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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIAS DO ESTADO DISCIPLINA: ANTROPOLOGIA DO DIREITO LUCIANA CRUZ NASCIMENTO SAMUEL GIOVANNINI CRUZ GUIMARÃES Turma B 2º EXERCÍCIO QUESTÃO: À luz do documentário abaixo e do texto de Orlando Villas-Boas Filho (Juridicidade: uma abordagem crítica à monolatria jurídica enquanto obstáculo epistemológico, Revista Fac. Dir. Univ. São Paulo, v. 109 p. 281 - 325 jan./dez. 2014), faça um breve comentário crítico sobre a noção de "juridicidade". Belo Horizonte 2018 Por meio da explanação que Orlando Villas-Boas realiza sobre a contribuição do professor e antropólogo Étienne Le Roy para o campo do saber jurídico, percebe-se, em um contexto geral, que Le Roy rejeita o Direito definido pelo ocidente, como um sentido presente na totalidade social, bem como o faz acerca da busca, na totalidade social, do sentido desse Direito. (VILLAS-BOAS FILHO, 2014. p. 288). Assim, em contraposição à essa latente universalização do direito ocidental por parte dos juristas, se torna necessária a cognição acerca do sentido que o direito assume no contexto social ocidental e todos os demais, sempre marcados por especificidades culturais e históricas. A diversidade cultural é um termo fundamental para a referida obra de Le Roy, afinal, a experiência jurídica que se encontra nas sociedades judaico- cristãs modernas do ocidente não é universal, o que é, contundentemente, uma antinomia no que se refere à abordagem evolucionista, etnocêntrica, monolátrica do direito. Tal abordagem é um dos maiores obstáculos, e objetos de crítica, da “antropologia dinâmica do direito” que é baseada na “teoria dos arquétipos” de Michel Alliot, pela qual se reconhece a alteridade inerente a cada tradição cultural e se busca minimizar o etnocentrismo das comparações interculturais (VILLAS- BOAS FILHO, 2014. p. 289). Diante do exposto, tem-se que o reconhecimento das questões históricas e culturais de cada fenômeno jurídico é o que se denomina por juridicidade (VILLAS- BOAS FILHO, 2014. p. 290). A cosmogonia, as visões de mundo diversas, é o que concebe as igualmente diversas expressões da juridicidade, isto é, o direito ocidental, marcado por uma monologia pela qual a ordem do mundo seria resultado das ações arbitrárias de um ser divino figurado no Deus cristão (VILLAS-BOAS FILHO, 2014. p. 301), não é suficiente parar abarcar todas as expressões de juridicidade, ao contrário, é abrangido por esse conceito. Visto isso, infere-se que os fundamentos da juridicidade são: os “modelos de condutas e de comportamentos” que se referem ao costume (as maneiras de fazer), os “sistemas de disposições duráveis” que tangenciam a ideia de habitus (as maneiras de ser) ou os próprias instrumentos de socialização (educação familiar e cívica) de certa cultura, e as “normas gerais e impessoais”, marcadas mais comumente pelo modelo jurídico ocidental de normas estatais, etc. (VILLAS-BOAS FILHO, 2014). Os respectivos fundamentos assumem articulações e sistemas de legitimação diferentes em cada tradição jurídica (VILLAS- BOAS FILHO, 2014. p. 302). Daí se enfatiza ainda mais a relação opositiva entre a monolatria ocidental e o pluralismo jurídico estendido ao multijuridismo que não reduziria a juridicidade à dimensão das normais gerais e impessoais fixadas pelos Estado (VILLAS-BOAS FILHO, 2014. p. 310). Como exemplo para a aplicação de tais conceitos e construção crítica, utilizaremos o documentário Sé Mak Sala Tenkeser Selu Sala, ou “aquele que erra tem que pagar pelo erro”, que faz parte da pesquisa “Igualdade jurídica e diversidade: dilemas brasileiros e timorenses em perspectiva comparada”. De modo geral o que se percebe no caso da República Democrática de Timor-Leste, ex-colônia portuguesa e país que adquiriu sua independência apenas em 2002, após 24 anos de tutela indonésia e três por parte das Nações Unidas, é um conflito entre duas juridicidades: o direito tradicional e o direito formal, exportado de Portugal em grande medida. O conflito ocorre de acordo com João Feldar, juiz internacional do Tribunal Distrital de Díli, devido à divergência entre a “unidade fundamental” do direito tradicional que é a comunidade e seu equilíbrio, e a do direito formal, o cidadão (SÉ MAK,2011). Além disso, é possível afirmar que há uma latente pretensão desse último direito de se sobrepor ao primeiro, fato que pode ser explicado, em parte, pela já referida universalização do direito ocidental por parte dos juristas. Um caso dessa pretensão ocorreu na própria assembleia constituinte do Timor-Leste na qual certo grupo português expôs sua preocupação com o Artigo 2º que, ao reconhecer e valorizar as normas e usos costumeiros do povo timorense, poderia ser legitimador de violações de direitos humanos. De fato, a questão da violência doméstica, crimes sexuais e outros que constituem na visão ocidental, na nossa visão, uma opressão do gênero feminino, faz parte da cultura timorense. No entanto, é preciso ter atenção à bandeira dos direitos humanos como o último avatar da dominação ocidental, especificamente portuguesa, sobre a cultura do Timor-Leste, parafraseando a citação de Alan Supiot feita pela professora Camilla Nicácio no dia 19 de out. Ou seja, é preciso, como enuncia Ana Pessoa, Procuradora Geral do Timor-Leste, que a alteridade das culturas jurídicas – a juridicidade, citando Le Roy – seja reconhecida, que a justiça seja compreendida como um sentido coletivo pelos tribunais, e que se entenda o erro de pensar que o direito formal e o tradicional não podem caminhar juntos (SÉ MAK, 2011). E é justamente aqui que se percebe o caráter do multijuridismo e da problemática da articulação das ordens jurídicas estatais e das demais expressões jurídicas, que no caso do povo do Timor-Leste, são marcadas pelo protagonismo dos “modelos de conduta e comportamento” e “sistemas de disposições duráveis” em relação às “normas gerais e impessoais” que ficam em terceiro plano; lógica que se inverte na cosmogonia portuguesa, ocidental, e da própria Constituição do Timor-Leste de modo geral. Outro conceito importante explanado por Villas-Boas Filho (2014) é a transmodernidade pela qual se compreende a complementaridade possível entre as ordens jurídicas modernas, ocidentais, e aquelas pré-modernas, como a do povo timorense. Tal complementaridade pode ser percebida no Art. 2º, nº 4 da Constituição do Timor-Leste que dispõe que “4. O Estado reconhece e valoriza as normas e os usos costumeiros de Timor-Leste que não contrariem a Constituição e a legislação que trate especialmente do direito costumeiro” (TIMOR-LESTE, 2002). Ou seja, por mais que haja o reconhecimento e valorização das expressões jurídicas do povo timorense, essas estão submetidas ao direito formal, ocidental, e o multijuridismo, ou a coexistência desses sistemas é, em regra, conflituoso. O chamado “sistema de sukus” da tradição é considerado legitimo pelo direito formal, podendo decidir sobre litígios que não constituam infrações muito graves – sendo esse um exemplo de transmodernidade e multijuridismo – mesmo assim ainda há os que dizem que o direito tradicional é bárbaro. Diante disso, reconhecer a cultura é ainda mais essencial. Pois, “que sejamos bárbaros, mas que sejamos nós mesmos” (SÉ MAK, 2011). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SÉ MAK Sala Tenkeser Selu Sala: Desafios de Justiça, Direitos e Diferenças em Timor- Leste. Direção de Daniel Simião. Roteiro: Daniel Simião e Pedro Branco. Brasília / Timor-leste: Departamento de Antropologia Universidade de Brasília, 2011. (39 min.), son., color. Legendado. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=CyKnw2Vgz6M> Acesso em: 24 out. 2018. TIMOR-LESTE. Constituição da República Democrática do Timor-Leste. Díli, 22 mar. 2002. Disponível em: <http://timor-leste.gov.tl/wp- content/uploads/2010/03/Constituicao_RDTL_PT.pdf>. Acesso em: 24out. 2018. VILLAS-BOAS FILHO, Orlando, Juridicidade: uma abordagem crítica à monolatria jurídica enquanto obstáculo epistemológico, Revista Fac. Dir. Univ. São Paulo, v. 109 p. 281 - 325 jan./dez. 2014. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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