, empresa de interoperabilidade em saúde. Fundador e CEO da Katu, empresa que criou o primeiro PEP na web do Brasil. Péricles Góes da Cruz Médico, pós-graduado em Administração Hospitalar e em Gerência Hospitalar. Um dos fundadores da Organização Nacional de Acreditação (ONA). Coautor da primeira edição do Manual Brasileiro de Acreditação Hospitalar, de 1998, e dos demais Manuais de Acreditação desenvolvidos pela ONA até os dias atuais. Atualmente, é superintendente técnico. AUTORES AUTORES 16 PALAVRA DO PRESIDENTE PA LA V R A 17 Adelvânio Francisco Morato Presidente DESENVOLVIMENTO E QUALIFICAÇÃO PARA OS HOSPITAIS DO BRASIL A Federação Brasileira de Hospitais (FBH) reconhece que a educação, a informação e a capacitação dos gestores hospitalares e dos profissionais que atuam no segmento é o principal caminho para o desenvolvimento e a qualificação da rede hospitalar. Foi por esse motivo que iniciamos, em 2019, uma nova jornada, muito importante para a ampliação e a troca de experiências, com a apresentação do Manual do Gestor Hospitalar para todo o país. O primeiro volume do Manual do Gestor Hospitalar apresentou alguns dos principais temas que são de fundamental importância para a compreensão de diversas áreas que englobam a gestão hospitalar. E, para este segundo volume, trouxemos outros assuntos fundamentais para dar continuidade ao trabalho iniciado com este projeto, destacando as informações e as melhores práticas adotadas nas diversas temáticas que envolvem o segmento, com o objetivo de ser um instrumento que auxilie o gestor e os profissionais da saúde para construirmos um Setor Hospitalar cada vez mais dinâmico, qualificado e moderno. Agradecemos a colaboração e a parceria dos autores e das instituições que participaram da primeira e da segunda edições do Manual do Gestor Hospitalar, contribuindo com suas expertises para levarmos informações estratégicas e úteis na tomada de decisão e na ampliação de novos caminhos e experiências que promovam um excelente desempenho de suas atividades, para possibilitarmos um atendimento cada vez melhor aos pacientes e aos usuários dos nossos hospitais. Representar um segmento tão importante para as pessoas requer uma visão multidisciplinar, técnica e estratégica para a melhoria do Setor Hospitalar brasileiro. Sabemos que a FBH construiu um legado e uma trajetória de muitas lutas e desafios em mais de cinco décadas pela representatividade e pela defesa dos hospitais. É preciso avançar para conseguirmos ajudar os hospitais e suas equipes a cumprirem sua missão, que também é a nossa, de atuar pelos melhores atendimento e cuidado com as pessoas. É necessário inovar, agregando conteúdo, novas metodologias e tecnologias para possibilitarmos a todos o acesso à informação adequada para a verdadeira qualificação e o desenvolvimento do Setor Hospitalar do Brasil. Desejamos que este trabalho, construído com muita dedicação pela Federação e por parceiros especiais, seja aproveitado por todos os gestores e profissionais do setor, e, juntos, com a participação de cada um de vocês, construiremos um novo tempo para a saúde do nosso país! 18 PREFÁCIO PR EF Á CI O 19 A ARTE DE GARANTIR O PERFEITO FUNCIONAMENTO DE UMA COMPLEXA ENGRENAGEM O aprimoramento do sistema de saúde brasileiro perpassa, necessariamente, pelo preparo de seus líderes, sobretudo de atores que estão em posicionamento estratégico, capazes de compreender e adequar-se às constantes transformações a que está submetido o setor para, a partir dali, prover soluções que fortaleçam os elos de toda a cadeia produtiva. A gestão hospitalar, sem sombra de dúvidas, é uma das áreas capitais nesse processo. O hospital, ao longo da história, constituiu-se como uma instituição de grande apelo social, sinônimo de recuperação, saúde e segurança. Entre munícipes das mais distintas regiões deste imenso Brasil, a construção de unidades hospitalares para atender a população está entre as políticas públicas mais demandadas. Isso apenas reforça a magnitude e a importância histórica deste valioso equipamento social. Cuidar de um paciente e cuidar de um hospital, entretanto, não são a mesma coisa. A administração desses estabelecimentos, há um bom tempo, deixou de ser um mero negócio familiar e passou a exigir, cada vez mais, formação e qualificação de quem está à sua frente. Esse grau de especialização também passou a impor ao gestor a incorporação de novas habilidades, sobretudo a liderança, para lidar com uma complexa e multiprofissional rede de colaboradores, além de conhecimentos específicos de novas ferramentas e tecnologias. Em tempos de imprevisibilidade, como a que constatamos neste período que se inicia de pós-pandemia de Covid-19, o gestor hospitalar precisa compreender que o seu posto deve ir muito além da função de administrador. Ele tem que ser visto pela sua equipe de colaboradores como um exemplo, um profundo conhecedor do funcionamento de cada etapa deste enigmático equipamento que é o hospital, alguém que possui visão sistêmica. Compreendendo dessa forma, o gestor passará a conceber o seu trabalho como uma missão, como a arte de garantir o perfeito funcionamento de uma complexa engrenagem, pois é no estabelecimento hospitalar que encontramos a maior densidade de modernização tecnológica, concentração de especialistas e capacitação técnica do Setor Saúde. Também é ali que são desenvolvidos conhecimentos e pesquisas que têm contribuído, historicamente, com a evolução das Ciências Médicas e do próprio Setor Saúde. Há, também, que se destacar que a complexidade operacional, tão característica da engrenagem de um hospital, não é o únicopeso que recai sobre os ombros de gestores. As dificuldades para gerir hospitais no Brasil precisam ser compreendidas a partir dos reflexos da forte crise, que há mais de dez anos atormenta o Setor Hospitalar. Esta crise tem exigido grande desenvoltura de seus administradores. Basta evidenciar o cenário da última década, marcado pelo dinamismo com que foram fechadas e abertas centenas e centenas de estabelecimentos hospitalares pelo país. Entre os anos de 2010 e 2019, o Brasil registrou a abertura de 1.567 hospitais privados e o fechamento de outros 2.127. Portanto, um saldo negativo de 560 hospitais. Se levarmos em consideração o cenário de abertura e fechamento de leitos, a situação é ainda mais preocupante. 20 PREFÁCIO Neste período, os hospitais que foram abertos adicionaram 58.713 novos leitos, enquanto os que fecharam reduziram 92.645 leitos.1 Este quadro também deve servir de termômetro para uma análise crítica sobre como esses gestores têm atuado. É fato que muito já se andou, nos últimos anos, para que o Brasil consolidasse uma rede hospitalar sólida, com grandes centros de saúde e especialistas reconhecidos internacionalmente. Basta notar que o número de hospitais que têm recebido selos de Acreditação e certificações internacionais de garantia de bons serviços tem aumentado consideravelmente, e não apenas em unidades localizadas entre os estados da região Sudeste. Para construção deste Manual, partimos da constatação de uma necessidade que o setor apontava. Esta publicação, portanto, deve se somar a outras tantas importantes ferramentas que estão disponíveis para contribuir com a adoção de boas práticas de gestão a essa categoria tão imprescindível ao aprimoramento do Setor Saúde. Em sua longa trajetória de lutas e conquistas, a Federação Brasileira de Hospitais (FBH), na condição de entidade pioneira, compreendeu que a produção do conhecimento, o compartilhamento de conteúdos estratégicos e o desenvolvimento do senso crítico em torno do funcionamento do setor são vetores sem os quais a saúde jamais poderá evoluir ao grau a que tanto se almeja. O segundo volume do Manual do Gestor Hospitalar é mais uma contribuição ao aprimoramento dos atores que fazem parte do sistema de saúde brasileiro. Ele apresenta temas complementares ao primeiro volume, que foram selecionados levando em consideração o momento atual, marcado pelos reflexos de uma crise sanitária sem precedentes em nossa história recente. No primeiro volume do Manual, as discussões estavam focadas sobre como a excelência no Setor Saúde perpassa por um adequado gerenciamento de projetos, pessoas e processos, além da visão sistêmica, essencial ao gestor hospitalar. Neste segundo volume, a novidade está na escolha dos temas que dialogam diretamente com o momento histórico pós-pandemia. Nos capítulos iniciais, “Gestão da Mudança” e “Planejamento Estratégico”, são debatidos conceitos e diretrizes para a adequada gestão da unidade de saúde, além dos desafios inerentes a uma área tão propícia a transformações. Os temas seguintes, “Compliance na Saúde” e “Gestão de Riscos”, evidenciam a importância da adoção de protocolos e diretrizes voltados a melhorar processos assistenciais, administrativos e de apoio, por meio da identificação das possíveis falhas na unidade, e da definição de práticas de controle que possam mitigar essas ocorrências. Sequencialmente, os capítulos “Segurança do Paciente”, “Inovação Tecnológica em Saúde", “Lean em Saúde” e “Transição de Cuidados para o Ambiente Extra-hospitalar” mostram como as constantes transformações que caracterizam o setor demandam atualização e conhecimento, por parte do gestor, para a adoção de novos procedimentos e a incorporação de inovações que estão ocorrendo no âmbito da saúde. 1 FBH – FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE HOSPITAIS. Cenário dos Hospitais no Brasil 2019. Brasília: FBH, 2019. 21 PREFÁCIO O Manual é concluído com dois importantes capítulos. Em “Gestão de Custos” – o calcanhar de Aquiles da administração hospitalar – são levados em consideração o cenário de crise e a frequente necessidade de recursos para novos investimentos. E, por fim, com o último capítulo, “Gestão de Hotelaria”, ensina-se o quanto a liderança é ímpar para o atendimento de excelência dos pacientes nos quesitos conforto, higiene e alimentação. Importante, ainda, acrescentar que a obra foi organizada com a contribuição multidisciplinar de autores que possuem notório reconhecimento em diferentes campos de atuação no setor. O Manual apresenta, em seus dez capítulos, temas que trazem luz ao desenvolvimento de competências necessárias ao bom desempenho do gestor em suas atividades cotidianas, oferecendo conhecimento qualificado e multidisciplinar nas diversas frentes de atuação na área. A FBH agradece a participação de cada colaborador, que possibilitou fazer desta construção uma ferramenta de conhecimento e atualização a essa classe de profissionais tão imprescindível à evolução do Setor Saúde. Diretoria FBH Andréa Prestes e J. Antônio Cirino INTRODUÇÃO 23 ESTRATÉGIA PERMEANDO O TÁTICO-OPERACIONAL PARA O ENCANTAMENTO DE TODOS No primeiro volume do Manual do Gestor Hospitalar, publicado em 2019, ressaltamos que a excelência no Setor Saúde perpassa por um adequado gerenciamento de projetos, pessoas e processos, e a visão sistêmica, essencial ao gestor hospitalar. Nesta nova obra, que figura como o segundo volume deste importante projeto da Federação Brasileira de Hospitais (FBH) para a atualização e o fortalecimento dos mais de 4 mil hospitais que compõem a estrutura da FBH, e, ainda, as demais unidades que são impactadas por seus construtos, avançamos em outros temas essenciais para a gestão estratégica das unidades de saúde. Além dos desafios impostos pelo mundo VUCA,1 associados à complexidade inerente à gestão das organizações de saúde, que denotam necessidade de adaptação contínua a mudanças de cenários, neste momento em que o globo é assolado por uma doença viral, gatilho impulsionador para uma revisão de conceitos e ideias, adaptar a estratégia é crucial para a estabilidade organizacional. A dinâmica do ambiente tende a ser maior que a das organizações, o que não significa que estas são estáticas e as estratégias não são revistas com certa frequência, e sim que as mudanças no ambiente são superiores à capacidade de resposta das organizações. A inércia organizacional tende a uma estabilidade entre 15 e 20 anos, e somente a partir de eventos disruptivos, chamados de triggering events, é que a mudança estratégica será estimulada e novos desafios serão colocados à prova.2 Com o aparecimento da Covid-19, os hospitais viram-se diante de um “evento-gatilho”, caracterizado como um ponto de inflexão estratégico, com a necessidade de ajustes e adequações na estratégia organizacional a fim de manter o propósito de salvar vidas, ainda que de uma maneira diferente da que vinha sendo feita até o momento. Diante disto, é crucial compreender que as instituições que obtêm bons resultados são as que conseguem conduzir a mudança necessária, por meio do alinhamento da tradicional pirâmide estratégico > tático > operacional. Cabe à alta direção desenvolver e comunicar a estratégia, que deve ser simples e cuidadosamente disseminada, para que seja entendida por todos os que fazem a realidade da unidade de saúde, com maior chance de ser executada ao fazer sentido para quem está no “gemba”.3 Nenhuma estratégia pode ser efetiva se não tocar os corações das pessoas e inspirar o trabalho de cada dia. É nessa dimensão que se vê a estratégia florescer, uma vez que só será efetiva se estiver alinhada à cultura da organização.4 1 VUCA: acrônimo dado para caracterizar um ambiente de Volatilidade, Incerteza (uncertainty), Complexidade e Ambiguidade. Veja mais em: MACKEY, S. R. H. Translating vision into reality: the role of strategic leader. Carlisle: US Army War College, 1992. 2 HUNGER, J. D.; WHEELEN, T. L. Essentials of strategic management.5th ed. New Jersey: Pearson Education, 2011. 3 Gemba é o mesmo que o local de trabalho. Veja mais em: KOENIGSAECKER, G. Liderando a transformação Lean nas empresas. Porto Alegre: Bookman, 2011. p. 60. 4 LEE, F. Se Disney administrasse seu hospital: 9 ½ coisas que você mudaria. Porto Alegre: Bookman, 2009. 23 INTRODUÇÃO 24 No contexto das unidades de saúde, normalmente, a gestão é atribuída a um pequeno número de pessoas, que possuem a responsabilidade de impulsionar a força motriz das instituições e gerar sinergia entre todos os serviços. Para que o processo de gestão conduzido por esta minoria seja efetivo, é crucial que ela empreenda a inclusão dos demais atores e oportunize a participação ativa no contexto decisório. Estamos falando em uma gestão participativa, que ouve e considera as sugestões esboçadas e possui fluxos ordenados para integrar a percepção que vem da base ao topo da organização (bottom-up). Essa ideia acompanha o conceito de indústria 4.0,5 e, também, está associada ao marketing 4.0,6 que versam sobre o potencial das novas tecnologias em transformar muito além “das coisas”, mas também na forma de viver, agir e trabalhar das pessoas. Neste sentido, a construção de um propósito único nas organizações perpassa o aspecto social inclusivo, com a criação de um novo cenário na perspectiva horizontal, que oportuniza a transição para o digital e a ideia de que fazer “juntos” desenvolve um sentimento de pertencimento nos colaboradores e auxilia na criação de uma estratégia de sustentabilidade às instituições. Construir a estratégia com a equipe que a executará faz com que a personificação dos heróis aos gestores e profissionais da saúde não seja necessária, ou, se utilizada, apenas o será com um tom lúdico, para fortalecer a autoestima. Heróis travam batalhas diariamente sem saber se sobreviverão, seguindo o curso dos acontecimentos ao acaso. No contexto hospitalar, os colaboradores não podem contar com “superpoderes”, e sim com uma gestão qualificada e excelente para a segurança de todos: pacientes, profissionais e demais envolvidos. Por isso, há a necessidade de conhecimentos específicos para que as tomadas de decisão sejam sistematizadas e orientadas aos resultados, de humanos para humanos. Na obra de Kotler, Kartajaya e Setiawan,7 ainda podemos vislumbrar uma reflexão extremamente importante para o cuidado centrado na pessoa e a humanização nas instituições de saúde, o “momento UAU”, que é definido como um momento de surpresa positiva com os serviços entregues por uma organização. As empresas e marcas que se concentram na superioridade dos produtos simplesmente fornecerão satisfação a seus clientes. Elas se empenham em desenvolver produtos e serviços que apenas atendem às necessidades e aos desejos dos clientes. Entretanto, aquelas que vão além fornecem aos clientes uma experiência fascinante para além dos produtos e serviços.8 Esse encantamento precisa pautar a realidade das unidades de saúde do país ao focarem, com os recursos disponíveis, a entrega da melhor experiência personalizada aos pacientes-clientes, e isso só é possível por meio de um esforço conjunto ao fazer com que a estratégia permeie as ações de cada profissional e dos parceiros da instituição. Este novo volume do Manual do Gestor Hospitalar dá continuidade aos temas discutidos 5 MAGALDI, S.; SALIBI NETO, J. Gestão do amanhã: tudo o que você precisa saber sobre gestão, inovação e liderança para vencer na 4ª Revolução Industrial. São Paulo: Editora Gente, 2018. 6 KOTLER, P.; KARTAJAYA, H.; SETIAWAN, I. Marketing 4.0. Rio de Janeiro: Sextante, 2017. 7 Ibidem. 8 Ibidem, p. 201. INTRODUÇÃO 25 na primeira obra e conclama todos os gestores hospitalares a compreenderem o seu papel crucial na promoção de uma assistência segura aos pacientes, com a utilização dos recursos possíveis para a promoção de uma estrutura adequada à atuação dos profissionais de saúde, resultando no encantamento de todos os intervenientes do hospital, tanto os que foram atendidos quanto aqueles que nele labutam. O atual cenário vivido é ímpar e denota um marco na linha do tempo na história da saúde mundial, favorecendo percepções e modificações até então inimagináveis. Que o luto trazido pela pandemia possa se transformar em luta, para que façamos da saúde um setor cada vez mais efetivo! Referências HUNGER, J. D.; WHEELEN, T. L. Essentials of strategic management. 5th ed. New Jersey: Pearson Education, 2011. KOENIGSAECKER, G. Liderando a transformação Lean nas empresas. Porto Alegre: Bookman, 2011. KOTLER, P.; KARTAJAYA, H.; SETIAWAN, I. Marketing 4.0. Rio de Janeiro: Sextante, 2017. LEE, F. Se Disney administrasse seu hospital: 9 ½ coisas que você mudaria. Porto Alegre: Bookman, 2009. MACKEY, S. R. H. Translating vision into reality: the role of strategic leader. Carlisle: US Army War College, 1992. MAGALDI, S.; SALIBI NETO, J. Gestão do amanhã: tudo o que você precisa saber sobre gestão, inovação e liderança para vencer na 4ª Revolução Industrial. São Paulo: Editora Gente, 2018. CAP. 1 Andréa Prestes e J. Antônio Cirino GESTÃO DA MUDANÇA 27 Objetivos » Fundamentar a gestão da mudança no contexto do Setor Saúde; » Instrumentalizar os gestores hospitalares para o gerenciamento da mudança; » Abordar a gestão da mudança segura, efetiva e sustentável. Mudança como a única constante “É claro que somos as mesmas pessoas, mas pare e perceba como o seu dia a dia mudou. Mudaram os horários, hábitos, lugares, inclusive as pessoas ao redor”.1 Esta é uma reflexão à mudança, pois demonstra um pouco da percepção que temos sobre as alterações que nos inundam diariamente. Paira a ilusão de que, mesmo com tudo mudando à nossa volta, ainda seríamos iguais. Isso também pode acontecer às unidades de saúde, que, em detrimento a todas alterações ocorridas no cenário externo, percebem-se as mesmas organizações de outrora. Do latim “mutare”, a mudança parte desta realidade transformacional, em que saímos de um ponto “a” para o ponto “b”, e, raras as vezes, temos a totalidade de informações para trilhar este caminho com tranquilidade. Apesar de todo o avanço tecnológico que auxilia as análises, trabalhamos com cenários, hipóteses e tendências cercados de múltiplas variáveis conhecidas, além daquelas ainda nem imaginadas. Isso nos reporta ao pensamento de que, mesmo não sendo possível prevermos o futuro em sua totalidade, podemos estar preparados e instrumentalizados para uma adaptação ágil e segura. A mudança é temida. A maioria das pessoas se esconde na falsa impressão da manutenção do status quo, quando a própria vida é fugaz. Tudo o que se apresenta diferente do conhecido, dos costumes, das vivências anteriores, pode ser percebido como uma ameaça. O ser humano tende a ter receio daquilo que tira a sua sensação de domínio, de segurança, tornando o ambiente instável. Naturalmente, podemos indagar qual seria, então, a faísca que funciona como ignição para as mudanças no cotidiano. Estamos cercados de micro e macroacontecimentos que acabam por serem os impulsionadores do movimento das pessoas e das organizações. Corriqueiramente, não percebemos, de forma tão evidente, a importância de cada pequeno ato para o grande quadro, mas lá estão eles: são as pequenas ações, boas ou más, que orquestram diversas reconfigurações no sistema da vida. Ao atuarmos nas unidades da saúde, devemos entender que as mesmas vivências geram impactos distintos entre os indivíduos. De acordo com a premissa de Zourabichvili,2 as experiências são plurais, ou seja, ninguém vivencia um acontecimento da mesma forma que outrem. Por isso, a empatia é importante para a compreensão do momento atual de cada componente dos grupos multidisciplinares existentes nos contextos da prestação do cuidado. É preciso ter zelo e sensibilidade 1 Música “Anacrônico”, composta por Pitty. 2 ZOURABICHVILI, F. Deleuze: uma filosofia do acontecimento. São Paulo: Editora 34, 2016. GESTÃO DA MUDANÇA28 para que as alterações sejam visualizadas como oportunidade de melhoria e ocorram da melhor forma possível. A pandemia de Covid-19 é, fatalmente, um exemplo de um acontecimento-mundo e de um acontecimento-monstro,3 devido às suas proporções em escala global e à característica de catástrofe que ceifou a vida de tantas pessoas. O ano de 2020 foi marcado na história contemporânea como aquele que “não aconteceu”, justamente pela desprogramação do que havia sido planejado, da alteração da rotina de todos e das mortes como fator mais lamentável neste contexto. Diante disso, algumas inquietações que podem ser trazidas para fundamentar a discussão deste capítulo é: torna-se compreensível que a pandemia remexesse com vários setores empresariais, mas qual a razão de ter sido tão impactante nos sistemas de saúde? Os surtos, as epidemias e as pandemias deveriam ser presumíveis, do ponto de vista dos hospitais, e, por isso, não seria esperado que atuassem preventivamente, com o planejamento de ações estruturadas para amortecer os danos de mudanças bruscas? Esses questionamentos coadunam, sobremaneira, com o foco do projeto Manual do Gestor Hospitalar: capacitar os líderes em saúde para que consigam conduzir, efetivamente, os cenários que se interporem para o contexto do Setor Saúde. O objetivo é contribuir com a melhoria da gestão hospitalar, para que, independentemente da grandiosidade do desafio, a partir de planejamento, capacitação e foco, seja possível a realização de grandes feitos, mesmo em situações inusitadas, surpreendentes e que nos impõem receio. Cada vez mais as empresas são expostas a cenários desafiadores, que demandam atitudes rápidas e certeiras para a adaptação ao contexto. O fato é que, dificilmente, retornaremos àqueles tempos em que os gestores tinham o conforto e o poder de decidir como e quando mudar, com a condição de planejar a implementação de determinada alteração. O tema gestão da mudança surgiu e evoluiu consideravelmente nas últimas décadas. O que antes era considerado como uma abordagem pontual e reativa após a ocorrência do fato passou a ser compreendido pela composição de processos holísticos e estruturados, por meio de um conjunto completo de ferramentas capazes de conduzir a transformação, a nível individual e organizacional. Essa evolução, nos últimos anos, de conceitos e práticas tem ocasionado maior sucesso nas entregas dos objetivos dentro do prazo e dos orçamentos.4 Capacidade de mudança é uma condição que reflete um processo dinâmico de aprendizagem e ajuste contínuo, permitindo que a organização prospere no meio da ambiguidade e da incerteza, com a competência de implementar as ações necessárias.5 A mudança genuína é aquela que vem de dentro e está associada aos valores, tanto das pessoas quanto das organizações. Posto isto, as ações derivadas do processo de transformação serão sustentáveis se estiverem alinhadas à cultura interna, ao jeito de ser da instituição, de acordo com a estrutura de seu gene. A cultura organizacional desenvolve-se a partir da necessidade de adaptação ao ambiente externo e da integração com o 3 DOSSE, F. Renascimento do acontecimento: um desafio para o historiador, entre Esfinge e Fênix. São Paulo: Editora Unesp, 2013. 4 THOUGHT Leadership Article – Enterprise Change Management. Prosci, [s.d.]. Disponível em: https://www.prosci.com/resources/articles/ enterprise-change-management-overview. Acesso em: 23 ago. 2020. 5 BUONO, A. F.; KERBER, K. Creating a sustainable approach to change: building organizational change capacity. S.A.M. Advanced Management Journal, v.75, n. 2, p .4-21, 2010. 1. GESTÃO DA MUDANÇA 29 ambiente interno, associada ao conjunto de valores compartilhados, e, por isto, tem um papel crucial no processo de mudança. A capacidade mutacional envolve aspectos comportamentais e técnicos em relação àquilo que está sendo modificado. Para que este processo tenha efeito positivo, as lideranças possuem um papel fundamental. É esperado que os gestores hospitalares detenham ou desenvolvam a competência da mudança e estejam preparados para liderar este processo, com a capacidade de provocar alterações comportamentais e de mindsets (modelos mentais), necessários à gestão efetiva, a partir do estabelecimento de uma direção comum, alinhando pessoas e recursos, convergindo ao comprometimento coletivo. Na gestão de projetos há uma evocação natural ao change management, visto que cada ação neste âmbito é entendida como um esforço temporário que exige a transformação de contextos e, por isso mesmo, necessita de um instrumental capaz de permitir que estas mudanças transcorram de forma efetiva.6 Também é essencial que o gestor hospitalar tenha noção clara de quando empregar os recursos necessários para a gestão da mudança, de forma a otimizar os esforços que, de fato, irão gerar impacto positivo na organização. Apesar da particularidade de cada perfil, como porte e contexto das unidades de saúde, citamos, aqui, alguns exemplos de situações em que o planejamento da mudança torna-se imprescindível para que ela aconteça de forma segura e efetiva: » Implantação de novos serviços/unidades de internação; » Transição de um processo com gestão própria para uma empresa parceira; » Alteração da estrutura de liderança no nível estratégico e tático; » Inovações tecnológicas; » Mudança de pontos críticos na instituição; » Novas legislações; » Projetos estratégicos. Mudar de forma segura, efetiva e sustentável A gestão da mudança, além de sua multidisciplinaridade, apresenta um conjunto poderoso de ferramentas e técnicas, sendo seu conhecimento um ponto fulcral aos gestores hospitalares. Assim, é importante que estes desenvolvam uma visão dos passos necessários à operacionalização deste processo. Apresentamos, a seguir, três deles, que poderão ajudar na elaboração de estratégias organizacionais para a mudança: 1) fortalecer ou desenvolver uma cultura focada na segurança de todos os aspectos inerentes ao contexto: humano, financeiro, imagem, ambiental, integridade, entre vários outros; 2) garantir a efetividade de cada processo da transformação, com a capacitação dos profissionais e a gestão de riscos; e 3) criar mecanismos para que a mudança positiva torne-se sustentável, ou seja, incorporada à instituição. 6 CARLI, E. Gestão de mudanças aplicada a projetos: ferramentas de change management para unir PMO e CMO. Rio de Janeiro: Brasport, 2015. GESTÃO DA MUDANÇA 30 Figura 1 – Focos da mudança positiva MUDANÇA POSITIVA SUSTENTÁVEL EFETIVA SEGURA Fonte: Elaboração dos autores do capítulo. A aplicação da gestão da mudança, quando fundamentada nos pilares da segurança, da sustentabilidade e da efetividade, permite a promoção do que denominamos de mudança positiva, ou seja, a adequação da organização aos requisitos necessários e previstos nas boas práticas em saúde, oportunizando um ambiente propício à garantia da perenidade das mudanças, muito necessário na nova realidade pós-pandemia. No enfrentamento à Covid-19, foram necessárias várias ações frente a um cenário negativo, que exigiu uma postura organizacional capaz de mitigar os danos decorrentes do tema, ao exemplo do fortalecimento das campanhas de higienização das mãos aos profissionais de saúde. Vale reiterar a importância desta prática e a necessária busca de uma maior adesão no dia a dia, em virtude da grande mudança em curso. Outrossim, para que ocorra uma mudança positiva em uma organização, diante de um cenário negativo, além da consideração dos três fatores ora apresentados, é essencial que se realize o gerenciamento da transformação, o que pode resultar em alguns benefícios, possíveis por meio da metodologia Strategy©: Percepção clara das modificações organizacionais e seus benefícios. Alinhamento e comprometimento das lideranças. Sensibilização mobilização e comprometimento das equipes com o processo. Prontidão para a mudança. Mitigação dos impactos da transformação organizacional.Monitoramento das expectativas na implantação da mudança. Criação de multiplicadores para a continuidade do processo de transformação. Redução das resistências. Diminuição de custos, prazos e retrabalho. Alcance mais rápido dos resultados desejados.7 7 BASSALO, J. Metodologia para gestão de mudanças organizacionais: guia prático de conhecimento da Strategy Consulting. Rio de Janeiro: Brasport, 2017. p. 9. 1. GESTÃO DA MUDANÇA 31 A metodologia Strategy© é suportada por quatro diferentes perspectivas: mobilização, comunicação, impactos e capacitação. Cada perspectiva permite uma visão orientada às diferentes necessidades impostas pela gestão da mudança, derivando de algumas fases do processo, as quais são abordadas por Bassalo:8 » Preparação: a partir da emergência da mudança, seja por meio de situações positivas, seja de negativas, a primeira fase é compreender o cenário e levantar os dados e as informações que possibilitarão conhecer sobre o que estamos falando; » Estruturação: de posse deste diagnóstico inicial, é essencial planejar o que será feito, quem fará, de que forma será executado e em qual prazo; » Execução: com o plano pronto, possibilitar que as ações pensadas sejam executadas e seus resultados monitorados; » Sustentação: após a mudança principal, torna-se necessário verificar o quanto este cenário teve aderência e prover, por meio de novas práticas, o suporte para a manutenção da mudança positiva. O processo de sustentação está muito ligado à capacidade organizacional de gerir o aprendizado desenvolvido com a mudança implementada. Ainda que existam amplas discussões sobre a inteligência corporativa e o capital intelectual, poucos entendem o que significa gerir o conhecimento nas instituições. A tradição da administração ocidental apregoa que a construção do conhecimento útil dá-se com o processamento de informação obtida por meio de dados formais e quantificáveis. A visão dos gestores japoneses, por exemplo, não se resume ao processamento de dados objetivos. Eles buscam aproveitar os insights (às vezes, subjetivos) dos colaboradores em prol da empresa como um todo. Possuem uma abordagem mais holística deste processo de geração de conhecimento, por entenderem a organização como um organismo vivo, e não como uma máquina.9 Nesse sentido, a figura 2 demonstra que a capacidade transformacional tem sua base no contexto organizacional, em que a cultura do aprendizado contínuo está sedimentada, passando a suportar o desenvolvimento de novos conhecimentos, o que oportuniza e favorece as implementações das mudanças. Figura 2 – Capacidade transformacional das organizações de saúde CONTEXTO ORGANIZACIONAL CULTURA DO APRENDIZADO IMPLEMENTAÇÃO DAS MUDANÇAS Fonte: Elaboração dos autores do capítulo a partir dos conceitos de Buono e Kerber (2010). 8 Ibidem. 9 NONAKA, I. The Knowledge-Creating Company. Harvard Business Review, Jul.-Aug. 2007. Disponível em: https://hbr.org/2007/07/the- knowledge-creating-company. Acesso em: 22 ago. 2020. GESTÃO DA MUDANÇA 32 A empresa que compreende a gestão do conhecimento como a integração de ideias aos ideais possibilita um processo continuado de autorrenovação, que a torna capaz de provocar as mudanças necessárias, para que estas não sejam apenas impostas pela pressão do cenário externo. A origem do conhecimento corporativo inicia-se com o indivíduo, que, ao compartilhar a sua expertise, possibilita que a empresa transforme em valor ao negócio.10 Kotter11 apresenta o que considera os oito passos da mudança, para que seja possível atingir o sucesso neste processo: Figura 3 – Os oito passos do processo de mudança 1 ESTABELECER SENSO DE URGÊNCIA 2 CRIAR A COALISÃO DE ORIENTAÇÃO: LIDERANÇA 3 DESENVOLVER UMA VISÃO ESTRATÉGICA 4 COMUNICAR A VISÃO ESTRATÉGICA 5 CAPACITAR E EMPODERAR AS PESSOAS PARA TRABALHAREM A VISÃO 6 PLANEJAR OS OBJETIVOS, DESDOBRAR EM ETAPAS, COMEMORAR PEQUENAS VITÓRIAS E RECONHECER OS ENVOLVIDOS 7 CONSOLIDAR AS MELHORIAS E PROMOVER MAIS MUDANÇAS 8 INSTITUCIONALIZAR AS MUDANÇAS: CULTURA DA MUDANÇA Fonte: Elaboração dos autores do capítulo a partir de Kotter (1996). Nesse modelo, o autor oportuniza uma visão essencial ao tema: a conexão com os processos de gestão de pessoas e com as designações estratégicas de qualquer organização. A partir disso, considerando as estruturas ancoradas neste capítulo,12,13 propomos um sistema unificado de gestão da mudança em organizações do Setor Saúde: 10 Nonaka (2007). 11 KOTTER, J. P. Leading Change. Boston: Harvard Business School Press, 1996. p. 21. 12 Kotter (1996). 13 Bassalo (2017). 1. GESTÃO DA MUDANÇA 33 Figura 4 – A gestão da mudança para organizações de saúde EXECUÇÃO ANÁLISE DE RESULTADOS PLANEJAMENTO SENSIBILIZAÇÃO DOS PÚBLICOS MANUTENÇÃO DA MELHORIA IDENTIFICAÇÃO DE OPORTUNIDADE Fonte: Elaboração dos autores do capítulo. A sequência sugerida relaciona etapas importantes, para as quais apresentamos algumas práticas necessárias à execução: » Identificação da oportunidade: momento em que se percebe alguma situação iminente ou já ocorrida e que poderá proporcionar alterações significativas na organização de saúde. Optamos pelo termo “oportunidade” para fugir de uma ideia pessimista de problema/falha, visto que algumas mudanças podem gerar oportunidades de melhoria, caso sejam bem administradas. Aquelas consideradas situações catastróficas devem ser analisadas com o intuito de identificar oportunidades de eliminar ou mitigar os impactos; » Planejamento: a partir do conhecimento e da estruturação da oportunidade, é necessário estabelecer o time responsável pela condução do processo da mudança, bem como a designação do líder, e, em seguida, o levantamento dos recursos financeiros, materiais e estruturais necessários para esta atividade. A partir daí, sistematizar as etapas do processo de forma a promover um ordenamento sequencial ou simultâneo, necessário ao cumprimento dos prazos estabelecidos. Provavelmente, antes desta ação, o cenário que se figurou foi alheio aos domínios da instituição de saúde. Entretanto, a partir desta elaboração, há um maior controle das variáveis e, mesmo que estas irrompam outras situações, tal planejamento tornaria minimamente possível uma projeção por cenários,14 visto o acontecimento que deu origem a esta questão; » Sensibilização dos públicos: de posse do planejamento fundamentado, torna-se necessário um plano de comunicação aos stakeholders desta mudança, para que estes sejam informados e ouvidos conforme as suas necessidades. Para o sucesso do que foi pensado, o envolvimento 14 MARCIAL, E. C. Planejamento por cenários em organizações hospitalares. In: PRESTES, A. et al. (Eds.). Manual do Gestor Hospitalar. Brasília: FBH, 2019. GESTÃO DA MUDANÇA 34 e a participação ativa dos públicos são essenciais. Com vistas a subsidiar a definição das ações destinadas a cada público, recomendamos que seja feito um mapeamento15 destes e, a partir daí, sejam criadas estratégias adaptadas a cada perfil; » Execução: a partir da criação do plano da mudança, seguido da sensibilização dos públicos, pode-se dar início à implantação das ações. Ao estabelecer ações ordenadas, desde a fase do planejamento até a sensibilização, é possível que a implantação das ações ocorra de forma fluida, com mais chances de resultados positivos; » Análise dos resultados: para a continuidade deste processo, é preciso acompanhar cada resultado e girar ciclos de melhoria visando ao aperfeiçoamento das práticas. Em situações de mudança, mesmo com um plano coeso, há variáveis que não são totalmente apuradas ou controláveis, o que denota a necessidade constante de monitoramento e reavaliação; » Manutenção da melhoria: a implantação das mudanças deve ser percebida como um projeto, ou seja, com data determinada para o início e fim. Neste sentido, para que as alterações deixem de compor um projeto e passem a integrar o rol de processos, sugere-sea sistematização de ciclos de medição, que evidenciarão a correta implementação. Desta forma, é esperado que as mudanças sejam duradouras, ao se integrarem às práticas habituais da instituição de saúde. De um modo geral, essas etapas, assim como todos os modelos existentes, são, inevitavel- mente, parte de um ciclo PDSA,16 e exigem avaliação e adaptações constantes, com base nos apren- dizados obtidos em cada situação vivida por cada organização. Instrumentalizando a mudança Considerando a proposta de etapas para a gestão da mudança, apresentamos, a seguir, um quadro que demonstra os produtos almejados em cada etapa e as ferramentas para a execução e o acompanhamento dos resultados, que podem ser úteis neste processo, a depender da realidade e da situação experenciada. 15 CIRINO, J. A. F. Comunicação. In: PRESTES, A. et al. (Eds.). Manual do Gestor Hospitalar. Brasília: FBH, 2019. 16 Plan – Planejar; Do – Executar; Study – Estudar; Act – Agir. 1. GESTÃO DA MUDANÇA 35 Quadro 1 – Ferramentas para gestão da mudança em organizações de saúde Etapa Produto almejado Ferramentas possíveis Identificação da oportunidade Escopo da mudança Brainstorming Análise SWOT Cinco porquês Diagrama de Ishikawa Voz do cliente (VOC) Planejamento Plano da mudança Sipoc Árvore CTC A3 Ciclo PDSA HFMEA Canvas 5W2H Matriz GUT Sensibilização dos públicos Plano de gerenciamento dos públicos Mapa de stakeholders 5W2H Voz do cliente (VOC) Plano de comunicação Execução Relatório das ações Checklist Gemba walk 5W2H Indicadores Análise dos resultados Relatórios de análise Carta de controle Histograma Análise crítica de indicadores 5W2H Manutenção da melhoria Plano de continuidade da melhoria Ciclo PDSA Sipoc Padronização Fluxograma Fonte: Elaboração dos autores do capítulo. Gerencie a mudança De acordo com o exposto no decorrer deste capítulo, percebemos que a mudança é inevitável, visto que, mesmo que não a provoquemos, poderão surgir situações externas que nos fogem ao controle, que nos impulsionarão à transformação. Diante disto, o cenário mais positivo é aquele em que é possível controlar as mudanças, mesmo as não previstas, por meio das melhores práticas de gestão de riscos. A diferença estará, assim, entre agir preventivamente ou ter condutas reativas. GESTÃO DA MUDANÇA 36 Existem alguns fatores que resumimos como a chave para o sucesso de um processo de mudança: a cultura voltada para o aprendizado contínuo e a gestão do conhecimento; a liderança, que precisa estar alinhada à estratégia organizacional e dotada de competências capazes de gerir o processo transformacional; e o planejamento, oportunizando análises prévias de cenários, com a inclusão da gestão dos riscos identificados. Considerando o que conversamos até agora, principalmente no Setor Saúde, a melhor forma, então, seria despir-se da necessidade de lograr êxito na constância e partir mesmo para o não lugar da mudança, assumindo o controle do próprio destino enquanto ser humano e da organização em que está inserido, justamente ao visualizar que mesmo o acaso pode ser gerenciado, quando nos preparamos para isso. É fato que a maioria das unidades de saúde sempre navegaram em águas incertas, habituadas a viver sob demanda, em contingência, e, em boa parte do tempo, “apagando incêndios”. Diante de um cenário pandêmico, com a iminência de um considerável aumento na carga tributária e tantos outros desafios diários da gestão em saúde, como é possível que os hospitais ultrapassem a necessidade de agir para “sobreviver”, para uma situação em que sejam capazes de antever cenários, planejar, implementar e sustentar melhorias positivas? Não existe uma resposta certa a essa abordagem nem mesmo uma receita milagrosa capaz de reconfigurar uma organização de uma hora para outra, ou, ainda, alterar a forma de ver e administrar do gestor hospitalar. Trata-se de uma construção, de um caminhar estruturado e constante, liberto de crenças e apegos a métodos ou conceitos. Claro que eles são importantes e necessários, desde que adaptados à realidade de cada organização. Contudo, além deles, é preciso atitudes e pensamentos disruptivos, orientados pela composição do conhecimento técnico, pela visão sistêmica e pela ação. De que adiantam ideias excelentes se não forem operacionalizadas? Mesmo o cenário da Covid-19, que é díspar de vivências cotidianas, já não foi tão incerto alguns meses depois de sua irrupção no Brasil, em 2020, sendo possível prever e analisar seus desdobramentos com mais propriedade. O que cada gestor de saúde fez após tomar ciência das variáveis presentes no mundo que se reorganizava a partir do caos ocasionado pela disseminação deste vírus? E como está a visão destes líderes com estes novos acontecimentos? Não podemos deixar o planejamento para depois. A definição estratégica de pensar em todos os elementos incertos, nas oportunidades e nas ameaças, nas forças e nas fraquezas de cada instituição não é tópico para “quando possível”, e sim a agenda diária e fixa para a sustentabilidade econômico-financeira destes hospitais. Sendo que nada é para sempre o mesmo, partindo de uma noção de impermanência constante,17 podemos assumir que somos estradas, caminhos para jornadas mais amplas, 18 vivendo enquanto condutores de boas práticas, de bons exemplos e boas ações para todos, mesmo em situações desafiadoras. A mudança está aí, todos os dias. O que vamos fazer dela? 17 MONJA COEN. Nada fixo nem permanente: o desabrochar da alma | Monja Coen | Zen Budismo. YouTube, 21 jul. 2018. 4’57’’. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Lk4QWum2Jmc. Acesso em: 15 ago. 2020. 18 Música “Tocando em frente”, composta por Almir Eduardo Melke Sater e Renato Teixeira de Oliveira. 1. GESTÃO DA MUDANÇA 37 Referências BASSALO, J. Metodologia para gestão de mudanças organizacionais: guia prático de conhecimento da Strategy Consulting. Rio de Janeiro: Brasport, 2017. BUONO, A. F.; KERBER, K. Creating a sustainable approach to change: building organizational change capacity. S.A.M. Advanced Management Journal, v.75, n. 2, p .4-21, 2010. CARLI, E. Gestão de mudanças aplicada a projetos: ferramentas de change management para unir PMO e CMO. Rio de Janeiro: Brasport, 2015. CIRINO, J. A. F. Comunicação. In: PRESTES, A. et al. (Eds.). Manual do Gestor Hospitalar. Brasília: FBH, 2019. DOSSE, F. Renascimento do acontecimento: um desafio para o historiador, entre Esfinge e Fênix. São Paulo: Editora Unesp, 2013. KOTTER, J. P. Leading Change. Boston: Harvard Business School Press, 1996. MARCIAL, E. C. Planejamento por cenários em organizações hospitalares. In: PRESTES, A. et al. (Eds.). Manual do Gestor Hospitalar. Brasília: FBH, 2019.] MONJA COEN. Nada fixo nem permanente: o desabrochar da alma | Monja Coen | Zen Budismo. YouTube, 21 jul. 2018. 4’57’’. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Lk4QWum2Jmc. Acesso em: 15 ago. 2020. NONAKA, I. The Knowledge-Creating Company. Harvard Business Review, Jul.-Aug. 2007. Disponível em: https://hbr.org/2007/07/the-knowledge-creating-company. Acesso em: 22 ago. 2020. THOUGHT Leadership Article – Enterprise Change Management. Prosci, [s.d.]. Disponível em: https:// www.prosci.com/resources/articles/enterprise-change-management-overview. Acesso em: 23 ago. 2020. ZOURABICHVILI, F. Deleuze: uma filosofia do acontecimento. São Paulo: Editora 34, 2016. Allan James Paiotti PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO CAP. 2 39 Objetivos » Entender a estratégia em um contexto histórico; » Definir missão, visão e valores como ponto de partida para o planejamento estratégico; » Demonstrar a importância do planejamento estratégico como fator determinante de sobrevivência e diferenciação no ambiente competitivo. Estratégia em um contexto histórico Do grego strategia, o conceito de estratégia está historicamente ligado ao contexto militar na atividade de liderança de tropas. Como exemplo, Sun Tzu1 (século IV a.C.), estrategistamilitar que escreveu o tratado militar “A Arte da Guerra”, deu forma a conceitos que se mostram atuais até hoje: Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas.2 Ao longo dos séculos, esses conceitos influenciaram personagens históricos como Alexandre, o Grande, Napoleão, Mao Tsé-Tung e Winston Churchill, reconhecidos pela capacidade estratégica com que enfrentaram momentos de conflito transformadores do mundo. No campo da administração não foi diferente: o pensamento estratégico foi, gradualmente, incorporado à atividade empresarial ao longo do século XX, evoluindo de acordo com o contexto histórico em que se desenvolvia. “A essência da estratégia é escolher o que não fazer!” (grifo nossos).3 Mudanças cada vez mais rápidas, demandas geracionais, turbulências econômicas e políticas e tensões competitivas criam um ambiente de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, caracterizando o conceito de mundo VUCA.4 Nos dias de hoje, em especial no segmento hospitalar, ter uma estratégia clara é fundamental para orientar as ações que vão garantir vantagens competitivas e sucesso sustentável às organizações. E, para ser clara, a estratégia precisa estar conectada com suas aspirações e seu propósito. Começamos, aqui, a jornada do planejamento estratégico. 1 TZU, S. A arte da guerra. São Paulo: Editora Jardim dos Livros, 2008. 2 Ibidem. 3 Frase de Michael Porter (Ann Arbor, Michigan, 1947), professor da Harvard Business School, com interesse nas áreas de Administração e Economia. 4 VUCA: acrônimo de volátil (volatility), incerto (uncertainty), complexo (complexity) e ambíguo (ambiguity). Conceito utilizado pelo Exército americano a partir dos anos 1990 para tratar ambientes dinâmicos e de alta imprevisibilidade; começou a ser aplicado no mundo dos negócios na última década. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 40 Missão, visão e valores O ponto de partida para um planejamento estratégico passa pela criação de um alicerce robusto, que sustenta o propósito da organização: por que existe, para onde vai e o que a torna única. Essas são questões que definem a sua essência e influenciam as escolhas que serão feitas ao longo de sua existência. Com essa consciência, a administração moderna estruturou uma abordagem para definir o tripé que irá orientar o planejamento estratégico: a missão, a visão e os valores da organização. Figura 1 – Identidade organizacional MISSÃO Razão de ser da organização. Para que existimos? VISÃO Aonde queremos chegar? O que buscamos atingir? Em que seremos referência? VALORES Quais são os nossos padrões de comportamento? O que nos motiva? O que nos faz únicos? Fonte: Elaboração do autor do capítulo. No segmento hospitalar, o propósito ligado ao cuidado e à vida oferece um sentido claro na definição da identidade organizacional da instituição. Os gestores hospitalares devem começar o planejamento estratégico com um ciclo de discussões envolvendo os mais variados stakeholders (por exemplo, conselheiros, lideranças internas, clientes, equipe operacional) para estabelecer, de forma clara, simples e objetiva, os elementos que irão nortear o planejamento e o futuro da organização. Esse é o ponto de partida para o planejamento estratégico. 2. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 41 Planejamento estratégico Enquanto a estratégia é definida pela síntese de uma visão de oportunidade e diferenciação, o planejamento pressupõe a adoção de metodologias que permitam o desenvolvimento de planos de ação com atividades, recursos, objetivos e responsabilidades definidos. De forma mais ampla, a estratégia mostra-nos para onde queremos ir, idealmente com diferenciais competitivos, enquanto o planejamento estratégico cria a rota para chegarmos lá, desdobrando as diferentes etapas do caminho em planos integrados que buscam promover movimentos sinérgicos e coordenados para a conquista de cada etapa prevista. O planejamento estratégico fornece elementos para o constante pensamento crítico da estratégia estabelecida, consolidando um entendimento do cenário competitivo e das competências estratégicas diferenciadoras da organização, para que ela possa oferecer produtos e serviços com vantagens competitivas. Figura 2 – Ciclo do planejamento estratégico Visão estratégica Planejamento estratégico (ex.: cinco anos) Plano operacional (ano 1, ...) Estudo de cenários Diagnóstico estratégico Ciclo do planejamento estratégico Fonte: Elaboração do autor do capítulo. Usualmente, o planejamento estratégico estrutura a evolução da visão estratégica em horizontes, considerando uma perspectiva de tempo adequada à ambição da visão e às características PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 42 do ambiente em que ela está inserida. Planejamentos estratégicos de países, por exemplo, chegam a ser formulados em perspectivas de 20 ou 30 anos. No contexto empresarial, considerando-se aqui o segmento hospitalar, especialmente em economias mais dinâmicas e sujeitas a flutuações mais intensas, que podem impactar de forma determinante os planos em andamento, planejamentos são, normalmente, feitos em um horizonte de cinco anos. Figura 3 – Visão estratégica: modelo conceitual AN0 1 AN0 2 AN0 3 AN0 4 AN0 5 HORIZONTE 1 VISÃO ESTRATÉGICA HORIZONTE 2 HORIZONTE 3 AMBIÇÕES ESTRATÉGICAS DESAFIOS OPERACIONAIS TRANSFORMAÇÃO DIGITAL UNIDADES DE NEGÓCIO DEVEM ESTAR ENTRE TOP 3 NO SEGMENTO DE ATUAÇÃO INCORPORAR INOVAÇÃO C30% RECEITA VINDA DE PRODUTOS LANÇADOS NOS ÚLTIMOS 18 MESES UNIDADES DE NEGÓCIO DEVEM ESTAR ENTRE TOP 2 NO SEGMENTO DE ATUAÇÃO EXPANSÃO REGIONAL 50% DAS UNIDADES DE NEGÓCIO DEVEM ESTAR NA LIDERANÇA DO SEGMENTO DE ATUAÇÃO INTEGRAÇÃO DE SISTEMAS OTIMIZAÇÃO ESTRUTURA OPERACIONAL DESENVOLVIMENTO LIDERANÇAS SPINOFF ÁREA INOVAÇÃO IMPLANTAÇÃO CENTRO SERVIÇO COMPARTILHADO RETENÇÃO TALENTOS E HIGH PERFORMERS TECNOLOGIA E PROCESSOS PARA EFICIÊNCIA OPERACIONAL CADEIA SUPRIMENTOS MODELO COMERCIAL INTEGRADO Fonte: Elaboração do autor do capítulo. Esses processos são vivos e precisam ser revisitados de tempos em tempos para uma análise de aderência aos planos traçados: novas propostas de valor da concorrência, transformações no perfil do mercado consumidor e mudanças no ambiente político e econômico são apenas algumas variáveis que podem impactar o planejamento em curso e determinar medidas de correção, ajuste ou alteração de planos. O bom planejamento deve garantir o desdobramento consistente das diretrizes estratégicas em um plano operacional, com atividades e objetivos claros a serem implementados, buscando dar consistência à execução no curto prazo – focando, tipicamente, o primeiro ano do planejamento estratégico em curso. O plano operacional deve incluir indicadores operacionais, financeiros e de qualidade, com especial atenção aos aspectos assistenciais e médicos, que são diferenciadores e de relevância prioritária do segmento hospitalar. Estes servirão de referência para o acompanhamento dos resultados obtidos na sua implementação. A partir dos vários indicadores sugeridos ao longo deste capítulo, os gestores devem escolher aqueles que mais se adequam à realidade de sua organização, considerando seu segmento de atuação, modelo de gestão e sistemas de controle disponíveis. 2. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 43 Figura 4 – Desdobramento do plano operacional Objetivos Estratégicos para o Ano Plano Operacional Ações Metas PLANO OPERACIONAL ANO 1 E V O L U Ç Ã O A N O A N T E R I O R INDICADORES • Operacionais • Financeiros • Qualidade R$ (000) 2019 %∆Jan-20 Fev-20 Mar-20 Abr-20 Mai-20 Jun-20 Jul-20 Ago-20 Set-20 Out-20 Nov-20 Dez-20 2020 Fonte: Elaboração do autor do capítulo. O gestor hospitalar deve dar a devida importância aos indicadores, por serem instrumentoscríticos para a avaliação contínua da implementação da estratégia definida. Eles precisam ser claramente definidos, apurados de forma transparente e amplamente debatidos entre os colaboradores da organização, pois só assim se garantem o engajamento e a ação coletiva na direção que se busca. O planejamento estratégico é uma construção de longo prazo. Comece com planos mais simples e de fácil compreensão. Vá evoluindo em complexidade e desafiando os colaboradores com metas ambiciosas, porém atingíveis. E surpreenda-se com o desenvolvimento da equipe e a superação de seus objetivos! Vantagem competitiva A concorrência é fator determinante para o sucesso de uma organização, independentemente de seu segmento de atuação. Por isso, um tema importante a ser considerado durante as discussões do planejamento estratégico são os elementos percebidos externamente como vantagens competitivas. O conceito de vantagem competitiva5 resume o conjunto de atributos que aumenta a chance de escolha pelos clientes do serviço ou produto ofertado. Sejam eles, por exemplo, derivados de fatores objetivos, como eficiência em processos, custos e know-how, sejam subjetivos, como marca 5 PORTER, M. E. Vantagem competitiva. São Paulo: Editora Atlas, 1989. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 44 e percepção de exclusividade. Tais elementos criam uma percepção de valor agregado que, se bem explorados, levam a desempenhos superiores da organização quando comparados a concorrentes na mesma indústria ou mercado. De forma constante, mas, especialmente, em momentos de mudança mais profunda em seus setores de atuação, as organizações precisam questionar seu posicionamento competitivo no mercado. O segmento hospitalar, por exemplo, vem passando por grandes transformações na última década, com players promovendo mudanças na dinâmica competitiva, por meio de movimentos de consolidação e verticalizaçãol, ou propondo novos modelos de negócio, como a oferta de serviços em bundle e compartilhamento de risco. Em seu livro “Vantagem Competitiva” (1985), Michael Porter6 propõe duas alternativas para se obter a vantagem competitiva: menor custo ou diferenciação. Associado ao escopo competitivo, sendo ele de atuação mais ampla ou mais restrita, podem-se desenvolver, essencialmente, três estratégias genéricas: liderança em custos, diferenciação ou enfoque/nicho. Figura 5 – Análise de vantagem competitiva Fonte: Porter (1989). Segundo Porter,7 adotar uma dessas estratégias com clareza como base do planejamento estratégico é fundamental para que a organização supere a concorrência de forma sustentável e rentável. Para garantir vantagem competitiva sustentável, a estratégia de negócios precisa avaliar e priorizar os recursos e as competências sobre os quais tem controle direto e que garantem diferencial de criação de valor na percepção de seu mercado consumidor. Metodologias e aplicações práticas No ambiente de estudos da administração, vários modelos de pensamento foram propostos ao longo das últimas décadas como forma de estruturar e potencializar o exercício do planejamento 6 Ibidem. 7 Ibidem. 2. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 45 estratégico. Especialistas em estratégia, como Michael Porter, Gary Hamel, Coimbatore Krishnarao Prahalad, Henry Mintzberg, Thomas Wheelen e J. David Hunger, trouxeram contribuições objetivas para o tema, estruturando conceitos que orientam as discussões nos dias atuais. 5 Forças de Porter Michael Porter8 propôs um modelo de análise competitiva que analisa a atratividade de uma indústria centrada na sua competitividade, considerando a ameaça de novos concorrentes, do poder de negociação de fornecedores e compradores e dos riscos de serviços/produtos substitutos. Figura 6 – Modelo 5 Forças de Porter PODER DE BARGANHA DOS FORNECEDORES AMEAÇA DE NOVOS ENTRANTES AMEAÇA DE PRODUTOS SUBSTITUTOS RIVALIDADE ENTRE CONCORRENTES PODER DE BARGANHA DOS CLIENTES Fonte: Adaptação do autor do capítulo com base em Porter.9 No processo de planejamento estratégico, o modelo de forças de Porter ajuda a posicionar a empresa de forma competitiva em um ambiente, considerando as forças e as ameaças a que ela está submetida. A análise da pressão exercida por essas forças irá ajudar a identificar seus pontos fortes e fracos, além de oportunidades para adquirir vantagens competitivas. 8 Ibidem. 9 Ibidem. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 46 Análise SWOT A análise SWOT,10 acrônimo de forças (strengths), fraquezas (weaknesses), oportunidades (opportunities) e ameaças (threats), é uma abordagem que orienta a identificação dos fatores internos e externos favoráveis e desfavoráveis à organização. Quadro 1 – Análise SWOT Interno Forças Quais os atributos internos que tornam a organização única? Quais os elementos diferenciadores da organização? O que promove vantagem competitiva? Fraquezas Quais as fragilidades internas que limitam ou impedem a exploração das forças e/ou oportunidades? O que a organização não faz bem e deveria fazer melhor? Externo Oportunidades Onde se concentrar para potencializar sucesso? O que está disponível no mercado, não explorado pela organização ou pelos concorrentes? Ameaças O que representa risco para o desenvolvimento sustentável? Desafios legais e/ou regulatórios. Instabilidades de mercado, moedas etc. Mudanças tecnológicas. Fonte: Elaboração do autor do capítulo. As forças e as fraquezas relacionam-se aos fatores internos da organização, determinados de forma mais objetiva pela situação e pelo posicionamento competitivo do hospital. Essa análise é, especialmente, rica, para que a organização identifique e potencialize o que tem de positivo, enquanto atua na mitigação e na melhoria de seus pontos fracos. As oportunidades e as ameaças, por outro lado, relacionam-se aos fatores externos e permitem que a organização proteja-se frente aos riscos e oriente-se na direção das oportunidades. Devido à simplicidade de aplicação da metodologia, a Análise SWOT é amplamente utilizada no processo de planejamento estratégico para realizar um diagnóstico da unidade de saúde e para explorar oportunidades com base nas condições de seu segmento de atuação e do mercado. Balanced Scorecard (BSC) Apresentada, em 1992,11 pelos professores da Harvard Business School Robert Kaplan e David Norton, o Balanced Scorecard (BSC) é uma ferramenta de planejamento estratégico que desdobra a estratégia em tarefas e metas bem definidas, com indicadores de performance da organização. O BSC aborda e desdobra a estratégia em quatro dimensões, buscando relacioná-la a direcionadores de desempenho e seu respectivo impacto financeiro. 10 Metodologia creditada a Albert Humphrey, líder de pesquisa na Universidade de Stanford nas décadas de 1960 e 1970. 11 KAPLAN, R. S.; NORTON, D. P. The Balanced Scorecard: measures that drive performance. Massachusetts: Harvard Business Publishing, 1992. p. 71-79. 2. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 47 Figura 7 – Dimensões do BSC PROCESSOS INTERNOS EQUIPE COM CONHECIMENTOS E COMPETÊNCIAS ADEQUADOS CRIAM PROCESSOS DE EXCELÊNCIA FINANCEIRA PERCEPÇÃO POSITIVA PELOS CLIENTES CRIA VALOR NA RELAÇÃO E MELHORES RESULTADOS FINANCEIROS APRENDIZADO E CONHECIMENTO CONHECIMENTOS E HABILIDADES LEVAM À MELHORIA CONTÍNUA E À INOVAÇÃO CLIENTES PROCESSOS EFICIENTES CRIAM MELHORES RELAÇÕES COM CLIENTES VISÃO ESTRATÉGICA Fonte: Elaboração do autor do capítulo. A metodologia propõe a elaboração de quadros estruturados que alinham as ações com as prioridades estratégicas definidas, mobilizando unidades de negócio, equipes e indivíduos na organização para uma atuação sinérgica conectada à estratégia. A implantação do BSC segue uma abordagem estruturada: a. Fase 1 – Estabelecer objetivos e diretrizes estratégicas: promove um alinhamento entre as diretrizes estratégicas e os objetivos da organização, em uma perspectiva de longo prazo; b. Fase 2 – Revisão dos processos, na perspectiva das quatro dimensões do BSC(financeiro, cliente, processos internos e aprendizado/conhecimento): aloca os objetivos estratégicos e os inter-relaciona, identificando gaps a serem endereçados estratégica ou operacionalmente; c. Fase 3 – Escolha e elaboração dos indicadores: definição dos indicadores que serão capazes de medir, de forma objetiva, a evolução na implementação das diretrizes estratégicas, conforme sugerimos ao decorrer do capítulo; d. Fase 4 – Elaboração do plano de implementação: definição do plano de implementação, com metas, prazos, responsáveis e indicadores associados. O BSC considera a organização como um todo, traduzindo sua visão estratégica em um caminho a ser seguido com base em metas e prazos a serem alcançados, e pode enriquecer a cultura de gestão de desempenho no setor hospitalar. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 48 5 Ps Henry Mintzberg12 tem sido um grande crítico das abordagens de planejamento estratégico defendendo que, por sua complexidade, este processo deve considerar cinco perspectivas diferentes (ou 5 Ps):13 a. Plano: essência do processo formal de planejamento; ressalta a importância da análise prévia e consciente no desenho do plano estratégico. Ciclos de planejamento regulares ou estratégias militares caracterizam essa perspectiva; b. Pretexto: avalia movimentos estratégicos que podem atuar como pretexto para enganar um concorrente. Lançar um produto ou abrir uma filial apenas para desestimular o movimento da concorrência seria um exemplo desta perspectiva estratégica; c. Padrão: iniciativas ou processos que criam vantagens competitivas podem “emergir” do dia a dia da organização. Na visão de Mintzberg,14 é importante buscar ativamente esses casos e trabalhá-los como padrões a serem incorporados no planejamento estratégico; d. Posição: traz para o debate estratégico o posicionamento de mercado da organização. O foco é explorar a alocação e o direcionamento de recursos para transformar o posicionamento da empresa, de seus produtos e serviços entre seus concorrentes, de forma a desenvolver uma vantagem competitiva sustentável; e. Perspectiva: a cultura e os valores de uma organização influenciam suas escolhas estratégicas. Considerar esses direcionadores é fundamental para evitar planejamentos estratégicos “autolimitados” ou “direcionados” que podem, inconscientemente, orientar a organização para armadilhas estratégicas. A proposta de Mintzberg permite a combinação das demais metodologias existentes, ao instigar uma visão mais ampla dos desafios e das oportunidades aos quais a organização está submetida. Durante o processo de planejamento, a abordagem dos 5 Ps pode apoiar a busca de informações, respostas e análises necessárias para o desenvolvimento do planejamento estratégico, além de testar propostas estratégicas quanto à sua viabilidade (e eventuais riscos) de implementação. Modelo de Gestão Estratégica de Wheelen e Hunger Esse modelo15 propõe uma metodologia integrada e estruturada que aborda a análise, a formulação, a implementação e a avaliação do desempenho da estratégica. O Modelo de Gestão Estratégica encontra-se organizado em quatro etapas, desenvolvidas de forma estruturada e sucessiva, de acordo com a especificidade, o tipo de tarefas e os objetivos de cada uma: a. Etapa 1 – Análise do meio: análise do ambiente em que a organização está envolvida, consolidando informações externas e internas que definirão o contexto da estratégia. 12 Henry Mintzberg (Montreal, Canadá, 1939), acadêmico canadense e autor de diversos livros na área de Administração. 13 5 Ps: plan (plano), ploy (pretexto), pattern (padrão), position (posição), perspective (perspectiva). 14 Ver nota 12. 15 WHEELEN, T. L.; HUNGER, J. D. Concepts in Strategic Management and Business Policy. Pearson, 2006. 2. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 49 Esta análise deve considerar elementos naturais, como eventual impacto de alterações do clima e recursos naturais, políticos/regulatórios, econômicos, sociais e tecnológicos, além daqueles internos relacionados à cultura, aos valores, à estrutura e aos recursos da organização; b. Etapa 2 – Formulação da estratégia: fase em que são definidos a missão, os objetivos, as estratégias e as políticas da organização; c. Etapa 3 – Implementação estratégica: foca a implementação das estratégias definidas, considerando os planos, os orçamentos e os processos necessários; d. Etapa 4 – Avaliação: fase de medição e avaliação dos resultados obtidos, oferecendo elementos para retroalimentação do ciclo. Figura 8 – Modelo de Wheelen e Hunger: modelo conceitual MEIO EXTERNO OPORTUNIDADES E AMEAÇAS MISSÃO OBJETIVOS ESTRATÉGIAS GOVERNANÇAS PLANOS DE AÇÃO ORÇAMENTOS PROCESSOS PERFORMANCE MEIO INTERNO FORÇAS E FRAQUEZAS ESTRUTURA INTERNA; MODELO DE GESTÃO; ATIVOS; CULTURA; COMPETÊNCIAS; KNOWHOW. INDÚSTRIA; CONCORRÊNCIA; REGULAÇÃO/LEGAL; RECURSOS NATURAIS. Fonte: Elaboração do autor do capítulo com base nos conceitos propostos na metodologia. É importante considerar que todas as metodologias apresentadas servem para a reflexão durante o processo de planejamento estratégico. Ao compreender o objetivo de cada, o gestor hospitalar pode escolher uma combinação entre elas – e outras – para fundamentar suas escolhas, procurando sempre se manter focado no resultado esperado, e não na metodologia utilizada – lembre-se de que as metodologias são ferramentas para apoiá-lo na estruturação do processo, e não regras rígidas a serem seguidas sem critério ou identificação com a instituição. Indicadores – a medida do sucesso Indicadores são elementos críticos para o sucesso do planejamento estratégico. Afinal, só sabemos se estamos atingindo nossos objetivos se conseguirmos medir nossa evolução. Recomendamos, no quadro 2, alguns indicadores a serem considerados pelo gestor hospitalar, ressaltando a importância de objetivos claramente definidos como fator decisivo para o sucesso do plano. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 50 Quadro 2 – Indicadores possíveis para a gestão estratégica Indicadores operacionais Possíveis indicadores Esses indicadores refletem a performance operacional da organização. No contexto hospitalar, recomendamos, de forma não exaustiva: • Quantidade de procedimentos; • Ticket médio/procedimento; • Quantidade de leads;16 • Taxa de conversão. Os indicadores podem variar de hospital para hospital, dependendo do modelo de gestão e dos sistemas de controle disponíveis. Formato de cálculo Dados objetivos extraídos dos sistemas operacionais. Indicadores financeiros Possíveis indicadores Esses indicadores refletem a performance financeira da organização. No contexto hospitalar, recomendamos: • Receita bruta; • Receita líquida; • Margem de contribuição; • EBITDA;17 • Resultado operacional. Formato de cálculo Dados objetivos extraídos da contabilidade ou relatórios gerenciais internos. Indicadores de qualidade Possíveis indicadores Esses indicadores refletem a percepção de qualidade do hospital, e estão diretamente ligados às áreas assistências e médica. Recomendamos, de forma não exaustiva: • NPS18 do cliente; • Tempo de espera; • Taxa de ocupação; • Duração média de estadia; • Densidade de infecção hospitalar; • Taxa de readmissão. Os indicadores podem variar de hospital para hospital, dependendo do foco da organização. 16 Potenciais clientes. 17 EBITDA, acrônimo de earnings before interest, taxes, depreciation and amortization, significa lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização. 18 NPS: Net Promoter Score é uma métrica de fidelidade do cliente criada por Fred Heichheld em 2003. É calculado com base nas respostas a uma única pergunta: qual é a probabilidade de você recomendar a nossa empresa/produto/serviço a um amigo? A pontuação para esta resposta é, mais frequentemente, feita com base em uma escala de 0 a 10. 2. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 51 Formato de cálculo • Tempo de espera = (tempo de espera dos pacientes) / (número de atendimentos
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