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2019 Tópicos EspEciais Em LicEnciaTura - Libras Profª. Julianne de Deus Corrêa Pietzak Profª. Adriana Prado Santana Santos Profª. Lilyan Aparecida Vieira de Souza Profª. Ana Clarisse Alencar Barbosa 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Profª. Julianne de Deus Corrêa Pietzak Profª. Adriana Prado Santana Santos Profª. Lilyan Aparecida Vieira de Souza Profª. Ana Clarisse Alencar Barbosa Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: P626t Pietzak, Julianne de Deus Corrêa Tópicos especiais em licenciatura - libras. / Julianne de Deus Corrêa Pietzak; Adriana Prado Santana Santos; Lilyan Aparecida Vieira de Souza; Ana Clarisse Alencar Barbosa. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 192 p.; il. ISBN 978-85-515-0323-2 1. Língua de sinais. – Brasil. I. Pietzak, Julianne de Deus Corrêa. II. Santos, Adriana Prado Santana. III. Souza, Lilyan Aparecida Vieira de. IV. Barbosa, Ana Clarisse Alencar. V. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 419 III aprEsEnTação Prezado acadêmico! Com este livro didático, estamos iniciando uma nova caminhada intitulada Tópicos Especiais em Licenciatura – Libras. O livro está dividido em três unidades e tem o intuito de apresentar e reforçar temáticas referentes a sua formação geral e específica. Cada unidade apresenta um tema principal voltado às temáticas propostas, trazendo conteúdos gerais para que você se prepare bem para o ENADE e possíveis concursos, principalmente para sua prática profissional diária. As temáticas abordadas nessa disciplina são gerais, atuais, oportunas, amplas e realmente fazem parte da nossa prática profissional. Vamos começar? Na primeira unidade, vamos tratar da educação de surdos, do processo de aquisição de língua de sinais para surdo como L1 (primeira língua), bem como da aquisição da língua portuguesa para surdo como L2 (segunda língua). Para finalizar esta unidade, abordaremos e refletiremos sobre o currículo e a didática na educação de surdos. Na segunda unidade, abordaremos a estrutura gramatical da Língua de Sinais (LS) e suas particularidades linguísticas em comparação com a Língua Portuguesa (LP). Apresentaremos aspectos relacionados aos estudos de tradução e interpretação em LP e em LS, bem como o papel do profissional Tradutor Intérprete de Línguas de Sinais e Língua Portuguesa (TILSP). Refletiremos ainda sobre a área da tecnologia e sua importância para a comunidade surda e ouvinte. Finalizando, na terceira unidade seguiremos dialogando sobre a escrita da LS, destacando o sistema de SignWriting e seus desdobramentos relacionado a Libras. Passaremos ainda por contextualizações sobre a surdocegueira e suas implicações. Além disso, conheceremos o universo da literatura visual, suas produções e pesquisas relacionadas. Em todas as unidades constam muitas sugestões de vídeos, leituras de livros e artigos para complementar seus estudos. Incentivamos você a participar ativamente no seu processo de aprendizagem ao longo dessa disciplina, realizando a leitura integral do livro didático e as atividades propostas nele. Acadêmico, não deixe de acompanhar o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA –, pois é por meio dele que você acessará os vídeos referentes às aulas da disciplina, além de mais sugestões de leitura. Tal postura ativa no processo de aprendizagem dará a você maior profundidade à área da Educação de Surdos. IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Esperamos que você se conscientize acerca da importância de nossa luta em prol da comunidade surda e do nosso papel enquanto docentes ou bacharéis atuantes nesse contexto. Almejamos que os estudos abordados aqui contribuam de forma significativa para a sua formação profissional, tornando-o capaz de tomada de decisões e atitudes positivas dessa comunidade singular inserida na sociedade. Desejamos excelentes estudos! Profª. Julianne de Deus Corrêa Pietzak Profª. Adriana Prado Santana Santos Profª. Lilyan Aparecida Vieira de Souza Profª. Ana Clarisse Alencar Barbosa V VI VII UNIDADE 1 – EDUCAÇÃO DE SURDOS .......................................................................................1 TÓPICO 1 – AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA SURDOS COMO L1 ..................3 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................3 2 A EDUCAÇÃO DE SURDOS E SUAS FILOSOFIAS EDUCACIONAIS AO LONGO DA HISTÓRIA....................................................................................................................3 2.1 ORALISMO .....................................................................................................................................3 2.2 COMUNICAÇÃO TOTAL............................................................................................................5 2.3 BILINGUISMO ...............................................................................................................................7 3 PEDAGOGIA VISUAL E PEDAGOGIA SURDA ........................................................................10 3.1 PEDAGOGIA VISUAL ..................................................................................................................10 3.2 PEDAGOGIA SURDA ...................................................................................................................10 4 L1 E L 2: CONCEITOS .......................................................................................................................11 5 LÍNGUA E LINGUAGEM ................................................................................................................12 5.1 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM .................................................................................................12 5.1.1 Abordagem Comportamentalista ......................................................................................13 5.1.2 Abordagem Linguística .......................................................................................................13 5.1.3 Abordagem Interacionista ..................................................................................................136 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM EM CRIANÇAS SURDAS .....................................................14 6.1 ESTÁGIOS DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM .....................................................................14 6.1.1 Período Pré-Linguístico ......................................................................................................14 6.1.2 Estágio de um Sinal .............................................................................................................15 6.1.3 Estágio das Primeiras Combinações .................................................................................16 6.1.4 Estágio das Múltiplas Combinações .................................................................................16 7 TEORIAS SOBRE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ...................................................................18 7.1 PIAGET ...........................................................................................................................................18 7.2 VYGOTSKY .....................................................................................................................................18 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................20 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................22 TÓPICO 2 – AQUISIÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS COMO L2 ..........25 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................25 2 AQUISIÇÃO DE L2 ............................................................................................................................26 2.1 O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS ..............................................................................................................................27 3 ESTÁGIOS DE AQUISIÇÃO DE L2 ...............................................................................................32 3.1 ESTÁGIO INTERLÍNGUA (IL1) ..................................................................................................33 3.2 ESTÁGIO INTERLÍNGUA (IL2) ..................................................................................................34 3.3 ESTÁGIO INTERLÍNGUA (IL3) ..................................................................................................34 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................36 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................37 sumário VIII TÓPICO 3 – CURRÍCULO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS ...............................39 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................39 2 CULTURA SURDA .............................................................................................................................39 3 CURRÍCULO CULTURAL ................................................................................................................40 4 CONTRIBUIÇÕES DO CURRÍCULO CULTURAL ....................................................................41 5 IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO NA DIDÁTICA .........................................................43 5.1 DIDÁTICA CULTURAL NA EDUCAÇÃO DE SURDOS .......................................................43 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................47 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................54 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................55 UNIDADE 2 – LIBRAS E LP: ASPECTOS GRAMATICAIS – ELEMENTOS TEÓRICOS, PRÁTICOS DE TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO – TECNOLOGIA ASSISTIVA .............................................57 TÓPICO 1 – ESTUDOS CLÁSSICOS DAS LÍNGUAS: GRAMÁTICA EM LP E LIBRAS E SUA ORGANIZAÇÃO ..............................................................59 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................59 2 TIPOS DE LINGUAGEM ...............................................................................................................60 3 FALA .....................................................................................................................................................62 4 CATEGORIAS DAS LÍNGUAS ......................................................................................................63 4.1 GRAMÁTICA DA LP COMO L2 – BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO .................................63 4.2 GRAMÁTICA EM LIBRAS – BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO ............................................66 5 PARÂMETROS DAS LÍNGUAS DE SINAIS ...............................................................................69 5.1 ORGANIZAÇÕES FONOLÓGICAS EM LIBRAS ...................................................................72 5.2 SISTEMA MORFOLÓGICO EM LIBRAS ..................................................................................73 5.3 ASPECTOS SINTÁTICOS EM LIBRAS .....................................................................................75 5.4 ASPECTOS SEMÂNTICOS E PRAGMÁTICOS EM LIBRAS .................................................76 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................80 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................82 TÓPICO 2 – LIBRAS: TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO – BREVE CONTEXTO: TEÓRICO, COGNITIVO E PRÁTICO .......................................................................85 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................85 2 OS ESTUDOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO E SEUS CONCEITOS .....................85 3 MODELOS DE INTERPRETAÇÃO/TRADUÇÃO APLICADA ÀS LÍNGUAS ORAIS ......88 4 TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS – CONCEITO E FORMAÇÃO ...........................91 5 TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO APLICADA AS LÍNGUAS DE SINAIS ........................96 6 ASPECTOS GERAIS NA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO .................................................99 6.1 ESTRATÉGIAS/DESAFIOS/EXPECTATIVAS ...........................................................................100 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................102 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................103 TÓPICO 3 – LIBRAS: TECNOLOGIAS ASSISTIVAS APLICADAS À COMUNIDADE SURDA ..............................................................................................105 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................105 2 AMBIENTES DE ATUAÇÃO DO TILSP ......................................................................................105 2.1 CONTEXTO EDUCACIONAL ....................................................................................................105 2.2 ÁREA RELIGIOSA – PROFESSOR DE LIBRAS E TILSP ........................................................1072.3 ASSISTÊNCIA AO SURDO NA ÁREA DE SAÚDE COMO FATOR DE INCLUSÃO SOCIAL ....................................................................................................................108 IX 2.4 TRADUÇÃO/INTERPRETAÇÃO JURÍDICA ...........................................................................109 2.5 TRADUÇÃO/INTERPRETAÇÃO NA ÁREA TELEVISIVA ....................................................110 3 QUESTÃO DE ÉTICA ........................................................................................................................111 4 CONCEITUANDO TECNOLOGIA E TECNOLOGIA ASSISTIVA ......................................112 4.1 APARELHO DE AMPLIFICAÇÃO SONORA – AASI .............................................................114 4.2 USO DE APLICATIVOS TRADUTORES....................................................................................115 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................119 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................122 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................123 UNIDADE 3 – LIBRAS: SISTEMA DE ESCRITA SIGNWRITING – SURDOCEGUEIRA E LITERATURA VISUAL ..........................................................................................125 TÓPICO 1 – SIGNWRITING: UMA METODOLOGIA DE ESCRITA PARA LIBRAS ...........127 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................127 2 SISTEMA DE ESCRITA – CONTEXTUALIZAÇÃO ...................................................................127 3 CONSTRUÇÃO DO SISTEMA SIGNWRITING E SUA REPRESENTAÇÃO ......................129 3.1 ENTENDENDO A ESTRUTURA DA ESCRITA DE SINAIS ..................................................131 4 SINGWRITING – BREVE HISTÓRICO NO BRASIL ................................................................136 5 CONHECENDO ALGUNS SISTEMAS DE ESCRITA NAS LÍNGUAS DE SINAIS PELO MUNDO ....................................................................................................................................136 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................142 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................144 TÓPICO 2 – SURDOCEGUEIRA E SUAS PARTICULARIDADES ............................................145 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................145 2 CONCEITUANDO SURDOCEGUEIRA E SURDOCEGO ........................................................145 2.1 BREVE DISCUSSÃO SOBRE SURDOCEGUEIR E A LEGISLAÇÃO ....................................148 3 SURDOCEGUEIRA – DIFERENTES NÍVEIS E COMUNICAÇÃO .........................................150 3.1 COMUNIDADE SURDOCEGA – METODOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO ....................151 4 O PROFISSIONAL GUIA-INTÉRPRETE COMO MEDIADOR ...............................................156 4.1 AUXILIANDO NA ORIENTAÇÃO E MOBILIDADE DO SURDOCEGO ............................158 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................162 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................164 TÓPICO 3 – LITERATURA VISUAL/SURDA E SUAS PRODUÇÕES ......................................165 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................165 2 LITERATURA – BREVE CONCEITO .............................................................................................165 3 LITERATURA COMO COMPONENTE DA CULTURA E IDENTIDADE SURDA .............169 4 LITERATURA VISUAL/SURDA .....................................................................................................172 4.1 LITERATURA VISUAL/SURDA: GÊNEROS LITERÁRIOS ...................................................174 4.2 LITERATURA VISUAL/SURDA – AUTORES E ATORES ......................................................175 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................178 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................180 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................182 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................183 X 1 UNIDADE 1 EDUCAÇÃO DE SURDOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você deverá ser capaz de: • conceituar as filosofias educacionais na educação dos surdos; • conceituar L1 e L2, língua e linguagem; • identificar as fases de aquisição de linguagem na criança surda; • analisar as diferentes teorias sobre aquisição da linguagem; • refletir criticamente acerca dos desafios inerentes ao processo de aquisição de L2; • relembrar a relação intrínseca entre cultura surda e currículo/didática na educação de surdos; • conhecer os estágios de aquisição de L2; • reconhecer as implicações curriculares e didáticas inerentes à educação de surdos; • refletir sobre a luta em prol de práxis pedagógica condizente com a educação de surdos. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – AQUISIÇÃO DE LÍNGUA DE SINAIS PARA SURDOS COMO L1 TÓPICO 2 – AQUISIÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS COMO L2 TÓPICO 3 – CURRÍCULO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA SURDOS COMO L1 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, o processo de aquisição da Língua de Sinais para surdo como L1 é um estudo profundo, mas é realmente muito cativante e instigador. Quando nos aprofundamos em estudar para saber como o processo deve ocorrer de forma natural, percebemos os prejuízos significativos que a maioria dos alunos surdos vem sofrendo no seu processo de escolarização. Nesta unidade, aprofundaremos com mais afinco e especificidade a Educação de Surdos. Inicialmente, destacaremos como o surdo adquire a Língua de Sinais como L1 (primeira língua). Em seguida, adentraremos no processo de aquisição da Língua Portuguesa para Surdo como L2 (segunda língua) e, por último, mas não menos importante, refletiremos acerca de um currículo e didática adaptados à cultura surda, contribuindo de forma efetiva para um processo de ensino-aprendizagem de real qualidade. Bons estudos! 2 A EDUCAÇÃO DE SURDOS E SUAS FILOSOFIAS EDUCACIONAIS AO LONGO DA HISTÓRIA A educação de surdos ao longo da história foi influenciada pelas filosofias educacionais do período histórico vivido naquele momento e, por isso, perpassou grandes transformações. Por este motivo, analisaremos a partir de agora o oralismo, a comunicação total com o bimodalismo e o bilinguismo. Vamos adiante!? 2.1 ORALISMO Quadros (1997) afirma que o objetivo primário do oralismo é recuperar, reabilitar a pessoa surda. Esta reabilitação estava diretamente relacionada à ênfase na fala. “O oralismo enfatiza a língua oral em termos terapêuticos” (QUADROS, 1997, p. 22). UNIDADE 1 | EDUCAÇÃO DE SURDOS4 FIGURA 1 – O SURDO TEM QUE FALAR FONTE: <https://goo.gl/mpEDSV>. Acesso em: 15 nov. 2018. O oralismo entende a surdez como deficiência, há uma visão clínica, médica. Desta filosofia, herdamos a nomenclatura “deficiente auditivo”. Entre as premissas do oralismo está a proibição do uso da língua de sinais tanto no contexto educacional como familiar. FIGURA 2 – O ORALISMO E A PROIBIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS FONTE: <https://goo.gl/qTuyxV>. Acesso em: 15 nov. 2018. Haja vista que a cultura e a comunidade surda são desconsideradas no oralismo, podemos afirmar que o desenvolvimento da linguagem e da comunidade surda é extremamente prejudicado nesta filosofia. Os surdos sofreram um retrocesso educacional significativo (QUADROS, 1997). O oralismo impõe a língua oral de uma maioria (os ouvintes) linguística sobre uma minoria, no caso, a comunidade surda. TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA SURDOS COMO L1 5 FIGURA 3 – IMPOSIÇÃO DA LÍNGUA ORAL FONTE: <https://goo.gl/jXvM8R>. Acesso em: 15 nov. 2018. O principal marco nesta filosofia foi o Congresso de Milão, na Itália, no ano de 1880. Formozo (2008, p. 31) afirma que neste congresso presenciamos uma contradição gritante – discutiu-se sobre educação de surdos sem a participação dos sujeitos protagonistas, os próprios surdos. Os ouvintes decidiram que a melhor decisão era banir a língua de sinais da educação de surdos, “[...] que deveriam aprender a falar e, se fosse possível, a ouvir – isso com o auxílio das tecnologias que foram avançando ao longo dos anos, desde as próteses auditivas até os implantes cocleares”. 2.2 COMUNICAÇÃO TOTAL Giroletti (2017) explana que o fracasso do oralismo impulsionou uma nova forma de comunicação entre surdos e ouvintes. Com isso, “[...] a comunicação total teve início por volta de 1960, mas no Brasil chega em meados dos anos setenta e tem seu auge nos anos oitenta a noventa” (GIROLETTI, 2017, p. 15). O objetivo principal da comunicação total era fazer acontecer a comunicação entre surdos e ouvintes de forma mais efetiva. Propõe abordagens alternativas permitindo ao surdo se expressar, combinando língua de sinais, gestos, mímicas e leitura labial. Penha (2018, p. 121) afirma que: [...] por mais que a comunicação total mescle recursos linguísticos e pedagógicos visando proporcionar aos alunos surdos melhores condições de ensino, tal perspectiva não irá conseguir minimizar as dificuldades apresentadas pelos estudantes surdos em sala de aula, a principal delas é a defasagem na leitura e escrita, além do conhecimento dos demais conteúdos ministrados em sala de aula. Apesar de teoricamente avançarmos do oralismo para a comunicação total, na prática não houve evolução real. Isso porque o uso da fala e da língua de sinais de forma simultânea dificulta o processo de comunicação e aprendizagem dos surdos. UNIDADE 1 | EDUCAÇÃO DE SURDOS 6 Penha (2018, p. 121) contribui para refletirmos criticamente acerca do bimodalismo quando afirma que: [...] no bimodalismo existe o uso simultâneo da língua de sinais e do português, essa mescla feita pela comunicação bimodal evidencia que os estudantes surdos não adquirem nem uma língua nem outra. O bimodalismo está atrelado ao fato de que a maioria dos surdos nasce em família de ouvinte, e que mesmo após seus filhos serem diagnosticados com um déficit auditivo é comum que, em um instinto de proteção, os pais tendam a educar seus filhos surdos como se fossem ouvintes. Podemos pensar a prática bimodal como mais uma das possibilidades de comunicação e de educação para surdos. Contudo, não podemos acreditar que essa é a melhor opção de abordagem educacional para surdo, uma vez que ela ainda é feita e pensada por e para ouvintes. Quadros (1997) explica que a língua de sinais e a língua portuguesa têm estruturas gramaticais essencialmente diferentes, o que torna impraticável a simultaneidade. Brito (1993) e Westphal (1995) defendem que quando as duas línguas são utilizadas de forma simultânea na educação de surdos, as estruturas linguísticas das duas línguas não são preservadas. Quadros (1997) argumenta que as línguas envolvidas no processo podem até possuir alguns parâmetros em comum, mas com certeza as diferenças são maiores que as semelhanças. Afinal, não são a mesma língua, são duas línguas distintas – não se esqueça disso. Quadros (1997, p. 25, grifo da autora) ainda cita os estudos de Duffy (1987) mostrando que “[...] somente 10% das expressões em sinais são exatamente iguais às que foram faladas quando do uso do inglês sinalizado (no caso do português sinalizado)”. Quadros (1997, p. 26) é categórica quando cita Duffy (1987) e Brito (1990) afirmando que: [...] o bimodalismo é um sistema artificial considerado inadequado, tendo em vista que desconsidera a língua de sinais e sua riqueza estrutural e acaba por desestruturar também o português. Esse sistema vem demonstrando não ser eficiente para o ensino da língua portuguesa, pois tem-se verificado que as crianças surdas continuam com defasagem tanto na leitura como na escrita, como no conhecimento dos conteúdos escolares. Então, acadêmico, licenciado ou bacharelado, esperamos que, diante do exposto até aqui, você se conscientize de que apesar de a prática bimodal ser comum e ainda muito difundida, ela não pode e nem deve ser encarada como opção metodológica na educação de surdos. Cabe aqui destacar e defender a opinião de Penha (2018), quando afirma que apesar do fracasso do oralismo e da comunicação total, precisamos entender que estas filosofias são o resultado do contexto histórico, político, cultural e social da época em questão. Atualmente, temos um arcabouço teórico denso que nos possibilita emitir juízos de valor diante de tais perspectivas. O mais interessante é que estudar e entender tais filosofias nos possibilita aprimorarmos nossa prática pedagógica atual. TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA SURDOS COMO L1 7 2.3 BILINGUISMO Diante do fracasso do oralismo, da comunicação total com o bimodalismo, surge uma nova proposta educacional, uma nova filosofia para a educação de surdos. Estamos nos referindo ao bilinguismo. Até o momento histórico vivido, esta é a proposta que tem se mostrado mais viável na educação de surdos. FIGURA 4 – BILINGUISMO FONTE: <https://goo.gl/1Sfrqh>. Acesso em: 15 nov. 2018. O bilinguismo possibilita ao surdo acessar duas línguas no contexto escolar. Quadros (1997) defende que o bilinguismo é a proposta “[...] mais adequada, porque considera a língua de sinais como língua natural e parte desse pressuposto para o ensino da língua escrita”. Ou seja, o bilinguismo considera a primeira língua do surdo (L1, a língua natural) como sendo a língua de sinais, e a L2 (segunda língua), a língua escrita do país. No bilinguismo há uma mudança de postura, as particularidades do sujeito surdo são respeitadas e o surdo assume a surdez. Essa proposta está em consonância com a Declaração dos Direitos Humanos Linguísticos (1996). No artigo 26, esta declaração preconiza que: Todas as comunidades linguísticas têm direito a um ensino que permita a todos os seus membros adquirirem o perfeito conhecimento da sua própria língua, com as diversas capacidades relativas a todos os domínios de uso da língua habituais, bem como o melhor conhecimento possível de qualquer outra língua que desejem aprender (P.E.N. CLUBE PORTUGUÊS, 1996, s.p.). O artigo 28 desta mesma declaração ainda complementa afirmando que: Todas as comunidades linguísticas têm direito a um ensino que permita aos seus membros adquirirem um conhecimento profundo do seu patrimônio cultural (história e geografia, literatura e outras manifestações da própria cultura), assim como o melhor conhecimento possível de qualquer outra cultura que desejem conhecer (P.E.N. CLUBE PORTUGUÊS,1996, s.p.). UNIDADE 1 | EDUCAÇÃO DE SURDOS 8 Percebemos, assim, que a língua e a cultura estão intrinsecamente relacionadas. O artigo 41 desta mesma declaração afirma que “Todas as comunidades linguísticas têm direito a usar a sua língua e a mantê-la e promovê-la em todas as formas de expressão cultural” (P.E.N. CLUBE PORTUGUÊS, 1996, s.p.). Por isso, Quadros (1997) defende que o bilinguismo deve obrigatoriamente ser também bicultural, pois desta forma a criança surda se reconhecerá como pertencente à comunidade surda, mas também acessará de forma mais rápida a comunidade ouvinte. O sucesso do bilinguismo está diretamente relacionado ao preparo da escola, à sua adequação e harmonia com o aluno e sua família. Quadros (1997, p. 29) atenta para alguns aspectos importantes neste processo, quando relata que: [...] a família deve conhecer detalhadamente a proposta para engajar-se adequadamente. Os profissionais que assumem a função de passarem as informações necessárias aos pais devem estar preparados para explicar que existe uma comunicação visual (a língua de sinais) que é adequada à criança surda, que essa língua permite à criança ter um desenvolvimento da linguagem análogo ao de crianças que ouvem, que essa criança pode ver, sentir, tocar e descobrir o mundo à sua volta sem problemas, que existem comunidades de surdos; enfim, devem estar preparados para explicar aos pais que eles não estão diante de uma tragédia, mas diante de uma outra forma de comunicar que envolve uma cultura e uma língua visual-espacial. Deve-se garantir à família a oportunidade de aprender sobre a comunidade surda e a língua de sinais. Os aspectos elencados pela autora parecem simples, mas são muito importantes no processo de orientação dos pais da criança surda. Muitos ficam desnorteados diante do diagnóstico da surdez, e sem orientação perita é comum tomarem decisões impensadas e irrefletidas sobre a educação de seus filhos, decisões estas que influenciarão toda a história de vida desta criança. Portanto, você, profissional atuante na educação de surdos, tem sim um papel muito importante de orientação à família e, consequentemente, na evolução do surdo. Quadros (1997, p. 30) apresenta duas formas de bilinguismo existentes na educação de surdos. “[...] uma delas envolve o ensino da segunda língua quase de forma concomitante à aquisição da primeira língua e a outra caracteriza-se pelo ensino da segunda língua somente após a aquisição da primeira língua”. A comunidade surda, de forma geral, defende e incentiva a segunda forma de bilinguismo citada, ou seja, acredita-se que a criança surda primeiro deve adquirir sua língua materna para posteriormente ser alfabetizada na segunda língua, no caso, a língua portuguesa. TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA SURDOS COMO L1 9 FIGURA 5 – A EVOLUÇÃO DO SURDO FONTE: <https://goo.gl/XL4aoP>. Acesso em: 15 nov. 2018. DICAS Sobre o bilinguismo no contexto da surdez, indicamos a leitura do livro Surdez e Bilinguismo (2010), da Editora Mediação, que tem Eulalia Fernandes como organizadora. FIGURA – CAPA DO LIVRO SURDEZ E BILINGUISMO FONTE: <https://goo.gl/Hpbr5P> Acesso em: 15 nov. 2018. Este livro reúne discussões de vários teóricos referenciais nesta área. Através de pesquisas e vivências diárias, os autores dão materialidade ao bilinguismo na educação dos surdos. Desejamos a você, acadêmico, uma excelente leitura. Depois de estudarmos as filosofias educacionais que influenciaram a educação de surdos ao longo da história, nos aprofundaremos agora em duas novas propostas educacionais para alunos surdos. UNIDADE 1 | EDUCAÇÃO DE SURDOS 10 3 PEDAGOGIA VISUAL E PEDAGOGIA SURDA Estudamos até aqui o oralismo, a comunicação total com o bimodalismo e o bilinguismo enquanto correntes filosóficas na educação de surdos. Percebemos que, destas, o bilinguismo é a mais coerente com a educação de surdos atualmente, porém na práxis diária percebemos que o bilinguismo por si só não abarca todas as transformações que a educação de surdos necessita, e é neste contexto que surgem duas novas propostas: a Pedagogia Visual e a Pedagogia Surda. 3.1 PEDAGOGIA VISUAL Souza (2018) relata que a educação de surdos nos impulsiona obrigatoriamente a analisarmos algumas especificidades. Neste viés, surge a proposta da pedagogia visual. Basso, Strobel e Masutti (2009) defendem que a pedagogia visual encara a prática pedagógica e o processo ensino-aprendizagem de uma forma diferente, sim, a perspectiva ou concepção surda é o que modela esta proposta. Campello (2007) afirma que através da língua de sinais, os surdos podem desenvolver normalmente suas inteligências, levando vidas produtivas com uma autoimagem positiva. Outro aspecto defendido pela autora é que as características visuo-espaciais da Libras dão ao aspecto da visualidade muita importância, afinal a Libras encontra na imagem uma grande aliada junto às propostas educacionais e às práticas sociais. Campello (2007 apud BARBOSA; PIETZAK, 2018) postula que a pedagogia visual beneficia a todos, pois garante a participação de todos. É fato comprovado que nada do que é feito para incluir um aluno, exclui outro. DICAS A Coleção Estudos Surdos já foi indicada em outras disciplinas do seu curso, mas queremos aqui destacar a leitura do artigo Pedagogia Visual/Sinal na Educação dos Surdos, de Ana Regina Campello, pesquisadora surda reconhecida internacionalmente e muito respeitada. O artigo está disponível no endereço http://editora-arara-azul.com.br/ estudos2.pdf , no Capítulo IV – páginas 100-132 da coleção Estudos Surdos II. 3.2 PEDAGOGIA SURDA A pedagogia surda surge como uma nova proposta educacional a partir da década de 1970. Tal proposta prevê ao surdo a possibilidade de acessar duas línguas, mas com suas particularidades linguísticas e culturais respeitadas. TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA SURDOS COMO L1 11 As demandas emergentes dos movimentos sociais do povo surdo fizeram surgir a pedagogia surda. Perlin e Strobel (2006) defendem ferrenhamente a pedagogia surda, pois acreditam que esta é a melhor opção metodológica para o ensino e aprendizagem dos surdos. “Ela mostra que a transgressão pedagógica precisa de fato estar presente para romper com a metodologia de ouvintes aplicada às crianças surdas [...]” (GIROLETTI, 2017, p. 138). Na pedagogia surda, a língua, a cultura e a identidade surda são reconhecidas e valorizadas. Perlin e Strobel (2006) consideram que atualmente a pedagogia surda pode ser considerada uma ruptura, uma transgressão pedagógica, no sentido de romper com a pedagogia tradicional ouvinte. Penha (2018) ainda nos recorda que a pedagogia surda considera as singularidades do surdo, incluindo os aspectos culturais. A pedagogia surda surge com o objetivo de indicar novos caminhos para a educação dos surdos. Na Pedagogia surda se valoriza o saber do povo surdo, em que entram a arte, a história de vida, a comunidade surda, a cultura, a identidade e, consequentemente, a Língua inserida neste contexto como primeira Língua, por isso, o ensino preferencialmente com professores surdos, principalmente a Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental (GIROLETTI, 2017, p. 138). Perlin e Strobel (2006) consideram também defende que na pedagogia surda, o professor surdo deve estar presente nas salas. A figura do professor surdo possibilita a mediação intercultural e respeita as questões identitárias pertencentes ao povo surdo. 4 L1 E L2: CONCEITOS Giroletti (2017, p. 111) mostra que os conceitos sobre L1 “[..] nos remetem à ideia de que a língua materna também é chamada de língua nativa e língua popular, isto devido à compreensão de ser a língua falada, usada e/ou de fluência numa comunidade específica”. Spinassé (2006) também conceituaL1 como a língua materna, ou seja, a primeira língua a ser usada no contexto comunicacional. Seguindo esta sequência lógica, inferimos que a L2 é a língua que se aprende posteriormente à aquisição de sua língua materna. No Brasil, a L2 dos surdos é a língua oficial do país, a Língua Portuguesa. De forma bastante sucinta, vamos aqui conceituar L1 e L2 no caso do surdo brasileiro. Para o surdo brasileiro, a L1, sua primeira língua, é a Libras – Língua Brasileira de Sinais – e a L2, segunda língua, é a língua portuguesa na modalidade escrita. Apesar de simples, estes conceitos ainda são muito confundidos, e quando conceitos basilares não são entendidos de forma clara, toda a práxis pedagógica UNIDADE 1 | EDUCAÇÃO DE SURDOS 12 é colocada em xeque. A partir de agora, vamos diferenciar língua de linguagem e entraremos no universo incrível que é o estudo do processo de aquisição da linguagem. Vamos lá? 5 LÍNGUA E LINGUAGEM Estudar o processo de aquisição da língua de sinais implica necessariamente entendermos conceitos implícitos neste processo. As terminologias língua e linguagem são difundidas como sinônimos, mas são essencialmente diferentes. Goldfeld (1997) afirma que a linguagem envolve significação, que tem valor semiótico, e é na linguagem que se constitui o pensamento do sujeito. Penha (2018) complementa afirmando que a linguagem é uma presença constante no sujeito, mesmo quando não se tem a intencionalidade de se comunicar com os outros. Sim, o nosso corpo fala, os nossos olhos falam e por isso podemos afirmar que somos constituídos enquanto sujeitos para nós mesmos e para os outros. Ou seja, por meio da linguagem, nossa identidade é construída. Saussure (1987 apud GOLDFELD, 2002, p. 17) é considerado o pai da linguística. Segundo ele, a linguagem é formada pela língua e fala. Ele conceitua língua como “[...] um sistema de regras abstratas composto por elementos significativos inter-relacionados. [...] a Língua, para Saussure, é o aspecto social da linguagem, já que é compartilhada por todos os falantes da comunidade linguística [...]”. Saussure (1987) defende que a língua é um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para possibilitar o exercício dessa faculdade nos indivíduos. Em linhas gerais, podemos denominar como linguagem a capacidade que os seres humanos têm para produzir, desenvolver e compreender a língua e outras manifestações, como é o caso da pintura, da música e da dança. Já a língua é um conjunto organizado de elementos (sons e gestos) que possibilitam a comunicação. Ela surge em sociedade e todos os grupos humanos desenvolvem sistemas com esse fim. As línguas podem se manifestar de forma oral ou gestual. Sabemos que o fato de a criança ser surda não a impede de constituir-se enquanto sujeito. O processo de aquisição de linguagem e língua é fortemente influenciado e dependente das influências que esta criança terá do ambiente linguístico, da interação com seus pares. 5.1 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM Conhecer o desenvolvimento da linguagem é o ponto de partida de qualquer profissional atuante na educação. Quadros (1997, p. 67) afirma que “os TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA SURDOS COMO L1 13 estudos sobre aquisição da linguagem – AL – estão diretamente relacionados com as diferentes abordagens sobre a aquisição”. A partir de agora, relembraremos as três abordagens sobre a aquisição, sendo elas: a abordagem comportamentalista, a abordagem linguística e a abordagem interacionista. 5.1.1 Abordagem Comportamentalista Ao falar da abordagem comportamentalista, precisamos referenciar Skinner (2002). Penha (2018, p. 12) ainda afirma que na abordagem comportamentalista: [...] a experiência é a experimentação planejada como base do conhecimento. Onde os modelos de ensino são desenvolvidos a partir da análise dos processos por meio dos quais o comportamento humano é modelado e reforçado. Assim, a aquisição da linguagem se dá através de estímulos, reforço, condicionamento, treino e imitação. A abordagem comportamentalista enfatiza o conhecimento, conhecimento este operacionalizado com o objetivo de moldar o comportamento social. Ainda nesta abordagem, o homem é produto do meio, ou seja, o comportamento social é manipulável. 5.1.2 Abordagem Linguística A abordagem linguística baseia-se em Chomsky (1957), que considerou que sendo as línguas manifestações de uma condição inata, as línguas devem guardar características universais, marcas de sua origem comum no cérebro humano. Penha (2018) explana que Chomsky postulou a tese de que a linguagem humana ocorre em dois níveis. Primeiramente, uma estrutura profunda, na qual o raciocínio ocorre sem o uso de palavras, e uma estrutura superficial, que são as frases que dizemos, pensamos e escrevemos. Entre os dois níveis haveria um conjunto de transformações. 5.1.3 Abordagem Interacionista A abordagem interacionista possui duas vertentes: cognitivista e o enfoque social. Penha (2018) disserta que a vertente cognitivista tem como base teórica o pensamento de Piaget, investigando o que há de comum e de universal no desenvolvimento. Já a abordagem sociointeracionista, que se baseia em Vygotsky, enfatiza o papel do ambiente na produção da estrutura da linguagem, em que a interpretação e as associações, bem como as regras gramaticais (signos), estão dentro de um contexto social. UNIDADE 1 | EDUCAÇÃO DE SURDOS 14 Percebemos que as abordagens discordam em muitos aspectos, mas convergem para alguns aspectos em comum. As pesquisas sobre o processo de aquisição da linguagem buscam explicações. Após analisarmos as abordagens sobre a aquisição da linguagem, iremos agora analisar os estágios de aquisição da linguagem, defendidos por Quadros (1997). 6 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM EM CRIANÇAS SURDAS As pesquisas sobre a aquisição de linguagem baseiam-se somente em crianças surdas, filhas de pais surdos. Quadros (1997, p. 70, grifo do original) defende que as crianças surdas filhas de pais surdos apresentam “[...] o input linguístico adequado e garantido para possíveis análises de processo de aquisição. Entretanto, ressalta-se que essas crianças representam apenas 5% a 10% das crianças surdas”. Reforçamos que o processo de aquisição de linguagem em crianças surdas é muito semelhante ao processo das crianças ouvintes. Diante disso, analisaremos a partir de agora os estágios de aquisição da linguagem. 6.1 ESTÁGIOS DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM Atualmente, as pesquisas sobre aquisição de língua de sinais mostram-se muito oportunas. Tais pesquisas comprovam que a aquisição da língua de sinais é semelhante à aquisição das línguas orais. Desta forma, crianças surdas e ouvintes adquirem a linguagem de forma muito semelhante. Agora, vejamos como a autora Penha (2018) abordou o processo de aquisição da linguagem na disciplina Parâmetros de Ensino em Língua Brasileira de Sinais como L1, relembrando os estágios de aquisição de linguagem, sendo eles: o período pré-linguístico, o estágio de uma palavra, estágio das primeiras combinações e o estágio das múltiplas combinações. 6.1.1 Período Pré-Linguístico Segundo Penha (2018, p. 19-20): [...] Assim, Petitto e Marantette (1991 apud QUADROS, 1997) nos apresentam estudos realizados sobre o balbucio dos bebês, que independem. São um fenômeno que ocorre em bebês, surdos e ouvintes, pois o balbucio é parte da linguagem, destacando que essa capacidade inata é manifestada não só através de sons, mas também através dos sinais, ou seja, através da língua de sinais, porém esse balbucio é interrompido assim como ocorre com as TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA SURDOS COMO L1 15 crianças ouvintes. Caro acadêmico, o mais interessante é que as semelhanças encontradasem relação ao balbuciar nos apresentam que a aquisição da linguagem independe da modalidade da língua que será usada futuramente pelo bebê, se ela será oral-auditiva ou espaço-visual. Portanto, no estágio pré-linguístico, a criança, em princípio, usa o choro para se comunicar, podendo ser rica em expressão emocional. Logo ao nascer este choro ainda é indiferenciado, porque nem a mãe sabe o que ele significa, e muitas vezes é desesperador, pois a criança chora e você, adulto, não sabe o significado daquele choro, mas aos poucos começa a ficar cheio de significados e é possível, pelo menos para a mãe, ou para a pessoa mais próxima daquele bebê, saber se o bebê está chorando de fome, de cólica, por estar se sentindo desconfortável, por querer colo etc. É importante ressaltar que é a relação do bebê com sua mãe, ou com a pessoa que cuida dele, que lhe dá elementos para compreender seu choro. O balbucio ocorre de repente, por volta dos 6-10 meses, e caracteriza- se pela produção e repetição de sons de consoantes e vogais como “ma - ma - ma - ma”, que, muitas vezes, é confundido com a primeira palavra do bebê. No desenvolvimento da linguagem, os bebês começam imitando casualmente os sons que ouvem. Por exemplo: os bebês repetem, repetidas vezes, os sons como o “da - da - da”, ou “ma - ma - ma - ma”. Por isso as crianças que têm problema de audição não evoluem para além do balbucio, já que não são capazes de escutar. 6.1.2 Estágio de um Sinal Karnopp (1994) explica que no caso dos bebês surdos com pais surdos, o estágio de um sinal começa por volta de seis meses. Mas, de um modo geral, o início ocorre por volta dos 12 meses. De acordo com Penha (2018, p. 21-22): [...] a diferença cronológica tem como base os desenvolvimentos dos mecanismos físicos (mãos e trato vocal), porém a criança simplesmente produz gestos que diferem dos sinais produzidos por volta dos 14 meses, analisando essa produção gestual como parte do balbucio, período pré-linguístico. [...] É neste estágio que ela inicia as primeiras produções, na língua de sinais, assim como a criança ouvinte começa a pronunciar as primeiras palavras. Para Quadros (1997), é nesse período que ocorre uma reorganização básica, em que a criança muda o conceito da "apontação" inicialmente gestual, pré-linguística, para visualizá-la como elemento do sistema gramatical da língua de sinais, ou seja, o linguístico. UNIDADE 1 | EDUCAÇÃO DE SURDOS 16 Ou seja, o estágio de um sinal inicia por volta dos 12 meses da criança surda e vai até por volta dos dois anos. Estudos mostram que a criança surda, filha de pais surdos, inicia o estágio de um sinal por volta de seis meses, enquanto que uma criança ouvinte iniciaria a linguagem oral em torno dos 12 meses; porém, sabe-se que essa produção gestual inicial é relativa ao balbucio de crianças sem deficiência auditiva. As formas inflexionáveis são as primeiras a se apresentarem, enquanto que as flexionáveis são utilizadas morfofonemicamente. 6.1.3 Estágio das Primeiras Combinações Segundo Penha (2018, p. 23-25): [...] Já no estágio das primeiras combinações, que se inicia por volta dos dois anos de idade, começa o estabelecimento da ordem das palavras que é utilizada nas relações gramaticais. [...] neste estágio das primeiras combinações, a criança começa a formular frases para expressar o que ela quer, onde também começa a usar o sistema pronominal, mas de forma inconsistente. Detecta- se que o padrão de aquisição das crianças surdas é bastante próximo ao das crianças ouvintes. [...] Neste estágio, é iniciado o uso da forma pronominal, porém de forma ainda inconsistente; há ocorrência de erros, principalmente no que diz respeito a indicações pronominais, por exemplo, na utilização do pronome “tu” ao invés de “eu”. Em pesquisas, foi observado que a apontação envolve o sistema pronominal, o sistema dos determinadores e modificadores, onde objetos são nomeados e referidos somente em situações do contexto imediato, ou seja, que estejam presentes no espaço onde se encontra o não ouvinte. 6.1.4 Estágio das Múltiplas Combinações Ainda segundo Penha (2018, p. 26-27): O estágio das múltiplas combinações tem como característica uma ampliação do vocabulário nas crianças surdas e ouvintes, que ocorre dos dois anos e meio em diante. Karnopp (1999) explica que neste estágio a criança surda comete os mesmos erros gramaticais na língua de sinais que a criança ouvinte comete na língua oral [...]. Este estágio das múltiplas combinações [...] envolve as expressões faciais, que são usadas de acordo com a estrutura produzida, isto é, as produções não manuais das interrogativas, das topicalizações e negações são produzidas corretamente. Além disso, o uso da direção dos olhos para concordância com os argumentos, bem como o jogo de papéis desempenhados através da posição do corpo ao pronunciar suas palavras, para se comunicar. TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA SURDOS COMO L1 17 Quadros (1997, p. 74, grifo do original) explica que nesse estágio, “em torno dos dois anos e meio a três anos, as crianças surdas apresentam a chamada explosão de vocabulário”. Quadros (1997, p. 76) ainda conclui que: [...] a criança surda de nascença, com acesso a uma língua espaço- visual proporcionada por pais surdos, desenvolverá uma linguagem sem qualquer deficiência. Além disso, os dados apresentados sugerem que os fundamentos da linguagem não estão baseados na forma do sinal, mas, sim, na função linguística que o serve. Desta forma, percebemos que a surdez em si realmente não é barreira para a aquisição da linguagem. Muitas vezes, presenciamos crianças surdas com atrasos neste processo, isso ocorre porque, muitas vezes, esta criança não é exposta à língua de sinais na idade correspondente a cada estágio. DICAS Discutir o processo de aquisição da linguagem nas crianças surdas sem citar a autora Ronice Quadros é simplesmente impossível. São muitas as suas contribuições e publicações nesta área. Sobre a aquisição da linguagem, sugerimos a leitura do livro Educação de Surdos: a aquisição de linguagem (1997), da Editora Artes Médicas. FIGURA – CAPA DO LIVRO EDUCAÇÃO DE SURDOS: AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM FONTE: <https://goo.gl/JqGPfR>. Acesso em: 4 nov. 2018. Educação de Surdos: Aquisição da linguagem é leitura obrigatória para todos os profissionais atuantes na educação de surdos. Entender o processo de aquisição da linguagem da criança surda fará toda a diferença em sua experiência profissional. O livro apresenta os princípios do trabalho com alunos surdos, incluindo os aspectos sociais e culturais, além de aspectos relacionados à estrutura e aquisição da língua portuguesa. Então, acadêmico, desejamos a você uma boa leitura. UNIDADE 1 | EDUCAÇÃO DE SURDOS 18 7 TEORIAS SOBRE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM Chomsky (1971) já afirmava que, independentemente da língua, a faculdade da linguagem é algo comum entre os seres humanos. Então, a aquisição da linguagem é um processo natural. O processo de aquisição da linguagem foi estudado por vários teóricos. A partir de agora, analisaremos alguns deles. 7.1 PIAGET Piaget estuda a aquisição da linguagem com o enfoque cognitivista, “investigando o que há de comum e de universal no desenvolvimento” (PENHA, 2018, p. 13). Piaget acredita que primeiro o organismo precisa estar estruturado para posteriormente se desenvolver. FIGURA 6 – O IDEAL DA EDUCAÇÃO PARA PIAGET FONTE: <https://goo.gl/hRHLJH>. Acesso em: 16 nov. 2018. Para Piaget (1990), o ideal inicial da educação é Aprender a Aprender, pois desencadeia todas as outras ações educacionais. 7.2 VYGOTSKY Diferentemente de Piaget, Vygotsky defende que “[...] é o próprio processo de aprender que gera e promove o desenvolvimento das estruturas mentais superiores” (PENHA, 2018, p. 14). Então,para Vygotsky, aprender gera o desenvolver. Vygotsky estuda a origem e os processos sociais humanos. Penha (2018, p. 16) ainda explica que, para Vygotsky, TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA SURDOS COMO L1 19 [...] o desenvolvimento histórico acontece do social para o individual, podemos dizer assim que a aquisição da língua de sinais se estende do social para o individual, sendo algo natural e que é fomentado no meio social, assim como ocorre com as línguas orais. FIGURA 7 – FRASE DE LEV VYGOTSKY FONTE: <https://goo.gl/qDSbZe>. Acesso em: 16 nov. 2018. Penha (2018) ainda afirma que Vygotsky enfatiza o papel do ambiente na produção da estrutura da linguagem, ou seja, o contexto social influencia significativamente a interpretação e as associações, bem como a assimilação das regras gramaticais. Acadêmico, neste primeiro tópico, nos debruçamos sobre o estudo das filosofias que influenciaram a educação de surdos ao longo da história, revisitamos as propostas da pedagogia visual, da pedagogia surda, relembramos conceitos como L1 e L2, língua e linguagem, a aquisição de linguagem e suas abordagens, o processo de aquisição de linguagem e seus estágios, além de analisarmos as teorias sobre aquisição de linguagem. Agora é chegada a hora de refletirmos acerca dos desafios inerentes ao processo de aquisição de L2 para surdos. Nos encontramos no próximo tópico! 20 Neste tópico, você aprendeu que: • A educação de surdos, ao longo da história, foi influenciada pelas filosofias educacionais: o oralismo, a comunicação total com o bimodalismo e o bilinguismo. • O objetivo primário do oralismo é recuperar e reabilitar a pessoa surda. Esta reabilitação estava diretamente relacionada à ênfase na fala. O oralismo impõe a língua oral de uma maioria (os ouvintes) linguística sobre uma minoria, no caso, a comunidade surda. • O objetivo principal da comunicação total era fazer acontecer a comunicação entre surdos e ouvintes de forma mais efetiva. Propõe abordagens alternativas, permitindo ao surdo se expressar, combinando língua de sinais, gestos, mímicas e leitura labial. A comunicação total propõe o bimodalismo (utilização da língua de sinais e da língua portuguesa de forma simultânea). • Apesar da prática bimodal ser comum e ainda muito difundida, ela não pode nem deve ser encarada como opção metodológica na educação de surdos. As línguas envolvidas possuem estruturas gramaticais essencialmente diferentes, o que torna impraticável. • O bilinguismo possibilita ao surdo acessar duas línguas no contexto escolar, considerando a primeira língua do surdo (L1, a língua natural) como sendo a língua de sinais, e a L2 (segunda língua), a língua escrita do país. No bilinguismo há uma mudança de postura, as particularidades do sujeito surdo são respeitadas e o surdo assume a surdez. • A pedagogia visual encara a prática pedagógica e o processo ensino- aprendizagem de uma forma diferente. A perspectiva ou concepção surda é o que modela esta proposta. • Na pedagogia surda, a língua, a cultura e a identidade surda são reconhecidas e valorizadas. A pedagogia surda pode ser considerada uma ruptura, uma transgressão pedagógica no sentido de romper com a pedagogia tradicional ouvinte. • Para o surdo brasileiro, a L1, sua primeira língua, é a Libras – Língua Brasileira de Sinais – e a L2, segunda língua, é a língua portuguesa na modalidade escrita. • Linguagem é a capacidade que os seres humanos têm para produzir, desenvolver e compreender a língua e outras manifestações, como é o caso da pintura, da música e da dança. RESUMO DO TÓPICO 1 21 • Língua é um conjunto organizado de elementos (sons e gestos) que possibilitam a comunicação. • A aquisição da língua de sinais é semelhante à aquisição das línguas orais. Desta forma, crianças surdas e ouvintes adquirem a linguagem de forma muito semelhante. • Chomsky (1971) afirmava que os seres humanos, independentemente da língua, têm algo em comum: a faculdade da linguagem, por isso a aquisição da linguagem é um processo natural. • Piaget (1990) acredita que primeiro o organismo precisa estar estruturado para posteriormente se desenvolver. • Segundo Penha (2018), Vygotsky acredita que o aprender gera o desenvolver, por isso estuda a origem e os processos sociais humanos. 22 1 Ao longo da história, tivemos várias filosofias educacionais voltadas à comunidade surda. Cada uma foi se estabelecendo de acordo com a realidade social e as informações disponíveis na época. Nosso papel, enquanto profissionais da área, é conhecer e diferenciar cada uma delas. Neste contexto, analise as asserções a seguir: I- A comunicação total faz uso da leitura labial e de textos na modalidade escrita. II- O oralismo concebia a surdez como deficiência e visava reabilitar o sujeito surdo, com foco na fala. III- O bilinguismo possibilita ao surdo acessar duas línguas: Língua Portuguesa como L1 e Libras como L2. IV- Na comunicação total é permitido usar a Libras e ainda fazer uso de gestos, mímica, leitura labial, entre outros, visto que o objetivo principal era fazer acontecer a comunicação. V- No oralismo, a língua de sinais era aceita e permitida normalmente. Agora, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Nenhuma das alternativas está correta. b) ( ) I, II e III estão corretas. c) ( ) II e IV estão corretas. d) ( ) II, III e IV estão corretas. e) ( ) I, II e V estão corretas. 2 Vimos que, dentre as correntes filosóficas apresentadas, o bilinguismo é a mais coerente no que tange à educação de surdos atualmente. Porém, na práxis diária, percebemos que sozinho ele não contempla as transformações que a educação de surdos necessita, e neste sentido, surgem duas novas propostas: a pedagogia visual e a pedagogia surda. A respeito da pedagogia surda, assinale a alternativa correta: a) ( ) A pedagogia surda apenas adapta o conteúdo para o aluno surdo, e a responsabilidade de ajustar os conteúdos é do intérprete. b) ( ) A língua, a cultura e a identidade surda são reconhecidas e valorizadas na pedagogia surda. c) ( ) A pedagogia surda surge na década de 1920, trazendo consigo uma nova proposta educacional. d) ( ) É função do professor adaptar o conteúdo das aulas para o aluno surdo, porém a pedagogia surda não permite que esta adaptação inclua todos os alunos. e) ( ) A pedagogia surda prejudica o aluno ouvinte, pois a quantidade de informações visuais dificulta a aprendizagem. AUTOATIVIDADE 23 3 As terminologias língua e linguagem são difundidas como sinônimos, mas são essencialmente diferentes. Em linhas gerais, podemos denominar como linguagem a capacidade que os seres humanos têm para produzir, desenvolver e compreender a língua e outras manifestações, como é o caso da pintura, da música e da dança, enquanto a língua podemos denominar como: a) ( ) Uma ciência que tem por objetivo a linguagem humana em seus aspectos fonético, morfológico, sintático, semântico, social e psicológico. b) ( ) Uma arte literária que usa o estético da linguagem escrita. c) ( ) Qualquer meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos que podem ser expressados através de poesia, da dança, do teatro, entre outros. d) ( ) Um conjunto organizado de elementos (sons e gestos) que possibilitam a comunicação. Ela surge em sociedade e todos os grupos humanos desenvolvem sistemas com esse fim, podendo se manifestar de forma oral ou gestual. e) ( ) Nenhuma das alternativas anteriores. 24 25 TÓPICO 2 AQUISIÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS COMO L2 UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Acadêmico, após estudarmos o processo de aquisição da língua de sinais para surdo como L1, chega o momento de analisarmos de forma crítica e reflexiva o processo pelo qual o surdo adquire a línguaportuguesa como L2. Tomando por base que a língua portuguesa para os surdos é a L2, entendemos que essa precisa estar adaptada para o surdo, pois a marca da visualidade inerente aos surdos necessita ser considerada ao se pensar mecanismos de ensino/aprendizagem da língua portuguesa como L2 por aprendizes surdos, pode-se observar esta característica ao analisar a produção escrita de aprendizes surdos em diversas etapas da escolaridade (PENHA, 2018, p. 163). Quando reconhecemos que as modalidades da língua de sinais e da língua portuguesa são essencialmente diferentes, percebemos que o surdo aprenderá também de forma singular, sendo necessário adaptar, o que não é sinônimo de simplificar. A seleção e a utilização de estratégias coerentes farão toda a diferença em sua prática pedagógica diária. Silva (1999, p. 62) defende que “a escrita é um meio importante do qual o surdo não pode prescindir, posto que sem ela o surdo não terá chance de competição e de comunicação com o mundo ouvinte”. Por isso, a importância e necessidade do surdo aprender a língua portuguesa na modalidade escrita. Penha (2018) ainda nos relembra que muitas conquistas dos surdos, como é o caso da legenda em programas de televisão, não se tornam um benefício efetivo, porque muitos surdos possuem pouca competência leitora. Sabe-se que o texto apresentado na legenda é fragmentado, com velocidade e ritmo mais acelerados. Então, para acompanhar a legenda o surdo precisa ter grande leitura seletiva e memória, ou seja, o surdo precisa ter uma boa capacidade de leitura. Diante da citação de apenas uma situação, já conseguimos perceber que a leitura de textos na língua portuguesa é muito importante para a inserção do surdo na comunidade ouvinte. UNIDADE 1 | EDUCAÇÃO DE SURDOS 26 2 AQUISIÇÃO DE L2 Acadêmico, no tópico anterior estudamos a naturalidade envolvida no processo de aquisição da L1, desde que a criança seja exposta à língua materna desde a tenra infância. Agora, vamos iniciar nossas discussões sobre o processo de aquisição de L2 com uma afirmação que talvez possa lhe assustar. “[...] o processo de aquisição da L2 não é um processo natural para a criança surda” (QUADROS, 1995, p. 88, grifo da autora). Não queremos aqui, de forma alguma, afirmar que a aquisição de L2 não é importante, mas indicar que o processo de aquisição da L2 não pode ser analisado sob a mesma perspectiva de aquisição da L1. Quadros (1997, p. 27, grifo da autora) afirma que a L2, no caso do surdo brasileiro, a língua portuguesa, não é o dispositivo natural de aquisição da linguagem, e ainda coloca que “essa criança até poderá vir a adquirir essa língua, mas nunca de forma natural e espontânea, como ocorre com a Libras”. FIGURA 8 – AQUISIÇÃO DE LÍNGUA FONTE: <https://goo.gl/tW6ywf>. Acesso em: 18 nov. 2018. Muitos profissionais e instituições reclamam que o aluno surdo não sabe ler e escrever. Muitas vezes, esperamos que o aluno surdo escreva, redija seu texto exatamente como um aluno ouvinte. São línguas de modalidades diferentes, ou seja, a estrutura, sintaxe, semântica, pragmática são de modalidades diferentes. Ah! Mas aquele surdo escreve tão bem! É preciso cuidado para não selecionar uma situação que é exceção e transformar em regra. Cada caso é um caso. Cada pessoa tem um histórico de vida social diferente. Outro detalhe sobre o qual precisamos refletir é que se o aluno surdo, após anos de acesso à educação escolar, não se alfabetizou em L2, isso mostra claramente uma falha no processo, em que todos no contexto educacional têm alguma parcela de responsabilidade. As metodologias de ensino utilizadas até então não estão sendo suficientemente eficazes. A vivência de um modelo bilíngue para surdos requer algumas construções específicas, tanto nas políticas públicas quanto nas práticas pedagógicas. Em um espaço pedagógico onde transitam outros TÓPICO 2 | AQUISIÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS COMO L2 27 modelos de pessoas surdas, crianças e adultos, fluentes em Libras, este aprendizado torna-se mais produtivo, pois esse estudante surdo terá outros para conversar na sua língua usual (PENHA, 2018, p. 163). Conforme estudamos no tópico anterior, o bilinguismo considera a primeira língua do surdo (L1, a língua natural) como sendo a língua de sinais, e a L2 (segunda língua), a língua escrita do país. Nunan (1991 apud QUADROS, 1997) disserta acerca da importância de o surdo adquirir a gramática da L2, pois através dela o sujeito surdo se torna capaz de comunicar suas ideias de forma mais elaborada e complexa. Quando a aquisição de L2 não ocorre, a capacidade de comunicação na sociedade fica limitada e a criatividade linguística severamente restringida. Apesar de opiniões diversas, defendemos aqui que o surdo alfabetizado na língua portuguesa amplia seu leque de possibilidades comunicativas e aumenta a sua participação na sociedade. 2.1 O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS Como uma língua de modalidade oral auditiva pode ser ensinada a um sujeito que possui uma língua materna de modalidade visual-espacial? Este é o grande desafio do processo ensino-aprendizagem da língua portuguesa para surdos. Penha (2018, p. 163) relata que o processo de aprendizagem da língua portuguesa precisa contemplar várias situações comunicativas utilizando “[...] atividades contextualizadas, significativas e organizadas de modo sistemático, através de diferentes gêneros textuais [...]”. Penha (2018) ainda afirma que não existem fórmulas prontas e mágicas para o ensino e aprendizagem do surdo. O importante é que a metodologia utilizada leve em consideração a surdez como diferença. O professor deve selecionar materiais e criar metodologias que possibilitem ao aluno surdo um melhor aprendizado. Aprendizado este que deve conduzir o aluno à reflexão e assimilação da realidade. O professor deve conscientizar o aluno de que a escrita é “[...] um instrumento para a comunicação tanto presencial quanto virtual, como podemos observar através de cartas, bilhetes, dissertações, conversas via e-mail, WhatsApp ou Messenger, formando um ciclo de interação com pessoas tanto ouvintes quanto surdas” (PENHA, 2018, p. 165). Mas como possibilitar ao aluno surdo fluência na leitura e escrita da língua portuguesa? Penha (2018, p. 165) nos mostra que este processo: [...] requer que o aluno passe por várias etapas durante a aquisição da língua portuguesa. É um processo lento que requer dedicação e compromisso. A leitura tem um papel importante na aquisição da linguagem, pois ela serve para abrir horizontes intelectuais, tendo uma visão de mundo, possibilitando ao aluno assumir uma postura crítica diante da sociedade. UNIDADE 1 | EDUCAÇÃO DE SURDOS 28 DICAS Dicas de Leitura Ensino da Língua Portuguesa para surdos: Caminhos para a prática pedagógica (2004) é um material instrutivo, em dois volumes, com iniciativa do Ministério da Educação. Tal material parte da filosofia que adota o bilinguismo, ou seja, aceita que a L1, língua materna do surdo, é a língua de sinais, língua esta de modalidade visuo-espacial, além de colocar a língua portuguesa como L2, segunda língua para o surdo. O surdo possui implicações importantes no seu desenvolvimento cognitivo, na construção de sua identidade e que o ensino da língua portuguesa para surdos necessita de estratégias específicas. Este é o foco abordado neste material: como possibilitar aos surdos o acesso à língua portuguesa. FIGURA – ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS: CAMINHOS PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA: VOLUME 1 FONTE: <https://goo.gl/M6Lb8K>. Acesso em: 4 nov. 2018. FIGURA – ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS: CAMINHOS PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA: VOLUME 2 FONTE: <https://goo.gl/RfP7sn>. Acesso em: 4 nov. 2018. Tais livros podem ser acessados de forma gratuitanos seguintes endereços: • http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lpvol1.pdf • http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lpvol2.pdf Boa leitura! TÓPICO 2 | AQUISIÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS COMO L2 29 Adentraremos agora nas implicações entre surdez e escrita no contexto escolar. Apresentamos aqui o excerto da dissertação de mestrado de Marília de Piedade Marinho Silva, de 1999, com a temática principal A construção de sentidos na escrita do sujeito surdo. Muitas questões são discutidas e refletidas nesta dissertação. Acompanhe! ESCRITA E SURDEZ NO CONTEXTO ESCOLAR Tomando-se por base a noção de linguagem que se constitui na relação do homem com o meio social, ou seja, num sentido bastante amplo, podemos concluir que a linguagem é tudo que envolve significação, que tem valor semiótico e não se restringe apenas a uma forma de comunicação. É por meio da linguagem que se constitui o pensamento, embora não possa ser reduzida a ela. Assim, a linguagem está sempre presente no sujeito, mesmo quando ele não está se comunicando, pois a mesma significa a forma como este sujeito recorta e percebe o mundo e a si próprio. Ao mesmo tempo, linguagem e pensamento estão indissoluvelmente unidos na prática social sob a forma de pensamento verbal. Poder-se-ia argumentar também, como aspecto relevante, que a língua(gem) é fundamentalmente constituída pelo contexto social, que se dá entre indivíduos reais em momentos singulares e históricos, trazendo marcas e significações. É importante destacar que é por meio das interações desses indivíduos que a língua se desenvolve, evolui ou até mesmo morre. Em relação às práticas pedagógicas e ao ensino apenas com o concreto, ou mesmo com a terapia de fala a que o surdo vem sendo exposto, essas ações pedagógicas tendem a reforçar a “deficiência” do sujeito surdo. Nas diversas instituições pedagógicas encontram-se situações que evidenciam isso. Um modelo exemplar desse fato é o que evidencia relações concretas com objetos do mundo físico, em práticas escolares em que, para escrever ou falar do objeto, é necessário ter uma experiência sensível com ele. É o que ocorre em sala de ouvintes. As crianças ensaiam, escrevem o nome dos objetos, depois a professora apresenta o objeto. A maneira como a professora conduz o trabalho impede a conversão desse momento em atividade interacional de experiências partilhadas, não permitindo ao aluno lançar hipótese sobre o objeto linguístico. A preocupação da docente é de “facilitar” o aprendizado, servindo- se do objeto físico para o aluno compreender o significado da palavra escrita. Ao assumir o trabalho dessa maneira, a docente não oportuniza a construção de significação do aprendizado que leva em conta a relação do sujeito com o mundo e com o outro. Assim, neste último aspecto, podemos concluir com Franchi (1988), que a linguagem caracteriza-se por seus três momentos constitutivos: os que dizem respeito à construção da significação, quer pela remissão ao próprio sistema linguístico (atividade metalinguística), quer pelo fato de a linguagem ser um exercício pessoal e intersubjetivo (atividades epilinguísticas e linguísticas). Neste texto, Franchi sugere que as atividades escolares nas séries iniciais deveriam ser voltadas às atividades linguísticas e epilinguísticas, mas na verdade o que se observa são os exercícios voltados para a metalinguagem (conceitos, regras, exceções). De fato, há uma grande controvérsia: as informações sobre a linguagem acabam se confundindo com a própria linguagem. Otimizando uma variedade culta (sempre), ensina-se primeiramente uma metalinguagem dessa variedade, com exercícios de descrição gramatical ou estudo de regras. As instituições escolares dedicam os primeiros anos de vida escolar à atividade de metalinguagem, em detrimento das duas outras, descaracterizando o momento NOTA UNIDADE 1 | EDUCAÇÃO DE SURDOS 30 propício até para o exercício metalinguístico. A partir de uma visão crítica desse tipo de prática pedagógica, o ensino da língua (escrita) para surdos não deveria estar desvinculado do uso da linguagem. Os exercícios de linguagem (gramática, textos, formação de frases) poderiam constituir-se em um momento de produção e significação, tornando o sujeito imbuído do fenômeno social da interação. Nessa lógica, estariam presentes as condições de produção e significação, de representação do interlocutor e o valor social da linguagem. Como afirma Souza (1998 p. 47), “a linguagem pode ser expressa através da escrita, através da fala, através dos gestos. Então existem línguas orais e gestuais. Muitas línguas orais, talvez a maioria, como não ocorre com as gestuais, possuem uma escrita própria. Nesses casos, o surdo pode se valer da escrita do país em que fixe residência”. Prossegue ainda a autora: [...] a escrita da pessoa surda reflete, em certa medida, os conhecimentos que possui, ou não, da comunidade ouvinte. Ou, o quanto a escrita tem função em sua vida, ou ainda reflete o próprio processo de alfabetização a que foi submetida. Nesse contexto, o ensino da Língua Portuguesa é frequentemente levado a termo como uma língua morta, pois ao ensinar apenas substantivos, adjetivos, advérbios na produção de textos, esquece-se de se considerar uma premissa básica: o intercâmbio entre o papel do autor e do leitor para esse aprendizado (SOUZA, 1998, p. 147). Isto se torna ainda mais relevante no caso da surdez, pois esses sujeitos são detentores de uma linguagem visuogestual, que se apresenta com possibilidades limitadas de se constituir na linguagem oral. Ao me posicionar frente a estas questões, levo em consideração o objetivo dessa pesquisa, que consiste em refletir sobre as produções de escrita “atípicas” do sujeito surdo, abordando como são construídas as relações de sentido e discutindo aspectos da coesão textual desses sujeitos. FONTE: <https://goo.gl/ADkrmh>. Acesso em: 4 nov. 2018. No excerto apresentado anteriormente, percebemos a importância de um ensino de L2 realmente significativo e contextualizado à realidade do aluno. O processo ensino-aprendizagem da L2 deve ir além de conceitos e regras. Assim como qualquer outro aluno, o surdo precisa ver sentido e significado no que está aprendendo. DICAS Dica de Leitura Acadêmico, durante a leitura deste tópico, você deve ter percebido que citamos várias vezes a autora Marília da Piedade Marinho Silva, não é mesmo? Por isso recomendamos a leitura integral de sua dissertação de mestrado em educação, intitulada A construção de sentidos na escrita do sujeito surdo, de 1999, disponível no seguinte endereço: https://goo.gl/sqdtF3. TÓPICO 2 | AQUISIÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS COMO L2 31 Silva (1999, p. 63) ainda defende que os professores, ao examinarem os textos dos surdos, não podem estar atentos a modelos prontos e fechados. As condições de produção, recepção e interlocução do aluno precisam ser levadas em consideração. Por exemplo, no que diz respeito à coesão textual, percebemos que os surdos escrevem de forma diferenciada. É comum termos dificuldade de entender o texto do surdo devido à falta ou má utilização dos conectores. Para muitos, a produção textual do surdo mais parece um “[...] amontoado de palavras soltas e ausência de conectores tanto do tipo lógico quanto do tipo discursivo” (SILVA, 1999, p. 63). Os surdos têm uma língua(gem) de sinais, e em se tratando de aprendizes, seus textos escritos não apresentam as mesmas características de um falante do português, mas sim de um sujeito falante de uma segunda língua. O fato de dar ênfase novamente a estas questões vem ao encontro da seguinte observação: como olhar um texto com características distintas, em relação ao ensino de uma segunda língua, ou seja, como dar sentido a esse texto? (SILVA, 1999, p. 92). Então, é preciso atentar ao processo
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