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CIRURGIA 169 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL HÉ RN IA S D E P AR ED E A BD OM IN AL CI R U R G IA 10 Preparatório para Residência Médica RMED CAPÍTULO RMEDCURSOS.COM.BR 170 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL CIRURGIA 171 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL 1 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À LOCALIZAÇÃO • Virilha (inguinal, femoral); • Incisional; • Anterior/ventral (epigástrica, umbilical, de Spiegel); • Posterior/lombar (inferior, superior); • Pélvica (obturadora é a mais frequente). HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL 2 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À URGÊNCIA • Redutível; • Irredutível/Encarcerada; • Estrangulada: Encarceramento que evolui com comprometimento da perfusão do conteúdo herniado; embora hérnia femoral tenha maior taxa de estrangulamento, a maioria das hérnias estranguladas são inguinais indiretas. 3 APRESENTAÇÃO CLÍNICA Hérnias frequentemente são assintomáticas, e, quando há sintomas, em geral trata-se de sensação de peso ou dor mal definida; dor será característica quando houver complicação, como encarceramento ou estrangulamento. O principal sinal é um abaulamento. Em geral, dentro de sacos herniários explorados não há víscera alguma, apenas gordura pré- peritoneal e omento, que possui circulação e, portanto, pode ser causa de estrangulamento. Quando há uma víscera envolvida, o que é mais comum em hérnia inguinal indireta, dá- se o nome de “hérnia por deslizamento”; as vísceras mais comumente encontradas são o cólon e a bexiga. Havendo alça intestinal na hérnia por deslizamento, a apresentação clínica também pode ser de obstrução intestinal. RMEDCURSOS.COM.BR 172 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL Antes que uma hérnia seja operada eletivamente, fatores modificáveis que aumentem a pressão intra-abdominal - PIA (hiperplasia benigna de próstata, obesidade...) devem ser corrigidos. HÉRNIA INGUINAL & FEMORAL ANANATOMIA REGIÃO INGUINAL & FEMORAL 1 CONCEITO Superficialmente ao músculo oblíquo externo há o tecido adiposo subcutâneo, que possui duas camadas, a fáscia de Camper (areolar), mais superficial e que consiste em tecido adiposo tradicional, e a fáscia de Escarpa (lamelar), de característica mais fibrótica em função da organização lamelar dos adipócitos e que se encontra aderida ao músculo Logo abaixo da faixa da Escarpa, na região inguinal, não há fibras musculares músculo oblíquo externo, apenas sua aponeurose, dado que sua porção muscular encontra-se lateral à região inguinal. A borda livre da aponeurose do oblíquo externo apresenta um espessamento que segue da espinha ilíaca ântero-superior em direção ao tubérculo púbico, o qual corresponde ao ligamento inguinal (Poupart). Na sua porção mais medial, o ligamento inguinal estaria solto sobre o músculo pectíneo se não fosse por sua continuidade como ligamento lacunar, que se flete posteriormente e se insere na fáscia desse músculo e num espessamento fibroso aderido sobre a linha pectínea do púbis, o ligamento pectíneo (Cooper) (figuras 1 e 2). Posteriormente ao músculo oblíquo externo estão o oblíquo interno e o transverso do abdome, cujas fibras na região inguinal arqueam-se por sobre o canal inguinal e apresentam inserção conjunta no tubérculo púbico através do chamado “tendão conjunto”. Profundamente à musculatura e, anteriormente ao peritônio, encontra-se a fáscia transversalis. Figura 1: "ATLAS DE ANATOMIA HUMANA, Frank Netter" CIRURGIA 173 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL Canal Inguinal: O ligamento redondo, na mulher, e o funículo espermático, no homem, ambas estruturas extraperitoneais, promovem uma evaginação da fáscia transversalis no sentido infero-medial, que dá origem ao canal inguinal; o ponto de partida deste canal corresponde ao anel inguinal interno, tendo término no anel inguinal externo, estrutura formada pela aponeurose do músculo oblíquo externo. Assim, os limites desse canal são: aponeurose do oblíquo externo (anterior), fibras arqueadas do oblíquo interno e transverso (superior), fáscia transversalis (posterior) e os ligamentos inguinal, lacular e trato ilíopúbico (inferior). No período embrionário, os testículos são estruturas intraperitoneais e durante a sua descida ao escroto projetam uma alongada evaginação do peritônio, chamada de conduto peritôniovaginal; em geral, este conduto oblitera-se até o nascimento, consistindo em um tecido obliterado misturado ao tecido conectivo do funículo espermático (figura3). Figura 2: "Moore Anatomia – Orientada para a clínica, 7ª edição" OBSERVAÇÕES RMEDCURSOS.COM.BR 174 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL Figura 3: "Moore Anatomia – Orientada para a clínica, 7ª edição" CIRURGIA 175 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL Anel Femoral: O defeito de parede está no anel femoral (figura 1), permitindo que o saco herniário desloque-se pelo canal femoral, exteriorizando-se abaixo do ligamento inguinal; os limites desse anel são o ligamento lacunar (medial), trato ileopúbico (anterior), ligamento pectíneo (posterior) e veia femoral (lateral). O trato ileopúbico, também chamado de ligamento de Thomson, é um conjunto de fibras aponeuróticas do músculo transverso do abdome e é um marco anatômico muito importante para a abordagem pré-peritoneal de hérnias nessas regiões, já que está na mesma altura do ligamento inguinal e tem trajeto paralelo a este (figura 4). Figura 4: "Moore Anatomia – Orientada para a clínica, 7ª edição" A inervação sensorial da virilha é feita pelos nervos ilio-inguinal, ilio-hipogástrico e genito- femoral. A importância de saber os 3 nervos cutâneos da região inguinal é tanto para evitar a lesão deles na herniorrafia quanto para a sua secção no caso de falha ao tratamento clínico para inguinodinia (dor crônica inguinal) no pós-operatório. Além de função sensorial, o ramo genital do nervo genito-femoral também exerce função motora, uma vez que inerva o músculo cremáster, originado de alças musculares do oblíquo externo (figura 5). OBSERVAÇÕES RMEDCURSOS.COM.BR 176 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL Figura 5 2 EPIDEMIOLOGIA Tanto a hérnia inguinal quanto a femoral são mais comuns do lado direito; na inguinal, justifica-se pela atrofia mais tardia do conduto peritoneovaginal deste lado, e na femoral, pelo tamponamento que a sigmoide causa do lado esquerdo. Quanto ao gênero, inguinal é mais frequente em homens, e femoral, em mulheres; contudo, a hérnia inguinal indireta permanece sendo a mais comum em mulheres. Quanto à faixa etária, ao passo em que a hérnia inguinal indireta ocorre em pacientes mais jovens (defeito congênito), a hérnia inguinal direta e a femoral ocorrem em pacientes mais idosos (defeito adquirido). CIRURGIA 177 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL Pelo fato de a hérnia indireta ter como causa um defeito congênito, este é o subtipo mais comum na população pediátrica. Há vários sistemas de classificação para hérnias de virilha; uma simples, amplamente usada e a citada pelo “Sabiston” é a “Nyhus” (figura 6) Tipo I: hérnia indireta com anel inguinal profundo normal (até 2cm) Tipo II: érnia indireta com anel inguinal interno alargado, porém com parede posterior preservada Tipo III: defeito na parede posterior a) hérnia direta b) hérnia indireta com alargamento importante do anel interno e destruição da parede posterior (hérnia mista) c) hérnia femoral Tipo IV: hérnia recidivada a) direta b) indireta c) femoral d) mista Figura 6 Hérnia Indireta: A potência do conduto peritoneovaginal após a descida da gônada predispõe à herniação por dilatação do anel inguinal interno (ou seja, o defeito não está na parede posterior do canal inguinal). • O saco herniário fica lateral aos vasos epigástrico inferiores. • Caso o conduto peritoneovaginal esteja patente até o saco escrotal, pode-se ter uma hérnia inguinoescrotal. Hérnia Direta: Não são resultado de alterações congênitas, mas sim, adquiridas; estas alterações consistem em um enfraquecimento de parte da parede posterior do canal inguinal, área conhecida como triângulo de Hesselbach. Este trígono correspondea região de maior fraqueza da fascia transversalis e seus 3 limites são o ligamento inguinal (inferior), a borda do reto abdominal (medial) e vasos epigástricos inferiores (lateral). • O saco herniário fica medial aos vasos epigástricos inferiores. 3 DIAGNÓSTICO É clínico, sendo anamnese e exame físico suficientes na maioria dos casos. Quando há dúvida, o ultrassom de parede abdominal é um exame complementar excelente, com acurácia de quase 100%; hérnia femoral mais frequentemente requer auxílio de exame de imagem, dado que o diagnóstico diferencial com lipoma e adenopatia inguinal pode ser difícil. O exame físico consiste em inspeção e palpação, em supinação e em ortostase, ambas tanto em repouso quanto com aplicação de Valsava. Na palpação, deve-se tentar identificar o anel inguinal externo com o dedo; saco herniário protruindo na ponta do dedo sugere RMEDCURSOS.COM.BR 178 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL indireta, mas essa tentativa de distinção entre hérnia indireta e direta pelo exame físico é de baixa acurácia e de pouca importância, já que a abordagem cirúrgica independe disso. Se a suspeita for de hérnia femoral, a localização a ser examinada é inferior ao ligamento inguinal, medial à artéria femoral. Principais diagnósticos diferenciais: hidrocele, varicocele, adenopatia, lipomas e tumores do testículo e epidídimo. 4 CONDUTA Via de regra, toda hérnia inguino-crural deve ser corrigida cirurgicamente. No entanto, quando assintomáticas/ oligossintomáticas, pela pequena chance de encarceramento, em geral para pacientes idosos e/ou com alto risco cirúrgico, pode-se considerar vigilância ativa. Essa conduta expectante não se aplica a mulheres (não foram incluídas nos estudos de vigilância ativa) e a hérnias femorais (maior risco de encarceramento). No caso de hérnia inguinal pediátrica, pelo maior risco de encarceramento/ estrangulamento, advoga-se não esperar muito para operar, principalmente em prematuros; não há consenso para o momento ideal, que varia entre ser no momento do diagnóstico (opinião de especialista), em até 14 dias do diagnóstico (estudo citado pelo UpToDate) ou por volta do 1 ano de idade (“Sabiston”). O uso de cintas até pode proporcionar alívio sintomático e melhor aparência estética, mas não previne o crescimento da hérnia e tem o risco de gerar complicações se não usado corretamente, como atrofia testicular, neurite e encarceramento. Assim, o seu uso não costuma ser estimulado. Em hérnia complicada, não havendo suspeita estrangulamento (peritonitonismo, dor inguinal intensa, evolução > 6 horas), deve-se tentar a redução manual do saco herniário; analgesia e posição de Trendelenburg podem facilitar a redução. Com a redução bem- sucedida, a conduta dependerá se paciente adulto ou pediátrico; se adulto, a operação definitiva deverá ser eletiva, mas, se pediátrico, deverá ser em até 48-72 horas (tempo para o edema tecidual local resolver-se), porque a chance de reencarceramento é grande. Caso haja suspeita de estrangulamento, a tentativa de redução manual do saco herniário está contraindicada, estando indicada a herniorrafia de urgência; está também é a conduta para hérnias irredutíveis. OBSERVAÇÕES CIRURGIA 179 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL 5 TÉCNICA 5.1 Hérnia Inguinal de maneira geral, os sacos herniários diretos e os femorais são apenas invertidos, e os indiretos são dissecados até sua origem e ligados (ligadura alta do saco herniário). Quanto à abordagem, esta pode ser anterior ou pré-peritoneal. Há varias técnicas disponíveis, mas não há um consenso de que uma única seja o padrão-ouro; independente da técnica, espera-se que a incidência de recidiva esteja abaixo de 5% e, preferencialmente, menor que 1%. A abordagem anterior se dá através de incisão transversa ou oblíqua na região inguinal, e são abertos os planos subcutâneos e do oblíquo externo; o saco herniário é isolado de estruturas, como, o funículo espermático, procedendo- se então à redução do saco herniário. O reparo do defeito herniário pode ser tecidual (reparo primário clássico) ou com o uso de tela (reparo sem tensão, o que significa que a musculatura inguinal não é tracionada para cobrir o defeito herniário). Quanto a reparo sem tensão, a técnica de Liechtenstein é a mais aceita (figura 7) e consiste na sutura de uma tela ao longo do ligamento inguinal (inferiormente), no tendão conjunto (medialmente) e no oblíquo interno (medialmente), sendo feita uma secção lateral que envolve o cordão espermático, reconstituindo o anel inguinal interno. E quanto a reparo tecidual, a técnica de Shouldice é a mais importante atualmente e consiste na imbricação de quatro planos de estruturas músculo-aponeuróticas no reforço da parede posterior. Figura 7 A abordagem pré-peritoneal pode ser feita por via aberta (técnica de Stoppa) ou, mais comum atualmente, por videolaparoscopia (VLP); ambas consistem no descolamento do espaço pré-peritoneal até o tubérculo púbico e na colocação de grande tela entre a musculatura abdominal e o peritônio cobrindo totalmente o “orifício miopectíneo de Fruchaud” (anel inguinal interno, anel femoral, triângulo de Hasselbach), não sendo a fixação da tela com sutura uma obrigatoriedade, como na abordagem anterior com uso de tela, em função da pressão intra-abdominal sobre a tela contra a parede abdominal. A técnica de “Stoppa” consiste em incisão mediana infraumbilical, e a VLP pode ser “totally extraperitoneal” (TEP) ou “transabdominal preperitoneal” (TAPP) (não há superioridade de uma em relação a outra) (figura 8). RMEDCURSOS.COM.BR 180 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL Quanto ao principal objetivo da cirurgia, que é evitar a recidiva, a VLP não é superior à abordagem anterior. Não há uma contraindicação à VLP em hérnias primárias unilaterais, mas as grandes indicações são hérnia bilateral (com a mesma incisão pode-se abordar os dois lados) e recidivante (caso a abordagem prévia tenha sido anterior, a abordagem VLP “foge” da fibrose e distorção anatômica da cirurgia prévia). Aspectos positivos da VLP são menos dor no pós-operatório e um consequente retorno mais rápido às atividades diárias, e a possibilidade de diagnóstico e tratamento simultâneos de hérnias bilaterais ocultas, presentes em até 50% em alguns estudos; aspectos negativos a se pontuar seriam uma maior curva de aprendizado para que os resultados sejam excelentes e a necessidade de anestesia geral, o que pode acrescentar riscos (infeccao respiratória, retenção urinária...) em comparação à raquianestesia, usada nas técnicas abertas. atualmente, para ser considerado efetivo, um reparo deve apresentar índices de recorrência próximos a 1%, o que é obtido por praticamente todos os reparos com tela. Nas técnicas que utilizam reparo tecidual, porém, esse índice é em torno de 10-15%. Uma exceção seria o resultado de 1,5% de recidiva apresentado pelo “Shouldice Hospital” com a técnica de Shouldice; entretanto, esses bons resultados têm sido pouco atingidos por outros serviços. Além de implicar em menor recidiva, a ausência de tensão também diminui a intensidade de dor pós-operatória. Assim, considera-se que a tela é um elemento imprescindível na herniorrafia; excepcionalmente, na correção de hérnia indireta pediátrica, a cirurgia de eleição consiste apenas na ligadura alta do saco herniário, sem a colocação de tela (técnica de Marcy). No caso de uma recidiva, novamente o uso de tela está indicado, mas a abordagem deve ser outra que não a prévia (ex.: se a primeira cirurgia foi abordada anteriormente, a cirurgia de reparação da recidiva preferencialmente deveria ser feita via pré-peritoneal). CIRURGIA 181 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL Para hérnia complicada em que a conduta seja herniorrafia de urgência, a abordagem de eleição classicamente era a anterior, porém atualmente a VLP é aceita e o “Sabiston” inclusive advoga em favor dela, apesar de abordagem anterior aindaser a primeira escolha por muitos especialistas. Quanto ao uso de tela em situações em que tenha havido necessidade de ressecção intestinal por inviabilidade, tanto o “Rotinas” quanto “Sabiston” sugerem considerar reparo tecidual (ou seja, não usar tela), pelo risco aumentado de infecção. Na população pediátrica, há maior probabilidade de bilateralidade, o que fez com que a exploração inguinal contralateral já tenha sido rotina em todos os casos; contudo, atualmente esta conduta é questionada. O “Sabiston” apenas comenta que a maioria dos cirurgiões pediátricos rotineiramente exploram o lado contralateral assintomático em crianças com apresentação até os 2 anos de idade, enquanto o “UpToDate” mostra alguma evidência de indicação de exploração para os seguintes casos: hérnia encarcerada, hérnia em prematuro, presença de derivação ventriculoperitoneal e presença de doença pulmonar crônica, doença do tecido conjuntivo ou doença que aumente a PIA. 5.2 Hérnia Femoral O tradicional reparo pela técnica de McVay consiste em um reparo tecidual, em que, através de abordagem por incisão inferior ao ligamento inguinal, sutura-se o tendão conjunto no ligamento de pectíneo, desde o tubérculo púbico até os vasos femorais. Atualmente, esta técnica já foi adaptada ao uso de tela e também pode ser feita abordagem pré-peritoneal. 6 COMPLICAÇÕES O risco de infecção de sítio cirúrgico na herniorrafia inguino-crural não aumenta com uso de próteses e, portanto, o uso de tela não influi na necessidade de profilaxia; o que reduz o risco de infecção é a aplicação de técnica cirúrgica apropriada e preparo correto da pele no pré-operatório. Contudo, para pacientes com significativa comorbidade (ASA ≥ 3), a profilaxia com cafazolina está indicada. Apesar das evidências, a maioria dos serviços, quando há o uso de tela, realiza a antibióticoprofilaxia em todos os pacientes. No manuseio do funículo espermático, especialmente no reparo de hérnias inguino-escrotais, pode ocorrer trombose do plexo pampiniforme, o que pode resultar em isquemia: o paciente apresentará um testículo edemaciado e congesto 2-5 dias após a cirurgia; este processo se estenderá por 6-12 semanas, evoluindo comumente para atrofia do órgão (orquite isquêmica). O tratamento consiste na associação de AINEs com analgésicos; orquiectomia raramente é necessária. A fim de evitar o manuseio do cordão, grandes sacos que se prolongam até o escroto podem, em alguns casos, ser seccionados deixando o coto distal aberto. As complicações neurológicas são decorrentes da lesão dos nervos da região inguinal, seja por tração, uso de eletrocautério ou aprisionamento do nervo na sutura. São mais frequentes nas herniorrafias abertas do que nas VLP; além de VLP, o uso de prótese também parece ser fator associado à diminuição da ocorrência de dor crônica. Na maioria dos pacientes, a dor é leve e resolve-se espontaneamente em poucos meses; quando a dor é persistente, provavelmente ocorreu secção ou aprisionamento de algum nervo, com lesão definitiva. Tratamento clínico é ineficaz, sendo a abordagem cirúrgica, com neurectomia RMEDCURSOS.COM.BR 182 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL e retirada da tela, usualmente necessária. A recorrência acontece usualmente nos primeiros 2 anos da cirurgia. As hérnias diretas são as que mais recidivam (a existência de fatores de risco é mais marcante em hérnias diretas e geralmente muitos persistem após o reparo primário) e geralmente a gênese está no limite inferior do canal inguinal próximo ao tubérculo púbico, onde a sutura da tela está submetida a maior tensão. HÉRNIA ANTERIOR & INCISIONAL 1 CONCEITO Porque não existe uma coorte prospectiva disponível que determine a história natural de hérnias centrais não tratadas, o “Sabiston” justifica a maioria dos cirurgiões recomendar o reparo destas hérnias quando identificadas. Contudo, para hérnias ventrais assintomáticas, o “Rotinas” comenta a respeito da possibilidade de manejo expectante, dada a baixa probabilidade de complicação. Quanto à abordagem, VLP não é superior à técnica aberta em termos de recorrência, e quanto ao uso de prótese, está indicada em defeitos > 2 cm, havendo especialistas que sugerem o emprego da tela também em defeitos < 2 cm. A colocação de tela pode ser tanto "onlay" (acima da fáscia muscular anterior) quanto "sublay" (intraperitoneal, pré-peritoneal, subfascial), a qual parece ser mais eficaz, dado que a força natural da pressa intra- abdominal atua mantendo a prótese no lugar, ao passo em que na técnica onlay o reparo esta constantemente sob tensão (além de exigir grande descolamento de tecido subcutâneo, favorecendo formação de seroma, hematoma e ISO); quem opta por onlay advoga que com esta técnica não contato com o conteúdo abdominal, mas atualmente há diversas cujo material é não aderente. Por fim, em relação a propriedades da tela, é controverso se telas de baixa densidade/ peso resultam em melhores desfechos, o que também é incerto no uso de próteses em hérnias inguino-crurais. É consenso que o reparo deve ser realizado de forma que que a prótese se estenda por no mínimo 3-4 cm sobre a superfície da parede abdominal normal. Essa conduta permite uma área de contato maior e posterior envolvimento com o tecido conectivo, levando à fixação permanente da prótese na parede abdominal, além de diminuir o risco de hérnia recorrente lateralmente à prótese. OBSERVAÇÕES CIRURGIA 183 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL HÉRNIA UMBILICAL 1 CONCEITO No público pediátrico, deve-se a um defeito congênito, sendo mais comum em afro- descendentes, prematuros, sexo feminino e síndrome de down. Fecha espontaneamente na maioria dos casos aos 5 anos, de modo que a conduta costuma ser expectante, ficando a cirurgia reservada para: persistência do defeito após os 5 anos de idade, grandes defeitos (probóscide > 3 cm ou anel herniário > 2 cm) ou presença de derivação ventriculoperitoneal. No adulto, é frequentemente secundária a um defeito adquirido, decorrente de aumentos na PIA; uma peculiaridade é que em pacientes com cirrose e ascite, há importante aumento de complicações herniárias, de modo que, embora estes doentes tenham um risco cirúrgico elevado, o reparo da hérnia é recomendado. HÉRNIA EPIGÁSTRICA 1 CONCEITO Pode ocorrer do processo xifoide ao umbigo, especialmente na linha alba, e é comum haver mais de um defeito, denotando fraqueza de toda a parede abdominal. Tem como importante diagnóstico diferencial a diástase do músculo reto abdominal, que, embora não seja uma hérnia verdadeira, pode se apresentar como uma proeminência mediana. HÉRNIA INCISIONAL 1 CONCEITO Praticamente metade dos casos desenvolve-se dentro de 1 ano da cirurgia/incisão, e o maior índice de recidivas é em hérnia incisional. Dos fatores de risco relacionados ao paciente, obesidade e infecção da ferida operatória são os principais; a cirurgia bariátrica pré-operatória é uma opção, e uma gastrectomia vertical é o procedimento de escolha, uma vez que o BGYR requer mobilização do intestino delgado, e se possível o conteúdo e o defeito herniários não devem ser manuseados. Quanto aos fatores relacionados à técnica operatória, as principais variáveis são os tipos de incisão, de fio cirúrgico e de sutura: • O UpToDate põe que incisões verticais, mediana em especial, tem maior risco de hérnia do que transversas/verticais, o que é reforçado pelo “Rotinas”, que ainda acrescenta que entre as incisões verticais as medianas oferecem mais risco que as paramedianas. Ainda assim, o “Sabiston”afirma que o cirurgião deve planejar a incisão com base na exposição desejada para que o procedimento seja feito de maneira segura. • O fio usado deve ser lentamente absorvível (vicryl, PDS) ou inabsorvivel (PROLENE), para que supere a segunda fase da cicatrização (vai até a 3ª semana), em que a cicatriz cirúrgica possui apenas 15-30% da força tênsil, perdurando ao longo da terceirafase da cicatrização. RMEDCURSOS.COM.BR 184 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL • Quanto ao tipo de sutura, não há superioridade dos vários tipos de sutura interrompida em relação à sutura contínua, e quanto à sutura em um único plano ou em dois planos, ainda há controvérsia, mas parece que em um único plano a incidência de hérnia incisional é menor ou, no mínimo, não superior do que sutura em dois planos. Há dois subtipos especiais de hérnia incisional - trocarte e a paraestomal. A hérnia paraestomal é mais comum em colostomia do que em ileostomia e é mais propensa a desenvolver-se quando o orifício é realizado lateralmente ao músculo reto abdominal, ao invés de através dele; o reparo de rotina deste subtipo de hérnia incisional não está recomendado, devendo ficar reservado para quando houver sintomas de obstrução intestinal, dificuldade no encaixe da bolsa ou por questões estéticas. HÉRNIA COM PERDA DE DOMÍNIO 1 CONCEITO Grandes hérnias podem resultar em perda de domínio (figura 9), o que ocorre quando parte significativa do conteúdo abdominal não mais reside na cavidade abdominal. A redução da habilidade de aumento voluntário da PIA, devido à perda da integridade da parede abdominal, interfere na defecação e na micção, podendo levar à ineficiência da musculatura diafragmatica. Visando a uma correção, é aconselhável a realização de TC de abdome para avaliar o volume do conteúdo herniário. O reestabelecimento do domínio peritoneal requer uma complexa reconstrução da parede abdominal. Em alguns casos é necessário realizar procedimentos de separação de componentes da parede abdominal, os quais permitem readquirir 5-10 cm de cada lado da parede abdominal para aproximação das bordas do defeito. Pode colaborar para a intervenção, a aplicação de pneumoperitônio através de insuflações diárias de ar ambiente por cateter duplo-lúmen intra-abdominal por cerca de 2 semanas, a fim de alongar a parede abdominal (criando uma cavidade maior na qual o conteúdo herniário pode ser devolvido) e reduzindo o edema de contato no mesentério, omento e vísceras do saco herniário. Além deste pneumoperitônio, injeções de toxina botulínica mostraram ser uma medida pré-operatória potencial para neutralizar a tensão da parede abdominal e facilitar o fechamento fascial durante o procedimento definitivo. CIRURGIA 185 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL OUTRAS HÉRNIAS HÉRNIA DE SPIEGEL (pararretal externa): hérnia ventral, mas bastante rara; localiza-se entre a borda lateral do músculo reto do abdome e a linha semilunar (de Spiegel). HÉRNIA OBTURADORA: mais comum no sexo feminino, deve-se à fraqueza da membrana obturadora, permitindo a passagem do saco herniário pelo trajeto do feixe vasculonervoso obturatório. Com isso, quadros clássicos são a dor na face interna da coxa por compressão do nervo obturador e a obstrução intestinal (presente em 50% dos casos). É considerada a mais letal das hérnias abdominais, com mortalidade de 10-40%, tendo em vista sua apresentação clínica e o diagnóstico tardio. HÉRNIA LOMBAR: se insinua através da aponeurose do músculo transverso do abdome em dois pontos - um abaixo da 12ª costela (lombocostoabdominal de Grynfeltt) e outro acima da crista ilíaca (lomboilíaca de Petit). HÉRNIA DE RICHTER: quando há encarceramento apenas da borda antimesentérica de víscera abdominal; como o restante da circunferência não faz parte do conteúdo do saco herniário, não observa-se obstrução intestinal. HÉRNIA DE AMYAND: apêndice inflamado dentro do saco herniário de uma hérnia inguinal. HÉRNIA GARENGEOT: apêndice inflamado dentro do saco herniário de uma hérnia femoral. HÉRNIA DE LITTRÉ: divertículo de Meckel no saco herniário. RMEDCURSOS.COM.BR 186 HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL REFERÊNCIAS “Rotinas em Cirurgia Digestiva, 3ª edição” “SABISTON TEXTBOOK of SURGERY, 20th edition” “UpToDate”
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