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Quezia Brandão 191 – 23 1 Obrigatória – Concorrência e Mercado Prof. Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer Terça: 20h – 21h35 Sumário Introdução à Disciplina ...................................................................................................... 2 Direito Concorrencial: Introdução e Objetivos ................................................................. 2 Concorrência e Mercado ............................................................................................... 2 Concorrência perfeita.................................................................................................... 2 Falhas de Mercado ........................................................................................................ 2 Concorrência Imperfeita ............................................................................................... 3 Escolas ............................................................................................................................... 5 Histórico da Defesa da Concorrência ................................................................................ 7 Defesa da Concorrência no Brasil ............................................................................... 10 Princípio da Livre Concorrência ................................................................................... 11 Regra da Razão e Mercado Relevante............................................................................. 12 A importância da definição do mercado relevante ..................................................... 12 Guia H do Cade ............................................................................................................ 13 Critérios tradicionais de definição de Mercado Relevante ......................................... 14 Poder Econômico ........................................................................................................ 16 Controle de Condutas Anticoncorrenciais I - Cartel ........................................................ 17 Infrações contra a ordem econômica ......................................................................... 17 Poder de Mercado ....................................................................................................... 18 Análise Econômica....................................................................................................... 21 Controle de Condutas II – Cláusula de Exclusividade ...................................................... 25 Casuística do CADE ...................................................................................................... 25 Leniência e TCC................................................................................................................ 30 Leniência na lei de defesa da concorrência: principais aspectos ................................ 30 TCC ............................................................................................................................... 31 Controle de Atos de Concentração ................................................................................. 32 Controle Estrutural ...................................................................................................... 33 Etapas de Análise ........................................................................................................ 35 Atos que devem ser proibidos .................................................................................... 35 Condições para aprovação de atos restritivos da concorrência ................................. 35 Poderes do CADE ......................................................................................................... 36 Acordo em Ato de Concentração .................................................................................... 36 Configuração de um AC ............................................................................................... 37 Quezia Brandão 191 – 23 1 Âmbito de Aplicação da Lei ............................................................................................. 37 Critérios de Aplicação da Lei ....................................................................................... 38 Abrangência da Lei Brasileira ...................................................................................... 38 Quezia Brandão 191 – 23 2 Aula 1 – 18/02/2020 Introdução à Disciplina Programa: Não haverá livro-texto, pois teremos bibliografia base aula a aula – livros que estão na biblioteca. No entanto, somente serão disponibilizados os textos em que o acesso não será possível. Avaliação: Uma prova escrita (em junho) e Questões para trazer respondidas em cada aula (a resposta deve ser manuscrita) – o objetivo dessas questões é realizar um estilo mais participativo e nos prepararmos para a prova. Todas as questões serão respondidas ao final da aula. O conjunto das questões valerá 10,0 e serão somadas aos 10 pts da prova (50% para cada avaliação). Há, ainda, a possibilidade de uma nota bônus pela participação voluntária em seminário (julgamentos simulados). O primeiro seminário será no dia 10/03. Direito Concorrencial: Introdução e Objetivos Concorrência e Mercado O que veremos aqui é o que podemos chamar de Direito Concorrencial – o estudo das normas que tem por objetivo proteger a concorrência. O que é concorrência? Um sinônimo para isso seria “competição” – são agentes econômicos, que na mesma área, competem por um mercado, que é finito. A concorrência é positiva ou negativa? Ela é positiva para a sociedade, na medida que traz equilíbrio para as relações de mercado. O que se tem por parâmetro é a concorrência perfeita. Concorrência perfeita ✓ Quase uma ficção ✓ Multiplicidade compradores e vendedores ✓ Preços uniformes ✓ Produto homogêneo ✓ Perfeita igualdade ✓ Ausência de Poder econômico ✓ Todos agem como tomadores de preços: excesso de oferta baixarão os preços e excesso de demanda elevam os preços. Falhas de Mercado ➔ Concentração de Poder de mercado ➔ Externalidades ➔ Bens públicos (bens de uso comum) ➔ Assimetria de informação Quezia Brandão 191 – 23 3 Concorrência Imperfeita ✓ Multiplicidade compradores e vendedores ✓ Não há homogeneidade dos produtos ✓ Não há uniformidade de preços ✓ Vínculo do consumidor a determinados fornecedores, exercício do poder econômico. Por que as normas? Por que normas se falamos em equilíbrio? Por exemplo, se retomarmos as lições de A. Smith, a teoria liberal, estamos diante da questão da autorregulação do mercado – os interesses egoísticos produzem para o mercado. Ou seja, na luta pelo mercado, ainda que a luta não seja pelo bem comum, ela preconiza a produção de bens que regulam o mercado. No entanto, não existe concorrência perfeita, pois ela parte do princípio que exista simetria (de condições de mercado) entre os concorrentes – agentes simétricos. Ex.: mercado de roupa popular – muita homogeneidade, então até poderíamos dizer que está presente uma “concorrência tendente à perfeição”. Na prática, o mercado apresenta várias distorções: MONOPÓLIO – um só ofertante ou adquirente (monopsônio) → fixação do preço, limitação quantidade do produto, inexistência de bens substituíveis, além de barreiras à entrada de novas empresas. Além disso, os lucros são extraordinários, uma vez que uma empresa monopolista não tem concorrentes próximos e portanto é formadora de preço. Como por exemplo os cartéis (acordo entre os concorrentes, uniformizando o preço – ex.: cartel em preço de combustível em cidades pequenas) OLIGOPÓLIO – pequeno número de empresas que dominam a oferta, havendo interdependência entre as firmas.Além disso, os produtos são homogêneos: os preços tendem a ser muito semelhantes (ex.: postos de combustível). Já com produtos diferenciados os preços apresentam variação. Em outros casos, há poucas empresas dominando o mercado. Ex. Bancos, Telefonia, Empresa aérea etc. No caso em questão, a concorrência tende a ser menor, até mesmo pela baixa quantidade de players, havendo o menor poder de barganha por parte dos consumidores. Aqui fica ainda mais difícil imaginar a ideia de concorrência perfeita. Além disso, os oligopólios tendem a ter empresas com grande Poder de Mercado – oligopólio Outra distorção da concorrência é o monopólio, quando há apenas um concorrente, um player. Há ainda os monopólios naturais, em que as condições de mercado só comportam um player, pois a entrada de novos concorrentes trará ineficiência para o funcionamento desse mercado, como é o caso dos serviços de saneamento básico, distribuição de energia etc. Isso porque o mercado está em um ponto ótimo (os custos de operação são muito altos). No monopólio, não há autorregulação, mas sim uma tendência à maximização dos lucros, pois os consumidores não conseguem barganhar Quezia Brandão 191 – 23 4 diretamente, ou seja, não se pode negociar o preço – a maioria dessas situações estão configurados nos Serviços Públicos. Vale falar dos monopólios legais, ou seja, aquelas situações em que a Lei impõe um monopólio, como é o caso do mercado petrolífero. Ou seja, existem estruturas de mercado que não comportam essa situação de mercado “perfeito”, não comportam autorregulação. CARTEL ▪ Associação entre empresas do mesmo ramo de produção com objetivo de dominar o mercado e disciplinar a concorrência ▪ A OCDE estima que a operação dos cartéis tem provocado uma elevação de 10% nos preços e ima redução de 20% nas quantidades ofertadas. Em alguns casos a elevação dos preços atingiu até 50%. Poder Econômico de Mercado – Posição Dominante O monopolista tem um enorme poder de mercado, uma vez que ninguém consegue e nem precisa barganhar com ele. O Poder econômico de Mercado/Posição Dominante → poder de controlar e determinar os preços. Numa situação de concorrência perfeita, o preço é determinado pelo custo marginal. Em economia existe o conceito de escassez – todos os recursos tendem a ser escassos. Ou seja, há uma limitação do orçamento, se o preço aumenta demasiadamente, a pessoa vai substituir aquele produto por outro (em virtude de um orçamento limitado) – há uma limitação de orçamento em cada agente econômico. Concorrência Perfeita Monopólio Oligopólio Quezia Brandão 191 – 23 5 Ainda no que tange ao poder econômico, existe uma capacidade, inerente a quem o detém, de determinar não apenas o seu mercado específico, mas outro correlatos/adjacentes. O poder econômico, assim, consiste na posição de preponderância da empresa no mercado em que se insere, influindo na conduta das demais concorrentes ou, ainda, subtraindo-se à influência dessas últimas, por meio de uma conduta indiferente e delas independente em alto grau. Isso gera uma situação de sujeição dos demais concorrentes e consumidores perante aquele que detém esse poder econômico. O que a CF determina reprimir não é o poder econômico em si, mas sim o seu uso abusivo, que ocorrerá sempre que ele visar à dominação de mercado, à eliminação da concorrência ou ao aumento arbitrário dos lucros (art. 173, CF/88) A concorrência, portanto, pode ser deturpada. Os mercados apresentam as chamadas Falhas de Mercado – como por exemplo a clássica “assimetria de informação”. A definição legal de posição dominante vem expressa no §2º do art. 36 da Lei 12.529/11: § 2º Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia. Sinônimos: poder de mercado e posição dominante ➢ Relacionado com o poder de negociação, controle da oferta e demanda; ➢ Agente econômico atua de forma independente e com indiferença à existência ou comportamento de outros agentes. As normas trabalham com: 1. Condutas anticoncorrenciais → condutas que os agentes econômicos tomam no mercado e que visam a infringir a concorrência. Ex.: cartel – ao invés de concorrer, o agente se combina a outros para fixar o preço, dividir os mercados etc; Ambev: tem grande poder de mercado (possui 70% do mercado de cerveja brasileira). A Ambev poderia impor clausulas para que os fornecedores só vendessem a sua cerveja – isso geraria um problema no mercado. Ainda pode se falar dos casos em que um agente compra o outro (apesar de nem sempre ser problemático), porém pode haver um problema, pois estamos praticamente migrando para um monopólio). Objetivos Centrais Podemos falar em (i) estrutura desconcentrada. (ii) aperfeiçoamento das empresas, (iii) desenvolvimento econômico, (iv) “campões nacionais” e (iv) proteção dos consumidores. Escolas Escola de Harvard Paradigma estrutura – conduta – desempenho Papel central das barreiras à entrada Quezia Brandão 191 – 23 6 Preferência pela regulação da estrutura Operações que levassem a um aumento significativo do poder econômico de empresas inseridas em mercados com significativas barreiras à entrada não eram permitidas, por conduzirem a uma estrutura de mercado concentrada, independentemente da eficiência econômica que pudessem trazer. Forte influência na jurisprudência dos EUA até a década de 1970. Escola de Chicago Eficiência econômica: alocativa e produtiva Ótimo de Pareto e Kaldor-Hicks Concentrações: intervenção mínima, pois em regra razões trazem eficiências por reduções de custos. Tais eficiências ampliariam o bem-estar do consumidor, que seria o principal objetivo da defesa da concorrência. Questão mal resolvida: Bem-estar agregado vs. Bem-estar específico do consumidor. Escolas Pós-Chicago Nova Economia Institucional Papel dos custos de transação, racionalidade limitada e instituições Teóricos da Organização Industrial Maior atenção às concentrações, inclusive às verticais Papel da inovação Consumer Choice Approach – o objetivo central do antitruste seria a proteção das opções que são essenciais para o consumidor, relacionadas com preço, variedade, inovação e qualidade. Há três em que o padrão da escolha é superior ao paradigma preço-eficiência, devendo ser necessariamente utilizado: (a) mercados com ausência ou pequena competição em preços; (b) mercados com altos custos de procura, em que o consumidor acaba adquirindo produtos ou serviços que não são tão adequados às suas necessidades (por exemplo, nos mercados em que há restrição de publicidade); (c) mercados em que os fatores criatividade e inovação são superiores ao fator preço no processo competitivo. Trabalharemos muito, neste semestre, com questões administrativas, sendo a principal Lei a 2.529 e o principal órgão o CADE. Veremos, ainda, questões relativas à fusão e aquisição que aqui se chamam atos de concentração. Cabe ainda salientar que o fato de um agente/player se destacar não é necessariamente negativo ou mesmo ilícito. Deve-se sempre ter em mente que a concorrência não é um fim em si mesmo – o objetivo é buscar o melhor preço, a diversidade etc. O CADE e sua defesa administrativa, ou o poder jurídico no julgamento de uma ACP não tem uma atribuição de transformar o mercado. Na aplicação Quezia Brandão 191 – 23 7 prática, não se fala em concorrência perfeita, mas em concorrência possível → “Workable competition” – adequação possível à realidade de mercado. Por isso há a necessidade de normas que serão interpretadas de uma forma dinâmica – e ter a perspectiva histórica do seusurgimento. Aula 2 – 03/03/2020 Histórico da Defesa da Concorrência A pergunta colocada para o dia de hoje não admite uma só pergunta. Além disso, é impossível pensar sobre os objetivos da Defesa da Concorrência sem observar a evolução histórica. Primeira observação: com a mudança dos objetivos, muda-se a interpretação da lei; a segunda, diz respeito as diferenças observadas entre os países. Uma diferença que vai marcar bastante é que, por exemplo, no Brasil, estamos na terceira Lei da Concorrência e apesar de diferenças pontuais – e importantes – em determinadas expressões, a maior parte dos dispositivos se mantêm, alterando-se, no entanto, a sua interpretação. Essa mudança nas características da interpretação tem muito a ver com o caráter estrutural da economia de cada país, bem como os fatores históricos. Aspectos históricos 1) Experiência dos Estados Unidos da América • Século XIX: Início do processo de concentração da economia americana, até então caracterizada por firmas de porte pequeno e médio. Começam, no entanto, a surgir grandes empresas (a exemplo da Standard Oil, do Rockfeller) e a concepção de que o seu comportamento poderia causar prejuízos e, portanto, afigurava-se necessário promover algum tipo de proteção. • Formação de cartéis e trusts, que, constantemente, passam a abusar do poder econômico auferido. Logo, havia essa percepção de efeitos bastante danosos. É nesse contexto que a Lei vai ser editada, tendo como objetivos, principalmente, evitar que houvesse acordos informais, como os de cartéis, mas também começou a se preocupar com acordos que, a despeito de uma roupagem aparentemente jurídica – como o Trust. Portanto, incialmente, a preocupação fora tanto com o interesse dos consumidores quanto com uma estrutura de mercado que fosse o mais descentralizada possível. • Consumidores e classe política: insatisfação com tais abusos de poder • Poder judiciário: começa a reprimir condutas que restrinjam o comércio, com base na common law • Congresso Norte-Americano: discute a edição de lei específica sobre o tema (citar os trabalhos preparatórios do Sherman Act) Quezia Brandão 191 – 23 8 • 1891: Edição do Sherman Act. Art. 1º - Todos os contratos, ajustes em forma de trustes ou outros, ou combinações que restrinjam o intercâmbio ou o comércio entre os vários Estados, ou países estrangeiros, ficam considerados ilegais. Quem quer que faça tais contratos ou se empenhe em tais ajustes ou combinações será julgado por delito de ofensa e, se condenado, será passível de multa até cinco mil dólares ou de prisão até um ano, ou de ambas, a critério do Tribunal. Art. 2º - Todo aquele que monopolizar, ou tentar fazê-lo, que combine ou conspire com outrem para monopolizar qualquer parte do intercâmbio ou do comércio entre os vários Estados, ou com países estrangeiros, será julgado por delito de ofensa e, se condenado, será passível de multa de até 5 mil dólares, ou de prisão até um ano, ou de ambas, a critério do Tribunal → uma característica marcante até hoje não é tanto a forma, mas os efeitos. Exemplo: pode haver um arranjo contratual que, embora lícito (e não ilícito como o cartel em si), gerando efeitos de limitação indevida da concorrência. Art. 3º - Todos os contratos, ajustes em forma de truste ou outros, ou combinações que restrinjam o intercâmbio ou o comércio em qualquer território dos Estados Unidos ou do Distrito de Colúmbia, ou que restrinjam o intercâmbio ou o comércio em quaisquer desses territórios, e qualquer Estado ou Estados do Distrito de Colúmbia, ou com países estrangeiros, ou entre o Distrito I de Colúmbia e qualquer Estado ou Estados ou países estrangeiros, ficam considerados ilegais. Surge, assim, fundamentalmente como proteção do padrão de concorrência liberal, que preconizava diversos agentes econômicos de porte assemelhado. No início há, pelos Tribunais, uma aplicação bastante literal da lei, que, porém, irá se desenvolver no sentido da aplicação da regra da razão. Caracteriza-se, sobretudo no início, como concorrência-condição, pela qual se tende a privilegiar uma noção estrutural de concorrência e avaliá-la como um bem em si mesma. Estabelecer-se-á, assim, uma proibição genérica e a priori de todos os acordos e práticas susceptíveis de atingirem a estrutura concorrencial de mercado. Este sistema da per se condemnation abstrai dos resultados efetivos das restrições à concorrência, centrando sua atenção no “perigo” que estas por si só mesmas representam. Porém, mesmo sendo até hoje possível a classificação como concorrência-condição, a regra da razão a flexibiliza, principalmente com a progressiva sofisticação da análise econômica. Cita-se, por exemplo, a exclusividade. Nem toda exclusividade deve ser considerada ilícita. Afinal, a PI é uma exclusividade, e há, de certa forma, uma restrição da concorrência, mas a PI é uma forma de incentivo para a empresa perseguir o crescimento. O mais importante é que, posteriormente, ocorreram inovações nos EUA que influenciaram toda a legislação europeia e mesmo brasileira. Em 1914, ocorre a edição de dois importantes diplomas legislativos: i. FTC Act: criação da Federal Trade Commission, que seria o órgão administrativo encarregado de analisar concentrações empresariais (revisar fusões e aquisições, pontuando possíveis proibições), a fim de autorizar todas aquelas que não implicassem em indevida restrição à concorrência. Já havia Quezia Brandão 191 – 23 9 o clamor de que nem toda a concentração poderia ser proibida, por haver aquelas que trariam benefícios ao mercado. ✓ Clayton Act; ✓ Jurisprudência ✓ Regra da Razão ✓ Per se: progressivamente abandonado, subsistindo para cartéis e fixação de preços mínimos para venda. Toda aquisição pode ser, a princípio, um problema, pois ela gera uma restrição ao mercado. No entanto, deve-se observar se, em termos de efeito, houve uma repercussão significativa no mercado, o impacto concorrencial. Numa aplicação literal da Lei, incialmente, qualquer exclusividade era coibida; tudo era tido como uma aplicação per se. Uma primeira distinção que é feita, portanto, é entre: ✓ Infrações per se – ocorrência que, por si só, é ilícita. Por exemplo: Cartel. ✓ Regra da Razão – (lembra o princípio constitucional da razoabilidade) consiste em analisar o efeito da conduta em questão/em análise. Por exemplo: a exclusividade gerou efeito/impacto negativo no mercado? Gerou um efeito anticoncorrencial significativo? Sempre e necessariamente, uma estrutura desconcentrada será melhor do que uma estrutura concentrada. No histórico da Defesa da Concorrência, a escola estruturalista teve importante papel na discussão acerca da concentração. Economia em escala → aumento do número de unidades, reduz o custo de produção de cada unidade suplementar. 2) Experiência na União Europeia • Concorrência-instrumento; • Não sendo um fim em si mesmo, a concorrência poderá ser sacrificada quando um determinado comportamento comercial puder, apesar dos seus efeitos restritivos, escapar à proibição legal e, se for demonstrado que é susceptível de contribuir em melhor grau que a própria concorrência para o desenvolvimento econômico ou para o progresso social. Fora concebida, assim como um instrumento para se alcançar os objetivos da CEE. A sua primeira menção se deu no Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e Aço (CECA). Tratado de Roma: (i) A menção à livre concorrência e à proteção do consumidor já aparece elencada dentre os objetivos centrais da CEE; (ii) o art. 3º estabelece as seguintes metas (ver também art. 81): 1. Eliminação, entre os Estados-membros, dos direitos aduaneiros e das restrições quantitativas à importação de mercadorias, bem como de todas as medidas de efeito equivalente; 2. Estabelecimento de um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado comum;Quezia Brandão 191 – 23 10 3. O reforço da capacidade concorrencial da indústria da comunidade; 4. Uma contribuição para o reforço da defesa dos consumidores; Assim, a CEE dependeria, para a sua efetiva implementação, de uma efetiva concorrência entre as empresas situadas nos Estados-membros. Dessa forma, deveriam ser afastadas todas as situações que as falseiem (abuso de poder e subsídios estatais). Ao mesmo tempo, seriam admitidas situações em que houvesse que se sacrificar a concorrência em prol de outros objetivos comunitários. Por exemplo: fazer frente à concorrência de outros países, desde que não se elimine a concorrência interna (que pode, porém, em situação excepcionais, ser atenuada). Tem-se a chamada doutrina da dupla instrumentalidade da defesa da concorrência – “Hoje, a política de concorrência persegue dois objetivos principais: de um lado, provocar o desfazimento de acordos e práticas tendentes ao fechamento do mercado comum dentro das fronteiras de cada Estado membro; de outro lado, facilitar a adaptação das empresas às novas dimensões do mercado e aumentar a sua competitividade a nível mundial, favorecendo a cooperação e a concentração entre as empresas de diversos Estados-membros”. Defesa da Concorrência no Brasil • Constituição de 1934: Apesar de francamente liberal, já fala no “fomento à economia popular”. • Constituição de 1937: preocupação com os crimes contra a economia popular, equiparando- os a crimes contra o Estado (art. 141). • Há uma preocupação crescente com o poder econômico, principalmente sob duas óticas: a) nacionalismo (contraposição às grandes corporações estrangeiras) e b) preocupação com a economia popular. Um primeiro diploma de repressão a crimes contra a economia popular fora o Decreto-lei nº 869 de 18 de novembro de 1938. Um resultado prático tipicamente antitruste: Parecer do Consultor Geral da República, que determinou a modificação de cláusulas de contratos entre a Standart Oil do Brasil e postos de gasolina. Por sua vez, o Decreto-lei 7.666 de 22 de junho de 1945 (Lei Malaia)redigida por Agamenon Magalhães, Ministro de Getúlio Vargas, teve somente três meses de vigência. O referido diploma cuidava de aspectos administrativos, com controle preventivo e repressivo, e considerava atos contrários ao interesse nacional os entendimentos, ajustes ou acordo que tivessem por efeito: (i) elevar o preço de venda dos respectivos produtos, (b) restringir, cercear ou suprimir a liberdade econômica de outras empresas ou; (c) influenciar no mercado de modo favorável ao estabelecimento de um monopólio, ainda que regional. A Constituição de 1946, em seu artigo 138, trazia, pela primeira vez, a menção à repressão contra o abuso de poder econômico. No Congresso brasileiro, discutiu-se um projeto específico de regulamentação do aludido artigo, projeto esse que fora apresentado pelo deputado Agamenon Magalhães. Quezia Brandão 191 – 23 11 Temos a lei 4.137 de setembro de 1962. Após, temos a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, trazendo modificações no paradigma de interpretação. O I PND e o II PND estão ligados à questão do controle de preços, como exemplo do processo econômico, que privilegiava concentrações e não via na concorrência o meio de formação de preços. A década de 1990 apresenta toda uma conjuntura de crise econômica, temos a edição da lei nº 8.137 de 1990 que prevê e reprime crimes contra a ordem econômica, a lei nº 8.158 de 1990 de criação da SNDE, a lei nº 8.884/94 e, por fim, a vigente lei nº 12.529/2011. Fases da Defesa da Concorrência no Brasil Primeira Fase (1937 – 1988) – Intervencionista No Brasil, o Estado, historicamente, tem tido um papel intervencionista na economia, afinal, cite-se: (a) modelo de substituição de importações (de capital); (b) controle de preços e abastecimento; (c) criação de instrumentos legais para a intervenção do Estado (criação do CIP e da Sunab) → tendo como objetivo a industrialização da economia. Segunda Fase (1988 – 1994) – Abertura Gradual Houve uma lenta abertura econômica, culminando em menor intervenção do Estado na economia. No entanto, foi uma conjuntura de hiperinflação e falência fiscal do Estado, pois a abertura econômica gera choque nos comportamentos pré-estabelecidos da indústria nacional, além do impacto da extinção progressiva das agências de controle de preços Terceira Fase (1994 – atualmente) – Defesa da Concorrência ao invés de controle de preços Com a lei 8.884/1994, o Cade, órgão técnico, ganha maior poder, caracterizando-se como última instância administrativa, sem apelação a nenhum outro órgão do Executivo. O Cade se transformou num conselho independente, cujos membros têm mandato fixo de dois anos. A posteriori, tivemos uma introdução do controle de fusões. Com a Lei nº 12.529/2011, temos uma consolidação institucional, com controle prévio dos atos de concentração, instituição do Cade como órgão instrutório e decisório, acordo em controle de concorrência e utilização mais sistemática de acordos de leniência e termos de cessação de prática. Princípio da Livre Concorrência Primeiramente, cumpre salientar que a referência a tal princípio é uma novidade, sendo a Constituição Federal de 1988 a primeira a prevê-lo. A noção de livre concorrência certamente trouxe benefícios, por meio de um desiderato: garantir as condições propícias para que os agentes econômicos (fornecedores) e os consumidores tomem as suas decisões em um ambiente de efetiva livre concorrência. A regra constitucional da repressão ao abuso de poder econômico Art. 173, §4º, CF/88 – A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Quezia Brandão 191 – 23 12 Dimensão Constitucional da Livre Concorrência e da repressão ao abuso de poder econômico Art. 170, IV, CF/88 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IV – livre concorrência; Art. 173, §4º, CF/88 – A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. O princípio da LC é um padrão hermenêutico para a interpretação de regras de direito econômico e sua harmonização com os demais princípios, em especial o da livre iniciativa, e o seu regime jurídico se concretiza com a edição de leis especiais Súmula 646 do STF Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área. Aula 4 – 24/03/2020 Regra da Razão e Mercado Relevante A centralidade desse tema para o estudo do direito concorrencial diz respeito ao fato de que o padrão concorrencial analisado é aquele ligado à conquista por consumidores. A distorção ocorre quando, ao invés de ter concorrência, há a formação de cartel. Por outro lado, outra postura distorsora é a questão das Fusões e Aquisições – que podem levar a um monopólio. Logo, seja questão de conduta de mercado ou conduta empresarial, são estes fenômenos sobre os quais incidem a legislação da Defesa da Concorrência, atuando na disciplina de situações em que há um excesso de Poder Econômico, distorcendo o mecanismo da concorrência. O mercado relevante é importante para avaliar se as situações acima citadas realmente causam distorções. Mercado Relevante vem de uma tradução literal do inglês – Relevant Market – e não se fala em mercado importante, mas sim de um mercado atingido por uma situação concorrencial. Logo, não é relevância no sentido de essencialidade. Esse mercado, pela centralidade, acaba atingindo quase todos os casos, tendo uma tendência a uma grande discordânciaentre as autoridades da concorrência e as partes que notificam uma transação. (ex.: dos isotônicos) A importância da definição do mercado relevante A definição vai ser aquele local que será atingido por fusão e aquisição, cartel, exclusividade etc, e só após essa definição se poderá dimensionar os efeitos possivelmente deletérios daquela conduta – é benéfica, inofensiva ou nociva? Note-se que a lei concorrencial é uma lei de efeito – o local onde os efeitos são produzidos é, justamente, no mercado relevante. Se uma palavra-chave é efeito para se dimensionar se há ou não Quezia Brandão 191 – 23 13 efeitos. Outra palavra mágica para o direito concorrencial é a palavra poder, ou seja, a preponderância de uma empresa no mercado em que se insere. A definição do mercado relevante é peça fundamental na análise de qualquer questão concorrencial, seja nos casos que envolvem atos de concentração, seja na análise de condutas. Isto porque só é possível analisar se existe poder de mercado por parte da(s) firma(s) em questão e o impacto concorrencial de um ato de concentração, ou de um prática adotada no mercado, depois da delimitação do espaço no qual o ato ou prática podem ter consequências, já que a Lei nº 12.529 é uma Lei dos Efeitos. Na prática, muitas vezes a definição de mercado relevante não é tão linear quanto nos ensinam os guias. O teste do monopolista hipotético, apesar de ferramenta indispensável para se visualizar a intercambialidade entre produtos, muitas vezes carece de comprovação empírica, seja porque a inferência da elasticidade-cruzada é tecnicamente inviável, seja porque a percepção sobre os produtos envolvidos é difícil, como acontece, por exemplo, no setor de serviços. Guia H do Cade Trata-se de um Guia de análise de concentrações horizontal. Conhecido como Guia H, documento é diretriz para a autarquia na verificação de casos envolvendo concorrentes ou potenciais concorrentes. Compete ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) apreciar atos de concentração econômica (ACs) que preencham os requisitos previstos nos artigos 88 e 90, incisos I a IV, da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Tal obrigação já existia em leis anteriores (como a Lei no 8.884/94), embora seguisse requisitos distintos. O primeiro Guia de Análise de Concentração Horizontal (Guia H) foi elaborado em 2001, pela Portaria conjunta Seae/SDE n o 50, de 01/08/2001, para alcançar os objetivos da Lei de 1994. Este Guia, por sua vez, é uma segunda versão, com foco na Lei de 2011, amplamente atualizada, de acordo com as melhores práticas adotadas em importantes jurisdições como a norte-americana e a europeia. Este Guia, assim, refere-se exclusivamente a ACs horizontais, ou seja, a operações que envolvam a integração econômica entre empresas concorrentes ou potenciais concorrentes entre si e possui os seguintes objetivos: (i) dotar de maior transparência a análise empreendida pelo Cade; (ii) orientar os membros do Cade a empregar as melhores práticas de análise econômica de ACs que produzam concentração horizontal; e (iii) auxiliar os agentes de mercado a compreender as etapas, técnicas e critérios adotados nas análises realizadas pelo Cade. A metodologia apresentada não possui caráter obrigatório ou vinculante, nem busca exaurir todos os possíveis métodos de análise. O processo analítico empreendido pelo Cade se adequará ao caso concreto. Quezia Brandão 191 – 23 14 De acordo com os §5º e §6º do Artigo 88, Lei nº 12.529/2011, os ACs que impliquem a eliminação da concorrência em parte substancial do Mercado Relevante (MR), a criação ou reforço de uma posição dominante ou que possam resultar na dominação do MR de bens ou serviços só poderão ser autorizados se, na análise de ganhos de eficiência específica da operação (item 3 deste Guia), puder ser observado: 1) cumulada ou alternadamente: a) aumentar a produtividade ou a competitividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e 2) repassar aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes do ato. ACs podem gerar efeitos negativos e positivos simultaneamente. Entre os efeitos negativos de uma concentração, por um lado, é possível mencionar os seguintes: elevação de preços aos consumidores; diminuição da quantidade, de qualidade e/ou de variedade de produtos ou serviços a um dado preço; contração do ritmo de inovações com relação aos níveis que vigoravam antes da operação. Por outro lado, é possível também que exista uma série de efeitos positivos específicos da operação, tais como: eventuais incrementos de produtividade e competitividade derivados dos ganhos de eficiência específica da operação; melhorias na qualidade dos produtos; maior diversidade de produtos, introdução de uma tecnologia melhor, etc. Cumpre ao Cade verificar se os efeitos negativos do AC não superam seus efeitos positivos. Ou seja, se o resultado líquido for não-negativo para os consumidores, haverá condições de aprova- lo. Não é possível definir, a priori, se a concentração será benéfica ou prejudicial, sendo necessária a análise específica caso a caso, com a ponderação das eficiências específicas da operação vis-à-vis seus efeitos negativos derivados de uma maior probabilidade do exercício do poder de mercado. Trata-se da condição de efeito líquido não-negativo sobre o bem-estar econômico dos consumidores. Critérios tradicionais de definição de Mercado Relevante ✓ “Um mercado relevante de produto compreende todos aqueles produtos e/ou serviços que são referidos como intercambiáveis ou substitutos pelo consumidor, em função de suas características, seus preços e seu uso pretendido. ✓ Assim, o fator crítico parece ser a intercambialidade ou substituibilidade entre produtos do ponto de vista do consumidor. Isso frequentemente é referido como ‘substituibilidade (ou substituição) pelo lado da demanda’”.1 1 BELLAMY & CHILD. European Community Law of Competition. Fifth Edition P.M.Roth QC, pág. 6-096. Quezia Brandão 191 – 23 15 Duas Dimensões • Mercado relevante quanto ao produto ou serviço • Mercado relevante geográfico Primeiro, sob a metodologia empregada universalmente – proposta pelos Horizontal Merger Guidelines do FTC/DoJ/USA, de 2010 (“Guidelines”) – um produto e uma área são um mercado se um monopolista sobre eles elevasse com lucro, o preço, significativamente acima dos níveis prevalecentes ou tendentes a prevalecerem no futuro. ➔ Conforme as Merger Guidelines (Seção 1.0), “um pequeno mas significativo e não transitório” aumento no preço, mantidos constantes as condições de venda de todos os outros produtos. Substituibilidade no lado da demanda seguramente é o primeiro fato na determinação desse mercado, mas não é o único. ❖ Teste do Monopolista hipotético Pôr um suposto monopolista de forma a possibilitá-lo praticar um pequeno, porém significativo e não transitório aumento de preços. Este pequeno, porém, significativo e não transitório aumento de preço poderia ser de 5%, 10% ou 15%, dependendo das circunstâncias. Na prática, muitas vezes a definição de mercado relevante não é tão linear quanto nos ensinam nos guias. O teste do monopolista hipotético, apesar de ferramenta indispensável para se visualizar a intercambialidade entre produtos, muitas vezes carece de comprovação empírica, seja porque a inferência da elasticidade-cruzada é tecnicamente inviável, seja porque a percepção sobre os produtos envolvidos é difícil, como acontece, por exemplo, no setor de serviços. ❖ Diferenciação: análise de ato de concentração e de conduta Em hipóteses de infração à econômica, o melhor método se baseia no exame de atos passados nos efeitos já experimentados pelo segmento mercadológico, ao passo que, em fusões e aquisições, a boatécnica indica um método direcionado para possíveis e potenciais efeitos no futuro. Assim se deduz dos termos do seguinte trecho da “Relevant Market Notice”, adotada pela Comissão Europeia desde 1997: “O critério para definição do mercado relevante é geralmente aplicado à análise de certos tipos de comportamento no mercado e à análise de certos tipos de mudanças estruturais na oferta de produtos. Essa metodologia, no entanto, pode levar a diferentes resultados, dependendo da natureza da questão concorrencial que está sendo examinada. Por exemplo, o escopo do mercado geográfico pode ser diferente caso esteja se analisando uma concentração, onde a análise é essencialmente prospectiva, ao invés de uma análise do comportamento passado. O diferente horizonte de tempo considerado em cada caso pode levar ao resultado de que diferentes mercados geográficos são definidos para um mesmo produto, dependendo se a Comissão está analisando uma mudança na estrutura da oferta, tal como uma concentração ou uma joint venture, ou se está examinando questões relacionadas a um certo comportamento passado”. Quezia Brandão 191 – 23 16 ❖ Condutas: importância da análise dos efeitos da definição de Mercado Relevante Ao determinar se a estrutura da indústria ou o comportamento unilateral afasta a concorrência, as definições de mercado dever ser úteis na organização da análise para que esta seja prática, significante, economicamente sensata e admissível em um contexto de processo judicial. No entanto, a análise de mercado é subserviente à questão qualitativa mais ampla que é se a política estabelecida pela lei foi violada, e ocasionalmente, a análise de mercado deve ser dispensada quando o nível de comportamento predatório é obviamente destrutivo ao processo competitivo. A persistência de domínio em uma área significante da atividade econômica pode também garantir a conclusão através do bom senso, de que o poder está presente de uma forma inconsistente com o ideal competitivo, e o interesse público requer que ele seja restringido ou eliminado onde a persistência desse domínio é provável e sua erosão através do mercado improvável, mesmo que alguns argumentos teóricos sobre o conceito metafísico de mercado possam ser elaborados para se escapar dessa responsabilidade. Em outro lugar, as definições de mercado devem ser entendidas de maneira análoga à função de análise da regra da razão em casos da seção 1. Onde não é aparente que a estrutura da indústria ou o comportamento é consistente ou inconsistente com o ideal competitivo, a análise de mercado serve como mecanismo para determinar se é justo, adequado, pratico e economicamente razoável isolar ou fragmentar uma área da atividade econômica como a área onde os objetivos da política antitruste podem atuar, fazendo julgamentos, a luz de todos os fatos e circunstâncias da indústria, sobre se eles realmente estão atuando.2 Poder Econômico O poder econômico consiste na posição de preponderância da empresa no mercado em que se insere, influindo na conduta das demais concorrentes ou, ainda, subtraindo-se à influência dessas últimas, por meio de uma conduta indiferente e das independente em alto grau. ➔ Isso gera uma diferente situação de sujeição dos demais concorrentes e consumidores perante aquele que detém esse poder econômico. O que a CF/88 determina reprimir não é o poder econômico em si, mas sim o seu uso abusivo, que ocorrerá sempre que ele visar à dominação de mercado, à eliminação da concorrência ou ao aumento arbitrário dos lucros (art. 173, CF/88) Art. 173 – Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 1º A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias . § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) 2 Harry First, Free Enterpriste and Economic Organization – Antitruste. Sixth Edition. P. 113. Quezia Brandão 191 – 23 17 I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. § 3º A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade. § 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. § 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. A definição legal de posição dominante vem expressa no §2º do art. 36 da Lei nº 12.529/2011: §2º - Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia. Sinônimos: poder de mercado e posição dominante Relacionado com o poder de negociação, controle da oferta e demanda. Agente econômico atua de forma independente e com indiferença à existência ou comportamento de outros agentes. Fichamento dos Textos da Aula Aula 5 – 31/03/2020 Controle de Condutas Anticoncorrenciais I - Cartel ❖ Função Repressiva ✓ Sanções por infrações contra a ordem econômica ✓ Averiguações premilinares: investigação da insuficiência de indícios ✓ Processos administrativos: existência de indícios suficientes para a instauração ✓ Instauração e instrução e Julgamento: atribuição do CADE Infrações contra a ordem econômica Quezia Brandão 191 – 23 18 Núcleo do tipo: Lei nº 12.529 de 30 de novembro de 2011 → art. 36 Art. 36 – Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante. • Responsabilidade Objetiva A lei de defesa da concorrência estabelece responsabilidade objetiva, já que não exige a comprovação da culpado agente para configurar a incidência da infração. Requisitos o Comprovação: a) Da conduta b) Da potencial ou efetiva produção dos efeitos descritos no art. 36 c) Do nexo de causalidadeo Constitucionalidade: Discussão no âmbito da ADI nº 1.094, no Supremo Tribunal Federal, Relator Carlos Velloso. Não pareceu ao STF, no exame cautelar, atentatório à Constituição Federal o estabelecimento da responsabilidade independentemente de culpa na configuração de infração contra a ordem econômica. o Atos sob qualquer forma manifestados A forma jurídica adotada é irrelevante; o importante é o efeito que o acordo comporta sobre o mercado. o Desnecessidade de comprovação de efetiva lesão à ordem econômica Utilização da expressão “que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não alcançados”. Trata-se de disposição de suma importância, já que engloba não apenas os atos que efetivamente produziram efeitos, mas também aqueles que poderiam produzir tais efeitos. Em outras palavras, não se exige a prova de efeitos concretos, mas apenas da potencialidade da produção de efeitos. Poder de Mercado Há, em primeiro lugar, a menção à possibilidade de produzir efeitos, o que demanda a demonstração de racionalidade econômica e poder de mercado. Em todos os casos se tenta demonstrar, justamente, a efetiva existência de poder de mercado e da racionalidade econômica, traduzida em extração de vantagem com a prática da conduta. “No caso a denúncia é por preço predatório. Em princípio, o preço baixo é resultado da concorrência e beneficia o consumidor. Para essa prática se tornar ilegal, é preciso que tenha por efeito eliminar um concorrente. Quem pratica preço predatório, i.e. abaixo de custo, passa por um momento inicial Quezia Brandão 191 – 23 19 de prejuízo que é compensado em um momento futuro após a exclusão do concorrente. Somente se lança nesta aventura arriscada quem efetivamente detém poder de mercado” Tratava-se de empresa de pequeno porte no setor de fabricação de lareiras e churrasqueiras, caracterizado pela pulverização de concorrentes. (AP 18467/95-06, Relator Antônio Fonseca, Representada Metalcorp Ltda). Efeitos: concretos ou potenciais Efeitos potenciais – há que demonstrar a possibilidade de surtir efeitos (o que se relaciona com a questão do poder de mercado). O que não necessita ser demonstrado: (i) culpa ou dolo (responsabilidade objetiva); (ii) produção de efeitos concretos. ❖ Dominar mercado relevante de bens ou serviços O §1º do art. 36 isenta a tipificação estabelecida no inciso II, quando decorrente de processo natural fundado na maior eficiência do agente econômico: § 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo. É imprescindível se efetivar um estudo do mercado relevante, para verificar se há impacto da ação sobre a concorrência como um todo. Apenas com o detalhamento do mercado relevante será possível identificar a posição dominante e o poder de mercado da empresa. Caso ela não os possua, sua conduta não terá impacto sobre a concorrência. ❖ Aumentar arbitrariamente os lucros Não há qualquer caso de condenação. Maior problema: como definir “lucro justo”? Exercer de forma abusiva posição dominante. A definição legal de posição dominante vem expressa no §2º do art. 36 da Lei nº 12.529/2011: § 2º Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia. Regra Per Se A regra per se estabelece uma presunção de ilicitude que visa a: ✓ Dar maior segurança jurídica e ✓ Simplificar as investigações quando a possibilidade de qualquer virtude da conduta é muito remota. A regra per se no caso Socony Vacuum: houve uma conspiração entre empresas que produziam e distribuíam gasolina no meio oeste dos EUA para reduzir as quantidades ofertadas e elevar preços. Note-se: Quezia Brandão 191 – 23 20 ▪ Não há qualquer justificativa plausível para acordos de preços; assim como não há que se questionar se o preço fixado é razoável ou não. ▪ Não é preciso que seja eliminada completamente a competição. ▪ Não precisa se demonstrar poder de mercado para caracterizar a ilicitude de acordos de preços; qualquer influência combinada sobre preços é ilegal. Regra da Razão Aplicada posteriormente para quase todos os casos de cartéis no direito norte-americano, é a análise da razoabilidade econômica da conduta, sopesando-se os seus aspectos positivos vis a vis às restrições trazidas à concorrência. ❖ Art. 36, §3º da Lei nº 12.529/2011: exemplos de infrações à ordem econômica O art. 36, §3º da aludida lei traz um extenso rol de práticas que, na medida em que configurem hipótese prevista no caput do art. 36, caracterizam infração à ordem econômica. § 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente; b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços; c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos; d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública; II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes; III - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado; IV - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços; V - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição; VI - exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa; VII - utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros; VIII - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição; IX - impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros; X - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços; XI - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais; XII - dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais; XIII - destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá- los; XIV - açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia; XV - vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo; Quezia Brandão 191 – 23 21 XVI - reter bens de produção oude consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção; XVII - cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada; XVIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; e XIX - exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca. Caráter exemplificativo do rol Necessária submissão ao caput do art. 36; Exemplos do art. 36 normalmente relacionados com os cartéis • Fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços; • Obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes; • Dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou semi-acabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários; • Combinar previamente preços ou ajustar vantagens na concorrência pública ou administrativa; ❖ Efeitos perniciosos causados pelos cartéis o Aumento de preços o Redução da oferta o Ausência de estímulos para aumentar a qualidade o Redução do bem estar total da economia – produção de peso morto o Redução de bem estar do consumidor – transferência de excedente do consumidor para o produtor ❖ Considerações da OCDE quanto ao resultado das ações dos cartéis o Elevação média de 10% nos preços dos produtos nos setores em que atuam; e o Redução média de 20% nas quantidades ofertadas Exemplos das ações de cartéis internacionais: Cartel das “Lisinas” – aumento de preços, em dólar, de 70% nos três primeiros meses do conluio; Cartel dos “Ácidos Cítricos” – preços subiram 30% nos EUA; Análise Econômica A análise econômica indica algumas situações estruturais que são facilitadoras para o estabelecimento de cartéis e alguns comportamentos típicos dos agentes econômicos envolvidos em ações cartelizadoras. Quezia Brandão 191 – 23 22 Porém não oferece respostas absolutamente conclusivas. Por exemplo, a mesma evidência (flutuação paralela de preços) pode indicar a existência de um mercado competitivo ou a existência de um cartel. ❖ Condições facilitadoras da formação de cartéis ➢ Setores oligopolizados ➢ Alta concentração de mercado ➢ Mercado com altas barreiras à entrada ➢ Poder de mercado dos Membros do cartel – evita que sejam significativamente antingidos por ações de não membros. ➢ Homogeneidade de produto e das condições de produção (principalmente os custos) ➢ Cultura de fixação de preços ➢ Distorções na atuação de associações de classes ➢ Pequeno histórico de condenações Exemplos de condenações a cartéis: Processos Administrativos do cartel do aço, Florianópolis, Lages e Belo Horizonte: uniformização de preço e conduta comercial (art. 21, I e II) PA nº 08000.015337/94, cartel de aços planos – Usiminas, Cosipa e CSN → Ação concertada entre as três maiores empresas siderúrgicas do país, que, após mais de um ano sem alterar os seus preços, reajustaram os seus preços em datas semelhantes e em patamares próximos, utilizando-se da mesma forma de comunicação e marcando reunião com o Governo para informar o reajuste conjunto. Processo de Goiânia: influenciar na adoção de conduta comercial uniforme (art. 21, II) Processo de Brasília: ação concertada para impedir entrada de concorrente (art. 21, IV) e adoção de conduta comercial uniforme e regulação de mercado de bens e serviços, estabelecendo acordo para limitar o desenvolvimento tecnológico (art. 21, X) Cartel de combustíveis de Lages – uniformização do preço de revenda de combustíveis. Evidenciada importância da colaboração com o MP de SC: realização de escuta telefônica. Ela permitiu a gravação de conversas que demonstraram em detalhes a formação de cartel. Restou evidenciado o papel de coordenação efetivado pelo Presidente do Sindicato da categoria: monitoramento, arbitramento e coação. Ainda, a questão da validade da prova emprestada. ❖ Limitação à atuação de concorrentes Principalmente os incisos III e IV do art. 36, §3º: III - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado; IV - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços; Quezia Brandão 191 – 23 23 Fichamento dos Textos da Aula Texto 1: FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 130-145. Capítulo 3, Itens 3.2. a 3.6. 3.2 Práticas restritivas e caracterização da ilicitude pelos efeitos (p. 129 – 133) • Classificações → manifestações das práticas antitruste i. Acordos – que podem ser horizontais ou verticais ii. Abuso de posição dominante iii. Concentrações • Nossa lei só aporta um suporte fático, e não três como o Sherman Act (!) e como o Regulamento CE 4.064 (hoje, Regulamento 139/2004 e Regulamento 802/2004), na UE. No mais, na UE, a legislação é instrumental aos objetivos delimitados, logo, trata-se do sistema ilicitude pelo objeto ou pelo efeito das práticas. • O sistema da lei brasileira é híbrido: a) aproveita o europeu quanto à caracterização do ilícito pelo objeto ou efeito; e b) quanto à tipificação, parte da caracterização, ou seja, para que seja considerado contrário à ordem econômica, basta que o ato determine a incidência do art. 36, ou seja, tenha por objeto ou produza os seguintes efeitos: i. Limitar, falsear ou prejudicar a livre concorrência/iniciativa ii. Dominar mercado relevante de bens ou serviços iii. Aumentar arbitrariamente os lucros iv. Exercer de forma abusiva posição dominante • Atenção!!! No Brasil, não é necessário deter posição dominante para infringir a ordem econômica. Não obstante, em alguns casos, essa diferenciação pode ser importante, quais sejam: a) Determinação dos agentes que devem ser responsabilizados → se for caso de acordo, ambos serão responsabilizados, mas se for caso de abuso de posição dominante, deve se verificar se de fato o agente é detentor dessa posição. b) Argumentação quanto à existência de infração à ordem econômica → quando se sustenta que uma empresa de pequeno poder econômico não está apta à incorrer nesse tipo de infração. c) Nos casos de “paralelismo consciente” – quando se tenta comprovar ou negar que o comportamento uniforme ou paralelo dos agentes decorreu exclusivamente em função do exercício saudável da concorrência. 3.3 Disciplina das infrações à ordem econômica e das concentrações na lei 12.529/2011. Conexão entre os arts. 36 (tipificação e exemplificação das infrações), 88 (dever de submissão e análise das concentrações) e 90 (definição das concentrações que devem ser submetidas à apreciação governamental) (p. 133 – 134) • Elenco exemplificativo do 3º§ do art. 36 – o rol do caput é amplo, portanto, o §3º enumera condutas que caso impliquem concomitante incidência com o caput e seus incisos, consubstanciarão infrações à ordem econômica. Note-se que a nossa Lei – 12.529/2011 – não faz distinção entre as formas de manifestação mencionadas. O seu art. 36, caput, inclui toda e qualquer conduta (o que não seja mero fato) que possa prejudicar a concorrência. Difere-se, portanto, do Sherman Act (art. 1º). Quezia Brandão 191 – 23 24 Observação!!! No Brasil, não existem infrações per se; todas necessitam da comprovação e efeitos abusivos ou anticompetitivos. • A letra do art. 36 levaria à condenação de todas as concentrações – mas algumas podem trazer consigo fatores de desenvolvimento, incluindo benefícios para os consumidores –, por isso, o art. 88 c/c art. 90, §6º permite a realização de concentrações → a partir do momento em que o Estado passa a intervir na economia há modificação no próprio princípio da livre iniciativa que deixoude ser correlato ao laissez-faire 3.4 Ainda sobre a caracterização da ilicitude pelos efeitos da prática. Os incisos no art. 36, caput, da Lei 12.529/2011 (p. 134 – 142) • O artigo 36, caput, traz a tutela da livre concorrência e da livre iniciativa – a disciplina da concorrência coloca-se como correlata à livre iniciativa → quando a autoridade antitruste autoriza ou coíbe determinado comportamento do agente econômico, deve atuar o princípio da livre iniciativa e da livre concorrência, tal qual modernamente concebidos e existentes no seio de nossa Constituição. • Os incs. II e IV referem-se, especificamente, ao domínio de mercado e ao abuso da posição dominante. (i) a busca do monopólio e a posição monopolista são potencialmente (se ilícitas) prejudiciais à concorrência, uma vez que, em geral, implicam processo que passará pelo aniquilamento dos competidores (note-se que isso pode ocorrer de forma natural); (ii) a nossa lei não veda a posição dominante em si, e sim o seu abuso, mas a linha que o separa o exercício normal, por vezes, é tênue → só podemos dizer que um agente econômico abusou da posição dominante que detinha se prejudicou a livre concorrência ou a livre iniciativa ou aumentou arbitrariamente seus lucros. • Considerando os incs. I e IV do art. 36, para caracterizar a ilicitude de uma prática, não há a necessidade de se comprovar a posição dominante do agente econômico. • O inc. III do art. 36 coíbe o aumento arbitrário de lucros do agente econômico, sem qualquer referência à posição dominante por ele detida. Esse dispositivo visa, precipuamente, à proteção do consumidor, ou daqueles explorados pelos agentes dominantes. • Não obstante, a ideia do direito antitruste reprimir fato que fomentaria à concorrência causa verdadeiro repúdio a alguns estudiosos mais afetos à tradição norte-americano → essa diferença entre a lei brasileira (também de repressão ao abuso do poder econômico, além da proteção à livre concorrência) e lei americana (de tutela da livre concorrência) é absolutamente fundamental e deve ser considerada no processo de interpretação do dispositivo. • O art. 36, ao mesmo tempo em que protege a livre iniciativa e a livre concorrência, tutela o consumidor, impedindo que a ele sejam impostos preços excessivos, mediante aumento arbitrário de lucros. 3.5 Efeitos potenciais dos atos restritivos da concorrência (p. 142 – 143) • O art. 36 assinala efeitos potenciais, ou seja, procura coibir atos que, no futuro, possam vir a gerar abusos ou prejuízos concorrenciais → logo: não se aplica a esse artigo a definição estrita do ato jurídico (adquirir, resguardar, transferir ou extinguir direito), pois as práticas serão vedadas ainda que não consideradas jurídicas (daí incluir-se o ato nulo de pleno direito) 3.6 A forma do ato (p. 143) • Para efeitos do art. 36, pouco importará a forma de que se reveste o ato analisado, uma vez que o texto normativo limita-se a determinar a vedação de “atos”, sendo estes “sob qualquer forma manifestados – bastará a verificação dos efeitos atuais ou potenciais. Quezia Brandão 191 – 23 25 • A ilicitude da prática, nos termos da lei, é de todo independente de sua tipificação formal pelo ordenamento jurídico. Aula 6 – 14/04/2020 Controle de Condutas II – Cláusula de Exclusividade Casuística do CADE I. Cláusula de exclusividade em contratos de cooperativas médicas, que proíbe médicos cooperados a prestar serviços aos usuários de convênios e planos de saúde concorrentes. II. PA da White Martins: cláusula que garantia a exclusividade na exploração de matéria prima para gás carbônico de uso industrial, aproveitando apenas 60%, impedindo que concorrente tivesse acesso a tal fonte. Condenação unânime. Sanção de 5% do faturamento bruto: cerca de R$ 50.000.000,00. III. Boicote à entrada de concorrentes em Brasília ➢ Conduta: Pressão coordenada sobre autoridades do Poder Executivo e do Poder Legislativo do Distrito Federal para barrar a possibilidade de instalação de postos de gasolina em estacionamento de hipermercados. ➢ Lograram êxito, pois (i) nenhuma autorização foi concedida quando a legislação permitia; (ii) foi editada lei distrital proibindo expressamente a instalação de postos de combustível em estacionamento de hipermercados, supermercados e shopping centers. Recusa de Venda Art. 36, §3º, XI – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais; Caso Powertech/Matec Matec: representante exclusiva da Ericsson no Brasil para venda de centrais telefônicas de grande porte e realizava as manutenções, sendo monopolista em Brasília. Powertech: passa a oferecer concorrência nos serviços de manutenção, vencendo diversas licitações. Conduta: Recusa de venda de peças de reposição, inviabilizando a permanência da concorrente no mercado. Similitude com o caso Xerox dos EUA. Preço Predatório Trata-se da conduta descrita no art. 36, §3º, XV: Quezia Brandão 191 – 23 26 XV - vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo; Somente pode ser punido se: a) Efetivamente estiver caracterizada a venda a preço abaixo do custo, o que é distinto de preço inferior aos dos concorrentes. b) A intenção for retirar os concorrentes do mercado para, posteriormente, dominar o mercado e aumentar o preço para patamares acima do preço anteriormente praticado. OCDE e Preço Predatório “O preço predatório se refere ao corte de preços no esforço de excluir concorrentes, a fim de ganhar ou proteger seu poder de mercado. O preço predatório, porém, é uma forma complexa de conduta anticoncorrencial. Ela exige que a empresa incorra em perdas substanciais ou ao menos que reduza seus lucros na esperança que essas perdas serão recuperadas no futuro, através do exercício de poder de mercado. Portanto, as condições de mercado desempenham um papel fundamental quanto à possibilidade de emprego desta tática. O predador deve ter uma parcela substancial do mercado ou ao menos a possibilidade de assumir esta parcela”. (OCDE. Predatory pricing. Paris, mimeo, 1989, p. 81). Resolução nº 20 do CADE: “4. Preços predatórios: prática deliberada de preços abaixo do custo variável médio, visando eliminar concorrentes para, em momento posterior, poder praticar preços mais próximos do nível monopolista”. a. AP nº 08000.016380/94-60, Relatora Lúcia Helena Salgado, no qual se analisou promoção feita por um só dia, de distribuição gratuita de pães por um Supermercado. Assim, promoções feitas somente com objetivo promocional e por período curtíssimo e delimitado, inaptas a causar impacto, não são consideradas como preço predatório. b. AP nº 08000.012334/95-81, Rel. António Fonseca: foi constatada a ausência de preço predatório na venda, com desconto de até 50% sobre o preço de determinados medicamentos, por operadora de plano privado de assistência à saúde, pois os únicos beneficiários eram os consumidores dos planos, não havendo, assim, intenção de domínio do mercado de farmácias. Ademais, a estratégia era justamente evitar doenças, estimulando o consumo de remédios prescritos por médicos, o que, os altos preços nem sempre permitiam aos usuários dos planos. c. Desconto de 50% na corrida de táxi efetivada por empresa de Rádio Táxi no Distrito Federal. Entendeu-se que a prática, longe de ser condenável, era louvável, demonstrando os benefícios que a concorrência pode trazer aos consumidores. (PA nº 16756/96-25, DOU de 30 de setembro de 1997, Rel. Arthur Barrionuevo Filho. Síntese das diferenciações com o dumping Quezia Brandão 191 – 23 27 A configuração do dumping leva em consideração a diferença entre o preço de exportação e o preço normal praticado no país de origem, enquanto o preço predatório leva em consideração a diferença entre o preço praticado eo seu custo. No dumping exige-se a prova do dano à indústria nacional, enquanto no preço predatório exige- se a prova da possibilidade de eliminação de concorrentes, ocasionando-se dano à estrutura eficente de mercado e ao bem estar do consumidor. Atribuição de repressão ao dumping: Art. 119. O disposto nesta Lei não se aplica aos casos de dumping e subsídios de que tratam os Acordos Relativos à Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, promulgados pelos Decretos nos 93.941 e 93.962, de 16 e 22 de janeiro de 1987, respectivamente. Venda Casada Art. 36, §3º, XVIII – subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; ❖ Espécies de Sanções Sanção pecuniária (ART. 37): Art. 37. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas: I - no caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; II - no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais); III - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa, no caso previsto no inciso I do caput deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no inciso II do caput deste artigo. § 1º Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro. § 2º No cálculo do valor da multa de que trata o inciso I do caput deste artigo, o Cade poderá considerar o faturamento total da empresa ou grupo de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, definido pelo Cade, ou quando este for apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado de forma inequívoca e idônea. Discussão no âmbito da ADI nº 1094, no Supremo Tribunal Federa, Relator Carlos Velloso, não pareceu ao STF, no exame cautelar, atentatório à Constituição Federal os seguintes dispositivos da Lei Federal 8884/94: a) a multa de 1 a 30% do art. 23, que, em abstrato não possui caráter confiscatório, devendo ser observada o caso concreto em que a multa máxima eventualmente venha a ser cominada http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/1985-1987/D93941.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/1985-1987/D93941.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/1985-1987/D93941.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/1985-1987/D93962.htm Quezia Brandão 191 – 23 28 b) arts. 24. II e IV (proibição de contratar com o poder público e recomendação de quebra de patente). Relator e Marco Aurélio vencidos; Fichamento dos Textos da Aula Texto 1: SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 547 – 561. 3.2 Exclusividade • O elemento central da cláusula de exclusividade (que impede o revendedor ou distribuidor de adquirir de outro fabricante – excludente, portanto, da concorrência de intermarcas) é a proibição ou a limitação à liberdade de contratar com terceiros → a liberdade de escolher o parceiro contratual é, sem dúvida, um elemento básico da liberdade de iniciativa. (acaba sendo uma limitação maior que a compra e venda casada). • Na exclusividade, a restrição não diz respeito apenas à negociação com uma empresa específica, mas engloba, via de regra, todas as empresas do mercado não beneficiadas pela cláusula de exclusividade. • A doutrina e a jurisprudência, pelo menos até o início dos anos 1980, tendiam a uma postura muito mais permissiva em relação às cláusulas de exclusividade → Principal razão: papel desempenhado pela crença da tendencial “eficiência econômica” – ou seja, o intuito das cláusulas de exclusividade não é restringir a concorrência, mas, sim, melhorar a atuação dos agentes no mercado e, consequentemente, aumentar a sua capacidade competitiva. Base do raciocínio: visão positiva dos neoclássicos em relação a qualquer tipo de integração vertical. Exclusividade e Eficiência (p. 548 – 552) • A ideia da eficiência das relações verticais liga-se à ideia coaseana dos custos de transação → ou seja, os custos de realizar uma transação no mercado ao invés de realiza-la no interior da empresa, custos esses que decorrem da incerteza que caracteriza as relações no mercado. Nesse contexto, toda e qualquer forma de integração vertical que permita uma estruturação eficiente dos negócios do empresário, sem que haja concentração, parece merecer incentivo. • A eficiência é protegida através da exclusividade – a eficiência, e não a concorrência, é a regra. Isso é feito, basicamente, através da eliminação de uma das principais fontes de insegurança nas relações contratuais: o free-riding (agente econômico que se aproveita das externalidades positivas de determinadas ações de terceiros – falseia as condições da concorrência). • Três situações básicas em que o free-rinding pode ocorrer: i. Aproveitamento do investimento de infraestrutura feito pelo produtor – o produtor financia/subsidia o estabelecimento do distribuidor (a cláusula de exclusividade, aqui, não é nada mais natural); ii. Gasto promocional – (a) é necessário que a publicidade seja feita pelo produtor e não pelo revendedor/distribuidor, (b) que não seja específica para a marca e sim para o produto e (c) é necessário que se trate de produto cuja forma de revenda tenha influência decisiva na sua escolha pelo consumidor; → a proteção contra o free-riding, aqui, não é uma argumento convincente, pois a cláusula de exclusividade, aqui, acaba por eliminar a concorrência. art. 36, §3º, V → “impedir o acesso de concorrentes às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição” Quezia Brandão 191 – 23 29 iii. “Titularidade” da lista de clientes – tratando-se de atividade em que a lista de clientes é de importância fundamental, e que os clientes sejam originalmente ligados ao produtor. ➔ É dessa exata características privatística que partem as principais críticas à linha de raciocínio que vê na eliminação dos custos de transação o elemento essencial para a avaliação da disciplina da exclusividade. Exclusividade e Concorrência (p. 552 – 558) • O Direito concorrencial é absolutamente desnecessário para a função de promover a eficiência ou o aumento do ganho total dos agentes econômicos – se ele existe, por decisão constitucional e legislativa, seu objetivo deve ser a necessária resolução de algum tipo de conflito de interesses. Logo: a análise da exclusividade deve partir necessariamente do estudo de seus efeitos sobre a concorrência, e não de seu potencial criador de eficiências. • Possíveis efeitos das cláusulas de exclusividade sobre a concorrência: ✓ Potencial dominação do mercado – leva a uma colusão involuntária (comportamento estratégico). A cláusula de exclusividade tende a se difundir em um mercado, desde que usada (e autorizada) pela primeira vez. ➔ Consequentemente, tratando-se de verticalização, a única “eficiência” admissível é aquela que descaracteriza o objetivo de eliminar
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