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Direito da União Europeia

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Direito da União Europeia
Parte um – a génese e evolução da integração Europeia
O processo de integração europeia – da declaração de Schumann em 1950 ao Tratado de Lisboa em 2007. A dinâmica de alargamento e de aprofundamento. Fases. Marcos essenciais e respetivas realizações. 
A Europa é uma realidade mutante, pelo que o seu entendimento pode variar de acordo com diversos pontos de vista.
Enquanto realidade geográfica é um espaço mais ou menos delimitado nas suas fronteiras, ainda que intermitentes ao longo do tempo.Integração Europeia
Do ponto de vista cultural, existe uma raiz comum que advém da Antiguidade Clássica e da cristandade. O legado greco-romano e romano-cristão agregou a Europa em torno de determinados elementos que constituem hoje património comum: a ideia de civitas, a democracia, a língua latina, a paz romana, o sistema jurídico e a religião.
Hoje em dia, a União Europeia é uma organização internacional, fruto de séculos de impulsos 
unitários e, mais recentemente, o resultado de um processo de integração das últimas décadas, que ainda está longe da sua conclusão. Assim, afirma-se que a Europa é uma organização internacional (OI) porque possui as seguintes características:
· Permanência;
· Autonomia face aos seus membros (ainda que exprima a vontade destes);
· Órgãos próprios que gozam da referida autonomia e expressam a sua própria vontade;
· Adoção de atos normativos;
· Respeito pelo princípio da atribuição, consagrado no artigo 5º nº1 do Tratado da União 
Europeia; 
· Fonte num instrumento de direito nacional público - os tratados.
- Elementos informativos sobre a história da integração europeia e os seus valores, onde estão previstos e que relevo têm:
A declaração fundadora do projeto de integração europeia foi a declaração Schumann. O ministro dos negócios estrangeiros francês, propõe criar uma união da indústria do carvão e do aço para a partir dali garantir a unidade europeia e prevenir uma nova guerra.
O projeto da UE é um projeto instrumental para garantir a paz (sendo esse o seu objetivo principal) e o progresso da Europa, dos Estados europeus e dos cidadãos dessa mesma união. 
Mapa de projeção de Peter: a Europa não é central e a sua dimensão é, na realidade, minúscula. A Europa não tem dimensão à escala global. Declínio de poder geoestratégico, sendo que o poder está associado à dimensão. A Europa é de facto um subcontinente que do ponto físico não tem capacidade de se impor, a não ser pela via económica, jurídica, política. 
Hoje o que vemos são os grandes espaços à afirmarem-se: EUA, espaços na África do Sul, a China. Isto porque população representa recursos. É no meio disto que a Europa vai tentar sobreviver, mesmo através da respetiva união. 
Símbolos da UE: Bandeira azul com as 12 estrelas (número perfeito): não é um símbolo exclusivo da EU, é um símbolo do Conselho da Europa, é um símbolo da Europa enquanto espaço comum e de destino comum de todos aqui que se encontram; hino “alegria”, quinta sinfonia de Beethoven: não é exclusivo da EU, é também do Conselho da Europa (muito mais largo, fazem parte Estados asiáticos e países que faziam parte da antiga União Soviética, uma fronteira é Istanbul, na Turquia que nunca conseguiu entrar, não por razões geográficas, por razões políticas e socioreligiosas/ sociopolíticas, embora seja um dos países que há mais tempo quer fazer parte da União); lema “unida na diversidade”, exclusivamente da EU.
De acordo com a professora Graça Enes, a união é um processo e não se sabe como acabará, trata-se de uma construção evolutiva que tem duas dimensões: projeto europeu, dimensão espacial corresponde ao ideário europeu. Tem também duas bases fundamentais: base religiosa assente na matriz judaico-cristã, matriz civilizacional greco-romana marca os valores europeus atuais como as línguas, a filosofia ou o direito, por último temos uma matriz iluminista, racionalista que se desenvolveu na cultura europeia a partir do século XVIII.
· Criação (1951-1957)
A UE resulta de um processo: pode reverter-se e o seu destino final vai sendo construído ao longo do tempo. A sua construção não é linear, mas assenta em 2 ideias fundamentais: é um projeto europeu e corresponde ao ideário europeu que tem 3 bases fundamentais: 
- base identitária religiosa, que assenta na matriz judaica-cristã (tendo em conta que ,desde sempre, foram reconhecidas, no espaço europeu, realidades que não conhecem esta matriz, fruto da emigração); Fases da Integração Europeia
- matriz civilizacional greco-romana, mais antiga que a religiosa mas que se integra com ela: a nossa realidade hoje, os nossos valores, têm essa marca antiga, na língua, na filosofia, no direito;
- Por último, uma matriz mais recente, a matriz iluminista e racionalista que se desenvolveu na europa no séc. XVIII- dimensão laica, da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Tendencialmente mais débil, mas refletida, igualmente, no modelo europeu. 
(Nota: os momentos antecipatórios são mencionados nos manuais por isso a professora não se vai debruçar sobre eles.)
Começamos a ter projetos mais concretos na década de XX, mas fracassaram de imediato. 
Só temos condições para a avançar, embora tenha sido uma aspiração antiga, depois da II Guerra Mundial, isto por causa do trauma que deixou.
Em 1950 é feita a proclamação por Schumann, discutida pelos 6 fundadores, particularmente com os alemães e com os norte-americanos, que foram os grandes incentivadores da união europeia, dado que era benéfico para eles terem um espaço estável na Europa (contexto da Guerra Fria).
O primeiro tratado foi efetuado em 1951 e entrou em vigor em 62: estabelecia um mercado comum na indústria. O mercado comum implicava livre circulação daqueles produtos nos países fundadores. Implicava ainda a realização de planos quinquenais que regulavam a indústria comum realizados pela Alta Autoridade: independente dos países, com caráter supranacional e que tinha como finalidade assegurar a realização dos objetivos fixados no Tratado de Paris.
Em 1953 houve 2 projetos que versavam sobre a comunidade de defesa e a política europeia, nitidamente modelada pelo modelo federado, que fracassaram à época.
O projeto é retomado. É criada a NATO, dá-se a integração da Alemanha e fica resolvida essa questão. Mas tinha que avançar o projeto: em 1957 são firmados 2 tratados em Roma: o tratado da Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (EURATOM). Nos dias de hoje são estes 2 tratados que continuam a estar em vigor. A partir daí, tivemos tratados de revisão que vieram realizar as alterações. 
Tratado de Lisboa: veio renominar a comunidade económica europeia, ou seja, modifica o Tratado de Roma. O EURATOM continua a vigorar autonomamente além da UE, é um sujeito jurídico autónomo que tem como finalidade a exploração e gestão em comum de todos os matérias essenciais à indústria energética nuclear e investigação nuclear.
· Consolidação (1958-1970)
A consolidação corresponde ao período previsto para a consolidação do mercado comum e da comunidade económica europeia: pauta aduaneira comum face ao exterior, política comercial exclusiva da União, liberdade de circulação de trabalhadores, de capitais…
Em 1958 entram em vigor os tratados de Roma, precisa-se um período transitório, no qual, faseadamente, se iria consolidar o mercado comum.
· 1958-1962: obrigação “stand still”, congelamento das políticas nacionais que existiam em 1958. Se os Estados tinham uma determinada pauta aduaneira, esta pauta não podia ser agravada. Congelar no ponto em que estavam essas regras. Obrigação de abstenção.
Acórdão Vand Gend & Loos: alegação que a Holanda tinha violado esta obrigação. Acordo principal que marca a natureza da UE até o dia hoje. Princípio do efeito direto das normas da UE.
· 1963-1965: os Estados iam progressivamente reduzir os direitos aduaneiros. Era também a fase em que se previa que se começasse a elaborar as regras para a política agrícola comum: criar condições para que o setor agrícola fosse um setor avançado e comcapacidade de produção para própria população europeia. É uma medida extremamente protecionista. É uma política simultaneamente liberal, mas com uma dimensão relativamente socializante/ intervencionista, que só se encontra no âmbito agrícola. Um dos argumentos a seu favor foi o facto de servir para evitar a desertificação: dimensão política e não estritamente económica.
Há, ainda, uma alteração nas condições das deliberações do Conselho de Ministros: passa a ser por maioria qualificada, mas não ia ter aplicação imediata, só a partir da terceira fase. Mas as condições seriam fixadas nesta segunda fase.
Em 1965: a “crise da cadeira vazia”, é um trauma que marca as comunidades. O Conselho de Ministros é formado por vários membros, e tem uma presidência. A presidência é rotativa, a cada 6 meses, mudava o ministro para outro pertencente a um dos Estados membros. 
A presidência ia agora pertencer à França. Estavam em discussão as regras da política agrícola comum, um setor essencial para a França e estava-se na iminência de transitar para terceira fase em que as decisões iam ser tomadas por maiorias qualificadas. Estávamos perante um momento de risco para a França, sendo que podia ser obrigado a aceitar decisões com as quais não concordavam.
A reunião em que se estava a discutir este assunto estendeu-se. Para lá da meia-noite ia mudar a presidência. O que se costumava fazer nesta situação era parar o relógio do Parlamento antes da meia-noite e esperar que as negociações ocorressem durante a noite e, no momento em que houvesse concordância, mudava-se, então de presidência. Mas o Presidente Francês toma a presidência e bloqueia o processo decisório durante 6 meses sendo que nunca voltou a comparecer e, assim, não podiam ser tomadas decisões.
Na época pensou-se que poderia ser o fim da União Europeia.
A França apresenta o Decálogo de Queixas: onde estava prensente a questão da maioria qualificada, o facto da Comissão ter competências que apenas cabiam á presidência…
A crise veio a ser superada nos Acordos de Luxemburgo. Eles visam dar resposta às queixas da França. Trata-se de um acordo entre todos os Estados que fica registado numa ata de 1966. Mas é um acordo informal, apenas formalizado na ata. Dois pontos fundamentais: o facto da Comissão não poder apresentar propostas ao Conselho sem auscultar os Estados; a maioria qualificada. Não era obrigatório, mas tem sido acolhido.
O que ficou destes tratados: surge uma entidade intermediária, o coreper: representação permanente dos Estados de natureza diplomática. A ideia foi criar um organismo de modo a que as propostas, antes de passarem para as reuniões do Conselho de Ministros, fossem analisadas pelo coreper. Está hoje previsto no tratado. O processo de deliberação é muito complexo.
Está dividido em dois grupos: o Coreper I, composto pelos representantes permanentes adjuntos que preparam os trabalhos relativos aos domínios mais técnicos, como a agricultura, o emprego, a educação ou o ambiente competência genéricas nas políticas menos sensíveis - ; e o Coreper II, que trata das matérias mais relevantes do âmbito da «política de alto nível», nomeadamente os negócios estrangeiros, as questões económicas e monetárias ou a justiça e os assuntos internos- domínios da política mais nobre, externa e de segurança comum e de natureza financeira.
Quando as propostas são avaliadas podem ter 2 chancelas. Se tiverem a chancela A, na reunião de conselho não são objeto de deliberação, se levam a chancela B: há aspetos que no coreper não foi possível chegar a consenso, os ministros vão avaliá-la e trabalha-la e volta ao coreper.
Segunda questão: a da maioria. Não se pode passar que um Estado que vote contra, se vá vincular a uma decisão que julga prejudicial. A regra passou a ser a unanimidade. O conselho continua a debater a questão até alcançar uma solução aceitável. 
Em 1974, e para impedir uma utilização abusiva do interesse vital, foi elaborada uma lista de interesses vitais, o que veio diminuir a importância destes. 
Funcionamento real da UE: depois de receberem o A, já não são votadas na Comissão.
Há uma viragem da ciência política em 1966 relativamente à União Europeia depois desta crise da “cadeira vazia”. 
Nada disto impediu que o mercado comum fosse um sucesso. Foi de tal modo suave, que foi antecipado, foi antecipado para 1968, e as liberdades de circulação estavam praticamente realizadas. As 4 liberdades (liberdade de circulação de pessoas, de mercadorias, de serviços e de capitais), a pauta aduaneira, tudo foi realizado. É através do comércio que a Europa tem mais influência internacional. 
Também nesta fase, passou-se a federalização jurídica das comunidades do processo de integração e deveu-se muito ao Tribunal da Justiça. É uma ordem jurídica que tem caraterísticas federais nítidas. Há vários acórdãos constitucionais muito importantes. Sistema jurídico de feição federal, estes acórdãos foram essenciais a essa vertente.
Exemplo do caso “Meroni”: importante para compreender a perspetiva da conciliação institucional. Estava em causa (no âmbito do tratado da CECA) a comissão a querer mandatar uma entidade externa para desempenhar determinadas competências suas. A questão foi levada ao TIJ e foi determinado que a Comissão não podia modificar as competências das instituições. As regras do tratado em matéria de funcionamento das instituições não podem ser modificadas, a não ser através de uma modificação do próprio tratado. Não podem competências comunitárias serem atribuídas a entidades externas. Importante para o respeito de competências. 
Acórdãos muito importantes:
· Vand Gend &Loss: A empresa impugna a decisão da autoridade tributária. A autoridade tributária usa um mecanismo previsto no tratado. A autoridade tributária coloca no TIJ uma questão judicial, o reenvio judicial (art. atual não é o mesmo do tratado, mas só muda o número, mas nenhuma modificação no seu conteúdo).
A autoridade perguntou se, quando houve uma alteração pautal, era efetivamente ilegal e se devia aplicar a lei nacional ou o tratado.
O TIJ afirma que a Ordem jurídica comunitária é uma nova OJ de D. internacional. É diferente do Direito internacional comum, porque esta OJ não é uma OJ que vincula apenas os Estados, é construída pelos cidadãos, sendo que estes tomam parte e participam nela. Não diz respeito apenas aos Estados. O Parlamento Europeu da época era diferente, mas também tinha um papel decisório, apenas consultivo, hoje delibera decisões. 
O mercado comum não é do interesse dos Estados, é do interesse dos cidadãos. Visa construir um espaço onde os cidadãos irão ter um conjunto de prerrogativas. Esta OJ não tem apenas destinatários os Estados, como acontece na escala de DI, mas os cidadãos, que podem evocar as normas dos tratados, desde que elas preencham determinadas condições. É isto que se vem chamar o Princípio do Efeito direto, que este tratado vem consolidar. Faculdade que um particular tem, desde que se possa considerar destinatário da norma em causa para se prevalecer dessa norma e exigir judicialmente o reconhecimento e a efetivação dos direitos consagrados por essa mesma norma. 
Obrigação de abstenção que era precisa e incondicionada.
Requisitos do Efeito direto: norma prescritiva (não pode estabelecer meramente orientações, tem que prever a conceção de um direito suficientemente individualizado na esfera jurídica do particular), suficiente (aquele regime que estabelece não necessite de uma complementação normativa qualquer, necessita apenas de aplicação, em causa, aqui a Holanda tinha que nada fazer) e incondicional (não está dependente de um acontecimento futuro).
Caso Kreill: caso de ex. para demostrar que o alcance das normas da UE pode não ter o mesmo molde e alcance nacionalmente. O exemplo da não discriminação, não é tão rigorosa na Alemanha nos anos 60. 
· Costa/Enel
Firma-se o princípio mais federalizante de todos: princípio do primado. A Enel é o resultado da nacionalização de um conjunto de empresas de produção energética. Por força da nacionalização, Costadeixa de ser acionista da empresa. O valor que estava em causa era irrisório (mais ou menos 1€). Ele pretendeu por em causa aquele processo. O juiz em Milão vê-se confrontado com o caso que dizia que esta nacionalização era contrária ao tratado: contra às regras de concorrência e relativas ao monopólio. Diz também que é contrária à constituição italiana. 
Em substância, o tribunal não dá razão ao senhor a nível nacional, mas diz algo muito importante. A Itália consagrava um regime de dualismo em relação do DI- uma norma interna, desde que posterior ao tratado internacional, prevalece a norma interna. 
O TIJ vem a dizer o seguinte: nenhuma norma do tratado, da UE, pode ser confrontada na sua aplicação com qualquer norma interna, seja ela inferior ou superior ao d. ordinário, seja ela inferior ou superior. A norma nacional deverá ser afastada na sua aplicação. Não deverá ser aplicada para ser aplicada a da UE. 
· A antecipação do mercado comum (1966-1969)

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