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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DA AMAZÔNIA PLANO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA CHARLES RICARDO DE SOUZA ALEIXO RAIMUNDO SILVIO COSTA DA SILVA ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NA PERSPECTIVA DOS GÊNEROS TEXTUAIS BELÉM-PA 2017 CHARLES RICARDO DE SOUZA ALEIXO RAIMUNDO SILVIO COSTA DA SILVA ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NA PERSPECTIVA DOS GÊNEROS TEXTUAIS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à comissão avaliadora da Faculdade de Pedagogia da Universidade Federal Rural da Amazônia como exigência parcial para a obtenção do título de licenciado em Pedagogia. Orientadora: Profa. Msc. Telma Nazaré de Sousa Pereira Belém-PA 2017 CHARLES RICARDO DE SOUZA ALEIXO RAIMUNDO SILVIO COSTA DA SILVA ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NA PERSPECTIVA DOS GÊNEROS TEXTUAIS Este exemplar corresponde à redação final do Trabalho de Conclusão de Curso de Charles Ricardo de Souza Aleixo e de Raimundo Silvio Costa da Silva submetida à Faculdade de Pedagogia da Universidade Federal Rural da Amazônia para obtenção do título de licenciado em Pedagogia, tendo sido aprovada, em de abril de 2017, pela seguinte Banca Examinadora: Prof. Ms. (UFRA/PARFOR) Prof. Ms. (UFRA/PARFOR) RESUMO O ensino de língua portuguesa, historicamente, perpassou por três perspectivas teóricas e metodológicas: a linguagem como expressão do pensamento (que concebia o ensino prescritivo da língua), a linguagem como instrumento de comunicação (a linguagem como código comunicativo) e a linguagem como forma de interação (a linguagem vista como lugar de interação entre falantes). Desse modo, a partir da perspectiva de linguagem como interação surge a proposta dos gêneros textuais orais e escritos no ensino de língua portuguesa, ou seja, o texto passa a ser considerado objeto de estudo. Portanto, esse trabalho tem como objetivo propor uma sequência didática para o ensino de língua portuguesa nos anos iniciais do Ensino Fundamental na perspectiva dos gêneros textuais. Essa investigação foi estruturada, metodologicamente, em uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica. Para isso, foi realizado um estudo das produções acerca dos gêneros textuais no ensino de língua. A fundamentação teórica que sustenta esse estudo está pautada nas pesquisas de Antunes, Marcuschi, Schneuwly e Dolz, entre outros que se dedicaram à linguística textual. Como resultado apresenta-se uma Sequência Didática para o 5º ano do Ensino Fundamental a partir do gênero poema. Palavras-chave: Ensino. Língua Portuguesa. Gêneros textuais. Sequência didática. ABSTRACT The teaching of Portuguese has historically spanned three theoretical and methodological perspectives: language as an expression of thought (conceiving prescriptive language teaching), language as an instrument of communication (language as a communicative code), and language as a form Of interaction (the language seen as the place of interaction between speakers). Thus, from the perspective of language as interaction comes the proposal of oral and written textual genres in the teaching of Portuguese language, that is, the text is considered object of study. Therefore, this work aims to propose a didactic sequence for the teaching of Portuguese language in the initial years of Elementary Education from the perspective of the textual genres. This research was structured, methodologically, in a qualitative research of the bibliographic type. For this, a study of the productions about the textual genres in language teaching was carried out. The theoretical foundation that supports this study is based on the researches of Antunes, Marcuschi, Schneuwly and Dolz, among others that were dedicated to textual linguistics. As a result, we present a Didactic Sequence for the 5 th year of Elementary Education from the poem genre. Key-words: Teaching. Portuguese language. Textual genres. Following teaching. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9 CAPÍTULO I: PERSPECTIVAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA ....................................................................... 12 1.1 A linguagem como expressão do pensamento ..........................................12 1.2 A linguagem como instrumento de comunicação.......................................17 1.3 A linguagem como forma de interação ...................................................... 20 CAPÍTULO II: O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA PERSPECTIVA DOS GÊNEROS TEXTUAIS .............................................................................................. 25 2.1 O ensino de língua portuguesa nos anos iniciais ...................................... 26 2.2 O texto como objeto de ensino ................................................................. 29 2.3 Os gêneros textuais no ensino.................................................................. 32 CAPÍTULO III: PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA................. 36 3.1 O que entendemos por pesquisa .............................................................. 36 3.2 A proposta metodológica Sequência Didática........................................... 38 CAPÍTULO IV: UMA PROPOSTA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA A PARTIR DO GÊNERO POEMA..................................................................................................... 46 4.1 Apresentação do gênero poema ............................................................... 47 4.2 Produção dos primeiros versos................................................................. 49 4.3 Os módulos de estudo .............................................................................. 51 4.4 A produção final ........................................................................................ 59 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 61 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 63 APÊNDICES…........................................................................................................... 61 APÊNDICE 1 – ACEITE DO ORIENTADOR..............................................................65 APÊNDICE 2 – PARECER DE ADMISSIBILIDADE DE TCC – II..............................66 APÊNDICE 3 – TERMO DE COMPROMISSO DE TCC – II......................................67 APÊNDICE 4 – TERMO DE COMPROMISSO DE TCC – II......................................68 9 INTRODUÇÃO O ensino de língua portuguesa na Educação Básica, mais especificamente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, tem recebido influências das pesquisas em linguística no que se refere o texto como objeto de ensino, pois o que se tem percebido nos resultados dessas investigações é uma prática pedagógica inócua com o foco em estudo de nomenclaturas e classificações gramaticais (ANTUNES, 2003). Essa perspectiva teórica e metodológica do texto como objeto de ensino ganhou destaque na década de 80 do século passado com as provocações trazidas por Geraldi no livroO texto na sala de aula. Desse modo, o ensino de língua assume uma compreensão de linguagem como forma de interação. Ao considerar o texto como material sobre o qual se desdobra um ensino procedimental em leitura e compreensão de textos e em produção de textos, percebe- se uma mudança de prática pedagógica, pois deixa-se uma perspectiva de ensino de língua normativo, que prioriza a análise morfossintática e gramatical, para um ensino procedimental, em que valoriza-se os contextos interacionais da linguagem. Partindo desse pressuposto, este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo propor uma sequência didática para o ensino de língua portuguesa nos anos iniciais do Ensino Fundamental na perspectiva dos gêneros textuais. Portanto, essa pesquisa pode servir de suporte para os professores que ensinam língua portugues a nos primeiros anos de escolaridade elaborar outras sequências didáticas com foco nos gêneros textuais. Nesse sentido, a discussão teórica que sustenta a proposta de estudo está ancorada nos estudos de Antunes (2003; 2007) que abordam o ensino de língua portuguesa a partir da linguística textual e um ensino de gramática interacional. No que se refere à organização didática, elencou-se a teoria da Sequência Didática (SD) de Schneuwly e Dolz (2004), pesquisadores da universidade de Genebra. Os autores propõe uma metodologia para o ensino de língua a partir de um gênero textual oral ou escrito. E para fechar a discussão teórica, traz-se, a partir dos estudos de Marcuschi (2010), os gêneros textuais no ensino de língua portuguesa. Porém, a utilização dos gêneros para além do ensino com foco na estruturação ou 10 classificação, mas uma reflexão da importância de se levar para as salas de aula gêneros textuais que circulam em contextos não escolares. O trabalho está organizado em quatro capítulos. O capítulo I, intitulado ―Perspectivas teóricas e metodológicas sobre o ensino de língua portuguesa‖, apresenta e discuti sobre as perspectivas teóricas e metodológicas pelas quais perpassou o ensino da língua portuguesa nas escolas de Educação Básica: a linguagem como expressão do pensamento; a linguagem como instrumento de comunicação e a linguagem como forma de interação. O capítulo II, intitulado ―O ensino de língua portuguesa na perspectiva dos gêneros textuais‖, traz a discussão do texto como objeto de ensino. Além disso, aborda as práticas voltadas para o ensino de leitura e de escrita nos anos iniciais do Ensino Fundamental e por fim traz a importância dos gêneros textuais – conceituação e funcionalidade – para uma educação linguística crítica. No capítulo III, intitulado ―Pressupostos metodológicos da pesquisa‖, é apresentada a perspectiva metodológica da pesquisa. O tipo de pesquisa, sua natureza, os instrumentos utilizados e uma descrição de como se deu o caminho investigativo. O capítulo IV, intitulado ―Uma proposta didático-pedagógica a partir de um gênero textual‖, apresenta uma definição e estrutura do que a pesquisa trata de Sequência Didática na perspectiva dos gêneros textuais orais e escritos. Em seguida, sugere uma proposta de SD para uma turma do 5º ano do Ensino Fundamental. A organização didática trata as atividades de leitura a partir de textos autênticos, ou seja, textos que apresentam uma função comunicativa, um instrumento de provoque a interação entre quem escreve e quem lê. Desse modo, uma leitura crítica, isto é, que provoque no leitor a interpretação dos aspectos ideológicos que perpassam a tessitura do texto, pois nenhum texto pode ser compreendido como neutro. No que se refere ao eixo da escrita, a SD busca fomentar uma prática de produção textual com finalidade estabelecer vínculos comunicativos (ANTUNES, 2003), ou seja, escrever textos que estejam relacionados com o que se passa no ambiente social em que vivem os alunos. Portanto, a pesquisa pode despertar uma reflexão sobre as práticas de ensino de língua portuguesa com o foco em uma gramática ―fria‖, sem funcionalidade. Fez repensar as propostas de redações sobre as ―férias‖, sobre as tarefas de, a partir da leitura de um poema, retirar os substantivos e adjetivos, ou seja, classificar e nomear 11 as palavras. Discutir sobre a importância de utilizar nas aulas gêneros textuais sem se preocupar em estudar sua estrutura, mas sua funcionalidade. Permitiu compreender uma escrita funcionalmente diversificada, assim, cada forma distinta de escrever um texto ganha sentido e se justifica porque responde a uma diferente função interativa. Contudo, compreender que a gramática existe em função de entender que em contextos diferentes produzimos textos orais e escritos distintos, ou seja, para cada contexto de interação comunicativa existe uma gramática que prevalece. Desse modo, não estudamos gramática, mas gramáticas. Assim, a pesquisa apontou uma maneira de se ensinar uma gramática relevante, isto é, uma gramática funcional – privilegiar o estudo das regras dos usos da língua nos diversos contextos sociais de uso, quer dizer, de suas aplicações na produção dos diversos gêneros textuais. 12 CAPÍTULO I PERSPECTIVAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA “Existe uma regra de ouro da Linguística que diz: só existe língua se houver seres humanos que a falem”. (Marcos Bagno, 2003) Este capítulo tem a intenção de apresentar e discutir sobre as perspectivas teóricas e metodológicas pelas quais perpassou o ensino da língua portuguesa nas escolas de Educação Básica. Desse modo, a linguagem será concebida a partir de três concepções: linguagem como expressão do pensamento – essa concepção está baseada, de um modo geral, nos estudos tradicionais; linguagem como instrumento de comunicação – essa concepção está ligada à teoria da comunicação e vê a língua como um código, ou seja, um conjunto de signos que se combinam de acordo com regras a priori – e linguagem como forma de interação – a linguagem vista como lugar de interação humana, ou seja, lugar onde a pessoa que pratica a oralidade não conseguiria levar a cabo a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, segundo Porto (2009, p. 13), ―constituindo compromissos e vínculos que não preexistem à fala‖. Portanto, conforme Gomes (2015), a prática pedagógica voltada para o ensino de línguas foi pautada, de um modo geral, no ensino de gramática prescritiva; no ensino da gramática estruturalista e no ensino da gramática interacionista – a língua como ação. 1.1 A linguagem como expressão do pensamento Conceber a linguagem como expressão do pensamento nos leva a concluir que as pessoas que não sabem se expressar não pensam. Além disso, é uma concepção que valorizava as normas e as regras gramaticais. Mas isso eram os resquícios da educação jesuítica adotada pelas escolas. Um ensino com o foco na gramática, na retórica e na poética. De acordo com Silva (2008, p. 11), ―a medida do 13 pensamento corresponde à medida da expressão. Assim, quem não consegue se expressar, não pensa. A essa concepção corresponde a corrente de estudo linguístico da tradição da gramática normativa‖. Para Gomes (2015, p. 79), ―essa concepção se refere à visão pré-saussuriana de linguagem, a qual remonta aos filósofos que discutiam sobre a relação entre os objetos e os nomes dados a eles e passa pelos filólogos que pregavam o bom uso da língua‖. Esse conceito embasa o ensino de língua com foco na gramática prescritiva, do certo ou errado. Essa concepção de linguagem pode ser vista na obra Didacticorum Operum de Comenius de 1627. Nesse livro Comenius fala sobre como ensinar as crianças a usar a linguagem com sabedoria. Segundo o autor, a linguagem éo fator que diferencia os seres humanos dos animais. Desse modo, linguagem e mente precisam ser bem cuidadas e diz como deve ser feito: A gramática começa para algumas crianças antes que transcorram seis meses de vida. Então se costuma propor-lhes palavras fáceis de pronunciar, tatá, mama, papa, bumba etc. [...] A retórica também começa ao final do primeiro ano através dos gestos. Digo pois que a criança pode aprender o que significa uma testa enrugada ou não, o significado de fazer ameaças com o dedo etc., que é o fundamento da ação retórica (COMENIUS, 1627, p. 49- 50). Neste trecho da obra de Comenius percebe-se a ênfase na gramática e na retórica no ensino de línguas. Além desse destaque, o autor também chama a tenção para o ensino da poesia e sugere que as cuidadoras das crianças cante quando chorarem ou se machucarem. Para ele a poesia é uma forma de ligar e arrumar as palavras por meio do ritmo e métrica, pois ―tão logo a criança começa a entender as palavras, começa também a gostar do ritmo e da melodia‖ (COMENIUS, 1627, p. 51). Portanto, uma concepção de ensino de língua centrado nos aspectos gramaticais, retóricos e poéticos. É nesse sentido que Marcuschi (2012) afirma, com bases em pesquisas linguísticas, que anteriormente à década de 1960 o ensino de línguas se dava com ênfase no estudo da frase – fonologia, morfologia e sintaxe frasal –, desconhecendo, ou mesmo ignorando, os aspectos semânticos e contextuais em diferentes situações de comunicação. Decorrente dessa visão tradicional, as descrições da norma linguística são abstratas, ―restringindo-se ao padrão da língua escrita, desconsiderando a diversidade de usos e situações comunicativas e, 14 consequentemente, não dando conta das características do texto‖ (MARCUSCHI, 2012, p. 11). Para Gomes (2015), essa concepção de ensino iniciou com a pedagogia jesuítica que tinha como objetivo principal alfabetizar e catequizar os nativos na língua latina, prática fundamental para a formação da elite colonial. Segundo Silva (2008, p. 21): O português era apenas um instrumento para a alfabetização nas chamadas escolas menores e dela passava-se para o latim, conforme determinava o Ratio Studiorum, que era o programa de estudos da Companhia de Jesus por ela implantado em todo o mundo. Não havia lugar para o português no currículo. O Ratio Studiorum era uma forma de currículo organizado e executado pela Companhia de Jesus1 com base na escola romana. Nele o ensino de línguas era a partir do latim. Estudava-se gramática, retórica e a poética. Além disso, o grego também era ensinado, mas sua instrução dava-se em latim, língua que representava o patriotismo. Figura 01 – Ratio Studiorum Fonte: upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/1d/Ratiostudiorum.jp Segundo Toyshima (2011), o estudo da gramática era com base no gênero textual carta. Os alunos estudavam elementos relacionados às obras de artes e 1 A Companhia de Jesus, cujos membros são conhecidos como jesuítas foi uma ordem religiosa fundada em 1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, liderados por Inácio de Loyola. A Congregação foi reconhecida por bula papal em 1540. É hoje conhecida principalmente por seu trabalho missionário e educacional (SILVA, 2008, p. 22). https://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_religiosa https://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_religiosa https://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_religiosa https://pt.wikipedia.org/wiki/1534 https://pt.wikipedia.org/wiki/Aluno https://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_de_Paris https://pt.wikipedia.org/wiki/Bula_pontif%C3%ADcia https://pt.wikipedia.org/wiki/1540 https://pt.wikipedia.org/wiki/Mission%C3%A1rio https://pt.wikipedia.org/wiki/Mission%C3%A1rio 15 princípios da língua grega e sua sintaxe. Pretendia-se com isso, formar alunos com conhecimentos considerados avançados em gramática. O objetivo desta classe é o conhecimento perfeito dos elementos da gramática, e inicial da sintaxe. Começa com as declinações e vai até a construção comum dos verbos. Onde houve duas subdivisões, na subdivisão inferior se explicarão, do primeiro livro, os nomes, verbos, as regras fundamentais, as quatorze regras da construção, os gêneros dos nomes; na superior do primeiro livro a declinação dos nomes sem os apêndices, e ainda os pretéritos e os supinos, do livro segundo, a introdução à sintaxe sem os apêndices até os verbos impessoais. Em grego, a subdivisão mais atrasada aprenderá a ler e escrever, a mais adiantada os nomes simples, o verbo substantivo e o verbo barítono. Nas preleções adotem-se, dentre as cartas de Cícero, só as mais fáceis, escolhidas para este fim, e, se possível, impressas separadamente (RATIO, 1952, p. 138 apud TOYSHIMA, 2011, p. 27). Assim, o ensino era pautado na classificação e nomenclaturas de palavras. Um ensino de gramática descontextualizado e destinado a poucos. Uma gramática fragmentada do texto. Além de estudar latim da escola, a língua tinha que ser exercitada fora dela, mesmo em contextos que não exigiam seu uso. No mais, os textos deveriam ser escritos na língua latina. Na retórica buscava-se formar oradores competentes, preparados para falar ao público com perfeição. Nestes termos, o ensino de línguas era com base na proposta pedagógica jesuítica e permaneceu como referência por quase dois séculos. Pois, em 1760, o Marquês de Pombal expulsa os jesuítas e proíbe o ensino de qualquer outra língua que não fosse o português. A estrutura curricular era baseada nas reformas ocorridas na educação de Portugal e suas colônias. Como afirma Silva (2008), após a reforma, além de ter que aprender a ler e a escrever na língua portuguesa, o estudante deveria estudar aspectos gramaticais da língua, habilidades que passaram a integrar o currículo da época. Apesar dessa mudança no ensino de língua, o foco das aulas de língua portuguesa permanecia em torno dos aspectos retóricos, poéticos e gramaticais. O foco, no que se refere à retórica, era preparar os alunos para se expressar bem. Falar com eloquência e com convicção. Era a arte de comunicar-se de forma clara. Nos estudos de poética, os estudantes tinham que ler os grandes clássicos tais como a Odisseia. Nesse período não havia uma preocupação com as questões metodológicas, pois a atenção estava no conteúdo. Segundo Marcuschi (2012), os docentes focalizavam o ensino e a aprendizagem da leitura no vocabulário e nas categorias gramaticais, e o ensino da redação nos desvios ortográficos e 16 morfossintáticos. ―Coerência, coesão, progressão temática não se constituíam em objeto de preocupação‖ (MARCUSCHI, 2012, p. 12). Com a passar do tempo, especificamente no final do regime imperial, a retórica, a poética e a gramática, disciplinas distintas no currículo, unificam-se e passam a ser chamadas de Português. Por outro lado, essa ―nova‖ disciplina manteve os aspectos gramaticais normativos e a retórica como eixo principal de ensino. Mas de acordo com Silva (2008), a disciplina poética estava incluída no programa de retórica e, posteriormente, tornando-se um componente curricular independente, desprendendo-se da retórica. Contudo, esse ensino do Português era destinado somente para uma minoria de ―bem nascidos‖ para a qual era permitido o acesso à escola brasileira. Para a autora, o ―bom uso‖ das letras foi aceito com êxito em Portugal e, posteriormente, estendido para as instituições de ensino no Brasil como modelo a ser imitado e ensinado nas escolas brasileiras, já que essas letras, a priori, no Brasil, estavam pensadas para a escolarização dos estudantes de classes favorecidas, que almejavam uma instrução com base na tradição europeia (SILVA, 2008), istoé, uma gramática predominantemente prescritiva, preocupada principalmente com o erro e o acerto. Conforme afirma Antunes (2003, p. 33), [...] por essa gramática, professores e alunos só veem a língua pelo prisma da correção e, o que é pior, deixam de ver outros muitíssimos fatos e aspectos linguísticos (os fatos textuais e discursivos, por exemplo), realmente relevantes. Portanto, como a escola era destinada aos grupos elitizados, até o final das primeiras quatro décadas do século XX, a disciplina Português manteve seu foco no ensino de gramática normativa (tradicional), retórica e poética, satisfazendo os interesses culturais, sociais e políticos de uma classe minoritária (filhos dos burgueses). Vale ressaltar que os manuais didáticos eram compostos de textos clássicos e recheados de exercícios de gramática, sendo que os exercícios eram construídos pelos professores a parti da coletânea de textos literários, pois era necessário manter o purismo linguístico. Essa característica elitista de educação acabou com a expansão do ensino público e com o aparecimento de novas propostas pedagógicas para dar conta de uma nova concepção de ensino de língua que surgia, a língua como ferramenta de comunicação. 17 1.2 A linguagem como instrumento de comunicação Até o final da década de 60 do século passado nenhuma mudança ocorrera no currículo do ensino de português. A ênfase ainda era na gramática normativa, na retórica e na poética. Porém em 1970, com o advento da concepção tecnicista de educação e com as ideias da teoria behaviorista2, coibindo a reflexão e a crítica em sala de aula, o ensino se voltou à qualificação para o mercado de tr abalho e a linguagem passou a ser ensinada para servir de meio de comunicação. Desse modo, a aquisição de uma língua pode ser comparada à aquisição de outras habilidades e outros comportamentos, como andar de bicicleta e dançar, por exemplo. Para Porto (2009, p. 13): Essa concepção vê a língua como um conjunto de signos que se combinam segundo regras, capaz de transmitir ao receptor certa mensagem. Em livros didáticos, é a concepção confessada nas ilustrações ao professor, nas introduções, nos rótulos, embora, em geral, seja abandonada nos exercícios gramaticais. Com a aprovação da lei nº 5.692 de 11 de agosto de 1971 que tratava das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 5.692/71), o ensino de língua portuguesa toma outro rumo, pois em seu parágrafo segundo já do primeiro capítulo, afirma que ―o ensino de 1º e 2º graus será ministrado obrigatoriamente na língua nacional‖ (BRASIL, 1971). Dessa forma, extingue-se qualquer possibilidade do ensino do português ser ministrado em outra língua, como o latim por exemplo. No parágrafo segundo do artigo quarto dessa mesma lei, dar-se ênfase aos princípios teóricos da língua portuguesa. Segundo o documento no ―ensino de 1º e 2º graus dar-se-á especial relevo ao estudo da língua nacional, como instrumento de comunicação e como expressão da cultura brasileira‖ (BRASIL, 1971). Nestes termos, concebida com base nas ideias de Saussure3, essa visão de ensino deixa de lado as capacidades linguísticas do falante e evidencia o uso da língua, numa perspectiva utilitária e pragmática e, com isso, a disciplina de língua portuguesa 2 Nessa teoria a aprendizagem da linguagem seria fator de exposição ao meio e decorrente de mecanismos comportamentais, como reforço, estímulo e resposta (GOMES, 2015, p. 30). 3 Ferdinand de Saussure é considerado o pai da linguística por ter sistematizado os estudos linguísticos, principalmente por intermédio da apresentação de uma terminologia que conseguiu explicar os fatos linguísticos. Saussure, em seu Curso de linguística geral, afirmou que a linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem o outro (GOMES, 2015, p. 77). 18 passou a ser chamada de Comunicação e Expressão, sob os fundamentos da teoria da comunicação de Jakobson. Figura 02 – O esquema de Jakobson Fonte: Adaptado a partir de Gomes, 2015. Portanto, numa perspectiva funcionalista da linguagem, o modelo de comunicação de Jakobson foi adotado no currículo do ensino de língua portuguesa, agora com o nome de Comunicação e Expressão. Assim, a comunicação era constituída de seis fatores (contexto, mensagem, contato/canal, código, emissor/remetente e receptor/destinatário) e seis funções comunicativas (referencial, poética, fática, metalinguística, expressiva/emotiva e conativa). Para Gomes (2015), o esquema de Jakobson mostra que para cada tipo de função existe um fator comunicativo, pois o foco sempre será um dos participantes do ato comunicativo. Dessa forma, a função referencial tem como foco o contexto; a poética está sempre ligada à mensagem; a função expressiva se relaciona com o próprio emissor, enquanto a conativa está vinculada ao receptor; a fática tem a função de facilitar o contato na comunicação e a metalinguística, de explicar, de dar definições, por isso está relacionada com o código, ou seja, a própria língua. Nestes termos, a intenção de assumir essa perspectiva teórica sobre o ensino nasce com fundamento no estruturalismo e se mantém nos tempos do gerativismo, e o modelo de ensino prescritivo de gramática deveria dar lugar à gramática descritiva. Apesar dessa nova perspectiva teórica sobre o ensino de língua portuguesa ou Comunicação e Expressão ter surgido nas propostas educacionais, nas salas de aula, ainda encontrava-se traços de um ensino de língua tradicional, pois as práticas docentes não acompanharam as mudanças teóricas e metodológicas. Prova disso, segundo Antunes (2003), é que nas aulas ocorria uma forma de supressão da oralidade como objeto de ensino no trabalho escolar. Isso se dava pelo equívoco de considerar a fala como uma possibilidade de violação das regras da gramática, 19 contudo, uma concentração de atividades em torno dos gêneros da oralidade informal, peculiar às situações da comunicação de troca de ideias, a conversa etc. No que se refere à escrita, uma prática mecânica e marginalizada, focada, primeiramente, em habilidades motoras de produzir símbolos escritos e, em seguida, em um processo puramente de memorização das regras ortográficas. Nas atividades de leitura, por exemplo, eram trabalhados exercícios mecânicos de decodificação da escrita, sem dirigir, contudo, a aquisição de tais habilidades para a dimensão da interação verbal. Essas tarefas vinham todas nos livros didáticos e eram seguida s piamente pelos professores. Figura 03 – Manual de Comunicação e Expressão em Língua Portuguesa Fonte: https://www.google.com.br/search?q=atividades+dos+livros+de+comunica Com o advento da abertura de escolas de massa a clientela muda e cresce a necessidade recrutar novos professores, porém, essa seleção não se fez sem muito critério. Conforme afirma Silva (2008, p. 26): Como consequência da multiplicação quantitativa das escolas, multiplica-se o número de professores despreparados para a tarefa a desempenhar, de modo se que acentua o processo de depreciação da função docente, conduzindo ao rebaixamento salarial e, consequentemente, a precárias condições de trabalho, o que obriga os professores a buscar estratégias de facilitação da sua função docente – uma delas é transferir ao livro didático a tarefa de preparar aulas e exercícios, no qual permanece a primazia da gramática sobre o texto e a concepção de linguagem como sistema. Esse esvaziamento da profissão docente acarretou em um ensino de língua desvinculado das variedades linguísticas trazidas das classes populares para a http://www.google.com.br/search 20 escola. Isso mostrava um descompasso entre oque a escola ensinava e os alunos buscavam aprender. Isso levou muitos estudantes ao fracasso escolar, pois ainda se ensinava uma gramática de frases soltas, inventadas e com pseudotextos, ou seja, (Cf. Antunes, 2003, p. 31), ―uma gramática das excentricidades, de pontos de vistas refinados, mas, muitas vezes, inconsistentes, pois se apoiavam apenas em regras e casos particulares‖. Tal fracasso da produção escrita na escola, (Cf. Silva, 2008), é resultado de sua inadequação em relação ao trabalho com a linguagem, no que mais parecia um grande descompasso entre a língua que se ensinava na escola e a língua que se que falava fora dela. Corroborando com as autoras, mesmo que as regras estivessem nos manuais de gramática, eram utilizados fora dos contextos em que os alunos, na sua maioria, estavam inseridos. Contudo, essa concepção de linguagem como ferramenta de comunicação, com base nas ideias de uma gramática estruturalista, ou seja, que considera a língua como o lado social da linguagem e a fala como a parte individual, considerou o discurso como engessado, pronto para uso, sem espaço para a diversidade. Uma tendência pedagógica centrada na língua enquanto sistema em potencial, enquanto conjunto abstrato de signos e de regras, desvinculado de suas condições de realização. Portanto, fez-se necessária outra concepção de linguagem, consequentemente, uma nova perspectiva de ensino de língua portuguesa. Um ensino de língua portuguesa centrado nas práticas sociais de uso da língua em diferentes contextos, enquanto atividade e interação verbal de dois ou mais interlocutores e, assim, enquanto sistema-em-função (Cf. Antunes, 2003, p. 41), ―vinculado, contudo, às circunstâncias de sua atualização‖. 1.3 A linguagem como forma de interação Em contraponto à concepção de que a linguagem é uma mera transmissão de informações de um emissor a um receptor, a linguagem passa a ser considerada como ―um lugar de interação humana‖ (porto, 2009, p. 13). Nessa perspectiva, é por meio dela (da linguagem) que o sujeito que pratica a ação de falar consegue interagir com o outro. Para a autora, nessa concepção, o professor que ensina língua portuguesa, por exemplo, 21 [...] precisa ser sujeito e se acreditar como alguém que, com os alunos, pesquisa, observa, levanta hipóteses, analisa, reflete, descobre, aprende, reaprende. E isso tudo a partir do uso da língua, em circunstâncias de oralidade, de leitura e de escrita. Ou seja, a mudança no ensino do Português não está nas ―metodologias‖ ou nas ―técnicas‖ usadas (PORTO, 2009, p. 14). Corroborando com a autora, pode-se afirmar que a mudança no ensino de língua portuguesa está no seu objetivo de ensino, a própria língua. Esta que se materializa no discurso oral e/ou escrito, a partir das ações dos sujeitos que realizam a interação comunicativa. E esse sujeito como heterogêneo, incompleto, que mobiliza ―o desejo de completude aproximando-se do outro, também incompleto por definição, com esperança de encontrar a fonte restauradora da totalidade nunca alcançada e constituindo relações sociais‖ (PORTO, 2009, p. 14). Desse modo, ao assumir a dimensão interacional da linguagem, nada do que se faz no espaço da sala de aula poderia estar dependente de um conjunto de princípios teóricos, a partir dos quais os fenômenos linguísticos são percebidos e tudo, consequentemente, se decide. Para Antunes (2003), desde a defi nição dos objetivos, passando pela seleção dos objetos de estudo, até a escolha dos procedimentos mais corriqueiros e específicos, em tudo está presente uma determinada concepção de língua, de suas funções, de seus processos de aquisição, de uso e de aprendizagem. Evidentemente, a língua nessa concepção é um produto social, enquanto atividade e interação verbal e não verbal entre dois ou mais interlocutores, consequentemente, se levarmos essa dimensão para a sala de aula, poderemos ter um ensino de língua mais produtivo e significante. Ao considerar a língua como produto social, nos leva a admitir que somente uma concepção interacionista da linguagem, ―eminentemente funcional e contextualizada, pode, de forma ampla e legítima, fundamentar um ensino da língua que seja, individual e socialmente, produtivo e relevante‖ (ANTUNES, 2003, p. 41). Essa concepção de linguagem como interação ganha força a partir das ideias contidas nos textos do Círculo de Bakhtin sobre a natureza sociológica da linguagem e com isso começa adentrar os espaços das salas de aula, principalmente, com o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em 1997, logo após a aprovação da nossa última Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 22 1996. Desse modo, os PCN sugere um ensino de língua portuguesa na perspectiva de que, O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Assim, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos (BRASIL, 1997, p. 21). Nessa perspectiva de linguagem e ensino apresentada nos PCN, por meio da linguagem, o ser humano tem a possibilidade de se reconhecer como cidadão, pois, ao comunicar-se com as outras pessoas e trocar experiências, certifica-se de seu conhecimento de mundo e dos outros com quem interage. Isso lhe permite, também, compreender melhor sua realidade, o lugar que ocupa e, principalmente, seu papel social. Nestes termos, (Bakhtin apud Gomes, 2009), numa perspectiva social da linguagem, a vê, também, como enunciação, como discurso, ou seja, como forma de interlocução, em que aquele que fala ou escreve é um sujeito quem, em determinada situação, interage com um interlocutor, levado por um objetivo, uma intenção, uma necessidade de interação. Desse modo, a sala de aula deve ser entendida como um lugar de interação, lugar de diálogo entre sujeitos que se apropriam do conhecimento produzido pela humanidade. Aluno e professor são sujeitos, cada um no seu papel, e interagem via linguagem, descortinando o conhecimento por meio de textos, de diálogos. Quando se adota a dimensão interacionista da linguagem, o objeto de estudo passa ser o texto, com toda a diversidade de gêneros que circulam no dia a dia dos alunos. Para Antunes (2009), o foco do ensino de línguas centrado no texto seria, [...] a compreensão e produção dos sentidos materializados em gêneros de textos, com grande destaque para a literatura. A gramática viria naturalmente (não poderia deixar de vir!), quando fosse necessária para que se pudesse entender melhor uma passagem ou expressar com mais propriedades o que se deve dizer (ANTUNES, 2009, p. 42). Corroborando com a autora, um ensino de língua que pudesse fomentar a conscientização do grande significado da linguagem para a construção dos sentidos de todas as coisas, centrado na exploração dos usos da língua oral e escrita, além disso, estimulando o desenvolvimento de um saber geral, de uma competência lexical, pela ampliação do repertório de informações e da habilidade do falante da língua em criar e recriar novas palavras. 23 Evidentemente, a mudança de paradigma no ensino de língua portuguesa implica em novas competências linguísticas, pois uma atividade é interativa quando é realizada, conjuntamente, por duas ou mais pessoas cujas ações se interdependem na busca dos mesmos fins. Contudo, a atividade da escrita, da leitura e da oralidadeganha novo sentido de ensinar e de aprender. Segundo Antunes (2003), uma visão interacionista da escrita supõe, desse modo, encontro, parceria, envolvimento entre sujeitos, para que aconteça a comunhão das ideias, das informações e das intenções pretendidas. Assim, por essa perspectiva ―se supõe que alguém selecionou alguma coisa a ser dita a um outro alguém, com quem pretendeu interagir, em vista de algum objetivo‖ (ANTUNES, 2003, p. 45). Assim, a prática da linguagem escrita é, portanto, uma interação expressiva verbal das ideias, (Cf. Antunes, 2003), construção de informações, de intenções, de crenças ou de sentimentos que queremos partilhar com o outro. Uma atividade que requer, principalmente, planejamento. Partindo dessa mesma perspectiva, no que concerne a atividade de leitura, ela completa a atividade da produção escrita. É, por isso, uma atividade de interação entre sujeitos e supõe muito mais que a simples decodificação dos sinais gráficos. O leitor, como um dos sujeitos da interação, atua principalmente, buscando recuperar, interpretar e compreender o conteúdo e as intenções pretendidas pelo autor. Assim, ―a leitura é parte da interação verbal escrita, enquanto implica a participação cooperativa do leitor na interpretação e na reconstrução do sentido e das intensões de quem escreve‖ (ANTUNES, 2003, p. 66). Nestes termos, a leitura envolve distintos processos e estratégias na sua realização, dependendo das funções pretendidas com a leitura. Contudo, depende não apenas do contexto linguístico do texto, mas também do contexto extralinguístico de sua produção e circulação. Conforme aponta Antunes (2003), o grau de familiaridade do leitor com o conteúdo veiculado pelo texto interfere, também, no modo de realizar a leitura, pois não se lê um poema da mesma forma que se lê um memorando, por exemplo. No que se refere ao trabalho com a oralidade, na concepção interacionista da linguagem, a prática pedagógica precisa estar centrada em torno de um determinado tema e gênero discursivo. Por exemplo, a análise de textos em sala de aula será relevante se contemplar também aspectos da oralidade, fortalecendo a ideia de que 24 essa competência linguística também está sujeita aos princípios da textualidade. Sobre isso Antunes (2003, p. 102), afirma ―como se pode facilmente constatar; os textos orais igualmente ocorrem sob a forma de variados tipos e gêneros, dependendo dos contextos mais ou menos formais em que acontecem‖. Portanto, nessa última concepção de linguagem, o objeto da aprendizagem está centrado no uso da língua, em circunstâncias de oralidade, de leitura e de escrita. O que significa dizer que a escola não deve ter outra intensão senão chegar aos usos sociais da língua, na forma em que ela acontece no dia a dia da vida dos alunos. Porém, isso só é possível se o texto for objeto de estudo, pois é por meio dos gêneros orais e escritos que a língua se materializa, (Cf. Marcuschi, 2011, p. 20), ―todas as nossas manifestações verbais mediante a língua se dão como textos e não como elementos linguísticos isolados‖. 25 CAPÍTULO II O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA PERSPECTIVA DOS GÊNEROS TEXTUAIS “Pobre língua escolar! Tantas vezes fora de voz e tão cheia de não ser nada!” (Antunes, 2007) Como vimos no capítulo anterior, tradicionalmente, o ensino de língua portuguesa nas escolas foi voltado para a gramática normativa, principalmente, numa perspectiva prescritiva, ou seja, com base na imposição de regras a serem seguidas, por exemplo, concordância nominal, regência verbal etc., conforme Bezerra (2010, p. 39), ―fatores externos e internos motivaram essa tradição‖. O autor enfatiza que ensinar língua portuguesa era levar ao conhecimento/reconhecimento dos alunos as regras gramaticais, de funcionamento dessa variedade linguística de prestígio. Desse modo, um dos grandes problemas no ensino de língua portuguesa, principalmente nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, está relacionado às práticas de ensino de gramática. Essa problemática surge porque muitos docentes, conforme afirma Antunes (2003), dão ênfase na terminologia gramatical e nas suas taxonomias em detrimento à reflexão sobre a estrutura, funcionamento e uso da língua materna em contextos de interação. É dessa perspectiva de ensino que: [...] provêm os muitos equívocos que fortalecem os preconceitos linguísticos, que alimentam os programas irrelevantes e as práticas inadequadas de ensino, sobretudo quando se desembarca na plataforma da gramática. Pois, se são tortos os olhos com que se vê a língua, em geral, muito mais tortos são eles quando se vê a gramática, em particular (ANTUNES, 2007, p. 21). Essa problemática mobilizou diversos pesquisadores – Antunes (2003), Porto (2009), Naspolini (2009), entre outros – na discussão sobre como se deveria ser o ensino de gramática na escola, principalmente no Ensino Fundamental. De um modo geral, esses autores apontam algumas propostas para o ensino da língua portuguesa em nossas escolas, por exemplo, oferecer aos estudantes a preparação para um desempenho mais seguro na atividade de interação linguística, e não 26 restrições. Portanto, é nessa perspectiva que essa pesquisa direciona uma prática linguística com ênfase nos gêneros textuais. 2.1 O ensino de língua portuguesa nos anos iniciais Durante muito tempo, acreditou-se numa prática pedagógica fundamentada na repetição de exercícios de nomear e classificar palavras, na perspectiva de se ensinar gramática. Nesse sentido, pensava-se que essa prática poderia levar a criança a aprender a ler e a escrever com proficiência, ou seja, de forma culta. Por isso, nas aulas de língua portuguesa dos anos iniciais do Ensino Fundamental, havia muitas tarefas de retirar do texto as classes gramaticais. Um ensino de língua com foco no certo e no errado. Sobre isso, Antunes (2007, p. 22), afirma que: [...] a língua não pode ser vista tão simplistamente, como uma questão, apenas, de certo e errado, ou como um conjunto de palavras que pertencem a determinada classe e que se juntam para formar frases, à v olta de um sujeito e de um predicado. A língua é mais que isso tudo. É parte de nós mesmos, de nossa identidade cultural, histórica, social. Na perspectiva apresentada pela a autora, é por meio da língua que nos socializamos, que interagimos, que desenvolvemos nosso sentimento de pertencimento a um grupo social, a uma comunidade. Assim, o ensino de língua não pode ser desvinculado desses aspectos (social, histórica e cultural). Mas para isso faz-se necessário (Cf. Antunes, 2007), reprogramar a mente dos professores, pais e alunos em geral, para ver a língua com mais elementos que a constituem, para além das suas classes gramaticais, superar a perspectiva do acerto e erro de gramática e de sua taxonomia. Pois, para a autora, o que foge do que é culto é visto como erro. Essa perspectiva de certo e errado está relacionada com o equívoco de que estudar nomenclaturas é estudar gramática, porém a autora desfaz essa confusão conceitual ao esclarecer que ―regras de gramática são as normas que especificam os usos da língua, que ditam como deve ser a constituição de suas várias unidades desde o seu nível fonológico até o pragmático‖ (ANTUNES, 2007, p. 17). Corroborando com autora, Naspolini (2009), afirma que precisamos refletir sobre esse ensino de língua ―vazio‖, desprovido da interação linguística, pois o exercício de classificar palavras deixa o conteúdo desinteressante e estabelecer uma prática pedagógica autoritária e, com isso, não garante a aprendizagem da língua portuguesa. 27 Antunes ainda ressalta que a nomenclatura gramatical e suas classificações, como opróprio nome explicita, resumem-se às designações que as unidades da gramática têm. Desse modo, trata-se apenas de rotular as palavras e não de analisar as competências linguísticas para se falar, escrever e l er com qualidade e de acordo com cada contexto de interação da linguagem. Para a autora, a nomenclatura é um meio e não um fim. Por isso, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, é recomendável que a exploração da metalinguagem ganhe mais atenção nas práticas pedagógicas, destacando-se atividades de leitura, compreensão, escrita e reescrita. Para a autora, o ensino da escrita, por exemplo, numa perspectiva interacionista, precisa concebê-la como uma atividade cooperativa entre duas ou mais pessoas, e isso deveria permear a prática pedagógica. Assim, Uma visão interacionista da escrita supõe, desse modo, encontro, parceria, envolvimento entre sujeitos, para que aconteça a comunhão das ideias, das informações e das interações pretendidas. Assim, por essa visão se supõe que alguém selecionou alguma coisa a ser dita a um outro alguém, com quem pretendeu interagir, em vista de algum objetivo (ANTUNES, 2003, p. 45). Desse modo, o ensino de língua portuguesa, no que se refere à competência da escrita, poderia dar ênfase às atividades interativas de linguagem, isto é, de manifestação verbal das ideias, de informações e de intenções. Ter o que dizer é, portanto, uma condição prévia para o êxito da atividade de escrever (ANTUNES, 2003). Com isso, as palavras são apenas a mediação da comunicação, ou seja, o material com que se faz a ponte entre quem fala e quem escuta, entre quem escreve e quem lê. Portanto, solicitar que os alunos selecionem e/ou classifiquem palavras isoladas não possibilita um ensino reflexivo. Contudo, o ensino de língua portuguesa precisa ver a língua como diversa em seus usos, pois cumpre funções comunicativas socialmente específicas e relevantes em seus contextos de uso. ―Como uma das modalidades de uso da língua, a escrita existe, por exemplo, para cumprir diferentes funções comunicativas, de maior ou menor relevância para a vida da comunidade‖ (ANTUNES, 2003, p. 47). Esses aspectos precisam ser considerados quando ensinamos os usos sociais da linguagem. Como alerta a autora ao propor que prestemos atenção à vida das pessoas nas sociedades letradas, pois podemos constatar que a escrita está presente, de maneira constante em diversos contextos, tais como, no trabalho, nas 28 brincadeiras, na escola, no recreio, nas reuniões de família etc., portanto, nas práticas de ensino não poderia ser diferente. Os Parâmetros Curriculares já apontavam a necessidade de levar em considerações os diferentes contextos e situações de comunicação: O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Assim, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos (BRASIL, 1997, p. 21). Partindo desse pressuposto, realizar o ensino de língua portuguesa com foco na análise sintática, na seleção e classificação de palavras retiradas de texto na perspectiva de conseguirmos deixar os estudantes suficientemente competentes linguisticamente é um grande equívoco didático, pois, segundo Antunes (2003, p. 47), o professor não pode, sob nenhum pretexto, ―insistir na prática de uma escrita escolar sem leitor, sem destinatário, sem referência, portanto, para se decidir sobre o que vai ser escrito‖. No que concerne à leitura, ela é uma atividade complementar à atividade da produção escrita. Mas precisa ser considerada para além da decodificação gráfica, pois a leitura é parte da interação verbal escrita, enquanto também implica participação cooperativa entre quem escreve e o leitor. Nesse processo cooperativo, o leitor, como sujeito de interação, também atua na tessitura do texto, pois busca, por meio da leitura, interpretar e compreender o conteúdo e as intenções pretendidos pelo autor (ANTUNES, 2003). Desse modo, os elementos gráficos (palavras, sinais, pontuações etc.) funcionam como verdadeiras instruções de quem escreve, que não podem ser desconsideradas para quem está lendo consiga compreender os significados do que está escrito. Nestes termos, prática pedagógica precisa está centrada na compreensão de que leitura e escrita são ações que se complementam, assim, não precisa ser tratadas de maneira dicotômicas. Segundo as orientações dos PCNs: O trabalho com leitura tem como finalidade a formação de leitores competentes e, consequentemente, a formação de escritores, pois a possibilidade de produzir textos eficazes tem sua origem na prática de leitura, espaço de construção da intertextualidade e fonte de referências modelizadoras. A leitura, por um lado, nos fornece a matéria prima para a escrita: o que escrever. Por outro, contribui para a constituição de modelos: como escrever (BRASIL, 1997, p. 40). 29 Desse modo, a prática pedagógica precisa possibilitar, por meio das atividades de leitura e de escrita, acesso ao conhecimento produzido pelas diversas áreas (história, geografia, matemática, ciências etc.). Para Antunes (2003, p. 70), a leitura escolar de textos de outras disciplinas ―representa uma oportunidade bastante significativa de aquisição de novas informações‖. Nessa perspectiva, informações de um texto de geografia ou de história podem ser bastante relevantes para apoiar os argumentos apresentados num comentário, por exemplo. Mas para que isso seja possível, o professor que ensina língua portuguesa, precisa considerar o texto como objeto de ensino. 2.2 O texto como objeto de ensino O texto precisa ser visto como o centro do ensino de língua materna, como parte da atividade discursiva. Para que isso ocorra, (Cf. Antunes, 2003), os docentes precisam ter conhecimento das questões relativas ao funcionamento do léxico, da gramática e das práticas cognitivo-textuais com que efetivamos nossa atividade comunicativa. Sendo assim, o texto precisa ser analisado considerando os seguintes aspectos: gênero, sua função, suas estratégias de composição, sua distribuição de informações, seu grau de informalidade, suas remissões intertextuais, seus recursos coesivos, sua coerência e, além disso, a gramática que o compõe. Portanto, nas atividades que envolvam o texto como objeto de ensino, além do conhecimento do mundo, é preciso também conhecer os aspectos gramaticais (as regularidades ou as regras de funcionamento da língua) que especificam o que deve-se fazer para organizar um texto, para lhe dar coesão e coerência, ou seja, para lhe atribuir uma continuidade e uma progressão (ANTUNES, 2007). Essas habilidades precisam ser ensinadas para os alunos, na perspectiva de formar leitores e escritores competentes. Desse modo, a prática pedagógica necessita considerar o tipo de texto que vai ser utilizado na aula, pois não de compõe uma narrativa e um comentário opinativo usando os mesmos padrões de sequências, por exemplo. Além disso, saber que gênero textual será escolhido (uma carta, um comentário, um aviso, um anúncio) e como vamos dividi-lo em partes – blocos ou parágrafos, se for o caso, ou em tópicos e subtópicos – para organizar o ensino. Assim, ensinar o conhecimento dos recursos de textualização. 30 Antunes (2007), fala sobre a importância de no trabalho com o texto na sala de aula possibilitar aos alunos conhecer os aspectos relacionados à textualização,ou seja, ensinar: [...] que estratégias de interação com nosso interlocutor preferimos adotar (se direta ou indiretamente; se de forma categórica, precisa ou de forma reservada, cautelosa e reticente; se numa linguagem comum ou informal, se fora dos padrões corriqueiros); que precauções convém tomar para evitar malentendidos; o que vamos explicitar e o que vamos deixar implícito, já que o contexto ou os saberes do interlocutor podem suprir o que não está lido (ANTUNES, 2007, p. 58). Assim, a prática pedagógica com foco no texto como objeto de ensino precisa possibilitar aos alunos tudo que é necessário para se entender ou para se fazer, por exemplo, um bilhete, um aviso, um convite, uma carta etc. Ou seja, um ensino que fuja da utilização do texto como pretexto para ensinar nomenclaturas e classificações de palavras. Isso quer dizer que o docente precisa compreender que nas suas aulas conhecimentos relativos à composição dos diferentes gêneros textuais são imprescindíveis para que forme pessoas eficazmente comunicativas. Em outros termos, não basta o aluno saber que o substantivo é a palavra que nomeia as coisas, seres, lugares etc. ou que a elipse é a omissão de um termo recuperável pelo contexto precedente. Não basta saber que o pronome é uma palavra que substitui o nome ou que o artigo é definido ou indefinido. ―É preciso saber que efeitos o uso de um ou de outro provoca na sequência do texto‖ (ANTUNES, 2007, p. 59). Portanto, para mudar essa realidade do ensino de língua portuguesa através do texto como pretexto para ensinar gramática normativa o professor deverá primeiramente considerar o texto como o objeto de ensino de sua matéria e a partir dele estabelecer uma grade de conteúdos a serem abordados nas aulas. Se o texto é o objeto de estudo, o movimento vai ser ao contrário: primeiramente o leitor/ouvinte estuda, analisa, busca compreender o texto (no todo em cada uma de suas partes — sempre em função do todo) é, para chegar a essa compreensão, são ativadas as noções, os saberes gramaticais e lexicais necessários a sua significação. Ou seja, o texto é quem vai conduzindo a análise do leitor ou do ouvinte e, em função dele, é que o professor recorrerá às determinações gramaticais, aos sentidos das palavras, ao conhecimento que o leitor/ouvinte tem a partir de suas experiências (ANTUNES, 2003, p.110). Contudo, se o texto é o objeto de ensino da língua portuguesa, insistimos, o professor não deve dar tanta importância às funções sintáticas e morfológicas das palavras, ou seja, classificar se o é artigo definido ou pronome pessoal do caso reto. 31 A importância dada à palavra é qual função ela exerce durante o processo de comunicação. Tendo o texto como objeto de estudo o professor irá gradativamente definir o conteúdo do seu programa de ensino. Tal programa não pode desconsiderar as seguintes habilidades: falar, ouvir, ler e escrever textos em língua portuguesa. Considerando esses aspectos do ensino de língua portuguesa o professor estará atuando dentro do principio de que ―toda atividade linguística é necessariamente textual‖ (ANTUNES, 2003, p. 111). Evidentemente, o ensino da língua portuguesa tendo o texto como objeto de estudo contrapõe-se ao ensino de gramática tradicional. Nesse caso, a língua é vista ou entendida como algo em constante transformação, cria e recria-se a todo momento, resultado das interações entre os sujeitos. Assim, a produção textual é incentivada, sendo os textos utilizados como objeto de trabalho, não retalhados, mas trabalhados em sua forma e sentido original, completo. Sobre o uso do texto como objeto de ensino, o PCN de língua portuguesa faz uma crítica sobre o uso de letras, sílabas e palavras e frases soltas no processo de ensino/aprendizagem da língua portuguesa, pois se essa fosse a finalidade é que ―o aluno aprenda a produzir e a interpretar textos, não é possível tomar como unidade básica de ensino nem a letra, nem a sílaba, nem a palavra, nem a frase que, descontextualizadas‖ (BRASIL, 1997, p. 29), se assim for, isso não contribui para desenvolver nos alunos a competência discursiva, foco central no ensino de língua portuguesa. Conforme o PCN, dentro desse marco, a unidade básica do ensino de língua portuguesa é o texto, mas isso não conota abandonar a análise linguística das palavras ou frases nas diversas situações de uso. Não obstante, nesse contexto de ensino, muitos professores que ensinam língua portuguesa lutam em sala de aula por uma ―língua limpa‖ (ALVES, 2013, p. 13), sem vestígios da oralidade, do popular, das variedades. Demonstram um apego exagerado ao ensino de gramática prescritiva, que busca colocar os usos da língua dentro de regras, como consequência dessa limpeza, a desvalorização de suas variantes e de suas particularidades. Para a autora, a sala de aula é um espaço de reflexão sobre a língua que falamos, se não for assim, parece que os alunos vão para a escola para aprender uma língua que não falam. Desse modo, uma possibilidade de mudar essa realidade é propor o ensino de língua portuguesa a 32 partir dos gêneros textuais. Como afirma Antunes (2003, p. 108), ―a mudança no ensino do português não está nas metodologias ou nas técnicas usadas. Está na escolha do objeto de ensino‖. 2.3 Os gêneros textuais no ensino O caso do uso dos diversos gêneros textuais orais e escritos no ensino de língua materna tem sido tema de interesse de vários estudiosos, entre eles Lopes- Rossi (2011); Marcuschi (2011), Schneuwly e Dolz (2004) etc. Portanto, faz-se necessário discutir sobre as principais ideias desses autores sobre o uso dos gêneros textuais para o ensino, principalmente, no que se refere à configuração, dinamicidade e circulação dos textos. Marcuschi (2011) apoiado nas ideias bakhtiniana traz a perspectiva central de gênero como um enunciado de natureza histórica, sociointeracional, ideológica e linguisticamente relativamente estável. Partindo do pressuposto de que os gêneros textuais são relativamente estáveis, Bazerman (1994 apud Marcuschi, 2011, p. 18) afirma que os ―gêneros são o que as pessoas reconhecem como gêneros a cada momento do tempo, seja pela denominação, institucionalização ou regularização. Os gêneros são rotinas sociais de nosso dia a dia‖. Sobre o ensino de língua materna a partir dos gêneros textuais o autor enfatiza que seu uso permite, além de compreender as diversas práticas interacionais de comunicação, um trabalho interdisciplinar para atenção especial no funcionamento da língua e para as atividades culturais e sociais, contudo, desde que ―não concebamos os gêneros como modelos estanques nem como estruturas rígidas, mas como formas culturais e cognitivas de ação social corporificadas de modo particular na linguagem‖ (MARCUSCHI, 2011, p. 18). Assim, a organização didática dada ao trabalho com gênero textual precisa considerar que os gêneros têm uma identidade linguística própria e dinâmica, pois eles condicionam a produção textual, por exemplo, do ponto de vista do léxico, do grau de formalidade ou da natureza dos temas. Isso reforça a ideia de que são flexíveis e variáveis, pois assim como a língua varia, também os gêneros variam, adaptam-se, renovam-se e multiplicam-se. Em suma, hoje, a tendência é observar os gêneros pelo seu lado dinâmico, processual, social, interativo, cognitivo, evitando a classificação e a postura estrutural (MARCUSCHI, 2011). 33 Para o autor, os gêneros: [...] não são superestruturas canônicas e deterministas, mas também não são amorfos e simplesmente determinados por pressões externas. São formações interativas, multimodalizadas e flexíveis de organização social e de produção de sentidos. Assim, um aspecto importante na análisedo gênero é o fato de ele não ser estático nem puro (MARCUSCHI, 2011, p. 20). Desse modo, ao ensinar língua portuguesa a partir de um gênero textual oral ou escrito, ensina-se um modo de atuação sociodiscursiva numa cultura e não um simples modo de produção textual, pois numa perspectiva bakhtiniana, toda a manifestação linguística se dá como discurso, isto é, ―uma totalidade viva e concreta da língua e não como uma abstração formal que se tornou o objeto preferido e legítimo da linguística‖ (MARCUSCHI, 2011, p. 20). Por outro lado, segundo Marcuschi (2011), algumas práticas pedagógicas têm focado na categorização e classificação dos gêneros. Mas classificar os gêneros não parece a melhor escolha didática, pois são dinâmicos e variáveis, desse modo, não parece a melhor escolha e sim determinar os critérios da categoria gênero textual ou gênero do discurso. Os critérios perpassam por sua função, organização, conteúdo e meio de circulação. A escola precisa valorizar a plasticidade dos gêneros, pois são desiguais em certas funções e é por isso que eles proliferam para dar conta da variedade de atividades desenvolvidas no dia a dia. Em geral, [...] os gêneros desenvolvem-se de maneira dinâmica e novos gêneros surgem como desmembramento de outros, de acordo com as necessidades ou as novas tecnologias como o telefone, o rádio, a televisão e a internet. ―Um gênero dá origem a outro, e assim se consolidam novas formas com novas funções, de acordo com as atividades que vão surgindo‖ (MARCUSCHI, 2011, p. 22). A vantagem em trabalhar os gêneros textuais no ensino de língua portuguesa, segundo Lopes-Rossi (2011), dar-se pelo fato dos gêneros proporcionarem o desenvolvimento da autonomia do estudante no processo de ensino/aprendizagem da leitura e da escrita como produto de práticas socialmente comunicativas. ―Uma vez que é por meio dos gêneros discursivos que as práticas de linguagem incorporam- se às atividades dos alunos‖ (LOPES-ROSSI, 2011, p. 71). Contudo, a autora sinaliza a importância do docente criar condições para que os alunos possam apropriar-se de suas características discursivas e linguísticas de gêneros diversos, em situações de comunicação real. Daí, a importância de construir 34 uma organização didática que vise ao conhecimento linguístico, à leitura, à discussão sobre o uso e as funções sociais dos gêneros escolhidos e, quando pertinente, a sua produção escrita e circulação social. Lopes-Rossi (2011, p. 71) argumenta e chama a atenção das práticas pedagógicas centradas no trabalho com os gêneros: [...] as atividades de leitura, por si sós, podem constituir-se objetivo de um projeto pedagógico. Nem todos os gêneros se prestam bem à produção textual na escola porque suas situações de produção e de circulação social dificilmente seriam reproduzidas em sala de aula ou porque o professor julga conveniente priorizar, em certos momentos, atividades de leitura. A reflexão da autora fomenta a ideia de que o docente precisa conhecer bem o que está fazendo ou planejando, do contrário, não obterá êxito nas atividades linguísticas centradas nos gêneros textuais, pois alguns deles prestam-se muito bem para atividades de leitura. São eles: rótulos de produtos, bulas de remédio, propagandas de produtos, propagandas políticas, etiquetas de roupas, manuais de instrução de equipamentos, contratos, nota fiscal etc. Não que esses gêneros sejam inadequados, pelo contrário, são bem apropriados para o trabalho de leitura em qualquer nível de ensino, mas que o professor conheça a função social e linguística de cada um. Assim, conforme Lopes-Rossi (2011), a leitura de gêneros discursivos na escola nem sempre pressupõe a produção escrita. Esta, no entanto, pressupõe: [...] sempre atividades de leitura para que os alunos se apropriem das características dos gêneros que produzirão. É por isso que um projeto pedagógico para a produção escrita deve sempre ser iniciado por um módulo didático de leitura para que os alunos se apropriem das características típicas do gênero a ser produzido (LOPES-ROSSI, 2011, p. 72). Nesse sentido, as atividades de leitura precisam acontecer na mesma mão em que acontecem fora da escola, na prática do dia a dia. Ou seja, trazer para a sala de aula diferentes gêneros e no sentido de que os objetivos propostos para a leitura sejam também diferentes e, sempre que possível, com foco em atividades de produção textual. Para Schneuwly e Dolz (2004), ao trazer os gêneros para a escola ocorre o que os autores chamaram de ―desdobramento‖, pois se opera um novo direcionamento para o gênero, em que deixa de ser instrumento exclusivo de comunicação e passa a ser, ao mesmo tempo, objeto de ensino/aprendizagem. ―O aluno encontra-se, necessariamente, num espaço do ‗como se‘, em que o gênero 35 funda uma prática de linguagem que é, necessariamente, em parte, fictícia, uma vez que é instaurada com fins de aprendizagem‖ (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 65). Os autores reforçam a importância de considerar os gêneros textuais inerentes do próprio espaço escolar. Dessa forma, a escola é tomada como autêntico lugar de comunicação, e as situações que ocorrem nesse contexto são naturalmente ocasiões de produção/recepção textual. ―Os alunos encontram-se, assim, em múltiplas situações em que a escrita se torna possível, em que ela é mesmo necessária‖ (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 66). Com isso, o funcionamento da instituição escolar pode ser transformado de tal maneira que as ocasiões de produção de textos se multiplicam, por exemplo, a elaboração de bilhetes para comunicar reuniões entre pais e mestres; a confecção de cartazes informativos sobre o horário de aula; aviso de atividades extraescolares etc. Para os autores: Na prática em classe, os gêneros não são fontes de inspiração. A situação de comunicação é vista como geradora quase automática do gênero, que não é descrito, nem ensinado, mas aprendido pela prática de linguagem escolar, por meio dos parâmetros próprios à situação e das interações com os outros (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 67). Portanto, a aprendizagem do gênero dar-se naturalmente da situação de comunicação. Dessa forma, o gênero não é visto somente como um instrumento de ensino/aprendizagem, pois nessa situação didática, aprende-se escrever, escrevendo, numa progressão que é, também, concebida como um evento natural de interação comunicativa. Mas para que isso seja possível, o professor precisa dar uma organização pedagógica que possibilite ao aluno vivenciar práticas reais de leitura e de produção textual, uma possibilidade seria elaborar Sequências Didáticas (SD). 36 CAPÍTULO III PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA Ótimo seria, caro Agáton, se a sabedoria fosse uma coisa que pudesse passar, por simples contato, de quem a tem a quem não a tem, assim como a água que por um fio de lã corre de um cálice cheio para um cálice vazio. (Platão, 1999) A epígrafe acima traz um diálogo entre Aristóteles e Agáton retirado da obra Apologia de Sócrates: banquete. Ela nos permite refletir sobre as condições em que produzimos conhecimento/saber, algo que não se consegue pela simples observação de um fenômeno ou por alguma coisa que nos inquieta. Dessa forma, ao revisitar nosso objetivo de pesquisa, propor uma sequência didática para o ensino de língua portuguesa nos anos iniciais do Ensino Fundamental na perspectiva dos gêneros textuais, passa-se a refletir, também, sobre as implicações desse estudo para a prática de sala de aula, principalmente no que concerne o ensino de língua portuguesa. Pois, parte-se do princípio de que as pesquisas acadêmicas precisam de alguma forma, dar retorno às práticas de sala de aula, ou seja, a pesquisadeve gerar novas ideias para o professor e contribuir para que possam compreender melhor seu contexto de atuação profissional, seus alunos e sua prática pedagógica. Portanto, neste capítulo trataremos de como se constituiu a investigação. 3.1 O que entendemos por pesquisa Esse trabalho considera o processo de fazer pesquisa como uma maneira de produzir novos conhecimentos, no nosso caso, acerca do uso de gêneros textuais e discursivos no processo de ensino/aprendizagem de língua portuguesa. Nesse sentido, considera-se que toda pesquisa precisa possuir objetivos, procedimentos metodológicos e técnicas bem definidas para que possam garantir o bom andamento da investigação. Para Moreira e Caleffe (2008, p. 14), ―pesquisa é um estudo sistemático baseado em suposições subjacentes básicas e emprega procedimentos determinados‖. Para os autores, A pesquisa supõe uma investigação sistemática, crítica e autocrítica com o objetivo de contribuir para o avanço do conhecimento. Uma investigação caracterizada por um conjunto de princípios e orientações para 37 procedimentos e que está sujeita à avaliação em termos de critérios de validade, confiabilidade e representatividade. Deve ser conduzida com propósitos claros e definidos e não é um amontoado aleatório de dados (MOREIRA; CALEFFE, 2008, p. 17). Portanto, os autores ainda afirmam que pesquisar é um processo de estudo que consiste na busca disciplina/metódica de saberes e compreensões acerca de um fenômeno, problema ou questão da realidade ou presente na literatura o qual inquieta/instiga o pesquisador perante o que se sabe ou diz a respeito. Com isso, o fenômeno aqui discutido parte da possibilidade de propor uma prática pedagógica centrada nos gêneros textuais para professores que ensinam língua portuguesa nos anos iniciais de escolarização. Dessa forma, investigar problemas da prática desses educadores e as situações da sua realidade de sala de aula possibilidade, também, mudar a prática docente dos pesquisadores. A pesquisa é a atividade básica da ciência na sua indagação e construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a atualiza frente à realidade do mundo. Portanto, embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática (MINAYO, 2015, p. 16). Portanto, a pesquisa, enquanto sua abordagem é numa perspectiva qualitativa. O delineamento do estudo deu-se inicialmente pela exploração do tema (gêneros textuais) de forma mais livre e aberta. Para Minayo (2015), nessa abordagem a pesquisa dar-se por uma exploração permanente, em que as dúvidas, as respostas, as pistas e os novos territórios de indagação permanecem abertos até o final. Além disso, a autora enfatiza que a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, por exemplo, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. No que se refere ao tipo é uma pesquisa bibliográfica. Para Minayo (2015), pode se constituir em etapa inicial de um processo de pesquisa seja qual for o problema em questão, com o objetivo de se ter um conhecimento prévio da situação em que se encontra um assunto na literatura da área. Nestes termos, inicialmente foi realizado um estudo sobre o que as pesquisas na área de ensino de língua portuguesa apontam sobre o ensino/aprendizagem de língua materna nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Em seguida, direcionou-se para os estudos acerca dos gêneros textuais no ensino de línguas, na perspectiva do texto como objeto de ensino. Sobre esse primeiro movimento da investigação, a autora afirma ser uma estratégia necessária para a realização de qualquer pesquisa científica. 38 Mas não podemos confundir pesquisa bibliográfica com levantamento bibliográfico, para Minayo (2015), a pesquisa bibliográfica difere, portanto, do levantamento bibliográfico. Enquanto este constitui a primeira etapa de qualquer trabalho de pesquisa, a pesquisa bibliográfica não deixa de ser uma pesquisa em si. Desse modo, a pesquisa bibliográfica também pode ser utilizada para a realização de uma pesquisa teórica sobre um determinado assunto. Após a revisão bibliográfica foi realizado um estudo sobre a organização didática que seria dada ao ensino de língua portuguesa a partir de gêneros textuais orais e escritos. Com o intuito de saber o que propor como perspectiva metodológica para o ensino, conforme Minayo (2015), a pesquisa bibliográfica visa ao conhecimento e à análise das principais teorias relacionadas a um tema e é parte indispensável de qualquer tipo de pesquisa. Nessa etapa da investigação chegou -se a conclusão de que a Sequência Didática na perspectiva de Schneuwly e Dolz seria a proposta desse estudo. 3.2 A proposta metodológica Sequência Didática A organização metodológica adotada para esse estudo está pautada na perspectiva teórica de Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, dois pesquisadores de Didática do Francês/Língua Materna da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (FAPSE) da Universidade de Genebra (UNIGE), Suíça, e coordenadores do Grupo Grafe – Grupo Romando de Análise do Francês Ensinado. Para os autores, o procedimento Sequência Didática (SD) ―é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero oral ou escrito‖ (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 82). Portanto, o ensino de língua portuguesa, nessa perspectiva, precisa, necessariamente, partir de um gênero textual ou discursivo. Essa perspectiva defende o pressuposto de que trabalhar com gêneros possibilita situações reais de comunicação. Possibilita aos alunos compreender que não escrevemos, por exemplo, da mesma maneira quando redigimos uma mensagem de celular ou um conto, ou que não falamos da mesma maneira quando apresentamos um seminário ou quando conversamos com colegas da turma no momento do recreio. Mas que apesar dessa diversidade, podemos constatar regularidades pertinentes às diversas situações de interação comunicativa. 39 Para Schneuwly e Dolz (2004, p. 83), [...] em situações semelhantes, escrevemos textos com características semelhantes, que podemos chamar de gêneros de textos, conhecidos de reconhecidos por todos, e que, por isso mesmo, facilitam a comunicação: a conversa em família, a negociação no mercado ou o discurso amoroso. Certos gêneros interessam mais à escola – as narrativas de aventuras, as reportagens esportivas, as mesas redondas, os seminários, as notícias do dia, as receitas de cozinha, para citar apenas alguns. Nestes termos, a SD tem como finalidade contribuir para que os alunos dominem cada vez melhor determinado gênero textual que faz parte do seu dia a dia. Desse modo, permitindo-lhes, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada com o contexto real de comunicação. Assim, o trabalho na escola preci sa contemplar gêneros que realmente os alunos necessitam dominar ou aperfeiçoar. Segundo os autores, a SD serve, portanto, para dar acesso aos alunos às práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis. Toda SD segue uma estrutura bem definida que parte da apresentação de uma situação até a produção final. Figura 04: Estrutura de uma Sequência Didática Fonte: Schneuwly, Dolz e Noverraz, 2004, p. 83. De forma mais detalhada, a apresentação da situação visa expor aos alunos um projeto de comunicação que será realizado. Além disso, nessa etapa os estudantes são preparados para o momento de produção inicial, ―que pode ser considerada uma primeira tentativa de realização do gênero que será, em seguida, trabalhado nos módulos‖ (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004,
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