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116 Unidade II 5 TRANSFORMAÇÕES EM FRASES SIMPLES O estudo da frase foi (e continua) a ser bastante aprofundada pela linha gerativista, que traz grandes contribuições para essa área. O modelo gerativista apresentado é de Noam Chomsky, que tornou os sintagmas SN + SV seus maiores objetos de estudo. A frase é, na síntese de Souza e Silva e Koch (1989), definida como todo enunciado suficiente por si mesmo para estabelecer comunicação. Consiste na organização e combinação de elementos linguísticos, conforme certos princípios. O material organizado recebe o nome de proposição (P) ou oração (O) e pode ser veiculada pelo locutor sob o modo da asserção, da pergunta, ordem, entre outros tipos de frase (T). A primeira regra de constituição de toda e qualquer frase é: F → T + P Significa que o símbolo à esquerda (F = Frase) pode ser reescrito ou analisado pela sequência de símbolos à direita da seta (T = Tipo + P = Proposição ou oração). De O, em português, são geradas frases simples do português: O → SN + SV (SP) SN → (Det) (Mod) N (Mod) pro ∆ Det (pré-det) det-base (pós-det) Mod SA SP SP prep + SN adv SA → (intens) (SPA) Adj (SP C) V (intens) SN SP C (SP A) SV → SA SP C Cóp SN SP V (intens) SN SP C (SP A) SV → SA SP C Cóp SN SP Unidade II 117 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA Postula-se, assim, a gramática sintagmática. Saiba mais A descrição e explicação da gramática sintagmática da língua portuguesa foram eficientemente explorados pela linguista brasileira Ingedore Koch. Juntamente com a estudiosa Maria Cecília Souza e Silva, Koch lançou um dos livros pioneiros sobre a nossa língua: SOUZA E SILVA, M. C. P.; KOCH, I. V. Linguística aplicada ao português: sintaxe. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1989. 5.1 Tipos obrigatórios Os tipos obrigatórios são: o declarativo, o interrogativo, o imperativo e o exclamativo. Esses tipos unem-se ora ao subtipo afirmativo, ora ao negativo. O tipo declarativo afirmativo combina com toda e qualquer oração, sem sofrer transformações obrigatórias de concordância: • i. Decl. Afirm. + o ministro anunciar + passado + as novas providências no final desta semana • ii. No final desta semana, o ministro anunciou as novas providências. Na forma i, o verbo se encontra na forma neutra, o infinitivo, seguida pela marca do tempo. Sobre essa estrutura opera a T. concordância, com o acréscimo ao tempo da marca de número e pessoa, que ocorre entre o V e o SN, fazendo o verbo concordar com o seu sujeito. O tipo interrogativo afirmativo pode ter como base (escopo) toda a oração ou então um constituinte. No primeiro caso, temos sempre frases que exigem resposta sim ou não, conforme o exemplo: • i. Inf. af. + você ir comigo ao teatro • ii. Você vai comigo ao teatro? O sistema arbóreo simplificado fica assim: E. P. F T Int. af. Você ir comigo ao teatro O 118 Unidade II No segundo caso, as mudanças ocorridas dependem da função e do valor semântico do escopo (base) da interrogação: quem, que, onde, quando etc. Exemplo: a. i. Int. af. + alguém levar Cristina ao cinema. ii. Quem levou Cristina ao cinema? b. i. Int. af. + Jorge dizer algo a meu respeito ii. O que disse Jorge a meu respeito? c. i. Int. af. + Luísa deixar o casaco em algum lugar ii. Onde Luísa deixou o casaco? d. i. Int. af. + os pedreiros terminar a obra em dado momento ii. Quando os pedreiros terminarão a obra? No sistema arbóreo, o tipo interrogativo afirmativo é explicitado pela marca QU-, o constituinte sobre o qual recai a interrogação. E. P. F T Int. af. Luísa deixar o algum lugarcasaco em N O SP ASN V Det Det QU-SN N N prep SN SV Sobre essa E. P. (estrutura profunda), opera a transformação da interrogação de constituintes: • a extraposição do constituinte QU- para o início da oração; • a substituição do constituinte marcado pela partícula interrogativa onde. 119 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA O processo de transformação fica assim: T. Interr. em oalgum ONDE casacolugar Luísa deixou O SVSP A N V SN DetDet QU- NN prep SN SN O tipo exclamativo não provoca alterações, além do acréscimo da entonação que lhe é própria, na língua oral, e do acréscimo do sinal de exclamação, na escrita. • i. Excl. + você estar bonita com este vestido novo • ii. Você está bonita com este vestido novo! Os tipos imperativo afirmativo e negativo podem exprimir ordem, pedido, conselho, súplica. Essas diversas expressões diferenciam-se na entonação, pelo acréscimo de por favor, cuidado etc. Verbos que exprimem acontecimentos independentes da nossa vontade, tais como caber, poder e nascer, não são marcados no imperativo. Determinados traços do predicado atribuídos ao sujeito, como qualidades inerentes – tais como ser alto, ser feio, ser mortal etc. – não são expressos no imperativo. A transformação de imperativo acontece em duas etapas: • alterações na forma do verbo relativas ao modo imperativo; • apagamento do SN sujeito. adizertu verdadeImp. af. FE. P. T SN SV O Det V N SN 120 Unidade II T. imp. a verdadeImp. af. SV O V Det N SN Em relação às orações negativas, a negação pode recair sobre a oração como um todo ou sobre um dos seus constituintes (ninguém, nada etc.). No primeiro caso, a partícula não é introduzida diante do verbo, conforme o exemplo: a. i. Decl. + neg + o presidente sancionar a lei ii. O presidente não sancionou a lei. b. i. Int. + neg. + as crianças ir ao parque ii. As crianças não foram ao parque c. i. Imp. + neg. + você acusar os colegas ii. Não acuse os colegas No segundo caso, a alteração é maior, consistindo na substituição do item lexical indefinido que a negação tem por escopo: i. Decl. + neg + alguém dizer a verdade ii. Ninguém disse a verdade No diagrama arbóreo, um exemplo de oração do tipo negativo: 121 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA o sancionar leipresidente aDecl. Neg. FE. P. T SN SV O Det Det VN N SN T. Neg. o a leipresidente não sancionou O SN Neg V SNDet Det N N SV Exemplo de aplicação I. Preencha a caixa com palavras de modo a constituir frases: Quadro 26 a. tipo Material Decl SN SV N V SP b. tipo Material Inter SN SV SP Det N V prep SN II. Aplique o tipo interrogativo às proposições: O presidente virá a São Paulo na próxima semana. Qu- alguém roubou as joias da rainha. Você comprou esses livros de astrologia Qu- em algum lugar Qu- algo estava pichado no muro Você conheceu este rapaz Qu- de alguma maneira 122 Unidade II 5.2 Tipos facultativos Os tipos facultativos são o passivo e o enfático. Para a transformação passiva, a oração deve apresentar a estrutura sujeito – verbo – objeto direto, sendo o sujeito agente (animado ou dotado de força, movimento) e o verbo de ação. i. Decl. afirm. pass + a bicicleta atropelar o pedestre ii. O pedestre foi atropelado pela bicicleta A oração passiva apresenta-se nas formas analítica e sintética. A passiva analítica tem como diagramação arbórea: a atropelar pedestrebicicleta oDecl. af. Pass FE. P. T SN SV O Det Det VN N SN T. Pass. Det N o atropelar bicicletapedestre ser -do per aDecl. af. F T SN SV O Det Prep VN SN SP A passiva analítica acarreta uma reordenação na ordem dos elementos que compõem a oração: • extraposição do SN objeto para a posição de sujeito; • extraposição do sujeito para depois do verbo, antecedido da preposição por (per), vindo assumir a função de agente da passiva; • modificação na forma verbal, à qual se adiciona o auxiliar ser, que passa a ser suporte de tempo, recebendono verbo principal a marca de particípio (-do para os verbos regulares). 123 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA Lembrete A transformação do tipo passivo analítico é visualizada, também, na gramática tradicional: i. Muitas pessoas leem este jornal diariamente. ii. Este jornal é lido por muitas pessoas diariamente. O agente da passiva nem sempre é expresso. O seu apagamento ocorre quando o sujeito da forma ativa é indefinido; nos demais casos, esse apagamento é facultativo, dependendo de uma opção do falante: a. i. Alguém salvará o doente. ii. O doente foi salvo. b. i. A imprensa divulgou amplamente a notícia. ii. A notícia foi amplamente divulgada. A passiva pronominal exige o preenchimento do SN sujeito da estrutura profunda por um pronome indefinido. Um exemplo de passiva pronominal: • Alguém alugar apartamentos mobiliados. • Apartamentos mobiliados alugam-se. • Alugam-se apartamentos mobiliados. A T. passiva pronominal (sintética) pode ser assim formalizada: alguém pron. ind. alugar mobiliadoapartamentoDecl. Pass F T SN SV O N V SA SN 124 Unidade II apartamentos alugam-semobiliadosDecl. F T SN SV V O N SA T. Pass. Pron. T. Extr. Alugam-se apartamentos mobiliados. As modificações pela passiva pronominal são: • extraposição do SN sujeito para a posição de sujeito; • apagamento do agente da passiva, que é indeterminado; • acréscimo do pronome apassivador se à forma verbal; • extraposição do SN sujeito para depois do verbo. O tipo enfático é também outro tipo facultativo. O tipo enfático manifesta-se por meio da expressão de realce é que, mas a ênfase pode recair sobre qualquer dos elementos da oração (sujeito, verbo etc.), conforme os exemplos: • Eu é que não vou obedecer a essa determinação. • É no teatro que encontrarei meus amigos. • É Maria que eu estou procurando. A ênfase pode ser expressa, também, por meio da reiteração de elementos do material (pleonasmo, anacoluto) e do acréscimo de outras partículas de realce (como, ora, mas etc.) acompanhado, geralmente, o tipo exclamativo. A negação enfática é obtida pelo uso de nunca, jamais. • Os alunos, estes não aceitaram a imposição da diretora. • A mim, você não me engana. • As rosas, colhi-as de madrugada. • Como Campinas cresceu nos últimos anos! • Ora vejam só que ousadia! • Mas outra vez esse barulho! • Nunca esquecerei as suas ofensas. 125 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA A visualização no diagrama arbóreo da frase do tipo enfático é: Você é que esteve em casa (a expressão enfática é que): Você Pron. estar casaem Decl. af. enf. FE. P. T SN SV O prep cóp SN N SPc Você Pron. é que esteve casaem Decl. af. enf. F T SN SV O prep cóp SN N SPc Exemplo de aplicação As atividades a seguir são propostas por Souza e Silva e Koch (1989). I. Aplique o tipo passivo quando possível. Justifique as impossibilidades. a. Mário envia as cartas de Luís a Carla. b. A criança pesa 30 kg. c. Os jornais teriam veiculado notícias sensacionais para atrair o público. d. Sérgio tem entregado com regularidade seus relatórios. e. Os alunos da universidade tinham espalhado notícias sobre a greve. f. As padarias tornaram a entregar aos consumidores pães feitos com trigo deteriorado. g. Os governantes começaram a discutir o assunto da abolição de subsídios ao trigo. II. Aplique o tipo passivo pronominal: a. Alguém abriu o cofre. b. A gente enxerga melhor os defeitos alheios. c. A gente encontrou fosseis muito antigos. 126 Unidade II d. As pessoas constroem represas para produzir eletricidade. e. Às vezes, as pessoas consideram pouco inteligentes aqueles que têm ideias próprias. III. Faça a transformação da frase do tipo enfático em diagrama arbóreo: • Eu é que fui avisado de tua chegada. • Este anúncio, ele foi feito pela nossa agência. Comentários: Na atividade I, a transformação para o tipo passivo pode ocorrer em oração como Mário envia as cartas de Luís a Carla, que se torna: As cartas de Luís a Carla são enviadas por Mário. Temos a extraposição do SN objeto para SN sujeito e a presença do agente da passiva. No entanto, em frases como A criança pesa 30 kg é considerada agramatical a transposição para a passiva. Não aceitamos uma passiva assim: 30 kg são pesados pela criança. Na atividade II, um exemplo de transformação é: • Alguém abriu o cofre. • O cofre abriu-se. Na atividade III, a frase é do tipo declarativo afirmativo enfático passivo e no diagrama fica assim: Eu eu pron. pron. avisar chegadaade Decl. af. enf. FE. P. T SN SV O prep Det. V SN N SPcSN Tipo Enf. Eu eu pron. é que pron. avisar chegadaade Decl. af. enf. F T SN SV O prep Det. V SN N SPcSN 127 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA T. pas. Eu pron. avisar -do ser chegadaade Decl. af. pas. F T SN SV O prep Det. V SN N SPc A segunda frase é do tipo declarativo afirmativo enfático passivo e fica assim visualizada: agênciaNossa fez este anúncio Decl. af. pas. enf. FE. P. T SN SV O Det. Det. VN N SN anúncioEste fez per a nossa agência Decl. af. pas. F T SN SV O Det. ser -do Det Det-base pós-det prep. VN N SN SPc anúncioEste fezele pron per a nossa agência Decl. af. enf F T SN SVSN O Det. Det Det-base pós-det prep VN N SN SPc 128 Unidade II 5.3 Transformações de pronominalização: clítica e oblíqua Existem transformações que não dependem do tipo da frase, como é o caso das de pronominalização. São dois os tipos de pronomes pessoais em língua portuguesa: os retos e os oblíquos (além dos pronomes de tratamento). Lembrete Os pronomes pessoais do caso reto são: eu, tu, ele/nós, vós, eles. Os pronomes do caso oblíquo são: me, mim; te, ti; se, o, lo, no, lhe; nos, vos. Somente os pronomes retos existem no nível da estrutura profunda (EP); os oblíquos átonos e tônicos resultam da transformação dos primeiros. A transformação clítica transforma um pronome reto da EP em pronomes oblíquos na estrutura superficial, quando este exerce a função de complemento verbal não regido de preposição. • Tânia chamou- me te nos vos eu tu nós vós Tânia chamar SN SV OE. P. VN SN T. Clítica me te nos vos Tânia chamou SN SV O VN SN A transformação oblíqua refere-se à transformação do pronome reto da estrutura profunda em pronome oblíquo tônico na estrutura superficial, quando este estiver antecedido de preposição, constituindo um SP C ou SP A. 129 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA • Mário trouxe este presente para mim ti nós vós É possível também a permuta de posição, dentro do SV, entre o SN e o SPC. Pode ocorrer ainda a cliticização, que implica o apagamento da preposição: • Mário trouxe para mim este presente. • Mário trouxe-me este presente. A transformação fica assim visualizada: eu tu nós vós Mário trazer este parapresente pron SN SV OE. P. VN SN Det prepN SN SPc mim ti nós vósMário trouxe este parapresente pron SN SV O VN SN Det prepN SN SPc T. oblíqua 130 Unidade II Mário trouxe mim esteeste presente SN SV O VN SPc Detprep NSN pro SN T. permuta Mário trouxe esteme presente SN SV O VN SP Detprep NSN pro SN T. Cliticização Exemplo de aplicação Represente as estruturas profundas das frases e indique as transformações aplicadas para a obtenção das estruturas superficiais: a. Ontem, Gilberto levou-nos ao cinema. b. Eu te disse a verdade. c. Mandaram-me flores. d. Encontre-me na porta do cinema. e. José contou esta piada para mim. f. Maria comprou para nós este lanche. 5.4 Transformações de pronominalização: reflexiva A T. reflexiva acontece quando ocorrem dois SN idênticos e correferenciais, como o exemplo: • A menina enfeitava-se diante do espelho. • A jovem guardou o segredo para si. 131 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA Temos a seguinte estrutura profunda da frase A menina enfeitava-se diante do espelho: A menina enfeitar Márioa o espelhomenina diantede SN SV SP Det Det Det V prepN N N SN SN Ao operar a transformação reflexiva clítica, obtemos: O A menina enfeitou se o espelhodiante de SN SV SP Det Det V prepN N SN pro SN A estrutura profunda da segunda frase fica assim: O A jovem guardar ao jovemsegredo para SN SV SPDet Det Det V prep N N N SN SN A transformação reflexiva oblíqua chega a: O A jovem guardou o segredo para si SN SV SPDet Det V prep N N SN SN pro 132 Unidade II Exemplo de aplicação Atribua a cada uma das frases a letra correspondente à explicação da ocorrência da partícula se: a: É o resultado da transformação de um SN. b: É o resultado da transformação de um SP. c: É o resultado de transformações de acréscimo. d: É parte integrante do verbo. ( ) Maria tem se dedicado aos estudos. ( ) Reescreveu-se mais uma página da história. ( ) Cândido retirou-se do aposento. ( ) O aluno queixou-se ao diretor. ( ) O menino cortou-se com o vidro. ( ) Refizeram-se os cálculos da obra. ( ) Ele se esqueceu de mim. ( ) Necessita-se de mecânicos gabaritados. ( ) Os grevistas retiraram-se da fábrica. ( ) Lili dá-se ares de grande dama. Comentário: O resultado é: (d) Maria tem se dedicado aos estudos. (b) Reescreveu-se mais uma página da história. (a) Cândido retirou-se do aposento. (d) O aluno queixou-se ao diretor. (a) O menino cortou-se com o vidro. 133 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA (b) Refizeram-se os cálculos da obra. (d) Ele se esqueceu de mim. (a) Necessita-se de mecânicos gabaritados. (a) Os grevistas retiraram-se da fábrica. (b) Lili dá-se ares de grande dama. 6 TRANSFORMAÇÕES EM FRASES COMPLEXAS Neste tópico do livro-texto iremos tratar do período composto, que tem a combinação de duas ou mais orações. Tal combinação pode ser realizada por meio de procedimento sintático de: • coordenação ou combinação; • subordinação ou encaixamento. Na subordinação, as regras são de substituição e, na coordenação, são de adição. Saiba mais Além da linha gerativa de Chomsky, há outras, sendo uma delas a de Tesnière, para quem o verbo é o nó dos nós, que amarra a si imediata ou mediatamente todos os termos da oração – e, como resultado, temos oração substantiva, adjetiva ou adverbial. Uma obra que apresenta a linha de Tesnière é a de Flávia Carone: CARONE, F. B. Morfossintaxe. 6. ed. São Paulo: Ática, 1997. 6.1 Transformações de encaixamento: completivas As frases encaixadas ou subordinadas podem ser de três tipos: • completivas: encaixadas no lugar de um SN; • circunstanciais: encaixadas na posição de um SP A; • relativas: encaixadas na posição de modificadores adjetivais do nome. 134 Unidade II As completivas ou substantivas são aquelas que complementam a oração matriz, funcionando como: • sujeito (SUJ); • objeto direto (OD); • objeto indireto (OI); • complemento nominal (CN); • predicativo (PRED); • aposto (AP). O SN no qual se opera o encaixe é um termo como algo, alguma coisa, isto, uma coisa. São expressões pró-formas, vazias de significado. Vejamos: a. i. Algo é importante SUJ ii. Todos os membros do Conselho apresentar sugestões. iii. É importante a apresentação de sugestões por todos os membros do Conselho. iv. É importante que todos os membros do Conselho apresentem sugestões. b. i. Ele desejava algo. OD ii. Os companheiros colaborar na pesquisa. iii. Ele desejava a colaboração dos companheiros na pesquisa. iv. Ele desejava que os companheiros colaborassem na pesquisa. c. i. Nós precisamos de algo. OI 135 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA ii. Os colegas criticar este trabalho. iii. Precisamos da crítica dos colegas a este trabalho. iv. Precisamos de que os colegas critiquem este trabalho. d. i. A possibilidade de algo lhe deu forças para a luta. CN ii. Ele realizar o seu sonho. iii. A possibilidade de realização do seu sonho deu-lhe forças para a luta. iv. A possibilidade de que realizasse o seu sonho deu-lhe forças para a luta. e. i. O jovem tinha certeza de algo. CN ii. O jovem ser promovido. iii. O jovem tinha certeza de sua promoção. iv. O jovem tinha certeza de que seria promovido. f. i. A nossa esperança é algo. PRED ii. A equipe triunfar nos jogos decisivos. iii. A nossa esperança é o triunfo da equipe nos jogos decisivos. iv. A nossa esperança é que a equipe triunfe nos jogos decisivos. g. i. Nossa vontade é esta: algo. AP 136 Unidade II ii. Os convidados ficar satisfeitos. iii. Nossa vontade é esta: a satisfação dos convidados. iv. Nossa vontade é esta: que os convidados fiquem satisfeitos. A completiva será classificada, portanto, conforme a posição ocupada na frase pelo SN no qual ela for encaixada: O O O SN SV SN SV SN SV V SN V SP prep SN ALGO (subj) ALGO (obj.dir.) ALGO (obj. ind.) O O O SN SV SN SV SN SP SN SNcóp SN ALGO (pred.) Item genérico ALGO (apos.) ALGO (compl. nom.) ALGO (compl. nom.) O SN Det Prep Prep SN SN Det VN N ∆ ∆SPc SPc SN SNSV SV O O encaixamento das completivas pode ocorrer por meio do complementizador que, introduzindo oração substantiva desenvolvida, e pelo –R, o qual introduz oração substantiva reduzida. Quando a oração completiva é introduzida pelo que, a transformação de encaixamento obedece a: • encaixamento de O2 no lugar da pró-forma algo; • acréscimo do complementizador. 137 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA Vejamos o exemplo: • Eduardo sabe que Cristina viajou. Eduardo Cristina Viajarsabe ALGO OE. P. SN N SNSV V SN N V SV O T. Encaix. T. Encaix. Eduardo Cristina viajousabe QUE comp O2 O1 SN N SN N SV V SV V SN Quanto ao complementizador –R, o encaixamento de uma completiva de uma oração reduzida de infinitivo. Nesse caso, a transformação de encaixamento recebe o nome de T. infinitiva. Exemplo: • Luís espera vencer as dificuldades. As transformações ocorridas são: • encaixamento de O2 no lugar da pró-forma ALGO de O1; • acréscimo do complementizador –R (desinência modo temporal de infinitivo, indicando que o verbo assumirá necessariamente a forma infinitiva); • apagamento do SN idêntico da completiva. Vejamos o gráfico: 138 Unidade II Luís vencer dificuldadesespera Luís as-R comp O2 O1 SN N SN N V Det SN N SV SV V SN Luís vencer dificuldadesespera as O1 SN N V SN Det N SV V SN O2 SV T. apag. do SN idêntico de O2 No exemplo, a completiva infinitiva exerce a função de objeto direto. Porém, ela pode também exercer as funções de: • sujeito; • objeto indireto; • complemento nominal; • predicativo; • aposto. Temos, como exemplos: • É preciso ter fé nos homens. • Gosto de observar a movimentação das formigas. • Sentia uma vontade imensa de libertar-se de todas as amarras. 139 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA • Meu sonho é conhecer o mundo todo. • Roberto só tinha um desejo: contribuir para o progresso da ciência. Exemplo de aplicação As atividades são adaptações das propostas por Souza e Silva e Koch (1989). I. Sublinhe as orações completivas e classifique-as quanto à função sintática (oração subordinada substantiva subjetiva, oração subordinada substantiva objetiva direta, oração subordinada substantiva objetiva indireta, oração subordinada substantiva completiva nominal, oração subordinada substantiva predicativa, oração subordinada substantivaapositiva). a. Convém que os alunos cheguem cedo. ____________________________________________________________________________________ b. Achamos que nosso professor não é muito exigente. ____________________________________________________________________________________ c. A possibilidade de executar a tarefa é bem remota. ____________________________________________________________________________________ d. A verdade é que ninguém o estima. ____________________________________________________________________________________ e. O gerente persuadiu o empregado a pedir demissão. ____________________________________________________________________________________ f. O mestre pediu que fizéssemos o trabalho com atenção. ____________________________________________________________________________________ g. É difícil convencer João a deixar a bebida. ____________________________________________________________________________________ II. Agora, dê a estrutura profunda correspondente das frases do exercício em árvore. 140 Unidade II 6.2 Transformações de encaixamento: circunstanciais e relativas As circunstanciais, denominadas de adverbiais, são orações que se encaixam na posição de um SP A modificador da matriz. i. O público deixou o recinto quando o espetáculo terminou. ii. o público deixou o recinto antes que o espetáculo terminasse. iii. O público deixou o recinto depois que o espetáculo terminou. Geralmente, esse processo é representado da seguinte forma: O recinto certo momentopúblico o emdeixou OE. P. SN SV SP V prep.SN SNDet Det Det N N N O espetáculo terminar O SN SV VDet N O recinto o espetáculo terminoupúblico o quandodeixou O1 SN SV SP V CIRCSN O2Det Det SN Det N N SV N V T. Circ. As circunstâncias são: causa, consequência, condição, comparação, proporcionalidade, conformidade, finalidade, concessão. O gráfico a seguir permite visualizar as diversas relações que podem ser expressas por meio de orações circunstanciais: 141 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA Os aviões sairão do Brasil O SN SV SP A em dado momento por uma razão com uma consequência com uma condição em comparação com algo à proporção de algo de conformidade com algo para certo fim apesar de algo de certa maneira As orações relativas, denominadas adjetivas na gramática tradicional, podem ser: • restritivas: funcionam como sintagma adjetival e se apresentam encaixadas na posição de um modificador do nome; • apositivas: funcionam como aposto e se originam de frases coordenadas na estrutura profunda. As relativas restritivas são encaixadas na posição de um SA, representado por uma pró-forma, denominada especificado (E), que pode ser substituída tanto por um só léxico (exemplo: inteligente) quanto por um sintagma (exemplo: de Júlio) ou por uma oração (exemplo: a menina estuda medicina). Exemplos: • Falei com a menina inteligente. • Falei com a menina de Júlio. • Falei com a menina que estuda medicina. As orações restritivas fazem parte do SN, formando com ele um único constituinte. Observação A prova de que a oração restritiva faz parte do SN pode ser obtida por meio da transformação passiva, que transforma o SN sujeito, incluindo a relativa, em agente da passiva. Vejamos o exemplo: i. A moto que estava pintada de vermelho atropelou a velhinha. ii. A velhinha foi atropelada pela lambreta que estava pintada de vermelho. 142 Unidade II Agora vejamos os exemplos de completiva restritiva, que exerce diferentes funções sintáticas: sujeito, objeto direto, objeto indireto, adjunto adverbial de lugar, complemento adverbial de lugar, adjunto adnominal. a. i. Eu comi o peixe. ii. O peixe estava estragado. iii. Eu comi o peixe que estava estragado. (que = função de sujeito) b. i. O peixe estava estragado. ii. Eu comi o peixe. iii. O peixe que eu comi estava estragado. (que = função de objeto direto) Para o processo de transformação de relativização, temos as seguintes etapas: • encaixamento de ii em i ao lado SN idêntico (antecedente); • extraposição do SN idêntico para a posição inicial da oração encaixada; • pronominalização relativa do SN idêntico da oração encaixada. Podemos visualizar no diagrama arbóreo: • Eu comprei os selos que você pediu. SN pro Eu selos xoscomprei OE. P. SV V SN Det N SA 143 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA SN pro Você selosospediu O SV V SN Det N Eu você pediu os seloscomprei selosos O1 SN pron SV V SNSN Det Det SN1 Vpron N N SV SN2 SA O2 T. Rel. E1 Eu pediuvocêos seloscomprei selosos O1 SN pron SV V SNSN Det Det SN2 SN1 VpronN N SV SA O2 T. Rel. E2 144 Unidade II Eu pediuvocêquecomprei selosos O1 SN pron SV V SNSN Det SN2 SN1 Vpron N SV SA O2 T. Rel. E3 Exemplo de aplicação As atividades propostas são de autoria Souza e Silva e Koch (1989). I. Coloque nos parênteses a letra correspondente à especificação semântica que cada uma das orações deverá obedecer para se encaixar no nódulo SP à esquerda: Maria chorar O SN SV N V SP a) em certo momento b) por uma causa c) com uma condição d) com uma sequência e) em comparação com algo f) à proporção de algo g) de conformidade com algo h) para certo fim i) apesar de algo j) de certa maneira ( ) para impressionar o namorado ( ) antes de casar ( ) como um chuveiro aberto ( ) à medida que o trem afastava ( ) depois de saber da morte da tia ( ) a ponto de convencer os policiais ( ) caso não ganhe o relógio 145 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA ( ) segundo foi combinado com o diretor da peça ( ) já que ninguém lhe dava atenção ( ) apesar de não haver motivo para tanto ( ) derramando copiosas lágrimas II. Encaixe uma oração na outra por meio de um pronome relativo: a. Os mitos são histórias. Essas histórias são aceitas como verdadeiras e não como ficção. b. Os discursos narrativos documentam a constante procura do homem para entender o universo e a si mesmo. Os mitos eram transmitidos de geração a geração através de discursos narrativos. 6.3 Coordenação de orações A coordenação constitui-se de combinação de partes ou de orações estruturalmente independentes. Assim, • Ricardo e Mário são parecidos. A estrutura profunda pode ser assim visualizada: O SN SV CópSN ..........e.......... SNSN SASN Mário sãoRicardo parecidos Vejamos outra situação: • O vereador falava e gesticulava. A estrutura profunda é assim constituída: O O1 ...........................e................................ 02 SNSN Det Det SNSN SN SN SVSV N V VN vereador vereadorfalavaO o gesticulava 146 Unidade II Considerando elementos diferentes, como no próximo exemplo: • Roberto e Mariana jogam tênis. O SN SV VSN ...........e........... SNSN SNSN NN MarianaRoberto tênisjogam A oração coordenada pode ser: • aditiva; • adversativa; • explicativa; • conclusiva; • alternativa. Observação As orações coordenadas são independentes entre si por possuírem os elementos sintáticos: sujeito, verbo, complemento (se for necessário). Exemplo de aplicação I. Determine as estruturas profundas das frases e indique as transformações operadas para chegar às estruturas superficiais: a) Carlos jogou tênis e Marcos treinou futebol. b) O garotinho e o cachorro correram de medo. c) O papagaio falava e gritava. d) Ontem conversei com Fernando e Mário. e) Camila foi atropelada pelo caminhão e morreu. 147 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA II. Ao fim deste tópico do livro-texto, em que você entrou em contato com um método bem diferente da gramática normativa/tradicional para analisar as orações e deparou-se com muitos termos novos, proponho que você monte um glossário com destaque aos termos da linguística gerativa e faça uma breve definição de seu significado. Não se esqueça: em ordem alfabética. Quadro 27 Termos Definição/ significado Resumo Nesta unidade, a oraçãoem língua portuguesa é tratada sob o enfoque da linguística gerativa, seguindo os preceitos de Noam Chomsky. Os princípios de organização da estrutura frasal relacionam os constituintes imediatos, que podem ser dispostos em diagramas arbóreos. Esse diagrama permite visualizar a estrutura frásica ao mesmo tempo em que mostra que cada componente está relacionado ao outro de modo hierárquico. 148 Unidade II Há a constatação que a língua portuguesa possui um componente sintático que responde pela formulação de orações. Para estudar a sintaxe gerativa, faz-se necessário rever conceitos de classes de palavra, uma vez que as classes gramaticais têm papel relevante no gerativismo, pois é por meio delas que são estudados os determinantes, os modificadores, os núcleos e todos os sintagmas. Exercícios Questão 1. A seguir, leia e observe a capa da revista Veja: Figura 8 – Capa da revista Veja de 10 de outubro de 2001 Agora, analise as afirmativas que seguem: I – O sintagma nominal Fé cega e mortal é formado pelo núcleo duplo fé: Fé cega e fé mortal: o primeiro explícito e o segundo elíptico. II – Na estrutura profunda, o SN Fé cega e mortal é formado por dois SNs idênticos nos seus núcleos e diferentes nos seus modificadores. III – A chamada de capa da revista, na estrutura profunda, é formada por um SN → N + dois modificadores. 149 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA IV – A conjunção coordenativa e estabelece a adição entre os dois SNs internos ao SN oracional. Está correto o que se afirma apenas em: A) I, II e IV. B) II, III e IV. C) I e II. D) I, II, III e IV. E) II e IV. Resposta correta: alternativa A. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: observe o esquema arbóreo: SN O SN N NMód. Mód. ...........e........... SNSN Fé (fé)cega mortal Podemos perceber que o sintagma nominal (SN) Fé cega e mortal é formado pelo núcleo duplo fé. II – Afirmativa correta. Justificativa: observe o esquema arbóreo: SN O SN N NMód. Mód. ...........e........... SNSN Fé (fé)cega mortal Na estrutura profunda, esse SN é constituído por dois SNs idênticos nos seus núcleos (fé) e diferentes nos seus modificadores (cega/mortal). 150 Unidade II III – Afirmativa incorreta. Justificativa: a chamada de capa da revista, na estrutura profunda, é formada por um SN, que se divide em dois SNs internos, compostos por N + modificador, cada um. IV – Afirmativa correta. Justificativa: observe o esquema arbóreo: SN O SN N NMód. Mód. ...........e........... SNSN Fé (fé)cega mortal A conjunção coordenativa e estabelece a adição entre os dois SNs internos ao SN oracional, conforme o esquema. Questão 2. Agora é que são elas é uma telenovela brasileira produzida e exibida no horário das 18 horas pela Rede Globo, no período de 24 de março a 6 de setembro de 2003, contendo 143 capítulos. Foi escrita por Ricardo Linhares e dirigida por Roberto Talma. No título da novela, temos: A) O tipo obrigatório declarativo e o tipo facultativo passivo. B) O tipo obrigatório exclamativo e o tipo facultativo enfático. C) O tipo obrigatório declarativo e o tipo facultativo enfático. D) O tipo obrigatório declarativo e os tipos facultativos passivo e enfático. E) O tipo obrigatório imperativo e o tipo facultativo passivo. Resposta correta: alternativa C. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: o tipo obrigatório é o declarativo, mas o tipo facultativo não é o passivo. 151 MORFOSSINTAXE APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA B) Alternativa incorreta. Justificativa: o tipo facultativo é o enfático, mas o tipo obrigatório não é o exclamativo. C) Alternativa correta. Justificativa: o tipo obrigatório é o declarativo e o tipo facultativo é o enfático (é que). A alternativa, portanto, está correta. D) Alternativa incorreta. Justificativa: o tipo obrigatório é declarativo, mas não há os tipos facultativos passivo e enfático. No título da novela Agora é que são elas há apenas o tipo facultativo enfático. E) Alternativa incorreta. Justificativa: o tipo obrigatório não é o imperativo e o tipo facultativo não é o passivo. As duas afirmações estão incorretas.