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1 16 O sociólogo Domênico de Masi faz uma estreita relação entre o trabalho e a necessidade do ócio. Mas o que é o ócio? A palavra é de origem latina, “otiu”, que significa folga do trabalho, do colégio ou faculdade, um momento de lazer, para aproveitar e descansar. É, portanto, um tempo livre, é o tempo de não pensar em nada, de ficar em um momento de preguiça. Uma pessoa ociosa é aquela que não está fazendo nada no momento. Esse é o sonho de muita gente e é também a descrição perfeita de um trabalhador pós-moderno que se vê expropriado de suas forças ao final de uma jornada de trabalho. A sociedade pós-industrial, em que o processo produtivo e o trabalho são uma verdadeira obsessão consumista, fez do homem um autômato sem tempo para descansar, sem tempo para desenvolver-se como um todo. Assim, o ócio passa a ser um desejo fugaz, pois se sonha com um dia de folga, com o período das férias, e quando se pode desfrutar desse tempo, o homem percebe-se como inútil, então, angustiado volta para o trabalho e com o espírito de quem tem valor é quem satisfaz suas carências, chega a pensar ser esse o caminho da realização humana, sempre na tentativa de criar mecanismos capazes de lhe darem algumas horas de descanso. Ao constatar que trabalhamos hoje feitos robôs, de que nossas horas de lazer são mais uma compensação pelas horas trabalhadas do que verdadeiramente lazer, compreendemos que o que se contrapõe à ideia do ócio é o negócio, aqui entendido como ocupação (“tempo é dinheiro”). O ócio já não mais significa preguiça, sedentarismo ou tempo livre, antes é tempo produtivo, momento de planejar e preparar-se para se tornar o mais produtivo possível. Talvez, a melhor analogia para exemplificar o termo seja a do poeta deitado na rede, compondo mentalmente seus versos, pois o momento de folga deve ser um momento criativo, voltado para o desenvolvimento de sua capacidade produtiva. Assim, o ócio recebe uma nova roupagem, um novo significado, que Domênico de Masi denomina como “ócio criativo”: um exercício do sincretismo entre atividade, lazer e estudo, a conciliação entre o trabalho e a aprendizagem, propondo ao homem que ele se desenvolva em todas as suas dimensões. O que De Masi afirma é que deve haver uma fusão entre produção e prazer. “Se a necessidade é a mãe das invenções, o ócio é, então, o pai das ideias.” O maior obstáculo para a proposta de Domenico é transformar os conceitos de obsessão pelo trabalho e pela produção, a ideia de acumulação de bens materiais e interferência em grandes conglomerados e multinacionais, assim, atingindo diretamente a cultura e o modo de pensar de bilhões de trabalhadores educados para serem produtores-consumidores. TRABALHO: MERCADORIA E ALIENAÇÃO A história do trabalho livre e assalariado inicia-se com o emergir da burguesia. Esta, oriunda de antigos servos libertos, põe fim ao modo feudal de produção. O desenvolvimento das ciências, a invenção das máquinas e o fascínio pelas novas técnicas de produção transformaram as relações de produção. Assim, os séculos XVII e XVIII são eternizados pelo pensamento dos filósofos da modernidade como Francis Bacon e René Descartes. Bacon ressalta o papel da ciência e do saber instrumental, dando ao homem capacidades de submeter a natureza a fim de controlá-la (“saber é poder”). Caminho semelhante trilhou o filosofo francês René Descartes ao afirmar que o desenvolvimento da razão instrumental tornaria os homens “senhores e possuidores da natureza”. Estátua de bronze do poeta Carlos Drummond de Andrade - Foto: Alexandre Macieira/Riotur disponível em: http://www.viagensvamosnessa.com.br 17 Embora os pensadores Bacon e Descartes defendessem linhas filosóficas diferentes e em certos aspectos antagônicas, ambos destacavam o papel das ciências e das técnicas como ferramentas imprescindíveis ao domínio da natureza. O filósofo contratualista inglês John Locke (1632-1704) apresenta em suas teses os princípios dos ideais liberais e a valorização do trabalho. Assim escreveu Locke: “Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos, pode dizer-se, são propriamente dele. Seja o que for que ele retire do estado que a natureza lhe forneceu e no qual o deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho, juntando-se-lhe algo que lhe pertence, e, por isso mesmo, tornando-se propriedade dele. Retirando-o do estado comum em que a natureza o colocou, anexou-lhe por esse trabalho algo que o exclui do direito comum de outros homens. Desde que esse trabalho é propriedade exclusiva do trabalhador, nenhum outro homem pode ter direito ao que se juntou, pelo menos quando houver bastante e igualmente de boa qualidade em comum para terceiros”. John Locke in Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Abril Cultural, 1073. P. 51-52. (Coleção Os Pensadores) A partir desse texto de Locke podemos concluir que as relações de dominação entre senhores e servos foram superadas e que o contrato social passa a reger as relações de trabalho entre os indivíduos livres em que o trabalhador é reconhecido dentro do campo jurídico. As modernas atividades laborais aliadas ao mercantilismo crescente e a substituição da manufatura pela maquinofatura geram uma nova organização social dando origem ao sistema capitalista de produção. O papel histórico do trabalho aqui recebe uma nova roupagem: de produção de bens de subsistência, o trabalho passa a ser um instrumento da produção podendo ser comprado vendido, trocado, ou seja, o trabalho, assim como os seus resultados, torna-se uma mercadoria. Karl Marx (1818-1883), ao analisar o trabalho dos operários nas fábricas a partir da Revolução Industrial, reforça a tese do trabalho como condição de liberdade. Porém, as extensas jornadas de trabalho, as péssimas condições, os baixos salários e a contratação do trabalho infantil e de mulheres como mão de obra mais barata ainda delatavam uma profunda questão social. Para Marx, na nova ordem econômica, no capitalismo, em que prevalece a lógica de mercado e em que tudo tem preço, o trabalhador vê-se na obrigação de vender sua força de trabalho em troca de um salário. Assim, o operário também se transforma em mercadoria. Nesse panorama, Marx afirma que não só o resultado do trabalho, a mercadoria, torna-se “estranha” ao trabalhador, mas o próprio trabalhador torna-se “estranho”, “alheio” a si próprio. A esse processo Marx denomina de “alienação” Na sociedade contemporânea, o processo de alienação atinge múltiplos campos da vida humana, impregnando as relações das pessoas com o trabalho, o consumo, o lazer, seus semelhantes e consigo mesmas. A OTIMIZAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO Adam Smith (1723-1790), filósofo e economista escocês, em sua obra “as riquezas das nações” salienta a necessidade da produção em larga escala com vistas à otimização do tempo de trabalho. Em sua célebre frase, deixa claro que as relações sociais e a divisão social do trabalho não só necessitam da introdução de máquinas, mas é preciso organizar o processo produtivo a fim de garantir maior lucratividade. "... Um operário desenrola o arame, o outro o endireita, um terceiro corta, um quarto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete; para fazer a cabeça do alfinete requerem-se 3 ou 4 operações diferentes, ..." SMITH, Adam. "A Riqueza das Nações". Investigação sobre a sua Natureza e suas Causas. Vol. I. São Paulo: Nova Culturas, 1985. Alienação. Do latim alienare, “afastar”; alienus, “que pertence a outro”; alius, “outro”. Portanto, alienar, sob determinado aspecto, é tornar alheio, transferir para outrem o que é seu. 18 A organização do trabalho em linha de produção e montagem ocorrida no século XIX tornou-secada vez mais rotineiro, mecânico, automatizado e especializado, subdividido em múltiplas operações, com o intuito de economizar o tempo e aumentar a produtividade. Essa mentalidade foi aperfeiçoada pelo estadunidense Frederick Taylor(1856-1915), compartilhada pelo também estadunidense Henri Ford (1863-1947) e ampliada, seguindo a perspectiva da flexibilização da produção, idealizada pelo japonês Sakichi Toyoda (1913-2013) a saber: TAYLORISMO Por Juliana Machado Cruz Graduada em Administração de Empresas (UNIFEMM, 2010) Graduada em Comunicação Social (PUC-MG, 2013) O Taylorismo, também conhecido por Administração Científica, foi desenvolvido pelo estadunidense Frederick Winslow Taylor (1856-1915), no final do século XIX e início do século XX. A Administração Científica foi desenvolvida em meio a um processo de transformação gerado pela segunda Revolução Industrial, com o aço substituindo o ferro, e a energia elétrica e o petróleo sendo usados no lugar do vapor. Engenheiro mecânico, Taylor, também conhecido como “Pai da Administração Científica”, construiu sua carreira trabalhando em importantes empresas como: Midvale Steel Company, Bethlehem Steel Company e Cramps Shipbuilding Company. Ele escreveu cinco livros, dentre eles: Princípios da Administração Científica e Gerência de Fábrica que permitiram com que fizesse parte do rol de pessoas, em especial engenheiros, que contribuíram com o pensamento administrativo. A Administração Científica se baseia em quatro princípios básicos, desenvolvidos por Taylor, que visam melhorar o desempenho da organização: 1º Princípio: O estudo, por parte da gerência, das tarefas (Estudo dos tempos e movimentos). Este deve ser feito de forma a levantar o conhecimento que se encontra na cabeça dos trabalhadores, registrá-los, medi-los, simplificá-lo e reduzi-lo ao mínimo, observando assim, a melhor maneira de se executar a tarefa. Em seguida, criam-se regras e leis que irão retornar aos trabalhadores que as colocam em prática. 2º Princípio: A gerência deve fazer uma seleção científica dos trabalhadores de forma a escolher a melhor pessoa para a execução de uma tarefa e cuidar do seu contínuo desenvolvimento. 3º Princípio: é o momento em que as leis e regras criadas no primeiro princípio voltam para o trabalhador selecionado através de cartões de instrução. Assim, as “melhores pessoas” são treinadas para a realização da tarefa da “melhor maneira”. 4º Princípio: divisão do trabalho. Aqui a gerência, representada pelos administradores e engenheiros, estabelecem os padrões e os operários apenas obedecem. Este quarto princípio é particularmente importante e característico da Administração Científica. Antes, os trabalhadores realizavam quase todas as tarefas, sem se preocuparem com o tempo que gastavam ou com o quanto produziam. No Taylorismo, a gerência passa a ser mais presente, as atividades dos trabalhadores, mais específicas. Com isso, surgiu um sistema de cooperação entre os dois grupos (gerência e trabalhadores) visando alcançar objetivos. Aos trabalhadores era cobrada a execução correta que lhes foram ensinados e a produção. Taylor acreditava que o sucesso do trabalhador estava associado ao sucesso da organização. Outro ponto relevante a ser observado na Administração Científica é a remuneração. No século XIX, os funcionários recebiam um incentivo negativo: a motivação era baseada no medo de serem dispensados. Com os princípios de Taylor, o incentivo passou a ser positivo: ele propôs o pagamento por peça. Sendo assim, como foi mencionado anteriormente, quanto maior a produtividade da organização, mais o trabalhador ganharia. Apesar de estarmos falando de princípios que foram desenvolvidos há mais de um século, é interessante salientar que eles não descartados ou esquecidos, mas aprimorados. Ainda hoje é possível detectar traços dos princípios do Taylorismo na administração das organizações. 19 FORDISMO A semelhança do termo “Fordismo” com o nome da marca da grande multinacional do setor automobilístico não é mera coincidência. Ambos vieram do nome de Henry Ford (1863-1947), maquinista estadunidense de Michigan. Mesmo tendo frequentado a escola de forma irregular por somente oito anos, ele revolucionou a indústria como um todo e a automobilística em particular. É comum ouvir que Ford criou a linha de montagem, o controle de estoque em tempo real, a gestão de recursos humanos e a produção em massa. Isso é um equívoco. Na verdade, o que ele fez foi usar esses conceitos com eficácia extraordinária. O Fordismo se baseia em três princípios: Intensificação: aqui, o objetivo era reduzir o tempo que se levava para produzir um produto através da utilização de meios adequados e, dessa forma, fazer com que ele chegasse rapidamente ao mercado. Com essa ideia em mente, Ford desenvolveu a linha de montagem móvel, em que o trabalho ia até o trabalhador. Economicidade: tinha como meta fazer com que as empresas reduzissem ao mínimo seus estoques. Neste princípio foram trabalhadas as questões da integração vertical (quantas etapas um produto passa até chegar ao consumidor) e integração horizontal (número de centros de distribuição espalhados geograficamente com o intuito de facilitar e agilizar a distribuição do produto). Foi exatamente pensando nisso que Ford desenvolveu um sistema de franquias que colocou uma concessionária em milhares de cidades da América do Norte. Produtividade: a especialização do trabalhador faz com que ele se torne mais produtivo. Ford visava atingir o mercado de massa. Os automóveis eram à época exclusividade das classes muito abastadas. O Rolls Royce, por exemplo, era produzido pelo antigo sistema artesanal. Cada veículo era artesanal, lapidado por encomenda. Já o Ford T, primeiro produto a ser fabricado pelo sistema fordista, conseguiu ter seu custo drasticamente reduzido lançando-se mão dos princípios acima, além de contar com peças padronizáveis e intercambiáveis. Além de reduzir o custo através da padronização do produto, Ford também elaborou um sistema de pagamento baseado em bônus e altos pagamentos que cresciam à medida que a produtividade aumentava. Como consequência, os próprios operários se tornaram parte do mercado consumidor e os carros passaram a fazer parte da realidade das classes proletariadas. Nesse sentido, é possível dizer que o Fordismo teve um importante papel social. Apesar do Fordismo ter contribuído para que a segunda Revolução Industrial atingisse seu ponto mais alto no início do século XX, ele tinha alguns problemas. Um deles era a produção eficiente concentrada em um só modelo. Diz uma anedota que Ford deixava seus clientes escolherem qualquer cor para seu automóvel, desde que ela fosse preta. A piada mostra como o Fordismo favorece a quantidade em detrimento da qualidade e o foco mais voltado para o produto que para o mercado. O sistema, apesar de sua eficiência, não dava muito espaço para a inovação e a adaptação às oscilações do mercado. TOYOTISMO Pode-se caracterizar o Toyotismo, resumidamente, como um método de produção japonês, sustentado pelos princípios da “automação” e do “Just In Time”, com orientação da produção por demanda (ou seja, só é produzido a quantidade exata requisitada pela procura) e flexibilização do trabalho e da mão de obra. 20 01. No estado atual de nossas sociedades, o trabalho não é apenas útil, é necessário; todo mundo o sente bem, e já faz muito tempo que essa necessidade é sentida. No entanto, ainda são relativamente raros os O Toyotismo pode ser entendido como um modelo de produção, também conhecido como Modelo Toyota de Produção. Uma de suas principais característicasé a “automação”, que implica na utilização de um mecanismo inserido nas máquinas, capazes de fazer com que elas parassem em caso de alguma falha na produção. Esse mecanismo foi criado por Sakichi Toyoda e pode ser considerado um dos primeiros dispositivos Poka-yoke (mecanismo à prova de erros, com 100% de inspeção e detecção de irregularidades na execução da operação). Toyoda havia desenvolvido esse mecanismo para teares e ajudar sua mãe e milhares de outros trabalhadores em 1892. Porem só em 1937 que foi fundada a Toyota Motors Company e passou a produzir carros. Nos anos 50, Taiichi Ohno, então diretor da empresa e Sakichi Toyoda, em visita aos Estados Unidos, perceberam um grande problema nos modelos Fordista e Taylorista: o desperdício de recursos. Assim, Ohno ampliou o conceito do mecanismo criado por Toyoda e desenvolveu toda uma cultura e práticas que visavam não só eliminar tudo o que não agregasse valor ao produto, mas também produzi- lo com qualidade, entendendo a qualidade como uma produção com zero defeito. Outra grande diferença entre os sistemas Taylorista e Fordista de produção (ambos pertencentes da Escola Clássica da Administração), é a forma de entender e lidar com os colaboradores. Se nos sistemas americanos, a mão-de-obra era especializada em uma única tarefa e sem ser demandado pensar (esta era uma tarefa da gerência), no sistema japonês da Toyota era diferente. Nele, dos trabalhadores era demandada uma “especialização flexível”. Eles precisavam estar aptos para trabalhar em grupos na produção, reparo, controle de qualidade e programação. Assim, a “automação” podia ser observada não só no maquinário, mas ainda no que diz respeito ao trabalho humano. O trabalhador tinha autonomia para parar o processo de produção caso fosse detectado alguma anomalia e providenciar os devidos reparos, evitando defeitos e/ou refugos. Além disso, a empresa trabalhava com uma produção flexível que sofria ajustes frequentes de acordo com a quantidade de produtos solicitada pelos clientes. Com treinamento, os trabalhadores estavam prontos para fazerem essas adaptações sempre que o momento pedisse, sem a necessidade de um especialista ou algum gerente. Os próprios funcionários eram orientados a fazer o trabalho corretamente logo da primeira vez, evitando, dessa forma, o retrabalho e o desperdício de materiais. Isso fazia com que fosse desnecessário o papel de inspetores de qualidade. No entanto, não se pode dizer que o Toyotismo seja necessariamente bom para o trabalhador. Primeiro, porque trabalha com o mínimo de trabalhadores possível e ampliando o quadro através de temporários. Segundo, porque como esse sistema visa evitar o desperdício, o lucro do trabalho vivo é extraído ao máximo. Finalmente, o sistema promove uma forte concorrência entre os trabalhadores. Outra característica importante do Sistema Toyota de Produção é o método “Just In Time” (ou “bem na hora” ou “na hora exata” em tradução livre do inglês). Ele implica em um processo de fluxo contínuo em que as partes necessárias à produção chegam na quantidade e no momento exato em que são requisitadas. Esse método teve seus benefícios na linha de produção consideravelmente ampliados com a utilização de cartões que controlavam o fluxo da produção, conhecidos por Kanban. Como pode ser visto, o Sistema Toyota de Produção quebra o paradigma da produção em massa, desenvolvida por Ford, típica da grande indústria com seus excessos, e traz a racionalidade e economia para o processo de produção. Além disso, seu desenvolvimento fez surgir uma série de métodos que contribuíra e contribuem para a indústria até os dias de hoje. ATIVIDADES COMPLEMENTARES
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