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Conteúdos Aula Unidade 1 Psicanálise e Educação

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Introdução - Contextos epistemológico, social e histórico (aulas 1 e 2)
IntroduçãoLivro
Nosso curso começa com uma Introdução à Psicanálise que pretende contextualizá-la em relação a outros saberes como o Senso Comum, a Ideologia e Ciência, e também em relação ao contexto social e histórico de sua proposição, destacando como tal contexto favoreceu o surgimento deste campo de saber, e como ele difere do contexto local e contemporâneo que vivemos.
Introdução
Nosso curso começa com uma Introdução à Psicanálise que pretende contextualizá-la em relação a outros saberes, e também em relação ao contexto social e histórico de sua proposição.
Na Aula 1 trataremos de discutir o lugar da Psicanálise em meio a outros saberes, como o Senso Comum, a Ideologia, a Filosofia e a Ciência. É muito importante entender que a Psicanálise, nem nenhum outro saber formalizado pode ser confundido com o Senso Comum. Por mais que o conhecimento gerado pela Psicanálise nos toque muito de perto, fale de experiências cotidianas, isso não nos faz psicanalistas "naturais", ou "ingênuos".
Não existe tal coisa, porque nenhum saber formal é ingênuo, ele pressupõe a construção de teorias, métodos de investigação empíricos próprios, uma tradição de pesquisa particular no seio da qual novos conceitos e práticas emergem, ou seja, pressupõem. por um lado. rigor de pensamento e. por outro, abandono de dogmatismos em favor de uma postura crítica e de produção de novos conhecimentos.
A Aula 2 é dedicada a contextualização histórico-cultural do surgimento da Psicanálise. Ao entendermos o meio no qual surge a Psicanálise podemos compreender melhor que tipo de problemas ela visava investigar, e que tipo de soluções ela poderia oferecer para tais problemas dentro deste contexto específico.
Buscar tal entendimento ainda nos capacita a pensar criticamente o saber psicanalítico, pensando em seus limites de aplicação, e principalmente, compreender que contextos histórico-culturais distintos demandaram adaptações da teoria original que pudessem dar conta de situações muito distintas daquelas que a teoria original pretendia dar conta.
Este último ponto é especialmente relevante na medida em que a realidade brasileira contemporânea é bem distinta daquela que testemunhou e ajudou a engendrar os princípios da Psicanálise.
Introdução
Aula 1 - Psicanálise e Senso Comum
Psicanálise e senso comum
Tirinha - Filho de Freud - O filho de Freud conta um sonho ao pai no qual ele possuía um navio que navegava por baixo da água, voava, dava a volta ao mundo e por último seguia para a lua. Pergunta a Freud o que isso significaria. Freud resposnde que ele deveria ler menos Júlio Verne antes de dormir.Na nossa apresentação da disciplina dissemos acreditar que este é o primeiro contato formal que a maioria de nossos alunos tem com a Psicanálise. Sustentamos essa crença. Mas isso não quer dizer que este seja o primeiro contato de vocês com a Psicanálise em absoluto.
O que queremos dizer com isso?
Algo muito simples: a Psicanálise se tornou um ramo do saber extremamente popular, e muitos de seus conceitos são usados no Senso Comum, na maioria das vezes sem que se dê conta de que as expressões e princípios explicativos que estamos usando de alguma forma se relacionam com o saber psicanalítico.
Por exemplo, todos nós já ouvimos expressões como “Freud explica”, “Fulano é complexado”, “Isso é uma coisa que está no seu Inconsciente”, “Como Beltrana é histérica! ”, ou, mais recentemente, “Beijinho no ombro para o recalque passar longe”. Todas estas expressões de forma mais ou menos clara, direta, ou fiel, a personagens e conceitos psicanalíticos.
Isto posto, seria mentiroso dizer que não sabemos nada sobre Psicanálise só porque nunca estudamos o tema formalmente. Assim como seria mentiroso dizer que nosso conhecimento de Senso Comum sobre o assunto nos basta para efeitos desta disciplina.
Para a maioria das pessoas, que nunca estudou Psicanálise e nunca frequentou um consultório psicanalítico, tais aproximações podem ser suficientes no seu cotidiano. Mas a partir do momento que entramos em contato com a Psicanálise enquanto campo de saber constituído, esse tipo de conhecimento passa a ser insuficiente, por ser irrefletido e assistemático.
É possível argumentar, inclusive, que tal primeiro contato pode ser de alguma maneira nocivo, na medida em que deforma os conteúdos que iremos abordar ao longo de nosso curso dificultando que as noções mais de acordo com a tradição psicanalítica possam ser apreendidas de uma maneira mais fiel.
Nocivo ou não, tal conhecimento prévio é real. Portanto, não podemos fingir que ele não existe, precisamos lidar com ele, e tentar tirar proveito das noções intuitivas que o Senso Comum construiu em nós.
Leitura obrigatória:
Artigo de David Flörsheim e Manoel Berlinck sobre o lugar da Psicanálise no senso comum
Ler em PDF (texto com formatações que dificultam leitura por softwares de acessibilidade).
Ler em HTML (link para o artigo em formato HTML, mais acessível)
Aula 2 - Contexto do surgimento da Psicanálise
Contexto do surgimento da Psicanálise
 
 
Ilustração de Freud, em diferentes perfis. O momento histórico em que Freud viveu (1856-1939) e a psicanálise se constituiu, foi muito importante tanto por propiciar as condições epistemológicas necessárias para o surgimento da mesma, quanto pelas formas específicas que o conhecimento analítico assumiu em seus primórdios. Uma série de fatores podem ser elencados como concorrentes para esse fenômeno: por um lado vivia-se um período de grande crença no conhecimento científico, por outro um surto de doenças inexplicáveis pela ciência médica da época: as doenças mentais, ou, na nomenclatura de hoje, os transtornos psicológicos. Era preciso criar-se novas teorias para explicar tais doenças, quanto desenvolver novos métodos para tratá-las.
Freud, ele mesmo, antes de desenvolver o método psicanalítico como o conhecemos hoje, também foi adepto de outras técnicas e outros modelos explicativos para algumas destas doenças. Antes de sua teoria alcançar a maturidade ele chegou, influenciado por Charcot e sua equipe, a aplicar outras ferramentas no tratamento e investigação psicoterapêuticos, como a hipnose, por exemplo, nos casos de histeria. Seja através da aplicação do método psicanalítico, seja através da hipnose, o tratamento dos transtornos psicológicos através de métodos que priorizavam a fala e investigação de processos inconscientes, colocados acima de intervenções farmacêuticas ou cirúrgicas, ou que atuassem diretamente sobre o corpo dos pacientes, foi muito importante para a consolidação tanto da psicanálise, quanto da psiquiatria e da psicologia.
Assim, a psicanálise, em seu surgimento, instaura-se em torno de um modelo psicopatológico, isto é, em torno de concepções acerca do adoecimento psicológico. Mas não devemos entender com isso que o conhecimento advindo da psicanálise só se aplica a “doentes mentais”. Na verdade, um dos grandes méritos da psicanálise é nos mostrar como entre a sanidade e a insanidade o gradiente pode ser muito sutil, e, em última instância, como todos nós compartilhamos de características que apenas se acentuam naqueles em sofrimento psíquico.
Vivendo entre o fim do século XIX e o início do século XX, primeiramente em Viena e depois em Londres, Freud estava envolto em uma sociedade que defendia padrões morais muito rígidos, em especial no que diz respeito à vida sexual marcada por tabus e repressão. Sua teoria reflete, portanto, muito do que era o dado empírico que chegava a ele através do trabalho clínico. Apesar da psicanálise ter sofrido diversas críticas devidas a certo etnocentrismo em suas generalizações, ao menos uma das “descobertas” freudianas pareceu resistiu a muitos dos ataques “culturalistas” (p. ex., a crítica de antropólogos como Malinowski e Margaret Mead): a existência da chamada “sexualidade infantil” e sua importância para o desenvolvimento da personalidade.
Ao longo das próximas aulas iremos nos deter mais demoradamente sobre o tópico da sexualidadeinfantil e do papel do inconsciente na perspectiva psicanalítica. Então, não se sinta mal caso não tenha entendido muito bem algumas passagens deste texto, as coisas irão clareando conforme o curso avance.
Leitura obrigatória
Artigo de Anna Carolina Lo Bianco acerca dos procedimentos investigativos em Psicanálise:
Ler em PDF (texto com formatações que dificultam leitura por softwares de acessibilidade).
Ler em HTML (link para o artigo em formato HTML, acessível).
Unidade 1 - Conceitos Básicos
Próximo: Primeira tópica ►
Aula 3 - As "Tópicas"
Talvez o conceito mais conhecido da Psicanálise seja o conceito de Inconsciente, e isso não se deve ao acaso. Realmente ele é uma das contribuições mais originais da Psicanálise, e é em torno deste conceito que boa parte da teoria psicanalítica se desenvolve. Chamamos a atenção para este fato, a Psicanálise é um saber que se desenvolve, e já na época de Freud, ela passou por reformulações importantes.
A primeira grande transição importante na teoria psicanalítica ficou conhecida como a transição da "primeira tópica" para a "segunda tópica", ou seja, a transição de um primeiro modelo do aparelho psíquico para um segundo modelo, que conserva, mas também altera muito do que veio antes. Em ambos os modelos o inconsciente desempenha um papel muito importante.
Aula 3 - As "Tópicas"
Primeira tópica
Uma das principais preocupações teóricas de Freud era tentar fornecer um modelo que pudesse ser usado como base para a explicação dos casos clínicos com o qual se deparava. A partir de seus estudos sobre hipnose, interpretação de sonhos e o papel da associação livre na clínica das neuroses, houve a necessidade de postular uma porção inconsciente do psiquismo e buscar compreender como esta parte do aparelho psíquico se relacionaria com a nossa experiência consciente. A primeira tentativa de formulação de um modelo do aparelho psíquico data de 1900, quando publicou sua obra, A Interpretação dos Sonhos.
O caminho encontrado por Freud em um primeiro momento foi o de postular um modelo que dividira o aparelho psíquico em três instâncias, ou topos (lugar em grego -, daí o nome tópica): Inconsciente, Pré-Consciente e Consciente. Apesar de ser tentador, não devemos nos deixar enganar pela simplicidade do modelo, nem pelo aspecto sugestivo dos nomes concedidos a cada instância, o que poderia nos levar a acreditar que se tratam de um gradiente que oscila entre diferentes graus de consciência. O pré-consciente não é um meio-termo entre o Inconsciente e o Consciente.
O Consciente seria o lugar da consciência, da percepção e da integração entre o que se passa na realidade externa ao sujeito (percepção, atenção) e o que ocorre em seu mundo interno (lembranças, raciocínio, etc.). Na consciência os conteúdos de nossa experiência organizam-se em uma determinada ordem temporal, sequencialmente (passado, presente e futuro em um fluxo unidirecional), ou simultaneamente (no caso de eventos que ocorrem concomitantemente).
O Pré-Consciente, por sua vez, é o lugar de tudo que não está presente na consciência em um determinado momento, mas que pode se tornar consciente a qualquer momento pela ação de um processo consciente. Por exemplo, quando nos perguntam sobre um evento passado do qual não nos lembrávamos, mas que somos capazes de recuperar por um esforço de memória.
O Inconsciente por sua vez, é o lugar dos conteúdos que por sua natureza são, ou por alguma razão se tornaram inacessíveis à consciência. O inconsciente não estaria sujeito aos mesmos processos de ordenamento temporal das experiências como os processos conscientes, poderíamos dizer em certo sentido que o inconsciente é atemporal. Por exemplo, a lembrança de um determinado evento traumático pode se tornar inacessível à consciência, e ainda assim gerar uma marca atemporal em nosso inconsciente tornando-a insuperável.
Aula 3 - As "Tópicas"
Segunda tópica
A segunda tópica também é tripartite, mas sugere outros topos, o Id, Ego e Super Ego (na verdade esses nomes são traduções para o latim dos termos usados por Freud em alemão, que traduzidos para o português seriam equivalentes, aproximadamente, a Isso, Eu e Além do Eu). Estas três instâncias psíquicas, seriam regidas por leis distintas e surgem em momentos diferentes da vida.
A mais primitiva de todas é o Id, que seria regido pelo que Freud chama de princípio do prazer. O Id é essencialmente a fonte do desejo, e opera a nível inconsciente. O princípio do prazer não conhece mediações, ele pede pela satisfação imediata do desejo.
Obviamente nem sempre isso é possível, na realidade as satisfações de nossas necessidades e impulsos precisam ser adiadas, moduladas, reformuladas, para que possam ser atendidas. A esta necessidade, Freud chama princípio da realidade.
É da confrontação com esta realidade, que cerceia a realização plena e imediata do desejo, que surge o Ego. Uma instância do aparelho psíquico que procura tornar as demandas do Id realizáveis, ainda que reformuladas, adaptadas e adiadas. O Ego, é o lugar da consciência.
Muito cedo nós descobrimos um aspecto nesta realidade que nos resiste que é muito peculiar. Para além das impossibilidades físicas da realização de certos desejos (não nos podermos nos alimentar porque não há alimento disponível, por exemplo), há impossibilidades sociais de realização dos desejos (há alimento disponível, mas o adulto impede o acesso a ele, pois "ainda não está na hora de mamar", por exemplo). O confronto com este tipo de freio ao desejo, leva ao surgimento da terceira instância do aparelho psíquico: o Super Ego.
O Super Ego é o lugar da internalização das normas morais do grupo ao qual o sujeito pertence, e normalmente sofre grande influência da vivência do sujeito com seus primeiros cuidadores (usualmente, mas não necessariamente os pais). Em especial, Freud destaca o lugar do pai (ou da "figura paterna") na constituição do Super Ego. Este destaque se deve ao bloqueio, observado por ele em sua clínica, que os pais exerciam sobre o acesso incondicional das crianças pequenas àquele que era o seu objeto de desejo primordial mais intenso, qual seja, suas mães (ou às "figuras maternas", aquelas que provêm alimentação, cuidado, acolhimento).
Diferente do que poderia parecer a um olhar superficial, estes processos de internalização de imperativos morais, e construção de ideais de eu, não são processos conscientes, pelo contrário, o Super Ego é uma instância inconsciente do aparelho psíquico. Não se trata aqui da elaboração consciente e reflexiva de regras de conduta, mas da adesão irrefletida e pré-racional a um conjunto de valores axiomáticos. É possível, e comum, que haja coincidência entre estes dois conjuntos de processos, mas isso não é uma relação necessária que se estabeleça entre eles.
A emergência do Super Ego, por sua vez, gera mais uma camada de atividade para as estruturas do Ego, que agora, além de precisar mediar as demandas do Id frente aos apelos da realidade física, também o precisa fazer ante os imperativos de ordem moral (e portanto social) do Super Ego. Do mesmo modo, o Ego também precisa "negociar" com o Super Ego, maneiras de conseguir realizar os desejos e necessidades de uma maneira que seja socialmente aceitável. Daí proviriam coisas como regras de etiqueta, toilette, e de corte sexual, por exemplo.
Por último, é importante esclarecer que apesar do Ego ser o lugar dos processos conscientes, ele não é uma instância completamente consciente. Há aspectos e estruturas do Ego que permanecem inconscientes. Talvez o exemplo mais intuitivo disso, seja o que se chama de "mecanismo de defesa", ferramentas do Ego para lidar com as pressões do Id e do Super Ego. Tomemos o mecanismo da racionalização para explorar este ponto. Na racionalização o sujeito esmera-se na construção de uma justificativa racional para atender a finalidades inconscientes (as quais o próprio sujeito não é capaz de reconhecer e admitir para si mesmo): por exemplo, argumentos racionais que justificam os impulsos agressivos, como em declarações de guerra,ou mesmo em episódios onde pequenas agressões acabam servindo como via velada para o alívio de frustrações vividas no nosso cotidiano.
Aula 3 - As "Tópicas"
Vídeo complementar
Sigmund Freud: Id, Ego e Superego - Lucila Faerchtein
https://youtu.be/NAOtHDksToM
Aula 4 - Fases do desenvolvimento psicossexual
Como tivemos a oportunidade de dizer na última aula, Freud via o aparelho psíquico como algo sujeito à transformação, que a partir de sua estrutura mais primitiva, o Id, vai se diferenciando nas demais instâncias e se tornando cada vez mais complexo. Nesta aula trataremos destas mudanças com mais detalhamento.
O desenvolvimento do psiquismo, de acordo com Freud, deve ser entendido como a história das transformações pelas quais passam o nosso desejo, pelas transformações que a nossa libido (a "energia" que alimenta nosso psiquismo) sofre ao se defrontar com os diferentes desafios impostos pela realidade física e social que nos circunda.
Aula 4 - Fases do desenvolvimento psicossexual
Fase Oral
Devido a uma série de fatores, dentre eles a própria maturação biológica do nosso corpo, o primeiro foco de nossa libido são as nossas necessidades de nutrição, satisfeitas normalmente através de nossa boca através do aleitamento. Neste momento de vida há, portanto, a erotização (isto é, a concentração de nossa energia libidinal) da região bucal.
É por esta razão que Freud vai chamar esta primeira fase do desenvolvimento de fase oral, pois a boca é o epicentro somático do nosso investimento libidinal. Por outro lado, é preciso salientar que o seio materno também se reveste de um papel importante nesta fase, pois é ele a fonte primária da alimentação e de satisfação do bebê. O principal objeto do desejo nesta etapa é o seio materno, fonte de nutrição, conforto e prazer, ao qual o Id demanda acesso imediato assim que a fome surge.
Neste momento da vida, ainda não existe uma clara consciência ou diferenciação do eu em relação ao mundo e aos objetos que cercam o bebê. Portanto é algo impreciso nos referirmos ao seio materno como um objeto visado pelo bebê. Do ponto de vista do lactante, o seio é visto como uma prolongação do próprio corpo, assim como todos os seus dados da experiência (isto é, não há uma clara distinção entre o eu que percebe e o objeto percebido, estando ambos de certa maneira fundidos na experiência, e só aos poucos se diferenciando). Esta indiferenciação primária entre eu e mundo (com destaque para a mãe) recebe em psicanálise o nome de narcisismo.
Aula 4 - Fases do desenvolvimento psicossexual
Fase Anal
Conforme o corpo e o parelho psíquico vão amadurecendo e novas possibilidades de interação com o mundo e conosco mesmo vão surgindo, nossa libido pode procurar satisfação na realização de outras atividades para além da região da boca. Neste sentido, uma das principais conquistas deste período é a possibilidade do controle consciente dos esfíncteres, isto é, o controle sobre as excreções. Nas sociedades ocidentais modernas este período tem uma grande importância, é o momento do desfralde do bebê.
Apesar de poder parecer uma conquista pequena do ponto de vista adulto, o desfralde representa uma grande conquista para o bebê, que ganha controle sobre partes do seu corpo até então “arredias”. Consequentemente este controle traz consigo um novo patamar de independência do bebê em relação ao adulto, e também em relação às próprias demandas imediatas de satisfação das necessidades excretoras, uma vez que pode adiá-las de acordo com sua vontade (ao menos parcialmente). Este controle consciente crescente sobre as diversas funções corporais marcaria um momento de grande estruturação e fortalecimento do Ego.
O controle dos esfíncteres não tem valor apenas do ponto de vista do autocontrole que a criança passa a ter sobre seu corpo, mas ele também significa um momento de trocas significativas com os adultos. Os cuidadores tendem a valorizar essa conquista, elogiando e premiando os sucessos nesta direção e por vezes admoestando e punindo a criança em momentos de fracasso deste domínio sobre o corpo próprio. As crianças por sua vez podem se apropriar destas reações do adulto e também usar o controle/descontrole das excreções como forma de agradar/punir o adulto.
Uma outra grande conquista que tem lugar nesta fase é o desenvolvimento da função simbólica, isto é, do domínio da representação linguística, da fala.
Ambas as conquistas são condições importantes para rompimento com o narcisismo inicial da fase oral. Agora entre o sujeito e o mundo existem diferenciações e mediadores de ordens muito distintas: as excreções e as palavras mediam a relação do bebê com o mundo, e em especial com os cuidadores.
Aula 4 - Fases do desenvolvimento psicossexual
Fase Fálica
A próxima fase estudada por Freud recebe o nome de fálica. Fálico é um adjetivo que se refere ao falo, ou, em um linguajar mais acessível, o pênis. Nesta fase, em que a criança já é capaz de diferenciar-se do outro em alguma medida, uma nova descoberta se impõe com uma força avassaladora: a diferença entre os sexos. É nesta etapa que a distinção entre meninos e meninas, homens e mulheres se torna importante para a criança.
É ao diferenciar-se da mãe, que a criança também pode estabelecer uma série de outras diferenciações, a mais importante entre a figura materna e a paterna e a partir daí se identificar com uma delas. Até então, a criança não concederia importância especial a sua genitália, que só assume valor quando passa a funcionar de índice para sua identificação e diferenciação em relação aos genitores. (Neste ponto é bom lembrar que Freud está pensando em uma família burguesa tradicional de uma sociedade judaico-cristã europeia, da qual ele mesmo provém e a totalidade de seus pacientes).
Mas qual o papel desempenhado pelo pênis nesse processo? Não devemos olhar para esta fase com os nossos olhos de adulto. A erotização da genitália neste momento não é a mesma que ocorre na fase adulta. Para a criança a presença do pênis seria apenas o índice de pertença ao sexo masculino. Já a sua ausência representaria a pertença ao sexo feminino. Para Freud, teríamos então a feminilidade, vista pelos olhos da criança nesta fase, como o “negativo” da masculinidade. Para usar termos mais técnicos, apenas o pênis teria positividade, vagina seria entendida como uma castração do pênis.
A descoberta tanto do pênis, como da possibilidade da sua perda (a castração), levariam a criança a desenvolver uma série de fantasias em torno deste novo foco do investimento libidinal, e ao desenvolvimento assimétrico dos sexos. Os meninos por possuírem um pênis e as meninas por não o possuírem teriam suas linhas de evolução psicológica diferenciadas a partir daí.
Apesar de partirem de um mesmo ponto comum, o desejo de serem amados pela mãe, meninos e meninas se veem em condições diferentes para alcançar esse objetivo. Ambos entendem que tem por maior rival na conquista do amor materno, a figura paterna, que compete por esse amor. Os meninos podem identificar-se com ele, uma vez que ambos possuem um pênis. As meninas, por sua vez estariam mais identificadas com a mãe, por serem ambas “castradas”.
Para os meninos duas possibilidades antagônicas se abrem: por um lado eles poderiam se entender como postulantes legítimos ao amor materno, pois eles possuem aquilo que o atual detentor deste amor, o pai, possui, o pênis. Por outro lado, a possibilidade de perder o pênis, ser castrado, também se torna uma angústia. O medo de perder o pênis, pela intervenção paterna no embate pelo amor da mãe, recebe o nome de angústia de castração.
As meninas se veriam na situação oposta, elas já seriam castradas, elas já perderam o pênis, e veriam nisso uma prova de “desamor” da mãe por elas – uma vez que as fez assim – e incapazes de competir com o pai pelo amor da mãe. Assim elas deslocariam a disputa pelo amor materno para a obtenção do amor paterno. Ter o amor do pai, seria a via para que as meninas pudessem ter um falo, e assim conseguir, por vicariância, o amor da mãe. O desejo damenina por possuir um falo para poder competir em melhores condições pelo amor da mãe recebe o nome de inveja do pênis.
Estas duas dinâmicas da fase fálica no menino e na menina são conhecidas por vezes pelo o nome de Complexo de Édipo e Complexo de Electra, respectivamente. Derivando seus nomes de personagens da mitologia grega que tiveram sua história marcada pela rivalidade (muitas vezes desconhecida a nível consciente, mas nem por isso menos real) com os genitores do mesmo gênero.
Apesar disso, a terminologia empregada por Freud não incluía menção à figura de Electra, ele se referia à vivência feminina da rivalidade como Complexo de Édipo Feminino, ou Complexo de Édipo Negativo. O termo Complexo de Electra foi cunhado por Jung. Freud mantém o nome de Édipo nos dois casos por querer evidenciar que os processos possuem analogias estruturais em termos da constituição do psiquismo.
A substituição da relação diádica (criança-mãe) pela triádica (criança-pai-mãe) possibilitada pela diferenciação dos gêneros, é o caminho para o desenvolvimento e fortalecimento do Super Ego, ou seja, da instância moral no psiquismo. Em outras palavras, é só a partir de então, que o psiquismo realmente passaria a estar inserido na sociedade, ao reconhecer regras que ultrapassam a sua experiência imediata e que representam um freio ao desejo que vai além da impossibilidade física para sua realização.
Aula 4 - Fases do desenvolvimento psicossexual
Período de Latência
A fase seguinte é conhecida como fase de latência, e é marcada por uma certa “suspensão” do drama edípico e adormecimento da sexualidade em termos de zonas erógenas corpóreas (daí o nome latência). Para Freud a resolução do Complexo de Édipo de maneira saudável levaria à identificação da criança com o genitor do mesmo gênero, e a um apaziguamento do desejo pelo amor materno a partir da assunção da impossibilidade de sua realização efetiva pela interferência da figura paterna, e da interdição psíquica e social do incesto decorrente.
A libido descolada da possibilidade de investimento bem-sucedido nas zonas erógenas do próprio corpo, seria deslocada para outras formas de obtenção de prazer, como o investimento intelectual na idade escolar que traria consigo tanto a satisfação das curiosidades infantis, quanto o reconhecimento dos pais e mestres do empenho da criança.
Aula 4 - Fases do desenvolvimento psicossexual
Fase Genital
A última fase do desenvolvimento psicossexual descrita por Freud recebe o nome de fase genital, e ela tem como marco de seu início a puberdade e as transformações somáticas e sociais que esta etapa da vida trás. A maturação sexual e as novas cargas hormonais “despertam” a sexualidade que havia permanecido latente e podem reacender os dramas edípicos que permaneciam adormecidos, dando a eles novos desfechos.
Já identificado com um de seus genitores, e já na plenitude do desenvolvimento das características sexuais do seu gênero desenvolvidas, na fase genital encontramos uma novidade em relação às demais fases anteriores à latência, pois nesta fase o investimento libidinal já não é mais focado em zonas erógenas do próprio corpo, mas volta-se para o exterior. A satisfação sexual se dá por via genital, é verdade, mas a genitália é agora entendida como um meio, o fim é externo, o fim é o outro.
Teríamos nesta fase a possibilidade parcial de realização das fantasias edípicas, não mais focados exatamente nos genitores, mas em “substitutos” não interditos a eles. Ou seja, haveria uma tendência típica nesta fase de procurarmos pares que possuíssem alguma semelhança significativa com o nosso genitor com o qual não nos identificamos.
Aula 4 - Fases do desenvolvimento psicossexual
Leitura obrigatória
Artigo de Silvia Maria Abu-Jamra Zornig sobre teorias da sexualidade infantil, com uma apreciação histórica e discussão de sua contemporaneidade:
Ler em PDF (versão PDF para download, texto com formatações que dificultam leitura por softwares de acessibilidade)
Ler em HTML (link para o artigo em formato HTML, mais acessível).
Aula 4 - Fases do desenvolvimento psicossexual
Vídeo complementar
https://youtu.be/SuTooVI8xOo
Aula 5 - As Noções de Repetição, Transferência e Contratransferência
Para Freud a repetição, ou melhor, a compulsão à repetição, é um dos fenômenos centrais da vida psíquica e do trabalho psicoterapêutico, ela está na base dos sintomas neuróticos e da dinâmica da transferência (processo que trataremos em seguida). Mas o que é isso que nos vemos compelidos a repetir, segundo Freud?
Em linhas gerais podemos dizer que o que se repete no sintoma é alguma vivência que por alguma razão, usualmente traumática, acabou ficando confinada ao inconsciente. Por sua intensidade e centralidade para a história do sujeito, essa vivência acaba se revestindo de grande energia libidinal, demandando, portanto, satisfação e expressão.
Um exemplo típico de vivência que clama pela repetição é o conflito edípico sobre o qual falamos na aula anterior. A rivalidade com um de nossos genitores, e as razões incestuosas por trás dela, seriam algo sempre presente no nosso psiquismo, mas recalcado para o registro inconsciente.
O recalque funciona como uma defesa contra o efeito devastador que tal assunção poderia trazer se emergida no domínio da consciência. Todavia, isso não quer dizer que não revivamos esta experiência no nosso dia a dia. Repetimo-la, não de maneira literal, mas de maneira metafórica e simbólica, por exemplo, quando procuramos inconscientemente nos nossos parceiros sexuais e/ou românticos características do nosso genitor-rival, ou de alguma outra figura de identificação.
Muitos transtornos psicológicos, como a neurose obsessiva, hoje mais conhecida pelo acrônimo TOC, nos dão um testemunho caricato desta tendência à repetição em forma de sintomas. A repetição ritualística de um determinado comportamento (que pode variar grandemente de caso para caso), é o principal sintoma deste transtorno, que numa interpretação psicanalítica simplificada pode ser entendido como a “fixação” do sujeito em um determinado evento de sua vida que se tornou insuperável (ao menos enquanto for mantido no registro inconsciente).
O quadro da neurose obsessiva também é um ótimo exemplo para ilustrar o caráter metafórico da repetição. Um comportamento típico destes quadros muito ilustrado na ficção (Melvin Udall, personagem de Jack Nicholson em Melhor é Impossível; Monk, personagem de Tony Shalloub na série homônima, etc.), mas também comum na vida real, são os rituais ligados à limpeza, por exemplo, pessoas que compulsivamente lavam suas mãos. É difícil crer que essas pessoas tenham tido alguma experiência traumática ligada a lavar mãos durante a solução do conflito edípico, mas seria fácil entender que elas tenham vivido, ou testemunhado, algo que julgaram “sujo” relacionado à sexualidade (própria, ou dos genitores) nesta época de vida.
Aula 5 - As Noções de Repetição, Transferência e Contratransferência
Transferência
Para além da sintomática, como dissemos acima, a repetição também se manifesta naquilo que Freud chamou de transferência. Encontramos a seguinte definição de transferência em um famoso dicionário de Psicanálise:
“o processo pelo qual desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles, e eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com sentimento de atualidade acentuada” (LAPLACHE E PONTALIS, 2016, p. 514).
Ou seja, trata-se de algo similar ao que falamos acima em termos de uma revivescência do Édipo. Mas aqui aparecem duas novidades em relação ao que apontamos anteriormente.
Primeiramente: o “sentimento de atualidade acentuada”, na transferência (e no sintoma) o sujeito não sente estar revivendo padrões de relacionamento que construiu em um passado traumático. E nem poderia, porque esta experiência está exilada de sua consciência. Na transferência vivemos a repetição como se fosse algo inédito, como uma experiênciaautêntica e nova, mesmo que o padrão se repita uma infinidade de vezes (seria algo como o avesso de um déjà vu).
Em segundo lugar: a transferência dar-se-ia, eminentemente, no “quadro da relação analítica”, em outras palavras, seria um fenômeno típico da análise que o cliente transfira seus padrões de relacionamento construídos na fase edípica para a figura do terapeuta. Não sendo incomum que clientes se “apaixonem” por analistas (ou que os odeiem – a depender da solução do conflito edípico e qual figura seja projetada no analista).
Tirinha - Nos três primeiros quadros, três mulheres sentadas de frente para Freud no consutório dizem "Estou apaixonada pelo senhor". No quarto quadro, um senhor calado está olhando para Freud que diz "Entre na fila".
Mas talvez seja exagerado dizer “eminentemente”, pois como Roudinesco e Plon nos lembram:
“Desde 1909, Sandor Ferenczi observou que a transferência existia em todas as relações humanas: professor e aluno, médico e paciente etc. Mas ele notou que, na análise, tal como na hipnose e na sugestão, o paciente colocava inconscientemente o terapeuta numa posição parental” (1998, p.768).
Por ser vivida como uma experiência atual, a transferência termina por funcionar como uma espécie de resistência (seja do analisando, seja da pessoa em situações do dia-a-dia), em lidar com a situação recalcada em sua forma “crua”. Dessa forma a pessoa é capaz de expressar (de maneira limitada e insatisfatória, mas ainda assim aliviadora) o conteúdo recalcado, mas sem o ônus de trazê-lo à sua consciência.
Por outro lado, a transferência, para Freud também se reveste de um aspecto positivo para o trabalho do analista. Por ser algo que o sujeito experimenta de maneira vívida, ela se torna uma ferramenta para se explorar os conteúdos e vivências recalcados, dificilmente acessíveis, ao menos não de modo tão explícito, de outra forma.
Referências:
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.B. Vocabulário da psicanálise. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2016.
ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
Aula 5 - As Noções de Repetição, Transferência e Contratransferência
Contratransferência
O conceito de contratrasnferência, por sua vez, é um conceito bastante mais polêmico e recebe diversas interpretações dentro do movimento psicanalítico, mas em linhas gerais pode ser entendido como o “negativo” da transferência. O que se quer dizer por isso? Algo que podermos simplificar da seguinte forma: alguém ao ser “alvo” da transferência alheia é compelido a também reagir transferencialmente a ela. Ou seja, também tendemos a colocar em cena, na relação com a pessoa em questão, nossas vivências inconscientes, mas as vivemos como se se tratasse de uma vivência autêntica e inédita.
Em um primeiro momento, Freud pensou a contratransferência como um fenômeno exclusivamente pertencente à experiência psicanalítica e centrada na do analista. Estaríamos tratando, nesta primeira formulação, da reação inconsciente do analista em relação a transferência do analisando. Posteriormente a noção foi ampliada por Lagache que deu a ela o aspecto mais simétrico e amplo que comentamos acima.
De todo modo, seja na formulação original dada por Freud ou nas revisões do conceito, a contratransferência precisaria ser manejada pelo analista de maneira tanto ou mais cuidadosa quanto a própria transferência. Esse fenômeno, na verdade, é uma das bases a justificar o porquê de todo psicanalista ser obrigado a também estar submetido a tratamento psicanalítico, isto é, para melhor poder manejar sua contratransferência.
Aula 5 - As Noções de Repetição, Transferência e Contratransferência
Leitura obrigatória
Artigo de Carlos Alexandre Araújo Benício da Costa e Silva sobre as relações entre interpretação e transferência na obra de Freud:
Leia em PDF (texto com formatações que dificultam leitura por softwares de acessibilidade).
Leia em HTML ((link para o artigo em formato HTML, mais acessível)
Aula 5 - As Noções de Repetição, Transferência e Contratransferência
Vídeo complementar
Sobre os vídeos: os vídeos gravados pela coordenação foram produzidos "caseiramente" no semestre de 2017.2 para a disciplina "Psicanálise e Educação". Sob quase todos os aspectos eles podem ser usados como material complementar neste semestre, 2020.1, porque os conteúdos das aulas da Unidade 1 não se alteraram desde essa edição.
https://youtu.be/LqbBKQOh1ow
Aula 6 - As noções de Mal-estar na Civilização e Sublimação
Ao longo das últimas aulas temos enfatizado que o psiquismo se desenvolve, segundo a Psicanálise, a partir da tensão entre as demandas de satisfação imediata que se originam no Id (regidas pelo princípio do prazer) por um lado, e a necessidade de adesão ao princípio de realidade, que rege o Ego. Para além desta tensão, também vimos que ao longo do desenvolvimento o Ego também precisará lidar com outra fonte de conflitos: os imperativos morais trazidos pelo Super Ego, que se constituem como uma camada a mais de obstáculos para a satisfação do desejo pretendida pelo Id.
Dissemos ainda que o próprio surgimento do Super Ego, enquanto instância psíquica, pode ser entendido como um importante marco na socialização do sujeito. Os entraves para a realização imediata dos desejos deixam de ser entendidos como unicamente derivados de uma simples impossibilidade natural, e passam também a ser compreendidos como tendo uma possível segunda fonte, a interdição por um outro – usualmente a figura paterna.
Esta remissão a figura de um outro que se opõem à satisfação do desejo, vai aos poucos assumindo um papel muito importante na teoria Psicanalítica. Já na obra de Freud surgem interpretações sobre um significado mais amplo desse campo de tensão eu-outro, que extrapola o nível das relações íntimas e pessoais e passa a englobar as relações entre sujeito-cultura.
As analogias entre o lugar da figura paterna do ponto vista do psiquismo individual, e o da cultura do ponto de vista do psiquismo coletivo, são muito frequentes nas obras de Freud de caráter mais “sociológico”, como Totem e Tabu, Mal-estar na Civilização, O Futuro de uma Ilusão (para citar alguns exemplos). Elas abrangem tanto paralelos entre as interdições realizadas pela figura paterna na infância com o papel desempenhado pelos padrões culturais de moralidade e ética enquanto cerceadores e moderadores da manifestação do desejo do sujeito adulto; quanto as possibilidades de resolução sadia ou patológica das tensões oriundas destes conflitos no plano individual e no coletivo.
Na realidade, Freud vai mais além, e diz que tais tensões são estruturantes de nosso psiquismo. Do mesmo modo que precisamos ceder às sanções que a figura paterna nos impõe, para atender a uma demanda de realidade, e assim conseguirmos realizar parcialmente nosso amor pela figura materna (ainda que de uma forma transformada), fenômeno análogo ocorreria no plano civilizatório, é necessário que abramos mão da livre expressão do nosso desejo para que possamos realizá-lo de alguma forma, de uma forma sancionada socialmente. Nas palavras de Freud:
"Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor porque lhe é difícil ser feliz nessa civilização. Na realidade, o homem primitivo se achava em situação melhor, sem conhecer restrições de instinto. Em contrapartida, suas perspectivas de desfrutar dessa felicidade, por qualquer período de tempo, eram muito tênues. O homem civilizado trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança" (FREUD, 1980).
É a essa “dificuldade em ser feliz na civilização”, este “sacrifício tão grande da sexualidade e da agressividade”, que Freud chama de mal-estar na civilização (em algumas traduções também encontramos a expressão “mal-estar na cultura”, a palavra alemã original usada por Freud nesses textos é Kultur, que tem tradução difícil para o português).
O mal-estar inevitável traz consigo a necessidade do desenvolvimento de meios de convivênciacom ele, se o sujeito pretende permanecer membro da cultura. Sujeito e cultura desenvolvem estratégias que permitam conviver as forças pulsonais, e as regras de convívio socialmente estabelecidas. Sendo assim, é preciso canalizar a pulsão para a realização de metas e para objetos que sejam socialmente aceitos. A este processo de transformação do destino do desejo Freud chama de sublimação. De acordo com a definição do Vocabulário de Laplanche e Pontalis a sublimação é:
"Processo postulado por Freud para explicar atividades humanas sem qualquer relação aparente com a sexualidade, mas que encontrariam o seu elemento propulsor na força da pulsão sexual. Freud descreveu como atividades de sublimação principalmente a atividade artística e a investigação intelectual. Diz-se que a pulsão é sublimada na medida em que é derivada para um novo objetivo não sexual e em que visa objetos socialmente valorizados" (2016, p. 495).
Alguns autores mais contemporâneos, como Dejours, destacam a ideia já presente em Freud que ao lado as atividades artísticas e intelectuais, a atividade laboral, isto é, o trabalho, também deve constar no rol das principais vias de sublimação do desejo.Fotografia de um totem localizado no Alasca, na base uma figura que lembra um urso e encimando o mastro uma figura de ave de rapina, ambos os animais estão entalhados em madeira de forma estilizada e muito coloridos. Apesar de se tratar de objeto da cultura dos indígenas americanos, ao fundo há uma cabana de arquitetura ocidental.
Talvez o exemplo mais emblemático da relação entre os conceitos de mal-estar e sublimação na obra de Freud esteja em sua explicação para o fenômeno antropológico do totemismo.
As características básicas do totemismo são a adoração ritual de um totem por um clã ou grupo tribal que se identifica com o ente espiritual representado por ele (normalmente representada por um animal), e definem vários aspectos de sua vida e função desta identificação (hábitos alimentares, de caça, coleta, alianças e inimizades com outros clãs e seus representantes totêmicos animais, etc.). Os clãs ou tribos que aderem a religiões totemistas, são exógamos, isto é, só permitem casamentos realizados com membros de outro clã ou tribo.
Freud vê nestas sociedades, que eram muito estudadas pelos antropólogos de sua época, uma chave para explicar as origens da civilização de acordo com a Psicanálise. Penna (1994), nos apresenta uma versão desta explicação:
"[Para Freud] o totem é uma fobia animal coletiva que representa o pai primitivo, contra quem os filhos se revoltaram [e assassinaram] devido ao domínio total que exercia sobre as mães. O totemismo é, portanto, um paralelo íntimo, na psicologia de grupo, das fobias animais encontradas normalmente em crianças pequenas. A regra da exogamia é o equivalente coletivo das proibições individuais do incesto, subjacentes à família nuclear. A instituição do totemismo como acontecimento histórico representa uma transição da selvageria para a cultura, pois envolve a repressão e a sublimação de instintos básicos e o estabelecimento de meios sociais para implementá-los, e proporciona a representação simbólica dos desejos incestuosos reprimidos, agora repudiados. Os filhos que se revoltaram contra o pai instituem a evitação do incesto como um meio de eliminar os próprios conflitos edipianos que os leva[ra]m a destruí-lo em primeiro lugar. Mas, juntamente com isso, também entronizam o pai rejeitado como o superego sob a máscara do totem animal, rodeado de toda a ambivalência que Freud identifica com a palavra tabu" (p. 76-77).
Referências:
FREUD, S. O mal-estar na civilização (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 21). Rio de Janeiro: Imago, 1980 (original publicado em 1930).
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.B. Vocabulário da psicanálise. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2016.
PENNA, A. G. Freud e a Antropologia. Em: Freud, as Ciências Humanas e a Filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 1994, p. 69-81.
Aula 6 - As noções de Mal-estar na Civilização e Sublimação
Mal-estar
As analogias entre o lugar da figura paterna do ponto vista do psiquismo individual, e o da cultura do ponto de vista do psiquismo coletivo, são muito frequentes nas obras de Freud de caráter mais “sociológico”, como Totem e Tabu, Mal-estar na Civilização, O Futuro de uma Ilusão (para citar alguns exemplos). Elas abrangem tanto paralelos entre as interdições realizadas pela figura paterna na infância com o papel desempenhado pelos padrões culturais de moralidade e ética enquanto cerceadores e moderadores da manifestação do desejo do sujeito adulto; quanto as possibilidades de resolução sadia ou patológica das tensões oriundas destes conflitos no plano individual e no coletivo.
Na realidade, Freud vai mais além, e diz que tais tensões são estruturantes de nosso psiquismo. Do mesmo modo que precisamos ceder às sanções que a figura paterna nos impõe, para atender a uma demanda de realidade, e assim conseguirmos realizar parcialmente nosso amor pela figura materna (ainda que de uma forma transformada), fenômeno análogo ocorreria no plano civilizatório, é necessário que abramos mão da livre expressão do nosso desejo para que possamos realizá-lo de alguma forma, de uma forma sancionada socialmente. Nas palavras de Freud:
"Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor porque lhe é difícil ser feliz nessa civilização. Na realidade, o homem primitivo se achava em situação melhor, sem conhecer restrições de instinto. Em contrapartida, suas perspectivas de desfrutar dessa felicidade, por qualquer período de tempo, eram muito tênues. O homem civilizado trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança" (FREUD, 1980).
É a essa “dificuldade em ser feliz na civilização”, este “sacrifício tão grande da sexualidade e da agressividade”, que Freud chama de mal-estar na civilização (em algumas traduções também encontramos a expressão “mal-estar na cultura”, a palavra alemã original usada por Freud nesses textos é Kultur, que tem tradução difícil para o português).
Referência bibliográfica
FREUD, S. O mal-estar na civilização (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 21). Rio de Janeiro: Imago, 1980 (original publicado em 1930).
Aula 6 - As noções de Mal-estar na Civilização e Sublimação
Sublimação
O mal-estar inevitável traz consigo a necessidade do desenvolvimento de meios de convivência com ele, se o sujeito pretende permanecer membro da cultura. Sujeito e cultura desenvolvem estratégias que permitam conviver as forças pulsonais, e as regras de convívio socialmente estabelecidas. Sendo assim, é preciso canalizar a pulsão para a realização de metas e para objetos que sejam socialmente aceitos. A este processo de transformação do destino do desejo Freud chama de sublimação. De acordo com a definição do Vocabulário de Laplanche e Pontalis a sublimação é:
"Processo postulado por Freud para explicar atividades humanas sem qualquer relação aparente com a sexualidade, mas que encontrariam o seu elemento propulsor na força da pulsão sexual. Freud descreveu como atividades de sublimação principalmente a atividade artística e a investigação intelectual. Diz-se que a pulsão é sublimada na medida em que é derivada para um novo objetivo não sexual e em que visa objetos socialmente valorizados" (2016, p. 495).
Alguns autores mais contemporâneos, como Dejours, destacam a ideia já presente em Freud que ao lado as atividades artísticas e intelectuais, a atividade laboral, isto é, o trabalho, também deve constar no rol das principais vias de sublimação do desejo.
Referência bibliográfica
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.B. Vocabulário da psicanálise. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2016.
Aula 6 - As noções de Mal-estar na Civilização e Sublimação
Totemismo
.Fotografia de um totem localizado no Alasca, na base uma figura que lembra um urso e encimando o mastrouma figura de ave de rapina, ambos os animais estão entalhados em madeira de forma estilizada e muito coloridos. Apesar de se tratar de objeto da cultura dos indígenas americanos, ao fundo há uma cabana de arquitetura ocidental.
Talvez o exemplo mais emblemático da relação entre os conceitos de mal-estar e sublimação na obra de Freud esteja em sua explicação para o fenômeno antropológico do totemismo.
As características básicas do totemismo são a adoração ritual de um totem por um clã ou grupo tribal que se identifica com o ente espiritual representado por ele (normalmente representada por um animal), e definem vários aspectos de sua vida e função desta identificação (hábitos alimentares, de caça, coleta, alianças e inimizades com outros clãs e seus representantes totêmicos animais, etc.). Os clãs ou tribos que aderem a religiões totemistas, são exógamos, isto é, só permitem casamentos realizados com membros de outro clã ou tribo.
Freud vê nestas sociedades, que eram muito estudadas pelos antropólogos de sua época, uma chave para explicar as origens da civilização de acordo com a Psicanálise. Penna (1994), nos apresenta uma versão desta explicação:
"[Para Freud] o totem é uma fobia animal coletiva que representa o pai primitivo, contra quem os filhos se revoltaram [e assassinaram] devido ao domínio total que exercia sobre as mães. O totemismo é, portanto, um paralelo íntimo, na psicologia de grupo, das fobias animais encontradas normalmente em crianças pequenas. A regra da exogamia é o equivalente coletivo das proibições individuais do incesto, subjacentes à família nuclear. A instituição do totemismo como acontecimento histórico representa uma transição da selvageria para a cultura, pois envolve a repressão e a sublimação de instintos básicos e o estabelecimento de meios sociais para implementá-los, e proporciona a representação simbólica dos desejos incestuosos reprimidos, agora repudiados. Os filhos que se revoltaram contra o pai instituem a evitação do incesto como um meio de eliminar os próprios conflitos edipianos que os leva[ra]m a destruí-lo em primeiro lugar. Mas, juntamente com isso, também entronizam o pai rejeitado como o superego sob a máscara do totem animal, rodeado de toda a ambivalência que Freud identifica com a palavra tabu" (p. 76-77).
Referência bibliográfica
PENNA, A. G. Freud e a Antropologia. Em: Freud, as Ciências Humanas e a Filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 1994, p. 69-81.
Aula 6 - As noções de Mal-estar na Civilização e Sublimação
Leitura obrigatória
Artigo de Leônia Cavalcante Teixeira sobre o problema do "mal-estar na cultura" na obra de Freud.
Leia em PDF (texto com formatações que dificultam leitura por softwares de acessibilidade).
Leia em HTML (link para o artigo em formato HTML, mais acessível).
Função paterna, fratria e violência: sobre a constituição do socius na psicanálise freudiana
Aula 6 - As noções de Mal-estar na Civilização e Sublimação
Vídeo complementar
Atenção! O vídeo abaixo não substitui a leitura dos textos acima, nem vice-versa
Sobre os vídeos: os vídeos gravados pela coordenação foram produzidos "caseiramente" no semestre de 2017.2 para a disciplina "Psicanálise e Educação". Sob quase todos os aspectos eles podem ser usados como material complementar neste semestre, 2020.1, porque os conteúdos das aulas da Unidade 1 não se alteraram desde essa edição.
https://youtu.be/jsSSek1GAd8

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