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KILOMBA, Grada. Capítulo 2. In: _____. Plantation Memories. Episodes of everyday racism. Münster: UNRAST, 2010. Tradução livre por Anne Caroline Quiangala. Gustavo Eiji Nakamura Molina RESENHA Grada Kilomba é escritora, teórica e artista interdisciplinar. Têm raízes em Angola e São Tomé e Príncipe, países outrora colonizados. Atualmente reside em Berlim. Seus trabalhos baseiam-se em memórias, trauma, raça e gênero e é especialmente conhecido por criar um espaço híbrido entre a linguagem acadêmica e a artística. Seu principal trabalho é o livro intitulado “Plantation Memories. Episodes of everyday racism”, do qual essa resenha pretende apresentar o Capítulo 2, traduzido livremente por Anne Caroline Quiangala: “Quem pode falar?”. Kilomba começa o capítulo contando sobre sua experiência ao questionar seus alunos todos os semestres sobre questões hegemônicas como: “o que foi a conferência de Berlim em 1884–5? Quais países africanos foram colonizados pela Alemanha?” (KILOMBA, 2010). São questões prontamente respondida pelos seus alunos, principalmente os de pele branca. No entanto, quando ela os questiona sobre conhecimentos contra hegemônicos como “quem foi a rainha Nzinga? Quem escreveu Peles negras, máscaras brancas? Ou: quem foi May Ayim?” (KILOMBA, 2010), o resultado é diferente, uma vez que os alunos de pele branca não sabem a resposta, em contrapartida os de pele negra respondem corretamente na maioria das vezes. A partir dessa explanação, ela inicia uma discussão sobre quem possui ou não determinado tipo de conhecimento e o porquê possui ou deixa de possuí-lo. A autora nos leva a refletir sobre a relação entre conhecimento, poder e autoridade racial. Realiza diversos questionamentos para nos levar ao objetivo principal do capítulo, compreender quem pode ou não falar. O espaço acadêmico majoritariamente branco produz, segundo Kilomba, ao longo da história discursos e teorias à respeito da população negra e não-branca de forma a sujeitá-los a categoria “outros”, sempre diferentes e subordinados aos que possuem poder acadêmico para conhecer. A autora classifica o espaço acadêmico como um lugar de violência, e não apenas um espaço de conhecimento e compreensão, uma vez que os conhecimentos 1 produzidos ali são usados com autoridade para sujeitar pessoas. Edward Said (1990) em Orientalismo realiza um estudo parecido ao demonstrar como a academia pode influenciar a construção do “outro” ao classificar e engessar essa imagem a partir de representações hegemônicas e etnocêntricas de quem possui autoridade para conhecer e para falar. A autora chama atenção para o fato de que a objetificação do negro não é aceita de forma passiva, porém o negro não possui acesso à representação. As vozes negras têm sido de forma sistemática desqualificadas pela academia como conhecimento válido devido ao racismo estabelecido estruturalmente. A desqualificação aparece através da ideia de que a cientificidade do negro é menor porque é subjetivo, emocional, parcial e específico, portanto não pode ser considerado, segundo a hegemonia branca acadêmica, como conhecimento científico. Pessoas negras e não-brancas têm produzido conhecimento independente, mas possuem acesso desigual a recursos para projetar seus trabalhos (COLLINS, 2000 apud KILOMBA, 2010). Kilomba define ciência como um estudo político da verdade que reproduz relações de poder racializadas para definir quem conta a verdade e em quem devemos acreditar. Com isso, faz uma crítica à epistemologia que reflete os interesses da sociedade 1 branca, através de seus paradigmas e metodologias que privilegiam o olhar branco. Diante disso, Kilomba propõe uma nova epistemologia, uma que inclua o pessoal e a subjetividade do discurso do pesquisador. Segunda ela, não há discurso neutro. O discurso que os acadêmicos brancos escrevem partem de uma realidade que não é neutra, mas sim dominante, e esse discurso expressa poder de dominação. A escrita, por ser o discurso de alguém, sempre parte de algum lugar que carrega subjetividade. Por que a subjetividade do branco hegemônico é tida como científica, mas a do negro e contra hegemônico não? Esse lugar de poder precisa ser explicitado e reconhecido como tal, esse é o principal objetivo de Kilomba neste capítulo, mostrar a subjetividade oculta por trás dos discursos e o porquê uma subjetividade carrega poder e é considerada verdadeira e científica, enquanto a outra não. Nos fazendo refletir sobre quem pode ou não falar e quem tem ou não autoridade para isso. É um texto de grande importância para se pensar alteridade, epistemologia, discurso e, principal, racismo. 1 Epistemologia deriva do grego "episteme", que significa conhecimento, e logos, que significa ciência, portanto, é a ciência da aquisição do conhecimento. (KILOMBA, 2010) 2 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990 (tradução de Tomás Rosa Bueno). KILOMBA, Grada. Capítulo 2. In: _____. Plantation Memories. Episodes of everyday racism. Münster: UNRAST, 2010. Tradução livre por Anne Caroline Quiangala. 3