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TEORIA E PRÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Professor Me. Antonio Batista Alves Neto GRADUAÇÃO Unicesumar Acesse o seu livro também disponível na versão digital. C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; NETO, Antonio Batista Alves. Teoria e Prática na Educação Infantil. Antonio Batista Alves Neto. Maringá-Pr.: Unicesumar, 2019. 224 p. “Graduação - EaD”. 1. Educação Infantil. 2. Teoria . 3. Prática 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-1854-7 CDD - 22 ed. 372 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Diretoria Executiva Chrystiano Minco� James Prestes Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Débora Leite Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie Fukushima Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira Supervisão de Produção de Conteúdo Nádila Toledo Coordenador de Conteúdo Márcia Maria Previato de Souza Designer Educacional Amanda Peçanha Dos Santos Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Ilustração Capa Bruno Pardinho Editoração Arthur Murilo Heicheberg Qualidade Textual Felipe Veiga da Fonseca Ilustração Rodrigo Barbosa Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e profissionalismo, não so- mente para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in- tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educa- dores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a quali- dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quan- do investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequente- mente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Crian- do oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógi- ca e encontram-se integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educacional, complemen- tando sua formação profissional, desenvolvendo com- petências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhe- cimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fó- runs e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra dis- ponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. A U TO R Professor Me. Antonio Batista Alves Neto O professor Antonio Batista Alves Neto possui Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) na área de Ensino, Aprendizagem e Formação de Professores; Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Graduação em História pela UniCesumar. Atualmente é professor do curso de Pedagogia EaD da UniCesumar, é palestrante na área da educação e é Pós-Graduando em Docência do Ensino Superior pela UniCesumar. Desenvolve, ainda, pesquisa na área de Ensino, Aprendizagem e Formação de Professores, trabalhando as temáticas: formação de professores, literatura, didática, práticas pedagógicas e gestão da sala de aula, indisciplina e Políticas Públicas. <http://lattes.cnpq.br/9858403150871278> SEJA BEM-VINDO(A)! Olá, prezado(a) aluno(a), é com grande satisfação que apresentamos o livro de Teoria e Prática na Educação Infantil. Esta obra tem como um de seus objetivos instrumen- talizar-lhe nos mais diversos assuntos e desafios necessários de serem enfrentados na Educação Infantil. Do campo da psicologia do desenvolvimento ao campo das políticas públicas, este material lhe proporcionará condições para avançar em sua formação e, com isso, pensar a sua prática. Um dos indicadores de que a discussão sobre Educação Infantil é de extrema relevância para o campo da educação, de forma geral, é o fato de que o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 13005 de 2014, que vigorará até 2024, a tem como uma de suas 20 metas, mais especificamente a meta número 1, intitulada “Educação Infantil”. Essa meta tem dois gran- des objetivos, sendo o primeiro o de universalizar a Educação Infantil na pré-escola, para crianças de 4 a 5 anos de idade. O segundo é o de ampliar a oferta de Educação Infantil em creches, de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos de idade. Em que sentido isso é relevante para o campo da educação? É relevante na medida em que a Educação Infantil passa, ainda mais, a ser compreendida como etapa da educação ne- cessária para o sucesso escolar dos indivíduos, e efetiva nos documentos o sentimento de que a infância e sua educação são importantes, muito diferente do que podemos verificar em outras épocas, em que a criança era tida meramente como um “miniadulto”. Trata-se da valorização do “ser” criança e seu processo de desenvolvimento. Entretanto, a pergunta para você, nesse momento, é: o simples registro de uma Lei, ou seja, a existência da garantia do direito à Educação Infantil prevista em uma folha de papel garante, de fato, que ela se materialize no “chão” da escola? Evidentemente que não! É nesse sentido que abordaremos, também, os aspectos legais e políticos ligados à história da Educação Infantil em nosso país, para que possamos compreender,de fato, como essa educação chegou onde chegou e o que ainda falta para se tornar uma edu- cação de qualidade, ou seja, seus limites e possibilidades. E para além das questões históricas e legais ligadas à ideia de infância e à ideia de edu- cação para essa infância, é necessário pensarmos sobre como ela se desenvolve. Nesse sentido, esta obra também lhe proporcionará uma discussão com autores consagrados para o estudo e compreensão do desenvolvimento e do processo de ensino e aprendi- zagem que pode e deve ocorrer no que hoje denominamos de infância. Resumidamente, o que dissemos até aqui é que as crianças são seres importantes, preci- samos compreender o seu desenvolvimento e, para que tal desenvolvimento se efetive, é necessário que haja condições materiais de qualidade. Em outras palavras, devemos estudar, debater e fazer acontecer a Educação Infantil. Nesse sentido, este material lhe proporcionará cinco unidades para que você possa re- fletir sobre os assuntos aqui apresentados e outros mais. Na primeira unidade, intitulada Fundamentos Filosóficos, Históricos e Sociológicos da Educação Infantil, apresentaremos a você os principais fatos e grandes pensadores liga- APRESENTAÇÃO TEORIA E PRÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL dos à ideia de infância e seu processo histórico, com o objetivo de lhe possibilitar, também, a compreensão de como alcançamos a ideia de infância presente na con- temporaneidade. Na segunda unidade, intitulada Políticas Públicas e Educação Infantil: instrumentos para a prática docente, tivemos a preocupação de reunir os principais documentos que embasam essa etapa da educação. Embasamento este, extremamente neces- sário para a sua atuação, pois como atuar na educação, de maneira geral, sem com- preender o que pode, o que não pode e o que deve ser feito? E mais, abordaremos os processos políticos que culminaram em tais direitos e deveres. Na terceira unidade, intitulada Considerações Teóricas e Práticas sobre a Aprendi- zagem e o Desenvolvimento Infantil: limites e possibilidades, temos como um dos objetivos discutir algumas das principais teorias e autores que se debruçaram sobre o desenvolvimento e a aprendizagem da criança, fugindo sempre do saudosismo teórico que pode impedir a compreensão e o respeito às mais diversas linhas de pensamento existentes. Na quarta unidade, intitulada Uma Didática para a Educação Infantil, buscamos rea- lizar uma discussão em torno do “como ensinar?”. Como ensinar matemática, como trabalhar as diversas linguagens e mais, a relevância da afetividade para que todas essas aprendizagens se efetivem de maneira saudável na Educação Infantil. Por fim, na quinta e última unidade, intitulada Organização e Prática: o trabalho pe- dagógico na Educação Infantil, enfatizamos a importância do ato de planejar, das possibilidades e das formas de se pensar o trabalho pedagógico na Educação Infan- til, buscando sempre um olhar sensível para o processo de avaliação. Quase para concluir, prezado(a) aluno(a), jamais compreenda este material como uma verdade única, pronta e acabada. Esta obra pretende mostrar algumas das pos- sibilidades teóricas para se pensar a infância e a Educação Infantil, deixando claro que existem muitas outras possibilidades de se fazer essa análise. Diante disso, leia este livro, leia os materiais extras, complementares, utilize todos os recursos disponibilizados, tire suas próprias conclusões e tenha em mente que nossa disciplina não pode resumir-se apenas em uma obra, assim como sua prática como educador(a) não pode ser fundamentada em apenas uma visão de educação. Por fim, desejamos que este material auxilie sua formação, e que sua formação pos- sa te dar condições para transformar a educação, nunca menos que isso! Pois como já disse Brandão (2010, p. 7), “se for para me superar faça, se for para repetir tudo o que eu já fiz, não vale a pena! Desista!”. Prof. Me. Antonio Alves APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL 15 Introdução 16 O Surgimento do Conceito de Infância 20 O Fim da Infância como a Conhecemos 25 As Ideias Educativas de Erasmo de Rotterdam (1466 – 1536) 28 As Ideias Educativas de Comenius (1592 – 1670) 31 As Ideias Educativas de Rousseau (1712 – 1778) 34 As Ideias Educativas de Frederico Froebel (1782 - 1852) 36 Considerações Finais 44 Referências 45 Gabarito UNIDADE II POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE 49 Introdução 50 A “Creche” e a “Pré-Escola”, ou Seja, a “Educação Infantil” 54 A Educação Infantil nos Documentos Internacionais 58 A Educação Infantil nos Documentos Nacionais 83 A Prática Docente: Entre os Desafios das Políticas para a Educação Infantil e os Aspectos Legais. SUMÁRIO 10 87 Considerações Finais 94 Referências 96 Gabarito UNIDADE III CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM E O DESENVOLVIMENTO INFANTIL: LIMITES E POSSIBILIDADES 99 Introdução 100 Teorias da Educação: Por Onde Caminhar? 103 Contribuição de Vigotski (1896 - 1934) Para Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil. 111 Contribuição de Jean Piaget (1896 – 1980) Para Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil 118 Vigotski e Piaget: Relações Possíveis, Limites e Possibilidades 120 O Brincar e o Desenvolvimento Infantil: Entre Vigotski e Piaget 125 Considerações Finais 132 Referências 134 Gabarito SUMÁRIO 11 UNIDADE IV UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL 137 Introdução 138 Requisitos Gerais para Ensinar na Educação Infantil: Como se deve Ensinar com a Certeza de Atingir o Objetivo 148 A Afetividade na Educação Infantil 152 Desenvolvimento das Linguagens para a Aquisição do Conhecimento na Infância 155 O Ensino da Matemática na Educação Infantil. 158 Letramento e Alfabetização: Implicações para a Educação Infantil 161 A Educação Infantil e a Literatura: Formando Leitores 169 A Música na Educação Infantil 175 Considerações Finais 182 Referências 183 Gabarito SUMÁRIO 12 UNIDADE V ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL 187 Introdução 188 A Organização da Educação Infantil 190 Planejamento do Trabalho Pedagógico na Educação Infantil 202 Avaliação Mediadora na Educação Infantil: Um Olhar Sensível e Reflexivo sobre a Criança 211 Considerações Finais 218 Referências 219 Gabarito 220 CONCLUSÃO U N ID A D E I Professor Me. Antonio Batista Alves Neto FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Objetivos de Aprendizagem ■ Analisar a construção do conceito de infância na sociedade ocidental. ■ Compreender o quadro histórico da formação da ideia de uma nova infância. ■ Refletir sobre a contribuição das ideias educativas de Erasmo de Rotterdam para a educação (1466 – 1536). ■ Retratar a contribuição das ideias educativas de Comenius para a educação (1592 – 1670). ■ Refletir sobre a contribuição das ideias educativas de Rousseau para a educação (1712 – 1778). ■ Refletir sobre a contribuição das ideias educativas de Frederico Froebel para a educação (1782 - 1852). Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ O surgimento do conceito de infância ■ O fim da infância como a conhecemos ■ As ideias educativas de Erasmo de Rotterdam (1466 – 1536) ■ As ideias educativas de Comenius (1592 – 1670) ■ As ideias educativas de Rousseau (1712 – 1778) ■ As ideias educativas de Frederico Froebel (1782 - 1852) INTRODUÇÃO Nesta unidade, apresentaremos a você algumas das principais ideias acerca dos fundamentos históricos, filosóficos e sociológicos da Educação Infantil. O que é a infância? De onde vem este conceito? Ele sempre existiu? A criança dos dias de hoje tem as mesmas características comportamentais, biológicas e sociais que a criança de séculos passados, por exemplo? Alguns desses questionamentos podem parecer evidentes,no entanto, é necessário que o professor tenha mais do que a suposição. O bom professor carrega em sua prática a fundamentação necessária para lidar com os desafios diários da realidade a qual é submetido. Passaremos, então, pelo surgimento do conceito de infância, historicamente falando, pela problematização acerca do “fim da infância” e pelas ideias educa- tivas, cronologicamente apresentadas, de Rotterdam, de Comenius, Rousseau e Froebel. E uma observação inicial se faz extremamente necessária. Os assuntos aqui discutidos não podem ser esquecidos, abandonados nas unidades seguintes. Ao falarmos nas próximas unidades sobre aspectos legais, sobre desenvolvi- mento infantil, sobre possibilidades didáticas e sobre a organização da Educação Infantil, devemos ter em mente que esta discussão inicial se torna fundamento para as demais. Sendo assim, busque estabelecer, ao longo da leitura desta obra, todas as relações possíveis, pois elas serão muitas. Ao final desta unidade, esperamos ter proporcionado discussões suficientes para que você possa ter maior clareza e fundamentação a respeito dos temas apre- sentados. Afinal, a prática docente exige, inevitavelmente, muita clareza e toda fundamentação possível, pois para ser um docente, como veremos na Unidade 4, é necessário, antes de tudo, ser exemplo. Exemplo de que? De conhecimento, de paixão pelos estudos, pela leitura, pois só assim seremos autoridades do pro- cesso de ensino e aprendizagem. Vamos ao surgimento da infância. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 O SURGIMENTO DO CONCEITO DE INFÂNCIA Não poderíamos iniciar esta obra de forma diferente! Antes de falar de creches, de Educação Infantil, aspectos legais e pedagógicos, é necessário apre- sentarmos uma concepção historicamente construída de infância. Para este início, daremos voz e espaço a alguns pensadores com posiciona- mentos nem sempre idênticos (muitas vezes até divergentes), mas igualmente relevantes para as problematizações que traremos aqui, de maneira que você possa tirar suas próprias conclusões. Neil Postman (2012), na clássica obra O desaparecimento da Infância, tema este que será mais abordado no próximo tópico desta unidade, nos apresenta uma visão sobre a infância, apontada por muitos como um tanto quanto “catastró- fica”. Não vamos tirar este adjetivo do autor, mas preferimos que você, aluno(a), mais uma vez, tire suas próprias conclusões. Postman (2012) divide a obra já citada, em duas partes. Na primeira parte, encontramos os quatro primeiros capítulos, sendo ela intitulada de A invenção da infância. O primeiro capítulo está denominado de “Quando não havia crian- ças”, o segundo A prensa tipográfica e o novo adulto, o terceiro Os incunábulos da infância e o quarto A jornada da infância. Já a segunda parte do livro está intitulada O desaparecimento da Infância. E é exatamente isto, a segunda parte do livro leva, propositadamente, o título O Surgimento do Conceito de Infância Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 da obra e apresenta os cinco capítulos finais, sendo o primeiro denominado de O princípio do fim, o segundo O meio que escancara tudo, o terceiro O adulto criança, o quarto A criança em extinção e o quinto Seis perguntas. A segunda parte desta obra “nos instala nos tempos modernos e tenta mostrar como a passa- gem do mundo de Gutenberg” (POSTMAN, 2012, p. 13), inventor da impressão com caracteres móveis, para o mundo de Samuel Morse, responsável pela pri- meira mensagem elétrica já transmitida neste planeta, criou e transformou a ideia de infância, de acordo com Postman (2012). E talvez você esteja se perguntando, por que o professor autor deste livro se deu o trabalho de “destrinchar” o sumário da obra de Postman (2012)? Ora, a resposta é simples, caso você tenha feito uma leitura atenta dos parágrafos anteriores, pôde verificar que a própria didática empregada na organização e titulação dos capítu- los já nos ajuda a compreender a ideia de infância e do que acontecerá com esta infância, segundo o autor. E para avançarmos, vamos falar de um tempo em que não havia crianças, em que não havia o conceito de infância. Quando falamos de um tempo em que não havia crianças, estamos, propo- sitadamente, falando de um tempo em que não se tinha a ideia de infância, é evidente que o ser biológico (criança) sempre existiu, caso contrário como che- garíamos à vida adulta, não é mesmo? A questão é compreender, aqui, que em determinados períodos da história esta ideia de “infância” não existia, ou como nos diz Postman (2012, p. 11), concordando com Ariés (1978), não existia a “ideia social de infância”, o que fazia dos seres biológicos “crianças” meros miniadultos em muitos períodos. Então, neste ponto, já respondemos a um dos questiona- mentos apresentados em nossa introdução: a infância sempre existiu? Não! Foi criada ao longo da história da humanidade. Expliquemos melhor tudo isso... Na Antiguidade (0 - 476 d.C), os próprios gregos, os mesmos que criaram a ideia de escola, em determinados períodos, não destinavam grande atenção à infância. Em sua literatura, encontramos relatos de homens maduros que tinham relações com suas jovens esposas que nem sequer chegavam aos quinze anos de idade. Tais esposas, relata Postman (2012), eram educadas por suas mães a nunca questionar e a sempre obedecer a seus maridos. Mesmo na Idade Média (476 d.C. – 1492) não havia registro de grande interesse ao ser “criança”, inte- resse este que passa a ser observado apenas na Idade Moderna (1453 – 1789). Falando em impressão, jornais, livros etc., você sabia que o primeiro jornal no Brasil (ainda colônia) foi criado, oficialmente, com a vinda da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808? O primeiro jornal editado no Brasil chamava-se “Ga- zeta do Rio de Janeiro”. Tratava-se de um jornal oficial da corte do Rio de Janeiro. Fonte: UNIVESP TV (2018, on-line)1. FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 Avançando pouco mais de dez séculos desde as práticas dos gregos anti- gos, Postman (2012, p. 34) fala sobre a “invenção da impressão com caracteres móveis”, e nos mostra como a tipografia criou um novo mundo. Um mundo diferente e simbólico que exigiu, por sua vez, uma nova concepção sobre quem eram os “seres pequenos” e quem eram os “seres grandes”. Estamos falando de uma nova concepção de idade adulta: A nova idade adulta, por definição, excluiu as crianças. E como as crian- ças foram expulsas do mundo adulto, tornou-se necessário encontrar um outro mundo que elas pudessem habitar. Este outro mundo veio a ser conhecido como infância. (POSTMAN, 2012, p. 34). Ora, por qual motivo o ser “criança” foi excluído deste dito mundo “adulto”? Simples, caro(a) aluno(a), a tipografia mudou as formas de comunicação, e para dominar essa comunicação era necessário uma série de habilidades que apenas os adultos, teoricamente, detinham. Por isso, o que divide o mundo adulto da infância, inicialmente, é o domínio do mundo letrado/alfabético. Postman (2012, p. 50) diz ainda que, entre os séculos XVI e XVII, “um novo ambiente simbólico inteiramente novo tinha sido criado”. Trata-se do já citado ambiente “letrado”, que encheu esse mundo de novas e diversas informações e experiências abstra- tas. Esse novo mundo, além de tudo: Exigia novas habilidades, atitudes e, sobretudo, um novo tipo de cons- ciência. Individualidade, enriquecida capacidade para o pensamento conceitual, vigor intelectual,crença na autoridade da palavra impressa [...] O que aconteceu, simplesmente, foi que o Homem Letrado tinha sido criado. E ao chegar, deixou para trás as crianças. Pois, no mundo medieval, nem os jovens nem os velhos sabiam ler [...] É por isso que O Surgimento do Conceito de Infância Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 não havia necessidade da ideia de infância, porque todos compartilha- vam o mesmo ambiente informacional e, portanto, viviam no mesmo mundo social e intelectual (POSTMAN, 2012, p. 50). Diante de tudo isso, é evidente que, com a criação da prensa tipográfica, temos então a exigência dos pré-requisitos citados para acessar esse novo mundo infor- macional, pré-requisitos estes que as crianças não detinham. Com isso, chegamos a um ponto muito importante deste tópico. Quando, então, surgiu a ideia social de infância? Como nos mostra Postman (2012), essa “ideia” é talvez a mais humanitária do que consideramos ser o período da renas- cença (1300-1600 d.C). No entanto, “a infância como estrutura social e como condição psicológica, surgiu por volta do século XVI e chegou refinada e forta- lecida aos nossos dias” (POSTMAN, 2012, p. 12), de maneira que temos hoje, inclusive, uma definição legal própria para essa fase, apresentada pela Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. E considerando o que diz a Lei em seu Artigo. 2º: “con- sidera-se criança, a pessoa até doze anos de idade incompletos” (BRASIL, 1990). Retomando as ideias de Postman (2012), reforçamos que ele não fala de um aparecimento abrupto do conceito de infância e muito menos de um desapare- cimento veloz e imperceptível. Muito pelo contrário, trata-se de um processo histórico e paulatino na visão do autor, de maneira que ele entende que tanto a construção como a desconstrução da ideia de infância se dá de formas variadas dependendo da cultura, região, época etc. A exemplo disso, ele nos fala sobre como o contexto de industrialização no século XVIII foi um grande “inimigo” de infância na Inglaterra. O pouco que se havia conquistado em termos de esco- larização e alfabetização até o final do século XVII foi desconstruído com o “crescimento de grandes cidades industriais e a necessidade de trabalhadores nas fábricas e nas minas, a natureza especial das crianças foi subordinada à sua utilidade como fonte de mão de obra barata” (POSTMAN, 2012, p. 67), um feito do capitalismo industrial próprio do período em questão. Entretanto, essa já é uma questão para o nosso próximo tópico, no qual fala- remos do dito “desaparecimento da infância”! O que pretendíamos apresentar neste primeiro tópico da Unidade I do nosso livro é uma verdade historicamente possível sobre o surgimento do conceito de infância, e o descrevemos por meio do pensamento sociológico de Neil Postman (2012), ao afirmar que “nasce a infância FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E20 quando nasce a necessidade de estabelecer uma linha divisória entre as informa- ções dos adultos e as informações das crianças, ou seja, o que é próprio do mundo adulto e o que é próprio da infância”. Apresentado de outra forma, nasce a ideia de infância quando surge o mundo informatizado e, com ele, a necessidade de proteger as crianças das “informações próprias do mundo adulto”. Agora, para que possamos continuar discutindo com Neil Postman, traremos para o nosso debate outros questionamentos, outras problematizações, para verificarmos se estamos de fato, como anuncia Postman, diante do “fim da infância”. O FIM DA INFÂNCIA COMO A CONHECEMOS Caro(a) aluno(a), até aqui você já deve ter percebido que optamos pelas ideias de Postman (2012) no que se refere à construção histórica da ideia do ser “criança”. E tudo bem, isso é natural. Ao construirmos nossas ideias, precisamos nos fun- damentar e, para esse momento, escolhemos dar mais voz a uma vertente do que a outra. Isso não significa, em hipótese alguma, que você não deva buscar outras fontes e formular suas próprias e fundamentadas ideias. A exemplo prá- tico disso, não demos, ainda, espaço para Marín-Díaz (2010), por exemplo, em nossas discussões na íntegra do livro. Deixamos a “Leitura Complementar” desta unidade por conta da autora, justamente no artigo que passaremos a citar agora em nossas discussões. O Fim da Infância como a Conhecemos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 Dando continuidade, realizamos um questionamento básico para esta unidade: “a infância, recém-criada no século XVI - XVII, está desaparecendo ou estamos, já, diante de uma nova forma de infância, de um novo jeito de ser criança?”. Postman (2012) é direto! Ele compreende em seu livro que a infância foi uma ideia construída, criada, e que está por desaparecer nos moldes em que vivemos hoje: A infância, como tentei mostrar, foi fruto de um ambiente em que uma forma especial de informação, exclusivamente controlada por adultos, tornou-se pouco a pouco disponível para as crianças por meios con- siderados psicologicamente assimiláveis. A subsistência da infância dependia dos princípios da informação controlada e da aprendizagem sequencial. Mas o telégrafo iniciou o processo de extorquir do lar e da escola o controle da informação. Alterou o tipo de informação a que as crianças podiam ter acesso, sua qualidade e quantidade, sua sequência, e as circunstâncias em que seria vivenciada (POSTMAN, 2012, p. 86). Mais uma vez, Postman (2012) é incisivo ao afirmar que a infância nasce quando se torna necessário dividir o que é próprio do mundo adulto e o que é próprio para as crianças, diante de tantas informações possibilitadas pelo telégrafo elétrico. É justamente seguindo o raciocínio crítico do nosso “reflita” que contestamos tudo que já foi apresentado até aqui sobre as considerações de Postman (2012). Para isso, utilizamos as reflexões da pesquisadora brasileira Dora Lilia Marín-Díaz (2010), no texto intitulado Morte da Infância Moderna ou Construção da Quimera Infantil?. E convenhamos que o próprio título do texto de Marín-Díaz é provocativo e proposi- tivo e nos leva a refletir se, de fato, a infância surgida no contexto da Idade Moderna não está apenas mudando suas características, uma vez que as influências dos tempos Diante da preocupação de Postman (2012) com as informações desenfre- adas tornadas acessíveis às crianças por meio de elementos tecnológicos tão rústicos como o telégrafo, o que pensaria o autor sobre crianças de 2, 3 e 4 anos de idade que passam boa parte do seu dia com um tablet na mão? Fonte: o autor. FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 são outras, e se autores como Postman não estão criando uma quimera, um bicho de sete cabeças em torno desta nova forma de ser criança, sobre este novo conceito de infância. Nas palavras da própria autora, estamos diante da “morte da infância moderna e/ou da emergência de uma figura infantil pós-moderna nas condições contemporâneas”? (MARÍN-DÍAZ, 2010, p. 193). Marín-Díaz vai além, entra no debate e contesta Postman: Há duas décadas que o sociólogo norte-americano Neil Postman sur- preendeu o campo das ciências sociais com a proclamação da morte da infância. Nem bem se estava assimilando as novas idéias sobre a in- fância como uma construção social, construída segundo Ariès (2006) a partir do século XVII, quando Postman (1999) já proclamava sua mor- te (MARÍN-DÍAZ, 2010, p. 194). E é este o melhor tipo de reflexão acadêmica, caro(a) aluno(a), o debate! E para que haja debate, é necessário que haja ideias opostas. Nesse sentido, Marín-Díaz(2010, p. 194) diz ainda que o mesmo argumento utilizado por Postman (2012) para afirmar que a infância pode estar acabando, são “os mesmos fatos, porém, [...] usados como argumentos para explicar a emergência de uma infância dife- rente e, com ela, de um mundo e uma cultura infantil particular que precisa de reconhecimento, atenção e privilégios”. Na prática, é o mesmo que dizer que se colocássemos Postman (2012) e Marín-Díaz (2010) para discutirem sobre o uso de tecnologias na Educação Infantil, por exemplo, um poderia julgar o próprio “uso de tecnologias na Educação Infantil” como um absurdo, e o outro como algo próprio do tempo em que vivemos. Seria isso? Enfim, essa é só uma supo- sição. Qual conclusão você, aluno(a), tira sobre isso? Em relação aos efeitos psicológicos dessa “nova infância” e seu desenvolvi- mento, abordaremos com maior propriedade em nossa Unidade 3, intitulada “Considerações Teóricas e Práticas sobre a Aprendizagem e o Desenvolvimento Infantil: limites e possibilidades”, onde falaremos, literalmente sobre a psicologia do desenvolvimento, apresentando autores próprios para o tema. Nestes dois primeiros tópicos da Unidade 1, reforçamos que estamos apenas fazendo uma discussão filosófica, histórica e sociológica sobre o surgimento e o possível desa- parecimento e/ou mudança na forma de ser ou de se compreender a infância. Caminhando para palavras finais, apontamos, ainda, as seis perguntas que Postman (2012, p. 166) nos apresenta no último capítulo do seu livro: O Fim da Infância como a Conhecemos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 1- A infância foi descoberta ou inventada? (POSTMAN, 2012, p. 157). 2- O declínio da infância significa um declínio geral da cultura ameri- cana? (POSTMAN, 2012, p. 159). 3- Até que ponto a Maioria Moral e outros grupos fundamentalistas contribuem para a preservação da infância? (POSTMAN, 2012, p. 161). 4- Haverá tecnologias de comunicação que tenham potencial para sus- tentar a necessidade de infância? (POSTMAN, 2012, p. 162). 5- Haverá instituições sociais suficientemente fortes e suficientemente empenhadas em resistir ao declínio da infância? (POSTMAN, 2012, p. 163). 6- Será o indivíduo impotente para resistir ao que está acontecendo? (POSTMAN, 2012, p. 165). Para cada um dos questionamentos que o autor apresenta, ele nos oferece uma série de provocantes proposições. Deixo-as aqui para que você tenha a tarefa de verificar tais ideias e, se possível, de formular suas próprias proposições sobre cada um dos questionamentos apresentados pelo pensador. Fato é que, para Postman (2012), o acesso à informação criou a ideia de infância e a acessibilidade indiscriminada nos dias em que ele escreveu levaria ao fim desta mesma infân- cia. Como? Isso discutiremos mais à frente, mas aqui o pensador diz ainda que: No momento em que escrevo, garotas de 12 e 13 anos estão entre as modelos mais bem pagas nos Estados Unidos. Nos anúncios de todos os meios de comunicação visual são apresentadas ao público como se fossem mulheres adultas, espertas e sexualmente atraentes, completa- mente à vontade num ambiente de erotismo. Após vermos tais exibi- ções de pornografia velada, nós, que ainda não estamos inteiramente condicionados às novas atitudes americanas para com as crianças, te- mos saudades do charme e da sedutora inocência de Lolita. Nas cidades de todo o país diminui rapidamente a diferença entre crimes de adul- tos e crimes de crianças; e em muitos Estados as penas se tornam as mesmas. Entre 1950 e 1979, o índice de crimes graves cometidos pelos menores de quinze anos aumentou cento e dez vezes, ou onze mil por cento (POSTMAN, 2012, p. 17). A percepção supracitada, ainda que catastrófica, fala de um período ao final da década de 70. O que diria o pensador sobre os dias de hoje? A questão é que, por mais que haja divergências sobre estarmos perdendo a ideia social de infância ou FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 não, é necessário que nos debrucemos sobre isso, pois, a transformação social da ideia de infância trata-se de um fenômeno cada dia mais evidente. Postman (2012, p. 17-18) diz ainda que: Os mais velhos também se lembram do tempo em que havia uma gran- de diferença entre roupas de crianças e de adultos. Na última década a indústria de roupas infantis sofreu mudanças tão aceleradas que, a todos os fins práticos, as “roupas infantis” desapareceram. O próprio Erasmo de Rotterdam (1927), autor que discutiremos posteriormente, aborda, no século XVI, a ideia de que crianças e adultos necessitam de tipos dife- rentes de roupas. Agora, cabe aqui uma pequena observação, caro(a) aluno(a). Os apontamentos que fizemos não têm a intenção de moralizar a ideia do “ser criança”, mas apenas apresentar como tais autores pensavam a ideia de infân- cia, sempre lembrando que esta é uma “verdade possível” sobre os fatos e sobre a interpretação dos momentos e indivíduos. Para findar, retomemos os questionamentos que apresentamos inicialmente: o que é a infância se não uma construção social que varia de tempos em tempos, de região para região, de cultura para cultura, de povo para povo? Philippe Ariès (1978) diz, sobre isso, que as formas de ser e de pensar a infância realmente se transformam, e a título de exemplo, segundo o autor, para a mentalidade medie- val, a prática de brincar com as partes íntimas das crianças, por exemplo, era algo comum. Hoje, felizmente, como assinala Postman (2012), essa prática pode levar a até 30 anos de cadeia. Outras mudanças são observadas ao longo do tempo: [...] O costume de comemorar o aniversário de uma criança não exis- tiu nos Estados Unidos no decorrer de quase todo o século XVIII, e, de fato, a indicação exata da idade de uma criança é, afinal, um hábi- to cultural relativamente recente, com não mais de duzentos anos [...] (POSTMAN, 2012, p. 11). E como definir de onde vem este conceito, uma vez que aceitamos aqui que cada povo, espaço e tempo tende a construir a sua ideia moral de infância? Sendo assim, a criança dos dias de hoje não tem como apresentar as mesmas características comportamentais e sociais que a criança de séculos passados, por exemplo, pois ainda que detenham os mesmos aparatos biológicos, estão submetidas a influ- ências e estímulos diferentes. As Ideias Educativas de Erasmo de Rotterdam (1466 – 1536) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 Agora, caro(a) aluno(a), faremos um movimento historicamente reverso. Após termos tratado de questões tão atuais como as apresentadas no segundo tópico desta primeira unidade, retornaremos no tempo e buscaremos a visão de alguns clássicos no que se refere a ideias educativas, no que se refere à infância. Abordaremos em seguida, de maneira cronológica, as ideias educativas de Erasmo de Rotterdam (1466 – 1536), as ideias educativas de Comenius (1592 – 1670), as ideias educativas de Rousseau (1712 – 1778) e por fim, as ideias educativas de Frederico Froebel (1782 - 1852). E para que possamos ter mais objetividade ao apresentar cada pensador, escolhemos, cuidadosamente, uma obra específica de cada um, para assim estabelecermos uma relação dialógica com fontes pri- márias, possibilitando a você a oportunidade de se relacionar da maneira mais direta possível com cada um destes clássicos. Vamos aos pensadores. AS IDEIAS EDUCATIVAS DE ERASMO DE ROTTERDAM (1466 – 1536) Neste tópico, buscaremos verificar algu- mas das ideias educativas de Erasmo de Rotterdam, no sentido de compreen- dermos como este grande pensador do século XV – XVI idealizou a “infância”, a educação de sua época. Trataremos de conceitos apresentados em umde seus livros mais famosos, considerado um dos mais importantes de sua produção, a obra intitulada De Pueris (Dos Meninos), em que este afirma que nunca é cedo demais para iniciar o processo educacional e no FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 qual apresenta importantes contribuições para se pensar e repensar a infância e a educação de sua época, trazendo, ainda, importantes contribuições para a nossa, sendo esse o motivo de o retomarmos. Considerado um dos mais importantes nomes do renascimento durante o pró- prio renascimento (1300 – 1600), Erasmo, escritor, teólogo, filósofo, crítico social e monge holandês, é considerado um humanista cristão. Tal pensador buscava voltar-se ao cristianismo mais puro, uma vez que era crítico de certos autoritaris- mos da igreja católica. Sobre educação, Rotterdam (1927) acreditava que esta se principiava ainda na fase do aleitamento e que o próprio direito à educação nasce no berço. Para o pensador, é necessário também que se escolha logo um pedagogo competente, recomendando que “para tanto deves, desde logo, procurar um homem de bons costumes e de caráter meigo, dotado de conhecimentos invulgares, a cujo regaço possas confiar teu filho” (ROTTERDAM, 1927, p. 22), de maneira que se com- preenda que a aprendizagem não é veneno, buscando sempre respeitar a ordem dos valores e o entendimento de que a paternidade não se reduz ao ato gerativo. Outra questão apresentada por Rotterdam (1927) nesta clássica obra, que contribui muito com nosso tempo, diz respeito ao fato de que riqueza não dis- pensa instrução, e falhar na educação é fazer do ser humano, nas palavras do autor, um monstro, ou seja, o pior castigo. De acordo com Rotterdam (1927), é negar a educação, sendo necessário compreender, ainda, que o futuro depende dos antecedentes educacionais, de maneira que de nada adianta exigir da criança um comportamento “educado” se não houver, antes disso, um exemplo que o “arraste” para a prática de tal comportamento. Um aspecto de extrema relevância sobre o pensamento do autor para a composição desta nossa unidade é o que ele chama de os “três erros básicos em pedagogia”. Daremos então alguma atenção a isto: Aqui, peca-se de três maneiras: ou por negligência total em face da edu- cação dos filhos ou por que são, tardiamente, iniciados na instrução ou, porque confiados a quem ensina o que deve ser desaprendido. A primeira categoria já foi assinalada como indigna do nome de pais, pois ela, em nada, difere de quantos abandonam os neonatos, sendo por isso penaliza- dos pelo ordenamento jurídico que também prescreve, minuciosamente, o modo de instruir a infância e subsequente adolescência (ROTTERDAM, 1927, p. 46). As Ideias Educativas de Erasmo de Rotterdam (1466 – 1536) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 Neste ponto, o pensador nos alerta para os perigos e as consequências, inclusive legais de seu tempo, em relação à negligência. Ora, fato é que a negligência não é um erro pedagógico apenas de seu tempo, pois deve ser observada por todo pedagogo que se relacione com crianças e seus familiares. Não se trata, aqui, de um apontamento paterno, mas sim de um apontamento ao que se põe, também, a educar em todas as esferas. Enfim, estes três erros pedagógicos (negligência, educação tardia, ou confiança da educação do filho a quem não o faz correta- mente) são pontos fatais na educação do indivíduo. Rotterdam (1927, p. 55) dizia ainda que “grandes vícios nascem de pequenos defeitos”. É nos menores detalhes que podemos encontrar os maiores problemas. E que mesmo o melhor dos ensinos, o melhor da erudição não dispensa conhe- cimentos vulgares, pequenos, de maneira que também a erudição sem virtude mutila o caráter de uma criança. E finalizamos algumas reflexões sobre educação em Rotterdam com um dos pontos que julgamos mais importantes no posicionamento desse pensador moderno, trata-se das qualidades do professor, sendo uma das mais importantes, segundo o autor, amar e fazer-se amar: “o primeiro grau da aprendizagem consiste no amor ao professor. Com o caminhar do tempo, a criança, que foi iniciada no amor ao estudo por causa do amor ao mestre, passa a amar o mestre por amor ao estudo” (ROTTERDAM, 1927, p. 66). Ou seja, o amor, o carinho, a afetividade são indispensáveis elementos didáticos àqueles que se colocam na função de educar o outro. Avancemos agora para algumas considerações sobre educação e infância em Comenius. FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 AS IDEIAS EDUCATIVAS DE COMENIUS (1592 – 1670) Jan Amos Comenius, filósofo, educador e pastor, considerado até os dias atuais como o “pai da didática”, é mais do que uma referência bibliográfica necessária a todos os pedagogos, mas também uma inspiração em termos de educador. Comenius nasceu no contexto do surgimento do protestantismo e, diante de uma série de conflitos possibilitados pelas inquisições católicas, Comenius vê o reitor da Universidade em que estuda ser queimado vivo. Essa situação brota em Comenius a ideia de que a religião deve ser algo mais tolerante e, com isso, o pensador traça educação e reli- gião no mesmo sentido, formando então sua filosofia didática. Para lidar com esse pensador não poderia ser diferente, escolhemos a obra intitulada Didática Magna, publicada pela primeira vez em 1657 e cuja subtitula- ção foi denominada da arte de ensinar tudo a todos. E para prevenir aqueles que julgam ser romântico, utópico demais pensar em uma didática capaz de ensinar tudo a todos, alertamos que existe uma grande diferença, nas proposições come- nianas, entre “ensinar tudo a todos” e “ensinar tudo a todos ao mesmo tempo e da mesma maneira”. Isso sim é tarefa impossível e, para tal reflexão, apresenta- mos uma literatura contemporânea que nos põe a pensar sobre esse autor: As Ideias Educativas de Comenius (1592 – 1670) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 TEORIA E PRÁTICA Estudar não é tarefa fácil! Mas é para qualquer um! É direito garantido a todos, por isso não podemos nos esquecer de nenhum. E o acesso é importante. Mas tem também a permanência, que é coisa ainda mais relevante. E eu vou com Comenius, pois penso e sei que a todos é possível ensi- nar, basta que de maneira didática, o professor viva a se superar. Na escola, na universidade, em qualquer nível ou modalidade... Educação é coisa séria, difícil e desafiadora, por isso todos os dias é necessário se repensar, enquanto professor ou professora. E estar em sala, à frente do processo, exige compreensão, paciência e dedicação. Tendo sempre em mente que talvez isso seja, também, uma missão. Por isso, insisto... Ser professor ou professora não é para qualquer um! É coisa de gente louca, forte, corajosa e às vezes até sistemática. Sendo necessário saber que muita teoria se precisa para estar na práti- ca (ALVES, 2018, p. 101). O poema apresentado, também de autoria deste que vos escreve e já publicado em livro anterior, é uma tentativa poética de mostrar aquilo que Comenius (2011) denomina de “didática”. Muito se discute teoricamente sobre as milhares concei- tuações possíveis sobre esse termo. O que ele representa na prática de nossas salas de aula? Como no poema, a didática é o como tentamos levar o conteúdo, o como tentamos possibilitar o acesso ao que há de mais elevado no que foi produzido pela humanidade aos nossos alunos. O poema Teoria e Prática refere-se ao fato de que, para ensinar, é necessário que o professor “viva a se superar”. E este é umimportante posicionamento didático, pois superar-se significa compreender que precisamos estar em constante processo de aperfeiçoamento, principalmente con- siderando uma realidade como a apresentada no segundo tópico desta unidade, onde temos diante de nós uma nova forma de ser criança. FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 E sobre as crianças, Comenius (2011) logo nos fala sobre como devemos tratá- -las, com uma linguagem ainda mais poética do que esta que vos tento apresentar: Desta prudência dá-nos mostras o próprio sol que, no princípio da primavera, não incide logo sobre as plantas novinhas e tenras, nem, logo desde o princípio, às estreita e queima com seu calor, mas aque- cendo-as pouco a pouco, sensivelmente, fá-las crescer e ganhar vigor; e, finalmente, quando já são adultas e amadurecem os seus frutos e as suas sementes, lança-se sobre elas com toda a sua força (COMENIUS, 2011, p. 453). O que Comenius (2011) nos ensina aqui é sobre a necessidade da prudência do já citado “como” incidir ou se aproximar dos aprendentes. A exemplo do sol, ele nos ensina a calma e aponta a necessidade de uma metodologia, de se pensar em “como proceder” diante dos indivíduos. “À imitação do sol, o diretor da escola esforçar-se-á por levar a juventude a cumprir o seu dever” (2011, p. 453), o que nos dá a possibilidade de compreender a formação da indisciplina, em Comenius (2011), como sendo, também, o ato do descumprimento dos deveres, uma vez que a disciplina é tratada como o ato de cumpri-los. E como deveria ser a postura do diretor, do educador, segundo Comenius (2011)? “Com exemplos constantes, mostrando que é um modelo vivo de todas aquelas coisas para as quais os alu- nos devem preparar-se. Se falta isso, todo o resto é vão” (COMENIUS, 2011, p. 453). Com isso, fica a seguinte indagação: seria o próprio exemplo um elemento didático? Com toda certeza, em Comenius, sim! Comenius (2011) nos fala ainda sobre como atrair com “arte” os espíritos para a vontade de aprender: [...] Como efeito, se os estudos são adequadamente regulados, são, por si mesmos, atrativos para os espíritos, e, pela sua doçura, atraem e en- cantam a todos [...] Se acontece diversamente, a culpa não é dos alunos, mas dos professores. Mas, se se ignoram os métodos de atrair com arte os espíritos, é, sem dúvida, em vão que se emprega a força. Os açoites e as pancadas não têm nenhuma força para inspirar, nos espíritos, o amor das letras, mas, ao contrário, têm muita força para gerar, na alma, o tédio e a aversão contra elas (COMENIUS, 2011, p. 449). Da maneira mais simples possível, o que o autor nos mostra aqui é um outro elemento didático importante, o planejamento, a organização prévia para que o aluno (da Educação Infantil à Pós-Graduação) sinta que a aula, o conteúdo que As Ideias Educativas de Rousseau (1712 – 1778) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 está diante dele foi pensado, elaborado e cuidadosamente previsto para aquele momento, para que os alunos não se sintam objeto de improviso, pois assim, de fato, é difícil inspirar interesse e atenção. Para concluir esta breve reflexão sobre os posicionamentos de Comenius (2011, p. 77) em educação, não poderíamos deixar de citar que, para ele, “a for- mação do homem é muito mais fácil na primeira infância, ou melhor, só pode ser dada nessa idade”. E a exemplo da planta, o autor nos diz que o “enxerto” deve ser feito enquanto ela ainda é jovem. Enfim, compreender a natureza humana é indispensável para as relações educativas, e compreender Comenius é funda- mental para saber como se posicionar diante de tais relações. Apresentadas algumas proposições da educação comeniana, avancemos agora para o igualmente relevante Rousseau. AS IDEIAS EDUCATIVAS DE ROUSSEAU (1712 – 1778) Como apresentamos anteriormente, Comenius é considerado, até os dias atuais, como o “pai da didática” e o primeiro pedagogo da histó- ria ocidental. Rousseau é considerado o pai da pedagogia contemporânea. Rousseau (2017) influenciou o ilumi- nismo e o que veio posteriormente às ideias e teorias iluministas, como a própria Revolução Francesa, chegando, também, a atingir o romantismo. E se para Rousseau (2017) o homem nasce bom, sendo a socie- dade que o corrompe, é necessário que pensemos não apenas métodos, como predominantemente vemos em Comenius (2011), mas principalmente a socie- dade que cerca o indivíduo a ser educado. FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 A obra que escolhemos para apresentar brevemente o pensamento de mais esse clássico pensador é considerada um grande e um dos principais tratados da educação, e está intitulada Emílio ou Da Educação. Essa obra se divide em cinco partes, de maneira que o autor apresenta ao seu leitor a sua visão de criança e de aprendizagem em cada etapa de seu desenvolvimento. A primeira parte do livro fala da educação, do nascimento até os dois anos de idade, sendo esta a “idade da necessidade”. A segunda parte se refere à educação do indivíduo dos dois anos aos doze anos de idade, sendo a “idade da natureza”. Na terceira parte do livro, vemos considerações sobre a educação dos doze aos quinze anos de idade, sendo o período da “idade da força”. A quarta parte do livro refere-se ao perí- odo dos quinze aos vinte anos e fala da idade da razão. E a quinta parte do livro, dos vinte aos vinte e cinco anos de idade, Rousseau (2017) fala sobre a idade da sabedoria e do casamento. A título de curiosidade e informação, para o pensa- dor anterior, Comenius (2011), o indivíduo deveria começar a trabalhar apenas após os vinte e oito anos de idade, enquanto para Rousseau (2017) a essa idade o jovem já teria passado da dita idade da sabedoria e do casamento. Um fato interessante a ser apontado inicialmente sobre o nosso autor é que este teve cinco filhos que decidiu não criar, deixando para a assistência pública (internato) suas crianças, e posteriormente escreveu o já citado livro, uma das mais respeitadas obras em todo o mundo sobre “como criar filhos”. Acalme-se caro aluno, trago esta informação justamente para que você exercite a necessária tarefa de não julgar o passado com os valores do presente. Esta prática de deixar os filhos em internatos era comum na época em questão. Avançando um pouco mais, vamos focar brevemente no que Rousseau (2017) denomina de “idade da necessidade”, do nascimento aos dois anos de idade, já que nossa obra foca a Educação Infantil. E no Livro dessa obra, Rousseau (2017) inicia falando às mães, falando e reforçando a ideia de que a primeira educação é a mais importante de todas, é a que mais importa. E o autor segue orientando as mães, “forma logo uma cerca em torno da alma de teu filho: outro pode traçar- -lhe o circuito, mas apenas tu deves colocar a barreira” (ROUSSEAU, 2017, p. 42). O autor completa ainda com o que talvez seja uma das frases mais conhe- cidas da obra: As Ideias Educativas de Rousseau (1712 – 1778) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 Nascemos fracos, necessitamos de forças; nascemos desprovidos de tudo, necessitamos de assistência. Nascemos estúpidos, necessitamos de juízo. Tudo que não temos ao nascer e de que necessitamos quando adultos nos é dado pela educação. Essa educação vem da natureza, ou dos homens, ou das coisas. O desenvolvimento interno de nossas facul- dades de nossos órgãos é a educação da natureza; e o conhecimento de nossa própria existência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas. (ROUSSEAU, 2017, p.42). Aqui, o pensador evidencia o que para ele são aprendizados que dependem de fato- res externos ou internos, ambos relevantes para a formação da criança. No entanto, tudo o que se refere ou no que dependemos da natureza, segundo Rousseau (2017, p. 42) “nada podemos fazer”. De acordo com ele, nascemos sensíveis e desde o nosso nascimento somos afetados de diversas maneiras pelos objetos que nos cercam, mas, aos poucos, vamos adquirindo (dos 0 aos 2 anos) consciência de nossas sen- sações e passamos a evitar ou a procurar situações ou objetos. Para concluir mais este ponto, vamos retornar mais uma vez ao sociólogo Postman. O autor chave do início de nossa unidade, Neil Postman (2012), tam- bém se posiciona diante da obra Emílio ou da Educação, a fim de fazer uso de suas reflexões para corroborar com sua tese de que o fim da infância se dá com a entrada da criança no mundo informatizado. Postman (2012), ao fazer a aná- lise do discurso em torno de Emílio, conclui que para Rousseau se entende que a leitura é o fim da infância. Ou seja, que é justamente a passagem da falta de informação alfabética para a informação alfabética sistematizada que retira a criança do que ele denomina de infância. Entretanto, a essa questão ainda vol- taremos a discutir em nossa Unidade 3. Agora, vamos encerrar esta unidade apresentando as ideias educativas de Frederico Froebel. FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E34 AS IDEIAS EDUCATIVAS DE FREDERICO FROEBEL (1782 - 1852) Para início deste nosso último tópico intitulado As ideias Educativas de Frederico Froebel (1782 - 1852), precisamos fazer uma observação inicial. Lembrem-se que nos comprometemos, no início deste livro, em apresentar as ideias dos pen- sadores anunciados por meio de uma obra cuidadosamente escolhida de cada um. Isso por questões didáticas, ou seja, utilizando apenas fontes primárias, diri- gindo a maior rigorosidade teórica possível, para que vocês pudessem conhecer alguns dos pensamentos desses ícones da educação mundial de forma direta. E ao chegarmos em Froebel, apresentaremos a vocês, agora, a obra The Education of Man, “A Educação do Homem”. Ou seja, por se tratar de uma obra original- mente alemã, de difícil acesso e com poucas traduções relevantes e confiáveis, optamos por utilizar a versão em inglês. Sendo assim, apresentaremos uma tra- dução livre, diretamente realizada por meio deste que vos escreve, para melhor proveito das ideias do nosso último pensador. Feitas as devidas considerações, vamos a Froebel. É necessário que você, aluno(a), saiba, de imediato, que Froebel viveu em períodos extremamente conturbados. Entre 1789 e 1848, ou seja, em pratica- mente todo o período da vida de nosso pensador tivemos o desenvolvimento da Revolução Industrial, a Revolução Francesa, as Revoluções Nacionais e as Guerras Napoleônicas. As ideias de Froebel (1908), bem como as dos demais pensadores já apre- sentados, influenciam a educação até os dias de hoje. No entanto, Froebel (1908) tem uma particularidade por ter sido o que se considera o primeiro educador a pensar uma educação mais sistematizada para as crianças pequenas, compa- rando-as a plantas. Exatamente isso, o autor comparou as crianças a plantas que cresciam com a ajuda de nutrientes do solo. Os nutrientes, nesse caso, viriam a ser a mediação do professor, do “jardineiro”. Daí surge o conceito de “kinder- gartens” apresentado na obra em questão. Ou seja, Jardim de Infância (que será abordado em aspectos legais na próxima unidade). Para Froebel (1908), a liberdade é de extrema importância para que o desen- volvimento ocorra de forma correta. Desenvolvimento este que ele dividiu nas fases denominadas infância, de meninice, puberdade, mocidade e maturidade. As Ideias Educativas de Frederico Froebel (1782 - 1852) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 A infância é o momento onde a criança mais deve ser protegida pelos pais, aliás, ele vislumbrava uma união entre família e escola para o sucesso dos “kindergar- tens”: “The union of school and family influences essential to right education” (FROEBEL, 1908, p. 63), ou seja, aqui ele aponta a importância entre a união da família com a escola para que o processo educativo dê certo, para que ocorra de forma harmônica. Aliás, foi ele o primeiro pensador a enfatizar esta união, tão necessária, entre família e escola. FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E36 CONSIDERAÇÕES FINAIS Para findar, uma breve reflexão histórica, a título de exemplo da discussão do segundo tópico de nossa primeira unidade, se faz necessária: diante das inva- sões bárbaras, “e com o colapso do Império Romano, o sepultamento da cultura clássica e a imersão da Europa na Idade Média” (POSTMAN, 2012, p. 24) obser- vamos quatro pontos importantes em relação à história da infância. O primeiro é que neste contexto (conflituoso) a capacidade de ler e escrever desapareceu (deixou de ser repassada). O segundo é que desaparece a educação, o terceiro é que desaparece, também, a vergonha. E, por consequência desses três, desapa- rece o próprio conceito de infância estabelecido até o presente momento, ainda que de maneira rústica tenha existido. O ponto que devemos entender nesta primeira unidade de nosso livro e com esta citação final, é que a história descrita nos traz um fato, nos ensina que a infância, a ideia do ser criança, nem sempre existiu e pode um dia desapare- cer. A história da humanidade é repleta de exemplos, de culturas e costumes que ao longo do tempo deixaram de existir por diversos motivos. Estaremos então vivenciando um novo período, um período de desaparecimento da ideia social de infância, como nos apresenta Neil Postman (2012), ou estamos apenas vivenciando uma nova e pós-moderna maneira de pensar a infância, como nos apresenta Marín Díaz (2010)? Enfim, mesmo não havendo consenso nesse sentido, cremos que a proposição de Postman (2012, p. 11) é relevante para este final: “as crianças são mensa- gens vivas que enviamos a um tempo que não vemos”, os pensadores clássicos abordados também nesta unidade, de Rotterdam a Froebel, nos enviaram suas mensagens, e aqui completamos: que futuro, você, aluno(a) do curso de peda- gogia, acredita que estamos escrevendo com nossas atuais mensagens? Pensemos, agora, alguns aspectos políticos sobre a infância. 37 MORTE DA INFÂNCIA MODERNA OU CONSTRUÇÃO DA QUIMERA INFANTIL? Dora Lilia Marín-Díaz Introdução A metáfora da morte está por toda parte, e não está menos nas livrarias, nas quais os textos sobre a morte da infância se encontram junto aos que se ocupam da morte do eu, da sociedade, da ideologia e da história. Muitas vezes parece que esses debates só permitem a reduzida opinião entre o desespero fátuo e o otimismo nervoso (Buckingham, 2002, p. 17). Há duas décadas que o sociólogo norte-americano Neil Postman surpreendeu o campo das ciências sociais com a proclamação da morte da infância. Nem bem se estava assimi- lando as novas idéias sobre a infância como uma construção social, construída segundo Ariès (2006) a partir do século XVII, quando Postman (1999) já proclamava sua morte. Algo parecido com o que fizera Foucault a propósito da morte do homem na década de setenta. O desaparecimento ou morte é uma metáfora que está presente em muitas das análises que tentam explicar os acontecimentos e as mudanças radicais no mundo contemporâneo. Segundo os estudos de Buckingham (2002), no que se refere à morte da infância, tudo parece indicar que o enfraquecimento das fronteiras entre o mundo adulto e o mun- do infantil ocorre lenta e inexoravelmente; a transformaçãoda organização familiar, o déficit das estruturas e organizações governamentais, as novas formas de comunica- ção e informação, entre muitos outros fatores, seriam as causas desse processo de de- saparecimento. Os mesmos fatos, porém, são usados como argumentos para explicar a emergência de uma infância diferente e, com ela, de um mundo e uma cultura infantil particular que precisa de reconhecimento, atenção e privilégios. Tratar-se-ia do deslocamento de uma concepção de infância para outra que parece ser diferente daquela que predominou na sociedade ocidental nos dois últimos sécu- los. Diante desse movimento, o que autores como Postman (1999), Corea e Leukowicz (1999) descrevem como morte da infância moderna, autores como Rushkoff e Tapscott (1998) analisam como a emergência de uma nova figura infantil, uma infância adaptada às condições e às tensões contemporâ- neas ou, digamos assim, o nascimento de uma infância pós-moderna. À frente dessa dupla perspectiva – ou morte da infância moder- na ou nascimento de uma infância pós-moderna –, neste trabalho, produto da pesquisa que adiantei nos últimos oito anos, e que concluí com a Dissertação de Mestrado em 2009, usando algumas ferramentas arqueo-genealógicas propostas por Michel Fou- cault, proponho-me mostrar uma terceira via, segundo a qual é preciso identificar duas concepções de infância: uma constituída nos primórdios da Modernidade e que corres- ponderia às análises de Ariès (que denominarei como infância clássica), e outra consti- tuída a partir da segunda metade do século XVIII, a que chamarei de moderna liberal. Seguindo essa perspectiva, considero que o que acontece hoje é a incorporação ampla 38 e massiva (e não sem conflitos) dessa segunda concepção de infância, potenciada com a expansão das tecnologias da comunicação e da informação no último meio século. Assim, aqueles que lamentam a perda da infância moderna se referem fundamental- mente ao apagamento das características próprias da concepção clássica da infância, enquanto aqueles que proclamam o nascimento de uma infância pós-moderna só estão descrevendo a incorporação das características da concepção moderna liberal, dese- nhada desde a segunda metade do século XVIII e que se firmou com o aparecimento da psicologia dita científica no fim do século XIX. As discussões entre uma e outra pers- pectiva tiveram uma consequência particularmente significativa: a consolidação de um campo discursivo sobre a infância e, com ele, a produção de uma quimera infantil, uma forma de subjetividade na qual se combinam os mais heterogêneos, incongruentes e diversos elementos e características que atribuímos às crianças. Particularmente, esse duplo sentimento diante da criança: de ternura, promovido pelos anúncios publicitários de venda de produtos infantis, e de medo, promovido pelos noticiários e jornais sobre as crianças delinquentes e criminosas das periferias das nossas cidades. Morte ou Emergência de Outra Figura Infantil? Como assinalei anteriormente, temos hoje interpretações opostas sobre o problema das transformações contemporâneas que experimentamos em relação às crianças. Por um lado, estão aqueles que defendem a premissa de que a infância que conhecemos está desaparecendo ou morrendo e que a responsabilidade por tal fato é dos meios de comunicação, especialmente da televisão e da Internet. Nessa perspectiva, a mídia é responsabilizada por eliminar as fronteiras entre infância e maturidade através do enfra- quecimento da autoridade adulta. Por outro lado, há também autores, como Rushkoff e Tapscott (1998), por exemplo, que argumentam que o uso dos meios de comunicação e informação não só mantêm essas fronteiras, como produzem e ampliam o distancia- mento entre as gerações; com isso, estaria acontecendo uma ruptura cultural sem pre- cedentes entre o mundo adulto e infantil da qual sai beneficiada a infância, até agora fortemente controlada pelos adultos. A tese de Postman em seu livro O desaparecimento da infância (1999) é de que a fron- teira que separava o mundo adulto do infantil se quebrou devido ao fato de que os dois princípios fundamentais dos quais tal fronteira dependia já não são mais possíveis: o controle da informação e a sequência da aprendizagem. Com relação ao controle da informação, a infância, que antes estava protegida da exposição a conteúdos e informa- ção que poderiam tirar-lhe a inocência, hoje está amplamente exposta a eles através da mídia. Tal fato derruba a possibilidade de uma aprendizagem sequencial, do ensino pro- gressivo de conteúdos que, supostamente, se acoplavam à forma natural do raciocínio infantil (do simples para o complexo, do fácil para o difícil, do particular para o geral) e que fora centro da proposta didática de Comenius no século XVII. [...] Fonte: Marín-Díaz (2010). 39 1. Após conhecer, ainda que brevemente, um pouco de obras clássicas de autores mundialmente respeitados por suas produções, você pode perceber que cada um deles, Erasmo de Rotterdam (1466 – 1536), Comenius (1592 – 1670), Rous- seau (1712 – 1778) e Frederico Froebel (1782 - 1852), viveram em tempos his- tóricos diferentes, tendo concepções ora parecidas de infância e de educação, ora divergentes, ou simplesmente atentando-se a temas diferentes em suas obras. O que gostaríamos de insistir com cada um de vocês é que mantenham o respeito para com todos eles, buscando sempre se aprofundar antes de ti- rar qualquer conclusão precipitada sobre uma ou outra fonte teórica ou autor. Diante disso, selecione um dos pensadores aqui citados e apresentados em nossa unidade, e apresente algumas características de seu pensamento sobre a educação, sobre suas ideias educativas. 2. Considerando as proposições apresentadas por Neil Postman (2012, p. 34), leia as alternativas e assinale a correta: “A nova idade adulta, por definição, excluiu as crianças. E como as crianças foram expulsas do mundo adulto, tornou-se necessário encontrar um outro mundo que elas pudessem habitar”. a) Este outro mundo veio a ser conhecido como idade de transição. b) Este outro mundo veio a ser conhecido como infância. c) Este outro mundo veio a ser conhecido como adolescência. d) Este outro mundo veio a ser conhecido como novos adultos. e) Este outro mundo veio a ser conhecido como miniadultos. 40 3. Na clássica obra Emílio ou Da Educação, Rousseau (2017) divide as etapas do desenvolvimento do ser humano em cinco. E considerando cada uma dessas etapas, analise as afirmativas a seguir: I. A primeira etapa fala do nascimento até os dois anos de idade, sendo esta a “idade da necessidade”. II. A segunda etapa se refere à educação do indivíduo dos dois anos aos doze anos de idade, sendo a “idade da natureza”. III. Na terceira etapa vemos considerações sobre a educação dos doze aos quin- ze anos de idade, sendo o período da “idade da força”. IV. A quarta etapa refere-se ao período dos quinze aos vinte anos e fala da “ida- de da razão”. E na quinta etapa, dos vinte aos vinte e cinco anos de idade, Rousseau (2017) fala sobre a idade da “sabedoria e do casamento”. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) I e III, apenas. c) I e IV, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II, III e IV 4. O pai da didática e autor da obra Didática Magna Comenius (2011), nos traz em sua obra uma série de proposições didático-pedagógicas sobre “como” se fazer a educação. Diante disso, avalie o excerto abaixo em relação à postura do educador: “Com exemplos constantes, mostrando que é um modelo vivo de todas aque- las coisas para as quais os alunos devem preparar-se. Se falta isso, todo o resto é vão” (COMENIUS, 2011, p. 453). Considerando as proposições de Comenius (2011), explique a necessidade do ser “exemplo” para diferenciarmos o educador “autoritário” do educador “auto- ridade”. 5. O sociólogo norte americano Neil Postman (2012), autor da obra O desapareci- mento da Infância, que discutimos em nossa primeira Unidade, traz uma série de proposições teóricassobre a infância. Sobre isso, analise o trecho abaixo: A nova idade adulta, por definição, excluiu as crianças. E como as crianças foram expulsas do mundo adulto, tornou-se necessário encontrar um outro mundo que elas pudessem habitar. Este outro mundo veio a ser conhecido como infância (POSTMAN, 2012, p. 34). Diante disso, explique, de acordo com Postman (2012), o que ele considera “o princípio do fim da infância”. Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR O Desaparecimento da Infância Neil Postman Editora: GRAPHIA Sinopse: é possível imaginar o mundo sem crianças, tal como as reconhecemos ainda hoje? Um dos mais brilhantes críticos sociais da atualidade, Neil Postman, mostra neste livro, que não só é possível imaginar: aconteceu antes e está acontecendo de novo. A concepção atual de infância inexistia até o fim da Idade Média. Surge na Renascença, após a revolução promovida pela palavra impressa, que socializa a necessidade de alfabetização, multiplica e torna rotineiras as escolas, hierarquiza o conhecimento por faixa etária, dissemina noções de pudor, estabelecendo, por tudo isso e pela dificuldade de acesso aos segredos culturais que armazena, limites bem demarcados entre crianças e adultos. Agora, com a informação eletrônica – sobretudo a TV, que só requer aptidões naturais e o entendimento da fala, adquirido a partir do primeiro ano de vida – as fronteiras começam a desmoronar. A erotização precoce e a crescente participação infanto-juvenil nos índices de criminalidade são apenas os aspectos mais alarmantes de um conjunto de sinais de que a infância – e em especial a meninice, entre os sete anos e a puberdade – está em extinção. Para Postman, já habitamos um tempo de crianças adultas e de adultos infantis, e estamos no limiar de outro em que a idade das pessoas só estabelecerá diferenças marcantes em dois extremos – a primeira infância e a senectude. Os prenúncios dessa massa de criaturas indiferenciadas invadem o dia a dia, dentro e fora da tela mágica da TV: nas roupas, nos hábitos alimentares, no padrão linguístico, na profissionalização prematura dos esportistas, no fim das velhas brincadeiras infantis, em atitudes mentais e emocionais, e, é claro, no campo do sexo e da violência. Não há soluções fáceis e prontas para a questão. A família e a escola, além naturalmente das próprias crianças, são as grandes forças de resistência a este desfecho do século XX. Mas estão perdendo a luta. MATERIAL COMPLEMENTAR De Pueris (Dos meninos) Erasmo de Rotterdam Editora: Escala Sinopse: filósofo holandês e o grande divulgador do humanismo renascentista no norte da Europa e Alemanha, Erasmo de Rotterdam (1467-1536) escreveu a obra A Civilidade Pueril que, por cerca de três séculos, indicou formas de garantir a pedagogia das boas maneiras, influenciando diretamente muitas práticas pedagógicas. Dados sobre essa obra de Erasmo apontam indistintamente referências às crianças e aos jovens, o que comprova que ele não as diferenciava, mas se referia a uma disciplina que servisse a todos indistintamente, e não só a jovens de elite, como era comum na época. Erasmo também elaborou De Pueris, que literalmente significa Sobre os Meninos ou Dos Meninos - um texto em que o educador descortina o fundamento de tudo que vai orientar a vida em desenvolvimento do menino e dos adolescentes. Segundo ele, todo o processo educativo estaria pautado pelo alinhamento cultural orientado pelo humanismo e, além de seus estudos na área pedagógica, o filósofo também foi um erudito dedicado à teologia, retórica e aos estudos clássicos. Emílio ou Da educação Rousseau Editora: Edipro Sinopse: publicado em 1762, este incontornável clássico da filosofia moderna provoca e fascina o leitor de hoje quase com a mesma intensidade com que chocou o Século das Luzes. Rejeitando os métodos pedagógicos de seu tempo, Jean-Jacques Rousseau mostra como é possível educar uma criança segundo a natureza e, com isso, protegê-la dos vícios da sociedade. Todavia, Emílio é muito mais que um tratado de educação. O relato romanceado da vida de um menino, do nascimento até o casamento, forma uma obra rica e desconcertante, que se volta contra os sistemas de pensamento dominantes da época ao mesmo tempo em que contempla todos os temas cruciais da filosofia do século XVIII. No horizonte da pedagogia de Rousseau está a preocupação, essencialmente política, de formar o homem para a sociedade europeia de seu tempo. Na ocasião de sua publicação, o livro foi considerado revolucionário e escandaloso em diversos aspectos, e tanto precipitou os malogros de Rousseau quanto consolidou seu renome como filósofo e escritor. Síntese de décadas de reflexão e resultado de anos de redação, Emílio é a obra-mestra para entender o pensamento de Rousseau e uma referência sempre fundamental para a reflexão sobre o problema da educação. Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR The Education of Man Friedrich Froebel Editora: Saraiva Sinopse: In this classic of childhood education, Froebel identifies the fundamentals of his now-ubiquitous kindergarten system, including how to channel child’apos;s play and integrate it into the development of intelligence and social skills. Tradução livre: Neste clássico da educação infantil, Froebel identifica os fundamentos de seu sistema de jardim de infância, agora onipresente, incluindo como canalizar o brincar da criança e integrá-lo ao desenvolvimento da inteligência e das habilidades sociais. REFERÊNCIAS ALVES, N. Textos Poéticos para se Pensar a Sociedade. Curitiba: CRV, 2018. ARIÉS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: ABDR, 1978. BRANDÃO, C. R. Prefácio. In: SOUZA, A. Paulo Freire: vida e obra. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 7-19. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 09. abr. 2019. BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Edu- cação – PNE e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>. Acesso em: 09 abr. 2019. COMENIUS, I. A. Didática magna. Tradução de Ivone Castilho. 4. ed. São Paulo: Mar- tins Fontes, 2011. FROEBEL, F. The Education of Man. New York: D. Appleton and Company, 1908. MARÍN-DÍAZ, D. L. Morte da Infância Moderna ou Construção da Quimera Infantil? Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 193-211, set./dez. 2010. Disponí- vel em: <http://www.ufrgs.br/edu_realidade>. Acesso em: 09 abr. 2019. POSTMAN, N. O Desaparecimento da Infância. Tradução de Suzana Menescal de Alencar e José Laurentino. Rio de Janeiro: Graphia, 2012. ROTTERDAM, E. De Pueris (Dos Meninos): A Civilidade Pueril. Rio de Janeiro: Escala, 1927. ROUSSEAU, J. J. Emílio ou Da Educação. Tradução, introdução e notas Laurent de Saes. São Paulo: Edipro, 2017. REFERÊNCIA ON-LINE 1 Em: <http://univesptv.com.br/>. Acesso em: 04 fev. 2019. GABARITO 45 1. Nesta questão, você, aluno(a), tem a liberdade de verificar o pensador com quem mais se identificou e revisar o seu conteúdo a fim de, inclusive por meio de ma- teriais extras indicados aqui, buscar saber mais sobre o pensador. Diante disso, apresente algumas características de seu pensamento. 2. A resposta correta é a letra “b”, uma vez que o autor reflete ora sobre o surgimen- to da infância, no primeiro momento, após o surgimento de um mundo infor- matizado. 3. Considerando as etapas do desenvolvimento humano em Rousseau (2017), é correto o que se afirma em todas as opções apresentadas: na primeira etapa o autor fala do nascimento até os dois anos de idade, sendo essa a “idade da necessidade”. A segunda etapa se refere à educação do indivíduo dos dois anos aos doze anos de idade, sendo a “idade da natureza”. Na terceira etapa vemos considerações sobre a educação dos doze aos quinze anos deidade, sendo o período da “idade da força”. A quarta etapa refere-se ao período dos quinze aos vinte anos, e fala da “idade da razão”. Na quinta etapa, dos vinte aos vinte e cinco anos de idade, Rousseau (2017) fala sobre a idade da “sabedoria e do casamento”. Sendo assim, a alternativa correta é a letra “e”. 4. Para Comenius (2011), o educador “exemplo” é diferente do educador “autoritá- rio”. Para ser autoridade no processo educativo é necessário, antes, ser exemplo de todas aquelas coisas que exige; se falta isso, todo o resto é vão! 5. De acordo com Postman (2012), o princípio do fim da infância se dá com o ex- cesso de informações possibilitadas às crianças. Ao mesmo tempo que a prensa tipográfica cria o mundo das crianças ao dividir o que pertence a cada mundo (adulto-infância), também inaugurou uma era em que se perdeu o controle so- bre o que as crianças poderiam conhecer, levando ao princípio do fim. U N ID A D E II Professor Me. Antonio Batista Alves Neto POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Objetivos de Aprendizagem ■ Refletir sobre os aspectos legais da Educação Infantil em uma perspectiva histórica. ■ Analisar o modo como a Educação Infantil aparece nos documentos legais em âmbito internacional. ■ Verificar como a Educação Infantil é tratada nos documentos legais em âmbito nacional. ■ Compreender os limites e possibilidades entre os desafios práticos da Educação Infantil e os aspectos legais. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A “creche” e a “pré-escola”, ou seja, a Educação Infantil ■ A Educação Infantil nos documentos internacionais ■ A Educação Infantil nos documentos nacionais ■ A prática docente: entre os desafios das políticas para a Educação Infantil e os aspectos legais Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 49 INTRODUÇÃO Após discutirmos alguns dos principais conceitos históricos, filosóficos e socioló- gicos sobre as bases da Educação Infantil em nossa primeira unidade, iniciaremos esta segunda parte retomando um questionamento que já realizamos na apre- sentação deste livro: as escolas de Educação Infantil sempre existiram? Como atuar na educação, de maneira geral, sem compreender o que pode, o que não pode e o que deve ser feito? E mais, quais os processos políticos que culmina- ram em tais direitos, deveres e, também, regulamentações? Diante disso, caro(a) aluno(a), compreenda que estudar as “políticas públicas” para a educação, de maneira geral, é nada mais do que compreender, a fundo, pro- cessos políticos, documentos e transformações que ocorrem, também, em âmbito legal e que determinam, muitas vezes, aquilo que você, enquanto professor, poderá ou deverá fazer em sua prática em sala de aula. Neste caso específico, estudaremos as políticas públicas voltadas para a Educação Infantil. Buscaremos abarcar quase trinta anos de documentos que moldaram essa primeira etapa da Educação Básica. Sendo assim, nesta unidade verificaremos alguns aspectos legais entre a “Creche” e a “Pré-Escola”, ou seja, a Educação infantil e analisaremos alguns documentos internacionais que influenciaram e influenciam os documentos da educação nacional em todas as suas etapas, níveis e modalidades. Para discu- tirmos os documentos nacionais da educação, falaremos sobre a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil de 1997, os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (2006), as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais e a Educação Infantil de 2010, o Plano Nacional de Educação 2014/2024, chegando a algumas considerações sobre a Base Nacional Comum Curricular de 2017. Enfim, buscaremos traçar um raciocínio cronológico a respeito dos docu- mentos que norteiam a educação brasileira, dando ênfase à Educação Infantil. POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E50 A “CRECHE” E A “PRÉ-ESCOLA”, OU SEJA, A “EDUCAÇÃO INFANTIL” Caro(a) aluno(a), para avançarmos, é necessário que você domine alguns concei- tos próprios das discussões legais, das discussões que ocorrem em torno da área das “políticas para a educação”. Um conceito importante que precisamos domi- nar é aquele que se refere à localização da Educação Infantil dentro da Educação Nacional. A Educação Infantil é a primeira de três etapas da Educação Básica, que é o primeiro nível da Educação Nacional. Sobre isso, verifique a figura a seguir, para compreender melhor a organização de nossa educação: A “Creche” e a “Pré-Escola”, ou Seja, a “Educação Infantil” Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 51 Figura 1 - Níveis da Educação Nacional Fonte: o autor. Como podemos observar na Figura 1, a Educação Nacional está dividida em dois grandes níveis. O primeiro nível da Educação Nacional refere-se à Educação Básica. Dentro da Educação Básica encontramos 3 etapas, e a Educação Infantil, nosso objeto de estudo neste livro, é a primeira delas. Observe que cada uma das etapas da Educação Básica apresenta uma divisão específica e está amparada na Lei. A Educação Infantil, amparada, também, pelo Artigo 30 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, está dividida em duas partes. A primeira está situada entre 0 e 3 anos de idade, oferecida, de acordo com a LDB, em creches. No entanto, uma observação faz-se necessária, a deno- minação “creche”, apresentada desde o Artigo 10 da LDB, pode variar de acordo com os estados brasileiros, que atribuem à creche a denominação de Centros de Educação Infantil (CEI) ou Centros Municipais de Educação Infantil (CEMEI), de acordo com a organização local. Temos ainda os Centros de Educação Infantil Indígena (CEIIs) dentre outros que podem variar de acordo com as condições e políticas de cada região. A segunda parte da Educação Infantil está situada entre os 4 e 5 anos e é oferecida em pré-escolas. “A expressão educação ‘pré-escolar’, utili- zada no Brasil até a década de 1980, expressava o entendimento de que a Educação Infantil era uma etapa anterior, independente e preparatória para a escolarização” POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E52 (BRASIL, 2017, on-line)1. Ou seja, acreditava-se que a educação, de fato, se inicia- ria apenas na etapa seguinte, no ensino fundamental. Enfim, esta é a Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, situada entre 0 e 5 anos de idade e dividida em duas partes, a primeira dos 0 aos 3 anos e a segunda entre os 4 e os 5 anos. Mas será que foi sempre assim? A Educação Infantil sempre existiu? Já sabemos a resposta para a pergunta feita no parágrafo anterior, certo? A Unidade I trouxe uma discussão sobre a existência, ou não, do conceito social de “infância”. E se por muito tempo na história da humanidade não havia sequer a noção de “infância”, quem dirá de uma educação para a infância, não é mesmo? Então, quando surgem as primeiras instituições de Educação Infantil? Para essa ques- tão, vamos nos limitar ao Brasil, especificamente no século XX, período em que se registra, oficialmente, as primeiras instituições com grandes influências europeias. Para sermos honestos, é necessário ressaltar que foi no Império (1822-1889), ainda no século XIX, que surgiram as primeiras discussões sobre uma educação sistematizada para a infância. Mas, como nos mostraKuhlmann Junior (2000) foi só no período da República Velha (1889-1930) que criam-se, oficialmente, as primeiras instituições de Educação Infantil, “chegando a contar ao menos 15 creches, em 1921, e 47, em 1924, distribuídas por várias capitais e algumas cida- des do país” (KUHLMANN JUNIOR, 2000, p. 8). Após esse período, já em 1932, a própria legislação trabalhista previa que estabelecimentos onde trabalhassem 30 mulheres ou mais, teriam de ter ao menos uma creche, visto que esta insti- tuição tem como função, no início, acolher os filhos da classe trabalhadora. No entanto, como podemos observar até os dias de hoje, dificilmente aquilo que consta na Lei é cumprido à risca na prática. Sobre esse período, é necessário apontar que ainda em 1932, com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, reforça-se a necessidade de uma educação laica, gratuita, obrigatória para todos e como função do estado. Nesse documento, os autores reforçam que: A escola primária que se estende sobre as instituições das escolas ma- ternais e dos Jardins de infância e constitui o problema fundamental das democracias, deve, pois, articular-se rigorosamente com educação A “Creche” e a “Pré-Escola”, ou Seja, a “Educação Infantil” Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 53 secundária unificadora, que lhe sucede, em terceiro plano, para abrir acesso às escolas e institutos superiores de especialização profissional ou de altos estudos (AZEVEDO et al, 2010, p. 51). O que observamos é que, nesse período, houve uma crescente discussão em torno da necessidade de uma educação sistematizada para as infâncias, com especifica- ções claras, inclusive. Cabe considerar ainda que mesmo o Brasil tendo recebido grandes influências de países europeus para seu modelo de Educação Infantil, como nos mostra Muller (2007, p. 82), a Inglaterra já tinha tornado sua educa- ção obrigatória até os 12 anos de idade “em 1893” e a “França em 1881”. Já no Brasil, grandes avanços práticos só foram observados, de fato, ao final do século seguinte, de acordo com Kuhlmann Junior (2000): É durante o regime militar [...] que se inicia esta nova fase, que terá seus marcos de consolidação nas definições da Constituição de 1988 e na tardia Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996. A legislação nacional passa a reconhecer que as creches e pré-escolas, para crianças de 0 a 6 anos, são parte do sistema educacional, primeira etapa da educação básica (KUHLMANN JUNIOR, 2000, p. 6). O que observamos em Kuhlmann Junior (2000) é que ainda durante a ditadura civil-militar tivemos avanços na conceituação da importância da primeira etapa da Educação Básica. Importância esta que foi reforçada nos anos seguintes: Com a Constituição Federal de 1988, o atendimento em creche e pré- -escola às crianças de zero a 6 anos de idade torna-se dever do Estado. Posteriormente, com a promulgação da LDB, em 1996, a Educação In- fantil passa a ser parte integrante da Educação Básica, situando-se no mesmo patamar que o Ensino Fundamental e o Ensino Médio (BRA- SIL, 2017, on-line)1. Mais à frente, “a partir da modificação introduzida na LDB em 2006, que ante- cipou o acesso ao Ensino Fundamental para os 6 anos de idade, a Educação Infantil passa a atender a faixa etária de zero a 5 anos” (BRASIL, 2017, on-line)1. E foi com a Emenda Constitucional nº 59/2009, que se determinou a “obrigato- riedade da Educação Básica dos 4 aos 17 anos” (BRASIL, 2017, on-line)1. Essa Emenda, consagra a obrigatoriedade das famílias em matricular seus filhos de 4 e 5 anos de idade nas instituições de Educação Infantil. Com a contemplação da Educação Infantil na Base Nacional Comum Curricular de 2017 ela passa a se efetivar ainda mais como etapa importante da Educação Nacional. POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E54 Agora, discutiremos esses documentos e as influências internacionais na composição de cada um deles. Para que você compreenda as nomenclaturas que apresentaremos daqui em diante, saiba que tais documentos são organiza- dos por Títulos, Capítulos, Seções, Artigos e Incisos. A EDUCAÇÃO INFANTIL NOS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS Neste tópico, falaremos, brevemente, sobre a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Declaração Mundial de Educação para Todos. A apresenta- ção dessa instituição, seus órgãos e documentos, visa realizar uma introdução ao tópico seguinte, tentando evidenciar o quanto o Brasil se relaciona e é depen- dente de decisões internacionais e que, por consequência, tem seus documentos e políticas públicas influenciados e muitas vezes até determinados por decisões de âmbito internacional. Mas por qual motivo o Brasil sofre tanta influência desses documentos internacionais? Ou melhor, por qual motivo os documen- tos brasileiros são tão influenciados e às vezes determinados pelos documentos internacionais? É simples, caro(a) aluno(a), o Brasil é signatário dos acordos e documentos da ONU. Significa dizer que ele assina, logo concorda com o que esse órgão decide. A Educação Infantil nos Documentos Internacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 55 A Organização das Nações Unidas (ONU) teve sua origem no pós-Segunda Guerra Mundial, no ano de 1945, como uma tentativa de unir os povos e traba- lhar para que as barbáries cometidas pela humanidade contra a humanidade não ocorressem mais. Atualmente a ONU conta com 193 países-membros e, como já anunciamos, o Brasil é um deles. Atualmente as Nações Unidas têm 26 programas, fundos e agências vin- culados de diversas formas com a ONU apesar de terem seus próprios orçamentos e estabelecerem suas próprias regras e metas. Todos os orga- nismos têm uma área específica de atuação e prestam assistência técnica e humanitária nas mais diversas áreas (ONU BRASIL, 1948, on-line)2. Um desses programas vinculados à ONU, o mais relevante para esta discus- são, é a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que agrupa documentos e decisões que são de nosso interesse neste livro, ou seja, documentos e decisões sobre a educação. A ligação do Brasil com a ONU é algo positivo? Participar de tantos acordos e pactos internacionais é bom para o Brasil? É perigoso? A única coisa que afirmamos, é que não existe consenso sobre a relação “ONU X Brasil” entre os pesquisadores. Agora, conheça você um pouco mais sobre o assunto e tire suas próprias conclusões. Para saber um pouco mais sobre a ONU, acesse: <https://nacoesunidas. org/>. Fonte: o autor. POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E56 Dentro da proposta de ação da UNESCO, que foi criada em 16 de novembro de 1945, encontramos conceitos como a “educação para todos”, “direitos huma- nos”, dentre outros. Sobre isso, encontramos o documento intitulado “Declaração Universal dos Direitos Humanos[1]”, promulgado em 10 de dezembro de 1948. Esse documento é composto por 30 artigos, sendo que a educação é tratada de maneira direta no Artigo XXVI; 1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução ele- mentar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessí- vel a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanose pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz (ONU BRASIL, 1948, on-line). Esses dois primeiros pontos são importantes para entendermos como a Educação Infantil, já em 1948, era vista como prioridade, ou ao menos como uma necessi- dade. No entanto, um outro ponto, ainda no Artigo XXVI, também é relevante para nossas discussões: “Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos” (ONU BRASIL, 1948, on-line)2. Nesse ponto, entendemos que é possível legitimar, ou ao menos embasar a dis- cussão sobre a possibilidade do Ensino Domiciliar como uma decisão dos pais. Ou seja, estamos falando do homeschooling, que ainda não é uma prática legal no Brasil. Sobre isso, falaremos mais adiante. Outro documento internacional que influencia nossa educação é a Declaração Mundial de Educação para Todos, produzida em Jomtien, na Tailândia, em 1990, como resultado da Conferência Mundial de Educação para Todos. Ele diz em seu Artigo 5º: A aprendizagem começa com o nascimento. Isto implica cuidados básicos e educação inicial na infância, proporcionados seja através de estratégias que envolvam as famílias e comunidades ou programas ins- titucionais, como for mais apropriado (ONU BRASIL, 1990, on-line)3. Esse artigo evidencia mais uma vez como a Educação Infantil vem tomando pro- porção e vem ganhando relevância no cenário internacional, o que foi positivo para a nossa educação. A Educação Infantil nos Documentos Internacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 57 Por fim, temos o Marco de Dakar, organizado no Fórum Mundial sobre Educação de Dakar, promovido pela UNESCO no ano de 2000. Aqui cabe uma observação. O Marco de Dakar de 2000 está para a Declaração Mundial de Educação de para Todos de 1990 assim como o Plano Nacional de Educação bra- sileiro de 2001/2011 está para o Plano Nacional de Educação de 2014/2024. O Marco de Dakar de 2000 é uma reafirmação dos objetivos firmados no documento de 1990, assim como o atual Plano Nacional de Educação 2014/2024 é uma rea- firmação dos objetivos do nosso documento nacional de 2001. Fato é que pouca transformação prática esses quatro documentos trouxeram para nossa nação. No que se refere ao Marco de Dakar de 2000, este também apresenta ele- mentos importantes para a educação em suas linhas. Mais especificamente com a educação da criança pequena: 7. Nós nos comprometemos a atingir os seguintes objetivos: a) expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena, especialmente para as crianças mais vulneráveis e em maior desvan- tagem; b) assegurar que todas as crianças, com ênfase especial nas meninas e crianças em circunstâncias difíceis, tenham acesso à educa- ção primária, obrigatória, gratuita e de boa qualidade até o ano 2015; (MARCO DE DAKAR, 2000, p. 8-9) O que observamos aqui é mais uma preocupação que influencia nossos docu- mentos de maneira positiva, a de pensar a educação desde as crianças pequenas. E sobre esta expansão, prevista e recomendada no documento para até o ano de 2015, talvez você esteja se perguntando: ela se materializou na prática? Ela saiu dos documentos? Falaremos sobre isso ao abordar as metas 1 e 20 do Plano Nacional de Educação 2014/2024, mais a frente, o que mostra o quanto esses documentos internacionais influenciaram e influenciam os nossos. Agora, vejamos alguns dos principais documentos nacionais para a Educação Infantil. POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E58 A EDUCAÇÃO INFANTIL NOS DOCUMENTOS NACIONAIS Antes de iniciarmos este tópico, tenha em mente que a legislação brasileira é mar- cada por uma cultura de constantes alterações. A própria Constituição Federal de 1988 conta, em 2018, com 91 emendas em meio aos seus 250 Artigos, e há mais 6 em processo de construção. Logo, o que queremos advertir neste ponto é que é possível que haja alterações nos documentos que aqui citamos. Por isso é nossa obrigação estarmos sempre atualizados, buscando fontes diversas para nossa formação, sempre acompanhando os processos que resultam em nossas Leis, para que enquanto educadores não fiquemos defasados durante nossa prática. Agora, apresentaremos a você como a Educação Infantil é abordada na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 1990), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil de 1998, nos Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (2006), nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais de 2010, no Plano Nacional de Educação 2014/2024, chegando a algumas considerações sobre a Base Nacional Comum Curricular de 2017. Entenda que todos esses documentos não falam apenas sobre a Educação Infantil, mas sim sobre todas as etapas da educação nacional. No entanto, dare- mos foco ao nosso objeto de estudo, para compreendermos legalmente como essa etapa está situada em cada um deles. A Educação Infantil nos Documentos Nacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 59 Outro ponto de extrema relevância para nossa discussão é que, como vimos no tópico anterior, o Brasil é signatário dos principais documentos da Organização das Nações Unidas (ONU), logo, na teoria, ele concorda com as proposições apresentadas neles. E mais, se dispõe a cumprir cada um deles, sempre pre- servando sua autonomia enquanto nação. O que queremos deixar claro é que existe uma relação de hierarquia aqui. Os documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário tendem a ditar como os nossos documentos e políticas são construídas. Sendo assim, um documento como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a nossa LDB, Lei 9.394/96, não pode deixar de garantir os direitos previstos, por exemplo, na Declaração Mundial sobre Educação para Todos, nem ir contra o que consta neste documento. Resumidamente, nossos documentos nacionais devem estar alinhados com os documentos internacio- nais dos quais somos signatários. Sobre isso, existem muitas críticas de grupos de todos os lados. Como já apontamos, não há consenso entre os pesquisado- res sobre ser “positivo” ou “negativo” o fato de o Brasil estar tão ligado assim a organismos internacionais. Enfim, para que possamos tirar nossas próprias conclusões é necessário conhecimento. Sendo assim, vamos estudar agora alguns documentos nacionais que norteiam a nossa educação, começando pela Constituição Federal de 1988. A EDUCAÇÃO INFANTIL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Para iniciarmos, caro(a) aluno(a), tenha em mente que a Constituição Federal de 1988 é o documento mais importante, é o documento maior, a “Carta Magna” de nossa nação. Nesse documento, encontramos todos os assuntos possíveis, assuntos estes que são detalhados posteriormente em seus documentos pró- prios. Por exemplo, a educação nacional está abordada na Constituição, mas ela tem um documento próprio, que foi elaborado em 1996. Estamos falando da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Lei 9.394/96. Mesmo este documento precisa respeitar e caminhar alinhado com aquilo que diz o nosso documento maior, a Constituição. Agora, vamos ao contexto deste documento. POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E60 Durante os 21 anos do que denominamos de Ditadura Civil- militar (1964-1985) no Brasil, tivemosoito presidentes militares, sendo eles: Castelo Branco (1964 - 1967), Costa e Silva (1967-1969), Aurélio Lyra, Augusto Rademaker e Márcio Mello (31 de agosto de 1969 – 30 de outubro de 1969), os três assumiram o governo com a Junta Militar por força do Ato Institucional Nº 12. Tivemos também Emílio Garrastazu Médici (1969 – 1974), Ernesto Geisel (1974 – 1979) e João Baptista Figueiredo (1979 – 1985). Após este período, e diante da Emenda Nº 26 de 1985, funda-se, judicialmente, a Constituinte de 1987/88 e, consequentemente, a nossa Constituição Federal de 1988. Não preten- demos dar conta e discutir a fundo o contexto de produção de nossa constituição, uma vez que o foco aqui é outro. Nossa constituição, aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte em 22 de setembro de 1988 e promulgada em 5 de outubro de 1988, é marcada por ser um divisor de águas entre um período militar e o início de uma nova democra- cia. Diante disso, nossa Constituição tem, evidentemente, seus ranços históricos e suas aspirações de futuro. E ao longo de seus 250 Artigos e centenas de altera- ções, ela discorre, também, sobre educação. Figura 2 - Constituição Federal de 1988 Fonte: Câmara dos Deputados (2018, on-line)4. Você sabia que a eleição presidencial de 1989 foi a que mais teve candidatos na história de nosso país? No total, 22 candidatos concorreram ao cargo, sen- do os principais Fernando Collor de Melo (PRN, atual PTC), Luís Inácio Lula da Silva (PT), Leonel Brizola (PDT), Mario Covas (PSDB) e Paulo Salim Maluf (PDS). Dentre os 22, tivemos também, o apresentador de TV Silvio Santos. As eleições foram decididas em segundo turno, entre Fernando Collor e Lula. Collor venceu com 53,03% dos votos, contra 46,97 de Lula. Saiba mais em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/224213>. Fonte: o autor. A Educação Infantil nos Documentos Nacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 61 É no Título VIII, “Da ordem social”, que encontramos o Capítulo III, intitulado “Da educação, da Cultura e do Desporto”, mais especificamente entre os Artigos 205 e 214 que a educação está situada dentro da Constituição de 1988. Um dos artigos mais importantes para a educação, de maneira geral, é o Artigo 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será pro- movida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao ple- no desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidada- nia e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, on-line). Esse Artigo, apesar de amplo, apresenta as bases da educação. Estabelece como dever do Estado, da família e com incentivo da sociedade, o direito à educação. Todavia mesmo tendo um capítulo próprio dentro da Constituição, a educação nacional, seus níveis e etapas aparecem citados em outros trechos de nossa Carta Magna. Ao longo dos 250 artigos do texto, a palavra “educação” aparece 184 vezes. Já o termo “Educação Infantil” se repete apenas 10 vezes, enquanto o termo “creche”, espaço destinado à primeira parte da Educação Infantil (0 a 3 anos), aparece citado 10 vezes. O termo “pré-escola”, espaço destinado à segunda parte da Educação Infantil (4 a 5 anos), aparece no texto 12 vezes. Visto que estamos abordando especificamente a Educação Infantil e seus momentos, vamos verificar como eles aparecem ao longo do documento. De maneira resumida, a etapa da Educação Infantil aparece na Constituição, pela ordem, nos seguintes pontos: No Brasil, cerca de 15 mil crianças estudam pela modalidade do Ensino Do- miciliar no entanto, ainda não existe uma legislação que garanta a efetivi- dade do homeschooling. O que você pensa sobre isso? As famílias deveriam escolher onde e como educar seus filhos? Saiba mais sobre o Ensino Domi- ciliar acessando o site da Associação Nacional de Educação Domiciliar, em: <https://www.aned.org.br/>. Fonte: o autor. POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E62 Quadro 1 - A Educação Infantil Constituição Federal de 1988 X ONDE ENCONTRAR: 1 Art. 30, VI. 2 Art. 40, III, § 5º. 3 Art. 201,V, § 8º. 4 Art. 208, IV. 5 Art. 60 do ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS, XII, 4º. 6 Art. 3º, § 2º da Emenda Constitucional número 14, de 1996. 7 Art. 1º, III, § 5º da Emenda Constitucional número 20, de 1998. 8 Art. 1º, II, § 8º, da Emenda Constitucional número 53, de 2006. 9 Art. 1º, VI da Emenda Constitucional número 53, de 2006. 10 Art. 1º, IV da Emenda Constitucional número 53, de 2006. Fonte: Brasil (1988). Tendo como base os itens acima, faremos apontamentos quanto ao que há de prin- cipal dentro da Constituição no que se refere à Educação Infantil. A primeira vez que a etapa da Educação Infantil é citada em nossa Constituição Federal é no Título III, “Da Organização do Estado”, mais especificamente no Capítulo IV, intitulado “Dos Municípios”, no Artigo 30, “Inciso VI”, que diz que compete aos municípios: “manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental” (BRASIL, 1988, on-line). Esse Artigo deixa claro que a responsabilidade de oferecer e manter a Educação Infantil é dos Municípios, tendo, é claro, o apoio da União e dos estados. Outro ponto importante sobre a Educação Infantil dentro da Constituição, talvez o mais relevante e que dá base para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, é o Artigo 208, o qual apresentamos na íntegra a seguir (BRASIL, 1988, on-line): Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (EC número 14/96, EC número 53/2006 e EC número 59/2009) I – Educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezes- sete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; II – Progressiva universalização do ensino médio gratuito; A Educação Infantil nos Documentos Nacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 63 III – Atendimento educacional especializado aos portadores de defi- ciência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV – Educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; V – Acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI – Oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do edu- cando; VII – Atendimento ao educando, em todas as etapas da educação bási- ca, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. E sobre o Artigo 208, dois pontos precisam ser melhor explicados. Primeiro, pre- cisamos apontar a importância do Inciso IV, que situa a Educação Infantil até 5 anos de idade. Segundo, o Inciso I, que garante a obrigatoriedade da Educação Básica, obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade. E talvez agora você esteja se perguntando: mas, professor, a Educação Infantil vai dos 0 aos 5 anos de idade, porém a Educação Básica obrigatória vai dos 4 aos 17? É isso mesmo? Exatamente, caro(a) aluno(a)! Entenda muito bem esse ponto e leia quantas vezes for necessário antes de avançar. Essa questão é comumente cobrada em provas do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) e em concursos por todo o Brasil. A Educação Infantil vai dos 0 aos 5 anos, entretanto apenas uma parte dela é obrigatória de acordo com a Lei, apenas o que chamamos de Infantil IV e V, ou seja, a etapa da pré-escola.Em outras palavras, significa dizer que, de acordo com a Lei, o governo não tem a obrigatoriedade de oferecer o pleno acesso à “creche/CEMEI” (0 a 3 anos), mesmo que já ofereça para grande parte da população. Para findar, entendam que nosso objetivo aqui não é formar, neste momento, especialistas em Constituição. Assim como nos demais documentos, porém, esperamos que você tenha condições de se localizar com tranquilidade, para POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E64 que, em momentos oportunos, esteja munido de conhecimento para poder agir com tranquilidade e eficiência. Analisemos, agora, alguns aspectos do Estatuto da Criança e do Adolescente e sua relação com a Educação Infantil. A EDUCAÇÃO INFANTIL NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, LEI 8.069/90 Os documentos abordados a seguir serão apresentados com o objetivo de expor os fun- damentos para se pensar os direitos e deveres para a infância em nosso país. Cabe apontar, aqui, que o termo “Educação Infantil” não aparece neste documento ori- ginalmente, mas sim suas subdivisões, a “creche” e a “pré-escola”. É no Capítulo IV, intitulado “Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer”, no Artigo 54, que a creche e a pré-escola aparecem como um dever do Estado para com a criança: “IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade; (Redação dada pela Lei nº 13.306, de 2016)”, garantido, também, pelo Artigo 208 (BRASIL, 1990, on-line). Outro ponto de relevância é o apresentado no Capítulo II, intitulado “Das Infrações Administrativas”: Art. 245. Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de co- municar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente: Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando- -se o dobro em caso de reincidência (BRASIL, 1990, on-line). Figura 3 - Estatuto da Criança e do Adolescente Fonte: Brasil (1990). BRASÍLIA - 2005 SENADO FEDERAL SECRETARIA ESPECIAL DE EDITORAÇÃO E PUBLICAÇÕES SUBSECRETARIA DE EDIÇÕES TÉCNICAS Estatuto da Criança e do Adolescente A Educação Infantil nos Documentos Nacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 65 Sobre esse artigo, cabe ressaltar que do momento que um aluno adentra a escola até o momento de deixá-la, ele é de inteira responsabilidade dos educadores que ali estão. O Art. 18 diz ainda que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”, de maneira que tanto a ação quanto a omissão pode ocasionar em culpa e punição legal para o educador responsá- vel, como podemos observar no Artigo 225: “este Capítulo dispõe sobre crimes praticados contra a criança e o adolescente, por ação ou omissão, sem prejuízo do disposto na legislação penal” (BRASIL, 1990 on-line). Como observamos nos artigos dessa lei, tanto o tocar quanto a omissão podem trazer prejuízos legais ao docente. Cabe a cada um de nós estar fundamentado legal e didaticamente para agir sempre com segurança, de maneira a nos proteger e, principalmente, proteger a criança. Agora, avancemos para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96). A EDUCAÇÃO INFANTIL NA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (LEI 9.394/96) A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, está organizada em 92 artigos divididos dentro de IX Títulos. E é no Título V, Capítulo II, Seção II que está situada a Educação Infantil. É necessário apontar que a LDB é a Lei maior da Educação, a base de toda a educação nacio- nal, ainda que tenhamos outros documentos de extrema relevância para a organização dos níveis, etapas e modalidades. Figura 4 - LDB de 1996 Fonte: Brasil (2017). POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E66 E como já apontamos, a Educação Infantil, hoje, diferente do que se obser- vou antes da década de 1980, é a primeira etapa da educação, faz parte dela: Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, comple- mentando a ação da família e da comunidade (BRASIL, 2017, on-line) Dois pontos precisam ser mencionados sobre essa citação. O primeiro se refere ao fato de que existe uma repetição de certos direitos nos documentos. De maneira que os documentos internacionais falam da educação para as crianças peque- nas, a Constituição Federal fala sobre a educação dos 0 aos 5 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente também, a LDB reitera e outros documentos meno- res, também. E assim é com outros direitos e deveres. Então você não leu errado, é isso mesmo, os termos se repetem. O segundo ponto é a importância da pre- ocupação com os aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e sociais da criança dentro da escola, de maneira que esta instituição deve complementar a ação da família de acordo com a Lei. O Artigo 30 reitera que “A educação infantil será oferecida em: I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II – pré-esco- las, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade” e o Artigo 31 detalha alguns processos importantíssimos como: A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: I – avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimen- to das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental; II – carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) horas, distribuída por um mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho educacional. III – atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada integral. IV – controle de frequência pela instituição de educação pré-escolar, exigida a frequência mínima de 60% (sessenta por cento) do total de horas. V – expedição de documentação que permita atestar os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança (BRASIL, 2017, on-line). A Educação Infantil nos Documentos Nacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 67 Por fim, entendam que todos esses direitos -como a avaliação adequada, carga horária e a necessidade de relatórios, documentos que atestem o desenvolvi- mento do indivíduo mediante análise fundamentada- só são possíveis se houver vontade política para oferecer condições de materialização da Lei e empenho docente para fazer tudo isso acontecer. Sem estes dois elementos, pouco avan- çaremos no dia a dia de nossos alunos. Agora, vamos conhecer o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil de 1998. O REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL DE 1998 Diante da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.493/96, a Educação Infantil passa a fazer parte da Educação Básica. Logo era necessário que houvesse, então, uma diretriz para esta etapa da educação. Com isso, surge o nosso Referencial Curricular para a Educação Infantil. É o primeiro documento em âmbito nacional a dar um direcionamento para essa etapa, trata-se de um marco na Educação Infantil. Antes do Referencial, ainda pairava dentro das instituições a ideia de que para lidar com crianças nessa faixa etária não era necessário ter formação, pois tratava--se “apenas do cuidar”, “trocar”, “alimentar” etc. Esse documento é dividido em três volumes, sendo o primeiro intitulado Referencial Curricular para a Educação Infantil – Introdução, o segundo intitulado Referencial Curricular para a Educação Infantil - Formação Pessoal e Social e o terceiro Referencial Curricular para a Educação Infantil - Conhecimento de Mundo. A caráter de informação, o volume 3 é o mais polêmico, pois é nele que muitos educadores encontram fundamentos para trabalhos Figura 5 - Referencial para a Educação Infantil Fonte: Brasil (1998). POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E68 voltados para questões de “sexualidade”. Após esses três volumes, temos ainda o Referencial Curricular para a Educação Infantil - Estratégias e Orientações para a Educação de Crianças com Necessidades Educacionais Especiais no ano 2000. Enfim, neste momento, abordaremos o documento introdutório. Iniciado em 1997 e concluído em 1998, o Referencial não é obrigatório, mas como o próprio documento aponta, é apenas um “referencial”, um norte para a ação docente. Tendo como base principal a perspectiva “construtivista”, o docu- mento utiliza como base para fundamentar suas ideias sobre o desenvolvimento da criança os trabalhos de Piaget e Vigotski, dois autores muito importantes que estudaremos na próxima unidade. Além de conter uma concepção de criança, de professor e de sociedade, o Referencial aponta metas de qualidade que buscam contribuir com o ensino das crianças ao se apresentar como um modelo de currículo para a Educação Infantil, que hoje equivaleria a atual Base Nacional Comum Curricular de 2017. O Referencial fala sobre o cuidar, sobre o aprender em situações orientadas, sobre a interação, sobre a diversidade e individualidade, sobre a aprendizagem significativa e conhecimentos prévios, sobre resolução de problemas, sobre pro- ximidade com as práticas sociais reais, sobre educar crianças com necessidades especiais, dentre outros assuntos. Em nosso Referencial encontramos ainda os obje- tivos gerais para a Educação Infantil, de maneira que “a prática da educação infantil deve se organizar de modo que as crianças desenvolvam as seguintes capacidades”: Quadro 2 - Objetivos Gerais ■ desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais independente, com confiança em suas capacidades e percepção de suas limitações; ■ descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas potenciali- dades e seus limites, desenvolvendo e valorizando hábitos de cuidado com a própria saúde e bem-estar; ■ estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo sua auto-estima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comuni- cação e interação social; ■ estabelecer e ampliar cada vez mais as relações sociais, aprendendo aos pou- cos a articular seus interesses e pontos de vista com os demais, respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda e colaboração; A Educação Infantil nos Documentos Nacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 69 ■ observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-se cada vez mais como integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente e valorizando atitudes que contribuam para sua conservação; ■ brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos e necessi- dades; ■ utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita) ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a compreender e ser compreendido, expressar suas idéias, sentimentos, neces- sidades e desejos e avançar no seu processo de construção de significados, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva; ■ conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitudes de inte- resse, respeito e participação frente a elas e valorizando a diversidade. Fonte: (BRASIL, 1998, on-line). Nesses objetivos, encontramos a base daquilo que se apresentou nos documen- tos posteriores. A Educação Infantil estava sendo construída, e neste documento encontramos também considerações históricas sobre essa etapa da educação: O atendimento institucional à criança pequena, no Brasil e no mun- do, apresenta ao longo de sua história concepções bastante divergentes sobre sua finalidade social. Grande parte dessas instituições nasceram com o objetivo de atender exclusivamente às crianças de baixa renda (BRASIL, 1998, p. 17). Essa citação retoma o início desta nossa unidade e com ela finalizamos, de maneira que não podemos deixar de considerar que a Educação Infantil tenha evolu- ído muito desde 1988, ela surgiu apenas como um espaço para se “cuidar” dos filhos da classe trabalhadora e continua, em muitos aspectos, reproduzindo isso. Enfim, com esse documento, já ao final do ano de 1990, podemos afirmar que essa foi a década da Educação Infantil, de maneira que direitos históricos foram registrados em diversos documentos de maneira nunca antes vista na his- tória de nosso país. Agora, vejamos os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil de 2006. POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E70 OS PARÂMETROS NACIONAIS DE QUALIDADE PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL (2006) Em consonância com o documento anterior, os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil de 2006 estão divididos em dois volumes. E nesses dois volumes, encontramos: [...] referências de qualidade para a Educação Infantil a serem utilizadas pelos sistemas educacionais, por cre- ches, pré-escolas e centros de Educação Infantil, que promovam a igualdade de oportunidades educacionais e que le- vem em conta diferenças, diversidades e desigualdades de nosso imenso território e das muitas culturas nele presentes (BRASIL, 2006, p. 3). Dessa maneira, esse documento pode ser visto como uma continuidade aos avanços da década de 1990, cumprindo, naquele momento, os preceitos estabe- lecidos pelo Plano Nacional em vigor (2001/2011). Em que esses documentos se diferenciam? Compreenda que cada um deles representa um anseio de um determinado contexto histórico e político. O Referencial não era um documento obrigatório, já os Parâmetros tecem considerações que devem ser levadas em conta pelos sistemas de ensino na medida em que estabelecem uma qualidade mínima. Nos parâmetros encontramos indicadores para todos os assuntos, inclu- sive para a avaliação: “a avaliação na Educação Infantil é definida a partir dessa concepção de desenvolvimento integrado, e assim deve ser processual, aconte- cendo de forma sistemática e contínua” (BRASIL, 2006, p. 32). De maneira que o acompanhamento e registro devem apresentar um caráter “diagnóstico” e não de promoção ou retenção. Este documento apresenta ainda “a trajetória histórica do debate da qualidade na Educação Infantil, as principais tendências identi- ficadas em pesquisas recentes dentro e fora do país” (BRASIL, 2006, p. 9-10). Nesse ponto, cabe ressaltar ainda que foi nesse ano (2006) que a Educação Infantil deixou de contemplar as crianças de 0 a 6 anos para contemplar as de 0 a 5, diante do Ensino Fundamental de 9 anos: Figura 6 - Parâmetros Nacionais para a Educação Infantil Fonte: Brasil (2006). Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil Volume 1 Brasília, 2006 A Educação Infantil nos Documentos Nacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 71 Com a aprovação da Lei nº 11.274/2006, ocorrerá a inclusão de um número maiorde crianças no sistema educacional brasileiro, espe- cialmente aquelas pertencentes aos setores populares, uma vez que as crianças de seis anos de idade das classes média e alta já se encontram, majoritariamente, incorporadas ao sistema de ensino – na pré-escola ou na primeira série do ensino fundamental (BRASIL, 2007, p. 5). Observamos acima algo que não é novo para as discussões de nossa obra, na medida em que já compreendemos que as creches, de maneira ampla, desde sua criação, tem uma função específica para com as classes sociais mais baixas. Por fim, é possível afirmar que as considerações realizadas nesse documento não são totalmente inovadoras, sendo de extrema importância, é fato, mas são uma con- tinuidade daquilo que outrora observamos no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil de 1998. A questão relevante é que ampliam-se os objeti- vos, dando novas bases para possibilidades de materialização que são observáveis no documento seguinte, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais de 2010. E é sobre este documento que nos debruçamos agora. AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS GERAIS E A EDUCAÇÃO INFANTIL (2010) Criadas pela Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (DCNs) contemplam todas as etapas e modalidades da Educação Básica em cumprimento daquilo que já estava previsto na Lei de Diretrizes de 1996. O documento apre- senta uma série de recomendações explícitas para a educação, mas não contém listagem de conte- údos mínimos, competências nem habilidades, como veremos, por exemplo, na Base Nacional Comum Curricular. Mas, profes- sor, se as DCNs não são um Referencial como o de 1998 e não são Parâmetros de qualidade como o documento de 2006, o que elas são afinal? Caro(a) aluno(a), Figura 7 - Diretrizes Curriculares Fonte: Brasil (2010). POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E72 “as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) são normas obrigatórias para a Educação Básica que orientam o planejamento curricular das escolas e dos sis- temas de ensino” (BRASIL, 2013). Então, entenda, o Referencial de 1998 era um norte para a prática que estabelecia, também, uma visão de Educação Infantil, de criança, de prática docente etc. Os Parâmetros de 2006 estabelecem objetivos mínimos para ampliar a qualidade dentro das instituições e as DCNs falam de currículo. A versão mais atualizada desse documento é de 2013, sendo que temos em curso alterações sendo realizadas na parte do Ensino Médio por conta das mudanças propostas pela lei 13.415, que se refere à Reforma do Ensino Médio. As DCNs têm por objetivos: “sistematizar os princípios e diretrizes gerais da Educação Básica contidos na Constituição, na LDB e demais dispositivos legais, traduzindo-os em orientações que contribuam para assegurar a formação básica comum nacional”. Aqui, tem-se como foco: [...] os sujeitos que dão vida ao currículo e à escola; II – estimular a re- flexão crítica e propositiva que deve subsidiar a formulação, execução e avaliação do projeto político-pedagógico da escola de Educação Básica; III – orientar os cursos de formação inicial e continuada de profissio- nais – docentes, técnicos, funcionários – da Educação Básica, os sistemas educativos dos diferentes entes federados e as escolas que os integram, indistintamente da rede a que pertençam (BRASIL, 2013, p. 37). Para além de tais objetivos, o documento salienta que a etapa da Educação Infantil deve valorizar a conquista cultural da vida, por meio de atividades lúdicas em situação de aprendizagem, depositando ênfase I. na gestão das emoções; II. no desenvolvimento de hábitos higiênicos e alimentares; III. na vivência de situações destinadas à organização dos objetos pessoais e escolares; IV. na vivência de situações de preservação dos recursos da natureza; V. no contato com diferentes linguagens representadas, predominante- mente, por ícones – e não apenas pelo desenvolvimento da prontidão para a leitura e escrita –, como potencialidades indispensáveis à forma- ção do interlocutor cultural (BRASIL, 2013, p. 37). A Educação Infantil nos Documentos Nacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 73 Ora, caro(a) aluno(a), talvez agora você já esteja se perguntando: se todos os direitos, referenciais, parâmetros e diretrizes já estão garantidos em Lei, o que mais falta para a nossa Educação Infantil? Pois bem, falta muita coisa ainda, uma vez que, mesmo diante de tantos documentos, pouco se efetivou na prática, inclusive a ampliação de vagas para atender as crianças na Educação Infantil. E é sobre isso que fala a Meta número 1 do Plano Nacional de Educação 2014/2024. A EDUCAÇÃO INFANTIL NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (PNE) 2014/24 LEI 13005/14 Aprovado no dia 17 de dezembro de 2013 pelo Senado e sancionado em 25 junho de 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 13005/14 tem vigência de dez anos (2014/2024) e está previsto no artigo 214 da Constituição Federal: Art. 214: A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sis- tema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de im- plementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do en- sino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas [...] (BRASIL, 2017, on-line). Tendo como base a nossa Constituição e em seguida a nossa LDB de 1996, o Plano Nacional de Educação é, basicamente, um plano de expansão. Para a pro- posição do documento, aprovado em 2013, foi realizado pelo governo um estudo que apontou a necessidade de criação de 8 milhões e 200 mil vagas na educação Figura 8 - PNE 2014/2024 Fonte: O Observatório do PNE (2018, on-line)5. POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E74 Brasileira, da creche ao ensino superior, até 2024, para atender as demandas da população. O Plano Nacional de Educação estabelece, no decorrer de todo o documento, “diretrizes, metas e estratégias de concretização” da expansão neces- sária. “Municípios e unidades da federação devem ter seus planos de Educação aprovados em consonância com o PNE” (BRASIL, 2014). E para dar conta dessa necessária expansão, foram elaboradas 20 metas que tratam desde a ampliação de vagas em todas as etapas da educação, passando pela valorização do professor, chegando até o financiamento da educação. Dessas 20 Metas, explicaremos apenas duas neste momento, sendo elas a meta número 1 e a meta número 20. No entanto, o que podemos adiantar é que o próprio Observatório do Plano Nacional de Educação já nos deu um diagnóstico ini- cial sobre o cumprimento das metas. Após 3 anos, só 20% das metas do Plano Nacional de Educação foram cumpridas. Enfim, vamos às metas. Meta número 1: Educação Infantil Universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos de idade e ampliar a oferta de Educação Infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência deste PNE (BRASIL, 2014). Para conhecer o Plano Nacional de Educação 2014/2024 na íntegra, acesse: <http://www.observatoriodopne.org.br>. Fonte: o autor. A Educação Infantil nos Documentos Nacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 75 Figura 9 - Indicadores da Meta 1 do PNE 14/24 Fonte: O Observatório do PNE (2018, on-line)5. A Figura 9 evidencia dois pontos. O primeiro éque ainda não conseguimos atin- gir ao menos a primeira das 20 metas, e o segundo é que a própria prestação de contas está totalmente desatualizada, mesmo no Observatório do PNE, sinal de que o andamento das metas não deve ser promissor. Sobre isso, não deixe de verificar você mesmo o documento citado e o site do Observatório. Por qual motivo ainda não conseguimos avançar com a meta número 1 do PNE? Como já vimos até aqui, estamos propondo avanços legais para a Educação Infantil desde o Artigo 208 da Constituição de 1988. Por que ainda não tiramos esses avanços do papel? Talvez a meta número 20 nos ajude a entender esta questão. Meta número 20: Financiamento da Educação Ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do País no 5º ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao final do decê- nio (BRASIL, 2014). POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E76 QUADRO 3 - EDUCAÇÃO X PIB Porcentagem do investimento público direto em educação em relação ao Produ- to Interno Bruto Ainda não há um indicador principal que permite acompanhar de forma plena- mente adequada o cumprimento da meta 20. Isso ocorre porque não há dados disponíveis públicos em educação apurados de acordo com o instituído pelo PNE. No entanto, o PNE disponibiliza indicadores auxiliares para a análise dessa temática, como o Investimento Público Total em proporção do PIB, o Investimen- to Público Direto em proporção do PIB e o Investimento Público Direto por aluno. Fonte: O Observatório do PNE (2018, on-line)6. O Quadro 3 também foi retirado do próprio Observatório do Plano Nacional de Educação. E não, você não está lendo errado, querido(a) aluno(a). Mesmo após tantos anos da Lei 13005/14 (PNE), o Brasil ainda não consegue prestar contas sobre o financiamento de sua educação. A falta de indicadores é extremamente preocupante, pois evidencia das duas, uma: ou não há vontade política para fazê- -lo, ou há muito medo de que, se prestadas as devidas contas, será necessário assumir publicamente que os investimentos em educação são insignificantes. Nos dois casos, nossa situação é lamentável. Logo, no que se refere à meta 1 sobre a Educação Infantil, podemos assumir que um dos fatores para a nossa falta de capacidade de garantir a sua expansão está na falta de investimentos, de finan- ciamento. Não é possível ampliar a educação sem dinheiro. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), órgão da ONU, nos apresenta uma possível resposta para essa questão. O levan- tamento foi feito no relatório intitulado Education at a Glance, uma visão geral sobre a educação, de 2017, e mostra que o Brasil, ao contrário do que diz o discurso do senso comum, não investe pouco em educação. Ao menos não com- parado aos demais países membros da OCDE. Como mostra o relatório, o Brasil investe “muito, mas pouco”. Investe muito, parte considerável do seu Produto Interno Bruto (PIB) em educação, mas pouco desse valor chega, de fato, ao aluno. Como podemos observar no relatório, o Brasil em 2017 destinava 5,4% do seu PIB para educação, mais que a média dos demais países da OCDE, que é, pro- porcionalmente, de 4,8%. A Educação Infantil nos Documentos Nacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 77 Logo, a conclusão aqui é que o Brasil não investe pouco em educação, mas o investimento por aluno brasileiro ainda está bem abaixo ao da média dos países da OCDE. O investimento anual no aluno do Ensino Fundamental brasileiro, em US$ (dólar), é de US$ 3.800 por aluno, contra a média dos demais países que chega a US$ 8.700. Portanto, retomamos a questão inicial deste tópico, por que não conseguimos atingir a meta 1 do PNE e expandir a Educação Infantil? Porque, historicamente, não tem sido prioridade política, para além das páginas dos documentos, fazê- -lo. E sem vontade política, qualquer documento, por mais brilhante que seja, torna-se letra morta. Agora, para concluir nossa segunda unidade, vamos à Base Nacional Comum Curricular e a Educação Infantil de 2017. A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E A EDUCAÇÃO INFANTIL (2017) A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é “um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendiza- gens essenciais, ou seja, conteúdos mínimos que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica [...]” (BRASIL, 2017, on-line). Isso significa dizer que a BNCC é um currículo? De maneira nenhuma! Ao contrário, ela deve ser a base para a constru- ção dos currículos, de modo que os alunos tenham assegurados “seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE)” (BRASIL, 2017, on-line). Para que você, possa entender a que a BNCC se compara neste momento, saiba que os Parâmetros Curriculares de 1997 foram uma tentativa de estabelecer Figura 10 - BNCC Fonte: Base Nacional Comum ([2019], on-line)7. POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E78 uma base, mas a Educação Infantil ficou fora desse documento, vindo a ser inclu- ída apenas em 1998, por meio do referencial que já estudamos nesta unidade. Homologada em dezembro de 2017, a BNCC é uma exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e do Plano Nacional de Educação 2014/2024, os dois já estudados por nós. A base estabelece conhecimentos competências e habilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade básica. Orientada pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados pelas diretrizes curriculares nacionais da Educação Básica, a base so- ma-se aos propósitos que direcionam a educação brasileira para a for- mação humana integral e para a construção de uma sociedade justa, inclusiva (BRASIL, 2017). Percebeu o que esses parágrafos iniciais e a citação acima apontaram? A BNCC foi apontada como necessidade em quase todos os documentos que estudamos até aqui, logo é uma continuidade daquilo que se iniciou com a Constituição de 1988. E qual é o meu posicionamento teórico quanto à Base Nacional Comum, caro(a) aluno(a)? Pois bem, países desenvolvidos no âmbito educacional -como a própria Finlândia, que está sempre entre os primeiros colocados no PISA, Programme for International Student Assessment (Avaliação Internacional para a Educação Básica)- têm Base Nacional Comum. A discussão sobre se deveríamos ou não ter uma Base Nacional Comum Curricular preocupa muitos educado- res, no sentido de que a BNCC passa uma insegurança sobre uma possibilidade de “engessar” os currículos. No entanto, vale apontar mais uma vez que a BNCC não é um “novo currículo” para as escolas, ao contrário, ela é a base que norte- ará a construção dos currículos escolares. Também é verdade que, historicamente, no Brasil, aquilo que “norteia” os currículos tende a virar quase que um livro didático a ser reproduzido de maneira inflexível. Por que? Ora, porque aquilo que é solicitado nas Bases tende a virar conteúdo das avaliações nacionais, como a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), realizada, originalmente, no terceiro ano do Ensino Fundamental e agora no segundo. Outro exemplo é o próprio Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que pode acabar reproduzindo os pressupostos apresentados na BNCC. E uma vez que as avaliações de desempenho acabam por solicitar, inflexivel- mente, aquilo que é solicitado na BNCC, as escolas, ao invés de construírem seus A Educação Infantil nos Documentos Nacionais Re pr od uç ão p ro ib ida. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 79 currículos de maneira flexível, respeitando o conhecimento nacional comum apresentado na BNCC e ao mesmo tempo valorizando suas peculiaridades locais, acabam todas (de todas as regiões) reproduzindo unicamente o solicitado na Base, a fim de buscar um bom desempenho nas avaliações nacionais e interna- cionais. Dessa maneira, sim, a BNCC pode acabar “engessando” os currículos. Tudo vai depender de como os professores, diretores, secretarias de educação, núcleos regionais de educação trabalharão a Base. Por que a Base é importante? A BNCC democratiza o nível do conhecimento em âmbito nacional, uma vez que todos deverão ter acesso aos mesmos conteú- dos, de maneira que o aluno que mora no Rio Grande do Sul seja alfabetizado, por exemplo, ouvindo as histórias regionais sobre Negrinho do Pastoreio, ao mesmo tempo que o aluno que mora na Amazônia é alfabetizado ouvindo as lendas locais, como a Lenda da Iara. O que estamos querendo dizer é que é possível ter uma Base Nacional Comum e ainda assim respeitar as peculiaridades de cada região. O “Comum” vem para garantir que, mesmo sendo alfabetizado com as histórias do Negrinho do Pastoreio, o aluno do sul saiba e tenha consciência de que, na Amazônia, se contam as histórias da Iara e vice versa, mas que todos sejam alfabetizados! Logo, meu posicionamento é o de que devemos sim ter uma Base Nacional Comum, talvez melhor construída do que a que elaboramos neste momento, mas essa é uma posição subjetiva. Os documentos citados são resultantes de pro- cessos políticos, carregam interferência ora de um grupo, ora de outro, não são neutros e todos eles apresentam uma ideologia, uma visão específica de socie- dade, de cidadão, de educação. No que se refere especificamente à Educação Infantil, ela está situada na terceira parte da Base Nacional e está subdividida em três partes, sendo a pri- meira intitulada “Os Campos de Experiências”, a segunda “Os Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento para a Educação Infantil” e a terceira “A Transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental”. Neste momento abordaremos a segunda parte. E para observarmos essa segunda parte temos o quadro a seguir. Antes disso, entenda que as crianças “bem pequenas”, de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses, estão situadas na creche, enquanto as crianças pequenas, de 4 anos a 5 anos e 11 meses, estão situadas na pré-escola: POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E80 Quadro 4 - BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (2017). Campos de experiências, faixas etárias e objetivos de aprendizagem (Educação Infantil) CAMPO DE EXPERIÊNCIAS FAIXAS ETÁRIAS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Bebês (zero a 1 ano e 6 meses) (EI01ET01) Explorar e descobrir as proprieda- des de objetos e materiais (odor, cor, sabor, temperatura). ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Bebês (zero a 1 ano e 6 meses) (EI01ET02) Explorar relações de causa e efeito (transbordar, tingir, misturar, mover e remover etc.) na interação com o mundo físico. ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Bebês (zero a 1 ano e 6 meses) (EI01ET03) Explorar o ambiente pela ação e observação, manipulando, experi- mentando e fazendo descobertas. ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Bebês (zero a 1 ano e 6 meses) (EI01ET04) Manipular, experimentar, arrumar e explorar o espaço por meio de experiências de deslocamentos de si e dos objetos. ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Bebês (zero a 1 ano e 6 meses) (EI01ET05) Manipular materiais diversos e va- riados para comparar as diferenças e semelhanças entre eles. ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Bebês (zero a 1 ano e 6 meses) (EI01ET06) Vivenciar diferentes ritmos, velo- cidades e fluxos nas interações e brincadeiras (em danças, balanços, escorregadores etc.). ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças bem peque- nas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) (EI02ET01) Explorar e descrever semelhanças e diferenças entre as características e propriedades dos objetos (textura, massa, tamanho). A Educação Infantil nos Documentos Nacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 81 ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças bem peque- nas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) (EI02ET02) Observar, relatar e descrever inci- dentes do cotidiano e fenômenos naturais (luz solar, vento, chuva etc.). ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças bem peque- nas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) (EI02ET03) Compartilhar, com outras crianças, situações de cuidado de plantas e animais nos espaços da instituição e fora dela. ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças bem peque- nas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) (EI02ET04) Identificar relações espaciais (den- tro e fora, em cima, embaixo, acima, abaixo, entre e do lado) e temporais (antes, durante e depois). ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças bem peque- nas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) (EI02ET05) Classificar objetos, considerando determinado atributo (tamanho, peso, cor, forma etc.). ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças bem peque- nas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) (EI02ET06) Utilizar conceitos básicos de tempo (agora, antes, durante, depois, ontem, hoje, amanhã, lento, rápido, depressa, devagar). ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças bem peque- nas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) (EI02ET07) Contar oralmente objetos, pessoas, livros etc., em contextos diversos. ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças bem peque- nas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) (EI02ET08) Registrar com números a quantida- de de crianças (meninas e meninos, presentes e ausentes) e a quantida- de de objetos da mesma natureza (bonecas, bolas, livros etc.). ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) (EI03ET01) Estabelecer relações de compara- ção entre objetos, observando suas propriedades. POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E82 ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) (EI03ET02) Observar e descrever mudanças em diferentes materiais, resultantes de ações sobre eles, em experimentos envolvendo fenômenos naturais e artificiais. ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) (EI03ET03) Identificar e selecionar fontes de informações, para responder a questões sobre a natureza, seus fenômenos, sua conservação. ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) (EI03ET04) Registrar observações, manipula- ções e medidas, usando múltiplas linguagens (desenho, registro por números ou escrita espontânea), em diferentes suportes. ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) (EI03ET05) Classificar objetos e figuras de acordo com suas semelhanças e diferenças. ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) (EI03ET06) Relatar fatos importantes sobre seu nascimento e desenvolvimento,a história dos seus familiares e da sua comunidade. ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) (EI03ET07) Relacionar números às suas res- pectivas quantidades e identificar o antes, o depois e o entre em uma sequência. ESPAÇOS, TEMPOS, QUAN- TIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) (EI03ET08) Expressar medidas (peso, altura etc.), construindo gráficos básicos. Fonte: Base Nacional Comum (2019, on-line)7. Diante dos objetivos de aprendizagem descritos, perceba que a Educação Infantil tem suas necessidades próprias. Não se falou em “alfabetizar” nesse momento. Entenda que explorar, classificar, expressar medidas, estabelecer relações, descrever A Prática Docente: Entre os Desafios das Políticas para a Educação Infantil e os Aspectos Legais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 83 situações etc. são ações importantes para a Educação Infantil, assim como o pro- cesso de decodificação grafema X fonema é importante no primeiro ano do Ensino Fundamental. A Educação Infantil precisa ser respeitada como etapa da educação e não devemos adicionar a ela aquilo que é próprio de outras etapas. Para findar, no que se refere a nossa Base, mesmo já tendo sido homologada em dezembro de 2017, a etapa do Ensino Médio foi encaminhada para discussão no Conselho Nacional de Educação e ainda, na data de elaboração desse livro (2018), não está concluída. Agora, finalizamos nossas discussões falando sobre os desafios das políti- cas para a Educação Infantil. A PRÁTICA DOCENTE: ENTRE OS DESAFIOS DAS POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL E OS ASPECTOS LEGAIS O que verificamos nesta segunda unidade, é que nossa educação está muito bem fundamentada legalmente. Os direitos estão garantidos, a educação deve POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E84 ser acessível a todos, a permanência na escola é garantida, os profissionais da educação devem ser valorizados, a estrutura das escolas deve estar à altura de seus desafios e fica claro em nossos documentos que a educação é o bem mais precioso de nosso país. Então, por qual motivo ainda temos uma educação com uma qualidade tão baixa, de maneira geral? Por qual motivo os índices de ava- liação nacional e internacional continuam evidenciando tantas dificuldades, principalmente se comparados a outros países? Em outras palavras, por que não conseguimos tirar essa educação de qualidade do papel? Por que a prática docente ainda é tão árdua e desvalorizada, principalmente na primeira etapa da educação, que é a mais importante? Bem, para tal questão, apresentamos um trecho do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 que pode nos ajudar a refletir: No entanto, se depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sen- tido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país (AZEVEDO et al, 2010, p. 33). O que podemos observar é que o diagnóstico realizado no Manifesto de 1932 ainda é muito atual. Temos um desafio muito grande no que se refere à inserção de nosso povo dentro de um processo escolar de qualidade, e o que se apontou continua sendo um problema contemporâneo, pois de fato, visto que todos os nossos esforços para implementar uma educação de qualidade ainda não tiveram unidade de plano e um espírito de continuidade que ultrapassasse os interesses partidários, ainda não conseguimos lograr êxito em nossa educação. Sobre isso, Saviani (2012) foi extremamente claro quando disse, no ano de comemoração de 80 anos do citado Manifesto, que: A lembrança dos 80 anos do Manifesto é oportuna não apenas porque se trata de um marco dos mais relevantes da vida educacional de nosso país, mas também porque, neste ano de 2012, a Câmara dos Deputados aprovou o Substitutivo ao Plano Nacional de Educação (PNE) que ain- da deve ser submetido à apreciação e votação do Senado Federal. As- sim, embora estejamos na iminência da entrada em vigor de um novo A Prática Docente: Entre os Desafios das Políticas para a Educação Infantil e os Aspectos Legais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 85 plano de educação, parece ainda atual, 80 anos depois, o diagnóstico expresso na seguinte frase do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova [...] (SAVIANI, 2012, p. 7). E nesse trecho, Saviani (2012) retoma o que já apresentamos para vocês. Como pode um Plano Nacional de Educação em 2014 ainda ter que brigar pelos mes- mos pontos que um documento datado de 1932? Outra questão é que o PNE de 2014 não é só uma retomada do Manifesto de 1932, é também uma réplica do PNE que foi aprovado em 9 de janeiro de 2001 e vigorou até 9 de janeiro de 2011, que como nos diz Saviani (2012, p. 7), “não passou de uma carta de inten- ções, não tendo exercido nenhum influxo sobre as políticas educacionais e sobre a vida das escolas”. E aqui repetimos a pergunta: por que o Brasil não consegue tirar a educação de qualidade do papel? A principal razão dessa inoperância dos nossos planos de educação deve ser creditada à “cultura política” enraizada na prática de nossos governantes, avessa ao planejamento e movida mais por apelos ime- diatos, midiáticos e populistas do que pela exigência de racionalidade inerente à ação planejada (SAVIANI, 2012, p. 7). Prova dessa cultura política citada por Saviani (2012), tão prejudicial para nossa educação, é o fato de que, mesmo diante de uma grande crise como a que vive o Brasil e apesar do déficit de R$ 139 bilhões nas contas públicas em 2017, o “esforço” do Congresso Nacional para reduzir as suas despesas não foi, nem de longe, minimamente relevante, já que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal apresentaram um gasto de “10,2 bilhões para o mesmo período”, de acordo com o site Transparência Brasil (BRASIL, 2017, on-line). Ou seja, verificamos que a Educação Nacional é prioridade apenas no papel, por isso é tão eficiente nos documentos e tão carente na prática. Diante de tantos desafios dentro da educação de nosso país, qual é a nossa responsabilidade enquanto educadores? Nós temos o poder de contribuir para que esta realidade se transforme no médio e no longo prazo? POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: INSTRUMENTOS PARA A PRÁTICA DOCENTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E86 Diante de tudo isso, concluímos que vivemos no Brasil um fenômeno já descrito pelo sociólogo Zygmunt Bauman (2001), trata-se do fenômeno do desapareci- mento da Política com “P” maiúsculo, de uma política que cumpra sua função social, a de servir o cidadão. E em nosso caso, tem-se perdido, nessa política, o “exemplo”. Tem-se perdido o indivíduo que é autoridade pelo exemplo que dá. Para Bauman (2001, p. 88), no par exemplo-autoridade a parte do exemplo é a mais importante, pois sem ela não se constrói a autoridade. E é nessa cultura de ausência de autoridade que nossos professores estão inseridos. É claro que nossa educação já melhorou muito desde o citado Manifesto de 1932, mas ainda está muito longe do que poderia ter alcançado visto a riqueza de nosso país. Logo, quanto à prática docente, da Educação Infantil à Pós-Graduação, ainda que tenha aspectos legais que garantam sua “qualidade”, a descontinuidade nas políticas impede a materializaçãodestes fundamentos legais no dia a dia das escolas. A Lei está lá, mas sem condições de implementá-la, jamais transforma- remos coisa alguma. Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 87 CONSIDERAÇÕES FINAIS Trinta anos de documentos foram apresentados ao longo das páginas de nossa Unidade 2. É claro que não tivemos a pretensão de aprofundar cada um dos documentos citados, mas sim de ressaltar a relevância, os principais aspectos de cada um e sua contribuição histórica para a Educação Infantil em nosso país, mesmo diante dos desafios que cada contexto político impôs sobre a elabora- ção e a execução de tais documentos. Logo, este livro não dispensa a leitura dos documentos aqui citados, uma vez que realizamos apenas algumas provocações a fim de norteá-los. Também observamos que mesmo após trinta anos e vários documentos, a nossa Educação Infantil ainda está carente de qualidade, visto que “quantidade”, ainda que relevante, não é sinônimo da esperada qualidade educacional que almejamos. Entendam cada um dos documentos citados, da Constituição de 1988 até a Base Nacional Comum Curricular de 2017, como documentos resul- tantes de processos políticos, e que cada um desses processos tem interferência ora de um grupo, ora de outro. Resumindo, nossos documentos não são neu- tros e todos eles apresentam uma ideologia, uma visão específica de sociedade, de cidadão, de educação, e são esses os documentos que norteiam a nossa prá- tica em sala de aula. Agora, após termos verificado filosofia, história, sociologia e políticas públi- cas voltadas para a “infância”, de maneira a nos fundamentar na prática docente, vamos falar sobre a “aprendizagem e o desenvolvimento infantil”, vamos falar de Piaget e Vigotski. 88 Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil 4. A função sociopolítica e pedagógica da Educação Infantil Delineada essa apresentação da estrutura legal e institucional da Educação Infantil, faz- -se necessário refletir sobre sua função sociopolítica e pedagógica, como base de apoio das propostas pedagógica e curricular das instituições. Considera a Lei nº 9.394/96 em seu artigo 22 que a Educação Infantil é parte integrante da Educação Básica, cujas fina- lidades são desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estu- dos posteriores. Essa dimensão de instituição voltada à introdução das crianças na cul- tura e à apropriação por elas de conhecimentos básicos requer tanto seu acolhimento quanto sua adequada interpretação em relação às crianças pequenas. O paradigma do desenvolvimento integral da criança a ser necessariamente compartilhado com a famí- lia, adotado no artigo 29 daquela lei, dimensiona aquelas finalidades na consideração das formas como as crianças, nesse momento de suas vidas, vivenciam o mundo, cons- troem conhecimentos, expressam-se, interagem e manifestam desejos e curiosidades de modo bastante peculiares. A função das instituições de Educação Infantil, a exemplo de todas as instituições nacionais e principalmente, como o primeiro espaço de educação coletiva fora do contexto familiar, ainda se inscreve no projeto de sociedade democráti- ca desenhado na Constituição Federal de 1988 (art. 3º, inciso I), com responsabilidades no desempenho de um papel ativo na construção de uma sociedade livre, justa, solidá- ria e socioambientalmente orientada. A redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos (art. 3º, incisos II e IV da Constituição Federal) são com- promissos a serem perseguidos pelos sistemas de ensino e pelos professores também na Educação Infantil. É bastante conhecida no país a desigualdade de acesso às creches e pré-escolas entre as crianças brancas e negras, moradoras do meio urbano e rural, das regiões sul/sudeste e norte/nordeste e, principalmente, ricas e pobres. Além das desi- gualdades de acesso, também as condições desiguais da qualidade da educação ofere- cida às crianças configuram-se em violações de direitos constitucionais das mesmas e caracterizam esses espaços como instrumentos que, ao invés de promover a equidade, alimentam e reforçam as desigualdades socioeconômicas, étnico-raciais e regionais. Em decorrência disso, os objetivos fundamentais da República serão efetivados no âmbi- to da Educação Infantil se as creches e pré-escolas cumprirem plenamente sua função sociopolítica e pedagógica. Cumprir tal função significa, em primeiro lugar, que o Esta- do necessita assumir sua responsabilidade na educação coletiva das crianças, comple- mentando a ação das famílias. Em segundo lugar, creches e pré-escolas constituem-se em estratégia de promoção de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, uma vez que permitem às mulheres sua realização para além do contexto doméstico. Em terceiro lugar, cumprir função sociopolítica e pedagógica das creches e pré-escolas implica assumir a responsabilidade de torná-las espaços privilegiados de convivência, de construção de identidades coletivas e de ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas, por meio de práticas que atuam como recursos de promoção da equidade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais 89 no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância. Em quarto lugar, cumprir função sociopolítica e pedagógica requer oferecer as melhores condições e recursos construídos histórica e culturalmente para que as crianças usufru- am de seus direitos civis, humanos e sociais e possam se manifestar e ver essas manifes- tações acolhidas, na condição de sujeito de direitos e de desejos. Significa, finalmente, considerar as creches e pré-escolas na produção de novas formas de sociabilidade e de subjetividades comprometidas com a democracia e a cidadania, com a dignidade da pessoa humana, com o reconhecimento da necessidade de defesa do meio ambiente e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa que ainda marcam nossa sociedade. Fonte: Brasil (2013). 90 1. Ao longo dos últimos 30 anos, tivemos grandes avanços dentro da Educação Infantil. Foram muitos os documentos elaborados, muitas propostas feitas, mas, de fato, poucas mudanças na qualidade real de nossa Educação Infantil. Nos dias de hoje, atingimos um público muito maior nessa faixa etária do que há 20 anos? É lógico que sim, no entanto, ainda estamos muito longe de um ideal possível diante de uma nação tão rica quanto a nossa. Agora, apresente uma reflexão sobre por que os documentos não foram devidamente efetiva- dos na prática e qualidade escolar. 2. Compreender a história, a filosofia e a sociologia da educação são elementos extremamente importantes para uma ação consciente de qualquer professor. Ao mesmo tempo, buscar compreender elementos ligados às políticas que produzem a nossa educação também é algo indispensável. Sobre isso, verifi- camos alguns documentos nacionais dos últimos 30 anos de nossa educação, documentos que são de estudos indispensáveis para a nossa atuação. Sobre isso, quais são os documentos nacionais produzidos nos últimos 30 anos que influenciaram a Educação Infantil? I. A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 8.069/90 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) e o Marco de Dakar. II. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil de 1998, a De- claração Mundial de Educação para Todos, os Parâmetros Nacionais de Qua- lidade para a Educação Infantil (2006), as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais e a Educação Infantil (2010) e a Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil (2017). III. A Constituição Federal de 1988, o Estatutoda Criança e do Adolescente Lei 8.069/90, a Declaração Mundial de Educação para Todos e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96). IV. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil de 1998, os Parâ- metros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (2006), as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais e a Educação Infantil (2010) e a Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil (2017). É correto apenas o que se afirma em: a) I. b) IV. c) I e III. d) II e III. e) I, II e III. 91 3. A Educação Infantil nos últimos 30 anos conquistou grandes avanços no Brasil. Um deles é sua condição de etapa da Educação Básica, diferente do que se observou até a década de 1980. Sobre onde e como está situada a Educação Infantil dentro de nossa Educação Nacional, avalie as opções: I. A Educação Infantil é primeira etapa da Educação Básica, situada entre 0 e 5 anos de idade e dividida em duas partes, a primeira dos 0 aos 3 anos (creche) e a segunda entre os 4 e os 5 anos (pré-escola). II. A Educação Infantil é segunda etapa da Educação Básica, situada entre 0 e 5 anos de idade e dividida em duas partes, a primeira dos 0 aos 3 anos (creche) e a segunda entre os 4 e os 5 anos (pré-escola). III. A Educação Infantil é primeira etapa da Educação Básica, situada entre 0 e 6 anos. IV. A Educação Infantil é dividida em duas partes, a primeira dos 0 aos 3 anos (pré-escola) e a segunda entre os 4 e os 5 anos (creche). É correto apenas o que se afirma em: a) I. b) I e IV. c) I e III. d) II e III. e) I, II e III. 4. O homeschooling conta com mais de 15 mil alunos em todo Brasil, apesar de ser uma modalidade da educação não autorizada. Em nosso material de estu- do, em especial na Unidade 2, vimos a importância da fundamentação legal para atuarmos na Educação Básica de maneira geral. Sobre isso, apresente ao menos um precedente legal que possa ser utilizado como elemento para de- fender o uso do homeschooling como modalidade da educação possível para as famílias brasileiras. 92 5. Para responder esta questão, leia o texto abaixo: Meta número 1: Educação Infantil Universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos de idade e ampliar a oferta de Educação Infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência deste PNE (BRASIL, 2014). A citação acima refere-se à meta número 1 do Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 13005/14 que tem vigência até o ano de 2024. Sobre essa Meta, o próprio Observatório do PNE evidencia que em 3 anos apenas 20% das metas haviam sido cumpridas, de maneira que em 2015, 90% das crianças estavam na pré-escola e a meta era para 100% em 2016. Ao mesmo tempo, 30% das crianças estavam nas creches no mesmo ano, e a meta é de 50% até 2024. Sobre isso, explique quais são os possíveis desafios para o cumprimento da meta número 1, ou seja, a meta que prevê a universalização da Educação Infantil. Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR Judicialização de Políticas Públicas Para a Educação Infantil Rodrigo Albuquerque de Victor Editora: Saraiva Sinopse: mais de vinte anos depois de promulgada a nossa Constituição Cidadã, o programa nela desenhado para a educação infantil está longe de tornar-se realidade. O Poder Público, encarregado de dar cumprimento às políticas educacionais em nosso país, ostenta uma enorme dívida social. Persiste o panorama de exclusão, de deficiência quantitativa e qualitativa, desigualdade de acesso às oportunidades de atendimento em creches e pré-escolas. REFERÊNCIAS AZEVEDO, F. D. et al. Manifesto dos pioneiros da educação nova (1932). 1 ed. Recife: Massangana, 2010. BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: ZAHAR, 2001. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. Disponível em: <http://www.senado.leg.br/atividade/const/ con1988/con1988_05.10.1988/CON1988.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2019. BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente: disposições constitucionais perti- nentes. Lei nº 8.069, de julho de 1990. 6. ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 09 abr. 2019. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/ L9394.htm>. Acesso em: 09 abr. 2019. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamen- tal. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Ministério da Edu- cação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_vol1.pdf>. Aces- so em: 09 abr. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros nacio- nais de qualidade para a educação infantil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Brasília. DF. 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/ arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol1.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2019. BRASIL. Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Organização Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do Nascimento. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ Ensfund/ensifund9anobasefinal.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2019. BRASIL. Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anual- mente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a de- zessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. 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Saviani (2012) nos apresenta uma reflexão, retomando o Manifesto dos Pioneiros da Educação de 1932, afirmando que a inoperância dos documentos da educa- ção se dá pelo fato de termos uma cultura política que não permite o avanço de nossa educação. Logo, nossas Leis não saem do papel, a qualidade de nossa edu- cação não se materializa, uma vez que não existe planejamento e continuidade nas ações dentro da educação. 2. Alternativa B. 3. Alternativa A. 4. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, documento do qual o Brasil é signatário, diz em seu Artigo XXVI: “3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos” (ONU BRASIL, 1948, on-line)8. Nesse ponto, entendemos que é possível legitimar, ou ao menos embasar a discussão sobre a possibilidade do Ensino Domiciliar como uma de- cisão dos pais. E considerando também o Artigo 205 da Constituição Federal de 1988, a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família. Logo, a família faz parte desse processo de decisão, sendo este outro elemento a ser considerado nessa discussão. 5. Um dos principais desafios para o cumprimento da meta número 1 do PNE e para todas as demais é o não cumprimento da meta número 20, que aborda o financiamento para a educação, o que significa afirmar que, sem financiamento, sem dinheiro, não tem educação. Uma educação de qualidade custa caro; sem verba, não existe a possibilidade da manutenção da Educação Infantil e muito menos de sua expansão, como prevê a meta. U N ID A D E III Professor Me. Antonio Batista Alves Neto CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM E O DESENVOLVIMENTO INFANTIL: LIMITES E POSSIBILIDADES Objetivos de Aprendizagem ■ Analisar e compreender a variedade teórica no campo da educação. ■ Compreender as contribuições de Vigotski para aprendizagem e desenvolvimento infantil. ■ Compreender as contribuições de Piaget para aprendizagem e desenvolvimento infantil. ■ Entender algumas relações possíveis entre Vigotski e Piaget. ■ Compreender o brinquedo, o jogo e a brincadeira como recursos pedagógicos importantes. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Teorias da Educação: por onde caminhar? ■ Contribuição de Vigotski (1896 - 1934) para aprendizagem e desenvolvimento infantil ■ Contribuição de Jean Piaget (1896 - 1980) para aprendizagem e desenvolvimento infantil ■ Vigotski e Piaget: relações possíveis, limites e possibilidades ■ O Brincar e o Desenvolvimento Infantil: entre Vigotski e Piaget INTRODUÇÃO Uma vez que já apresentamos discussões históricas, filosóficas, sociológicas e de políticas públicas sobre o nosso assunto, estamos prontos para verificar alguns conceitos sobre aprendizagem e desenvolvimento infantil, sempre buscando não distanciar a Educação Infantil, de cada uma dessas áreas, pois é necessário que tenhamos a capacidade de relacioná-las para, justamente, podermos desenvol- ver um olhar mais crítico. E diante disso, retomamos, mais uma vez, uma reflexão outrora realizada na apresentação do nosso livro, já que nesta unidade temos como um dos obje- tivos discutir sobre algumas das principais teorias e autores que se debruçaram sobre o desenvolvimento e a aprendizagem da criança, fugindo sempre do sau- dosismo teórico que pode impedir a compreensão e o respeito às mais diversas linhas de pensamento existentes, pois sim, são muitas as perspectivas teóricas e é só com o exercício da leitura e do diálogo que podemos qualificar as pesqui- sas, os debates e as necessárias reflexões dentro do campo da educação. Sendo assim, ao abordarmos algumas teorias possíveis, reforçamos o “possíveis”, sem- pre deixando claro que existem outras a serem estudadas. Para este momento, abordaremos as contribuição de Vigotski e de Piaget para os estudos em torno do desenvolvimento infantil. Apontaremos limites e possibilidades de aproxi- mação entre os autores e buscaremos verificar o que cada um tem a nos dizer sobre tal assunto. Quem foi mais relevante para a área da educação? Qual deles estava correto em suas proposições? Vigotski? Piaget? É possível fazer tal dife- renciação? É correto? Para além disso, vamos compreender as dimensões do brincar para o desenvolvimento infantil. A brincadeira é importante? Qual sua função no desenvolvimento da criança? A criança deve brincar na escola? Por quanto tempo e até que idade? Enfim, vamos falar sobre algumas teorias possíveis. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 99 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E100 TEORIAS DA EDUCAÇÃO: POR ONDE CAMINHAR? O que seria esse saudosismo teórico mencionado em nossa apresentação e em nossa introdução? O que aqui denominamos de saudosismo teórico refere-se a uma prática extremamente prejudicial para todo o campo do conhecimento e em especial para a área da educação, já que trata-se de um apego ideológico a uma outra corrente teórica, que muitas vezes impede o professor de encontrar soluções diferentes para os seus desafios diários. Esse saudosismo ou apego a um autor ou linha de pensamento limita o trabalho do professor, faz com que sua prática seja voltada exclusivamente para uma realidade e limita sua capacidade de autoanálise. Ao mesmo tempo, eu, enquanto professor, escritor, pesquisador e poeta, não acredito -e isso é quase consenso dentro do meio acadêmico- que exista neutralidade em qualquer ação humana. Ninguém é neutro! A questão é que não existe problema em professar/delimitar uma preferência/linha teórica, aliás, isso é natural e necessário. O problema mora na prática de excluir, conde- nar e não estudar as opções teóricas que divergem de sua preferência, e essa é a prática que denominamos de saudosismo teórico. Teorias da Educação: Por Onde Caminhar? Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 101 Em outras palavras, o que devemos compreender é que não existe o menor pro- blema em dizer-se vigotskiano(a) ou piagetiano(a). Desde que sua opção não exclua a possibilidade de conhecer a outra forma de pensar o assunto. Sobre isso, Saviani (2012) nos traz uma posição muito clara e sólida, afirmando que não existe neu- tralidade dentro da educação. O autor diz que é pela relação estabelecida entre o trabalho e a educação dentro de nossa sociedade que o ser humano se humaniza, se torna ser, se desenvolve. E, dentro dessa sociedade, observamos as mais diversas posições teóricasque guiam os mais diversos interesses sociais. Sobre isso, Gasparin (2013) enfatiza que a escola, em cada momento histórico, constitui uma expressão e uma resposta à sociedade na qual está inserida. Nesse sentido, ela nunca é neutra, mas sempre ideológica e politicamente comprometida. Por isso, cumpre uma fun- ção específica e tem sua função política. Nessa perspectiva, além da compreensão do que é a educação, é importante entender que existem teorias que a concebem de formas diferentes. No que se refere às teorias e métodos pedagógicos que per- mearam toda a história da educação no Brasil ou fora dele, estes se empenharam em atender as demandas de sua época, partindo sempre de um grupo específico e com interesses ligados a sua condição social. A título de exemplo, Saviani (2012) divide algumas dessas teorias em dois grupos. No primeiro, encontramos as teorias não críticas, que entendem ser a educação um instrumento de equalização social e, no segundo, as teorias crítico-reprodutivistas, que entendem ser a educação um instrumento de margi- nalização, até chegar ao que, após a sua elaboração na década de 1980, foi intitulada como Pedagogia Histórico-Crítica. Falaremos dos dois primeiros grupos. Dentro das teorias não críticas, encontramos a Pedagogia Tradicional, a Pedagogia Nova e a Pedagogia Tecnicista. Na base das teorias crítico-reprodu- tivistas, Saviani (2012) apresenta a teoria do sistema de ensino como violência simbólica, a teoria da escola como aparelho ideológico do Estado e a teoria Existe uma teoria capaz de solucionar todos os problemas da sociedade? Da Educação? CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E102 da escola dualista. Para além de apresentar as teorias, o autor ressalta como é tratado o problema da marginalidade para cada perspectiva, ou seja, quem era o ser marginalizado em cada momento e como se buscou resolver tal problema dentro de cada teoria. De acordo com o autor, as teorias não críticas recebem esse nome pois não consideram o fato de que a escola está dentro de uma socie- dade complexa que a influencia e muitas vezes, determina. Já sobre as teorias crítico-reprodutivistas Saviani (2012) diz que estas recebem esse nome por observarem primeiramente que a escola não pode ser vista como detentora de forças suficientes para resolver todos os problemas sociais. Sendo assim, as teo- rias são críticas por notar que a escola está dentro de uma sociedade complexa e que existem fatores sociais que a influenciam, por outro lado, são reproduti- vistas pois a educação é vista como uma forma de reprodução da sociedade em que está inserida, não como instrumento de superação. E sobre teorias e ideias diferentes, pensem no exemplo de nossa primeira unidade. Vimos o posicionamento mais conservador do sociólogo Neil Postman (2012) e o posicionamento mais progressista, se assim podemos dizer, da profes- sora Marín-Díaz (2010) sobre a infância. A infância está mesmo desaparecendo ou está apenas mudando? Esses autores trouxeram posições diferentes sobre o assunto. E qual deles está correto? Enfim, o que tentamos reforçar até aqui é que não existe neutralidade den- tro de uma sociedade determinada pelas relações sociais, pelo trabalho e pela educação. E que a própria relação entre trabalho e educação é permeada por perspectivas teóricas com interesses determinantes para o seu processo. Sendo assim, cabe a você, aluno(a), estudar e desenvolver uma autonomia intelectual suficiente para poder tirar suas próprias conclusões, sempre evitando o já citado saudosismo teórico e buscando sempre conhecer todas as opções possíveis para poder melhor agir diante de seus alunos. Ao mesmo tempo, este que vos escreve não é neutro! Tenho minhas posições teóricas e algumas delas você já pôde per- ceber até aqui. Para qual lado minha escrita pendeu mais na Unidade 1? Para o lado de Marín-Díaz (2010) ou de Postman (2012)? E na Unidade 2, como me posicionei ao falar dos processos políticos que culminaram em direitos e deveres para a educação? Eu escrevi ditadura militar ou ditadura civil-militar na Unidade 2? Eu tenho um posicionamento! Todos podemos ter, mas entendam, não quero Contribuição de Vigotski (1896 - 1934) Para Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 103 colonizar vossos pensamentos e vocês também não devem fazê-lo com seus alu- nos, mas ao contrário, quero dar condições para que pensem. Se sua posição vai ser girondina, jacobina, à esquerda ou à direita, não crítica, tradicional, crítico- -reprodutivista, vigotskiana ou piagetiana, isso não me interessa. Interessa-me a sua capacidade de levar o conhecimento científico ao seu aluno e cumprir sua função para com essa sociedade: a de ensinar e educar. Agora, daremos foco a duas perspectivas teóricas ligadas à psicologia do desenvolvimento, duas possibilidades para que você possa compreender a apren- dizagem e o desenvolvimento infantil. Sendo assim, ao abordar estes dois autores, trabalharemos com duas questões centrais, sendo a primeira “como a criança aprende?” e a segunda “como a criança se desenvolve?”. Vamos aos autores. CONTRIBUIÇÃO DE VIGOTSKI (1896 - 1934) PARA APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO INFANTIL Querido(a) aluno(a), na Unidade 1 falamos sobre a infância do ponto de vista histó- rico, filosófico e sociológico. Na Unidade 2, verificamos como essas crianças são vistas pelas políticas, pela Lei e quais seus direitos. Agora, veremos o que a psicologia tem a nos dizer sobre elas. Para isso, verificaremos as contribuições de Vigotski e em seguida as contribuições de Piaget. Fonte: Wikimedia (2018, on-line) 1. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E104 Mas quem foi Lev Semyonovich Vigotski e por qual motivo ele é tão relevante para nossa área? Vigotski nasceu no ano de 1896, em Orsha, na Bielorrúsia, psicólogo e professor (judeu/russo), fundou a denominada Psicologia Histórico-Cultural, ou Psicologia Interativista Sociocultural, dentre outras formas de denominação que recebeu ao longo do tempo. Contemporâneo do psicanalista Jean Piaget, autor que estudaremos em seguida, Vigotski morreu muito jovem, aos 38 anos, de tuberculose. No entanto, nos deixou mais de duas centenas de trabalhos cientí- ficos. Estudou na Universidade de Moscou, graduou-se em direito, mas transitou pela medicina, filosofia, história, literatura, psicologia etc. Cabe ressaltar que Vigotski formou-se no ano de 1917, ano que foi marco da Revolução Russa, que derrubou o império dos czares e deu lugar à Rússia socialista, governada pelas ideias de Karl Marx. E foi o discurso marxista que influenciou e determinou dire- tamente a produção de Vigotski, pois foi com base nos fundamentos marxistas que o pensador construiu a sua teoria sobre as Funções Psicológicas Superiores. Agora, para que você entenda melhor a Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski, apresentaremos separadamente alguns conceitos centrais e, em seguida, faremos um resumo sobre todos eles no subtópico intitulado “Como a criança aprende e se desenvolve de acordo com Vigotski?”. Vamos lá. Se você já teve contato com algum trabalho de Vigotski ou se já fez uma breve pesquisa sobre ele na internet, viu que o nome dele aparece de vá- rias formas: Vigotski, Vygotsky, Vigotsky, Vigotsky, Vygotskij etc. E isso tem uma explicação, pois o nome de Vigotski, ou seja, Lev Semyonovich Vygot- sky, aparece de diferentes formas na literatura científica ocidental, uma vez que estamos falando de outro alfabeto. Na língua portuguesa encontramos, também, Vigotski. Qual deles é o correto? Todos, apenas entenda que as va- riações ocorrem de acordo com a tradução,língua, edição, editora etc. Fonte: o autor. Contribuição de Vigotski (1896 - 1934) Para Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 105 INTERAÇÃO Na obra intitulada A Formação Social da Mente, uma de suas obras centrais, Vigotski (2007) nos diz que a interação é o ato de inter/agir. Mais do que sim- plesmente agir sobre o meio, para que o indivíduo se desenvolva é necessário que ele interaja para poder aprender. Nesse sentido, é necessário entender que, nessa relação interativa, o indivíduo estabelece relações de troca com o todo, modificando e sendo modificado constantemente. Ou seja, não basta ter apa- ratos biológicos saudáveis para se desenvolver, é necessário que haja também interação entre os seres e, como o próprio autor nos diz, ninguém é uma ilha, de maneira que, para que esse processo ocorra, é necessário o uso da linguagem. PENSAMENTO E LINGUAGEM Vigotski (2009) deixa claro, na obra A Construção do Pensamento e da Linguagem (edição traduzida diretamente do russo da obra pensamento e linguagem), que a linguagem é a ferramenta que torna o animal homem em ser humano, de maneira que todos pertencemos à raça humana, mas para tornar-se ser humano, no sen- tido social da palavra, é necessário interagir por meio de linguagens. E sobre o pensamento e a linguagem, apresentamos agora algumas conclu- sões básicas do autor: 1. Pensamento e linguagem possuem diferentes raízes genéticas. 2. O desenvolvimento do pensamento e da linguagem transcorre por linhas diferentes e independentes umas das outras. 3. A relação entre pensamento e linguagem não é uma grandeza mini- mamente constante ao longo de todo o desenvolvimento filogenético. 4. Os antropoides apresentam um intelecto parecido ao do homem em alguns sentidos (rudimentos de emprego de instrumentos) e uma lin- guagem parecida à do homem – em aspectos totalmente diferentes (a fonética da fala, a função emocional e os rudimentos de função social da linguagem). CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E106 5. Os antropoides não apresentam a relação característica do homem: a estreita correspondência entre o pensamento e a linguagem. No chimpanzé, um e outro não mantêm nenhum tipo de conexão. 6. Na filogênese do pensamento e da linguagem podemos constatar, sem dúvida, uma fase pré-fala no desenvolvimento do intelecto e uma fase pré-intelectual no desenvolvimento da fala (VIGOTSKI, 2009, p. 128). Sobre os pontos acima, algumas considerações são necessárias. Vigotski (2009) deixa claro, ao longo da citada obra, que inicialmente o pensamento não é ver- bal e a linguagem não é intelectual, que é apenas próximo dos dois anos de idade (final do período Sensório-motor e início do período Pré-operatório em Piaget) que as curvas do desenvolvimento do pensamento e da linguagem, até então separadas, se encontram, e daí temos uma nova forma de comportamento. Só a partir desse momento, e com a inserção da criança no meio social, que o pensa- mento começa tornar-se verbal e a linguagem, racional, ou seja, só a partir desse momento planeja-se as formas de comunicar-se e comunica-se as possibilida- des do que foi pensado. De maneira prática, pense no choro de um bebezinho de 8 meses. O choro é uma forma de expressão, é a linguagem possível para ele, nesse momento. No entanto, não se trata de um choro proposital, pensado, planejado. O choro é ins- tintivo, chora-se por fome, dor, incômodo etc., mas não de maneira consciente. Por isso Vigotski (2009) diz que a linguagem não é racional, mas que é com o desenvolvimento mais complexo dos processos de interação, por meio da fala, enquanto linguagem, que o intelecto passa a se desenvolver também de maneira mais complexa. Linguagem e pensamento estão constantemente proporcio- nando recursos um ao outro, sendo necessário sempre observar a importância da mediação durante esse processo. MEDIAÇÃO Vigotski (2007) explica que a mediação, ou mediação simbólica, é uma caracte- rística central na relação do homem com o mundo, e que essa relação não se dá de forma direta, mas ocorre mediada por meio de instrumentos (que regulam Contribuição de Vigotski (1896 - 1934) Para Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 107 as ações sobre os objetos) e de signos (que regulam as ações sobre o psiquismo das pessoas). O instrumento é o objeto em si, como uma cadeira, um lápis, uma mesa. O signo é a representação socialmente construída desse objeto (função). Nessa mesma relação estão os outros indivíduos, como o professor, que durante o processo de interação do aluno com o mundo, mediado por instru- mentos e signos, possibilita o aperfeiçoamento das aprendizagens com mediações constantes, por meio de ações planejadas. Ou seja, é nesse processo complexo de interação/mediação (aluno X mundo) que o professor aperfeiçoa o uso das funções psicológicas superiores de seus alunos. AS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES (FPS) Entende-se por Funções Psicológicas Superiores (FPS), na perspectiva Histórico- Cultural de Vigotski (2007), o uso de funções mentais que se relacionam entre si e que caracterizam o comportamento consciente do homem, sendo elas, tam- bém, a atenção voluntária, a percepção, a memória voluntária e o pensamento. Nos desdobramentos dessas funções encontramos a imaginação, a ação inten- cional, a capacidade de planejar, a elaboração de conceitos, o próprio uso da já citada linguagem, o pensamento abstrato e o raciocínio dedutivo. Podemos concluir que a interação do aluno com o mundo, mediada por ins- trumentos e signos, aperfeiçoada, principalmente, pelo processo escolar, por meio do trabalho do professor, leva o aluno ao desenvolvimento. Agora, cabe ressaltar que existe, na teoria de Vigotski, um conceito que explica detalhadamente esse processo de desenvolvimento que possibilita a aprendizagem. Estamos falando da Zona de Desenvolvimento Proximal. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E108 ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL Para compreender o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), veja a figura abaixo: Figura 1 - ZDP Fonte: o autor. Na teoria de Vigotski, é possível considerar o professor como um mediador entre a criança e o mundo, um descobridor da ZDP do aluno(a), do seu potencial em si. Ainda em A Formação Social da Mente, o autor cita que “qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia” (VIGOTSKI, 2007, p. 94), de maneira que cabe ao professor identificar essa história, esse conhecimento prévio, e criar condições para que ele passe de uma possibilidade e se concretize enquanto conhecimento científico. Como pudemos observar na Figura 1, o professor qualificado está no centro do processo que possibilita o desenvolvimento da aprendizagem do aluno. A ZDP é a distância entre o que a criança faz sozinha, Nível de Desenvolvimento Real (NDR), e o que ela é capaz de fazer com a mediação de outras pessoas, Nível de Desenvolvimento Proximal (NDP). É nesse processo complexo que mora a pos- sibilidade de que a criança internalize novos conhecimentos e avance. Contribuição de Vigotski (1896 - 1934) Para Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 109 Internalização A internalização é o momento em que, após desenvolvidos todos os conceitos e processos que citamos anteriormente, o aprendizado se completa. É o ápicede nossa função. É de fato, quando o aluno aprende e, em seguida, passa a ter con- dições de adquirir um novo e, possivelmente, mais complexo conhecimento. Todavia, para que esse conhecimento de fato se internalize, existem diversos fatores a serem considerados de acordo com Vigotski (2007), trata-se da gênese do psiquismo humano. A Gênese Do Psiquismo Humano São quatro os planos genéticos sobre os quais Vigotski (2007) se preocupou. Segundo o autor, esses quatro planos, em interação, formariam o psiquismo de cada indivíduo. São eles: Filogênese: refere-se à história da espécie, que neste caso é a humana. Sociogênese: refere-se à história cultural do sujeito. Ou seja, busca entender a imersão do sujeito no mundo cultural, nos espaços culturais onde está inserido. Ontogênese: refere-se à história específica de cada indivíduo. Ou seja, ao percurso que cada indivíduo trilha desde o seu nascimento até a morte. Esse plano genético se relaciona diretamente com os dois anteriores. Microgênese: refere-se à história das aprendizagens particulares de cada indivíduo, de maneira que as pessoas não aprendem todas da mesma forma e muito menos ao mesmo tempo. Podemos utilizar como exemplo a forma como a criança aprende a ler, como aprende a escrever, de como aprende a lidar com conflitos etc. Enfim, como a criança aprende? CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E110 COMO A CRIANÇA APRENDE E SE DESENVOLVE DE ACORDO COM VIGOTSKI? Para pensar a aprendizagem e o desenvolvimento segundo Vigotski, é neces- sário considerar que cada indivíduo tem uma história e que o ser humano não depende apenas por ter um aparato biológico apto para aprender. É necessário, principalmente, levar em conta os aspectos sociais desse indivíduo. Entender a importância da interação por meio do pensamento e da lingua- gem, entender o processo de mediação aluno X mundo por meio de instrumentos e signos, em que por meio de uma ação planejada e qualificada o professor age, é elemento essencial nesse momento, pois estamos cientes de que agimos diretamente sobre o desenvolvimento das funções psicológicas superiores de nossos alunos. Outro ponto importante é que o processo de mediação, de ação na ZDP do aluno, não é exercido somente pelo professor, mas sim por qualquer pessoa mais experiente que a criança em questão. A ação do professor se diferencia, pois será a única mediação planejada, sistematizada junto à criança, para que internalize novos conceitos, novas experiências e aprendizagens determinadas, também, pelos planos genéticos já citados. Ainda de acordo com Vigotski (2007, p. 91), “o processo de aprendizado, então, estimula e empurra para frente o processo de maturação”. Em seguida, o autor completa dizendo que “de fato, aprendizado e desenvolvimento estão inter-re- lacionados desde o primeiro dia de vida da criança” (VIGOTSKI, 2007, p. 95). Por fim, caro(a) aluno(a), para conhecer de maneira aprofundada o pen- samento de Vigotski e sua teoria, a Psicologia Histórico-Cultural, comece Compreendido um pouco da teoria de Vigotski para o desenvolvimento e aprendizagem dos indivíduos, como você acredita que podemos analisar o homeschooling, citado na Unidade 2, utilizando uma perspectiva vigotskia- na? Seria uma metodologia viável para o desenvolvimento da criança do ponto de vista dessa vertente? Contribuição de Jean Piaget (1896 – 1980) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 111 aprofundando-se nas obras que utilizamos, A Formação Social da Mente e A Construção do Pensamento e da Linguagem. Agora, compreendidos alguns dos conceitos centrais da Psicologia Histórico Cultural de Vigotski, vamos à Epistemologia Genética de Jean Piaget. CONTRIBUIÇÃO DE JEAN PIAGET (1896 – 1980) PARA APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO INFANTIL Jean William Fritz Piaget nasceu em 1896, em Neuchâtel, na Suíça. Biólogo e psicólogo, lecio- nou na Universidade de Genebra durante toda sua vida, mas não se dedicou à infância espe- cificamente, como muitos acreditam; não foi um psicólogo infantil e nem um pedagogo. A questão central de seu trabalho gira em torno da pergunta “como o ser humano aprende?”, ou “como o indivíduo passa de um estágio de menor conhecimento para um estágio de maior conhecimento?”. E para responder a essas questões, Piaget desenvol- veu uma teoria completa e complexa sobre o desenvolvimento humano. É a ela que nos dedicaremos aqui. Denominada de Epistemologia Genética, essa teoria completa nos fornece elementos para compreendermos o desenvolvimento do ser humano até a ado- lescência, momento no qual a capacidade plena de raciocínio dos indivíduos é atingida, apesar de continuarmos nos desenvolvendo e aprendendo ao longo de toda a vida. É na obra intitulada Epistemologia Genética que o autor nos apre- senta conceitos centrais dessa teoria. Piaget (2012) demonstra que as crianças CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E112 passam por uma série de mudanças ordenadas, mas não imutáveis e fixas. A essas mudanças Piaget chamou de Estágios de Desenvolvimento. Em cada um desses estágios do desenvolvimento observamos uma série de comportamentos específicos e próprios de uma determinada faixa etária, em que o indivíduo se relaciona com o meio em que está inserido e se desenvolve ao buscar ferramen- tas cada vez mais complexas para se adaptar aos espaços. Entretanto, antes de abordarmos esses estágios, cabe compreendermos como ocorre o processo de aquisição do conhecimento dentro deles. É entre as obras Epistemologia Genética (2012) e A Psicologia da Criança (2003) que o autor nos apresenta outros conceitos, os quais resumiremos para você agora. E para compreendermos melhor como ocorrem os processos de aprendizagem e desenvolvimento das estruturas intelectuais em Piaget e Inhelder (2003), vejamos alguns conceitos: Hereditariedade: refere-se às estruturas biológicas que o indivíduo herda e que, ao longo do seu desenvolvimento e relacionamento com o meio farão, o indivíduo criar suas próprias estruturas mentais. Assimilação: é a incorporação de algo novo às ideias já existentes. É o iní- cio do processo de modificações das estruturas biológicas herdadas. Esquemas: após o processo inicial de acomodação, o indivíduo precisa encontrar meios para se adaptar ao novo conhecimento. Para isso, ele forma um conjunto de esquemas e de estruturas mentais que lhe proporcionam condições para poder, então, acomodar este novo. Acomodação: é a modificação que ocorre após (e/ou durante) a formação dos esquemas anteriormente estabelecidos para lidar com essa nova informação de fato. Adaptação: levando em conta as possibilidades hereditárias e todo o pro- cesso de assimilação X formação de esquemas X acomodação é que podemos entender o que seria a adaptação, pois Piaget e Inhelder (2003) falam, de fato, de um processo de adaptação biológica de todos esses processos. Lembrando que, para Piaget (2012), a maturação do biológico em contato com as experiências do meio podem determinar todo esse acontecimento. Equilibração: ocorre após todo esse processo descrito anteriormente, é pro- movida na relação entre assimilação e acomodação, em um constante processo de adaptação às interferências do ambiente em que o indivíduo está inserido. É Para Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 113 o retorno ao equilíbrio inicial, mas agora com uma estrutura mais avançada, é a resposta de Piaget para a pergunta de como o indivíduo passa de um estágio de menor conhecimento, para um estágio de maior conhecimento.Enfim, entenda que esses conceitos se desenvolvem e se inter-relacionam ao longo de toda a história do indivíduo, ao longo de todos os períodos do desenvol- vimento, sendo eles o Sensório-motor, o Pré-operatório, o Operatório concreto e o Operatório formal. ESTÁGIOS, PERÍODOS DE PENSAMENTO E COMPORTAMENTO É já no capítulo I do livro Epistemologia Genética que Piaget (2012) nos apresenta e explica detalhadamente os estágios do desenvolvimento, afirmando também que “se a criança explica em parte o adulto, podemos dizer também que cada período do desenvolvimento anuncia, em parte, os períodos seguintes” (PIAGET; INHALDER 2003, p. 11), ou seja, trata-se de uma evolução lógica do pensa- mento e do comportamento. Vejamos algumas características de cada estágio: Estágio I (Sensório-motor): 0 a 2 anos de idade. Nesse momento a criança passa a se desenvolver cognitivamente com comportamentos denominados sen- sório-motores. O bebê não manifesta o menor indício de uma consciência do seu eu. Piaget divide esse estágio inicial em outros 6 subperíodos em que os com- portamentos da criança evoluem paulatinamente. No primeiro mês de vida o bebê age por reflexos, como sugar, chorar, agarrar, movimentar levemente, e sem controle muscular, os braços, o tronco a cabeça, as pernas etc. Aos poucos, o bebê vai assimilando tais movimentos e aprendendo a diferenciá-los. Em seguida, passa a desenvolver eventos mais complexos de com- portamento, passa a agarrar e manipular, demonstrando coordenação intencional entre visão e tato. Em seguida, passa a ter condições de coordenar esquemas, fazendo uso de meios para alcançar seus objetivos e daí em diante, sempre rein- ventando novos e novos meios até formar representações mais complexas. Esse estágio do desenvolvimento também é marcado fortemente por Piaget como aquele que vai do nascimento até a aquisição da linguagem e, por conse- quência, é marcado por um grande desenvolvimento mental, de maneira que o CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E114 lactante se limita, inicialmente, a sugar, agarrar e movimentar-se sem intenção prévia e, por volta 18-24 meses, já é capaz de apresentar representações comple- xas para resolver seus problemas (PIAGET, 2012; 2015). Estágio II (Pré-operatório): 2 a 7 anos de idade, denominado por Piaget como a primeira infância. Tendo adquirido, no estágio anterior, a capacidade da linguagem por meio da fala, aprofundam-se aqui as condutas afetivas e intelec- tuais. Nesse momento, a criança começa a funcionar de modo conceitual. Até aqui, suas representações ainda são egocêntricas, pois não é capaz de se colo- car no lugar do outro, de modo que tudo, para a criança, gira em torno de si. No início desse estágio, a criança não representa nada intencionalmente, por exemplo, por meio do desenho. Já ao final, é possível identificar representações claras por meio deles. A fala também é altamente desenvolvida nesse estágio, de maneira que esse é um momento de extrema relevância para a ampliação do vocabulário do indivíduo, visto a capacidade de assimilação acelerada nessa fase (PIAGET, 2012; 2015). Estágio III (Operatório concreto): 7 a 12 anos de idade. A partir daqui temos o desenvolvimento do pensamento lógico para a resolução de problemas reais. Aqui a criança passa a diminuir o seu egocentrismo, observado fortemente até os estágios anteriores. Também observamos fortemente o progresso da regula- ção da conduta e da socialização. Piaget também aponta dois fatores importantes para esse momento, sendo eles a concentração individual, quando o sujeito tra- balha sozinho, e a colaboração efetiva em grupo. Encontramos nesse estágio, também, o progresso nas formas de pensamento, com o aparecimento constante de operações racionais, do desenvolvimento da afetividade e dos sentimentos. Fatores que serão preponderantes no próximo estágio (PIAGET, 2012; 2015). Estágio IV (Operatório formal): 11 – 12 anos em diante, é denominado pelo próprio autor como adolescência. Aqui, o indivíduo está pronto para solu- cionar toda classe de problemas e não se limita à maturação do corpo e crises passageiras: As reflexões precedentes poderiam levar a crer que o desenvolvimento mental termina por volta dos 11 anos ou 12 anos, e que adolescência é simplesmente uma crise passageira, devido à puberdade, que sepa- Para Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 115 ra a infância da idade adulta. Evidentemente, a maturação do instinto sexual é marcada por desequilíbrios momentâneos, que dão colorido afetivo muito característico a todo este último período da evolução psí- quica. Mas, estes fatos bem conhecidos, que certa literatura psicológi- ca banalizou, estão longe de esgotar análise da adolescência e além do mais desempenhariam apenas papel bem secundário, se o pensamento e a afetividade próprias do adolescente não lhe permitissem enxergar- -lhes a importância (PIAGET, 2015, p. 54). O que observamos é que esse período não é o momento final do desenvolvimento intelectual, mas ao contrário, o apontamento de que a partir daqui o indivíduo pode resolver toda classe de problemas apenas evidencia que este é o início de potencialidades ainda não observadas anteriormente. Aqui, o indivíduo encontra sua personalidade por meio da inserção no mundo adulto (PIAGET, 2012; 2015). Uma observação se faz necessária. As faixas etárias estabelecidas por Piaget são apenas possibilidades, de maneira que o próprio autor se refere a elas, em suas obras, com o termo “idade média”, reforçando que são faixas etárias possí- veis onde se comumente observa os fatores apresentados. Avançando, também verificamos que os conceitos de Mediação e Interação, que vimos em Vigotski, são de extrema relevância para Piaget: O conhecimento não pode ser concebido como algo pré-determinado nem nas estruturas internas do sujeito, por quanto estas resultam de uma construção efetiva e contínua, nem nas características pré-exis- tentes do objeto, uma vez que elas só são conhecidas graças a mediação necessária dessas estruturas, e que estas, ao enquadrá-las, enriquecem- -nas quando mais não seja para situá-las no conjunto dos possíveis (PIAGET, 2012, p. 1). Por isso, é importante compreender que, mesmo sendo também um matura- cionista por considerar aspectos biológicos como centrais no desenvolvimento, Piaget (2012) não exclui o conceito de mediação e interação, muito pelo contrá- rio. Ao mesmo tempo, o conceito de linguagem também é muito presente em seu trabalho, como podemos observar na obra Seis Estudos de Psicologia e A Linguagem e o Pensamento da Criança. Considerando os conceitos que apresentamos aqui, é relevante ressaltar tam- bém a importância das chamadas Provas Piagetianas, utilizadas para aferir o nível de desenvolvimento dos indivíduos baseado nos estudos sobre estágios, períodos CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E116 do pensamento e comportamento de Jean Piaget. Sobre isso, é necessário com- preender que foi o professor Jorge Visca (2015) que reuniu esses estudos na obra Técnicas Projetivas Psicopedagógicas e Pautas Gráficas para sua Interpretação, com o objetivo de investigar os vínculos que o sujeito pode estabelecer em três grandes domínios, sendo o primeiro deles o escolar, o segundo o familiar e ter- ceiro consigo mesmo. Nessa obra, é possível verificar técnicas por meio das quais reconhecemos os níveis correlacionados ao grau de consciência dos aspectos que constituem o vínculo de aprendizagem. Outras duas obras importantes de Visca (2016) para essa discussão são: O diagnóstico operatório na prática psicopedagógica: Parte I (2016) eO diagnóstico operatório na prática psicopedagógica: Parte II - Pré-adolescentes, Adolescentes e Adultos (2012). Nessas obras, o autor resume e desenvolve os conceitos que giram em torno das provas operatórias aplicadas no método clínico da Escola de Genebra por Piaget. Ainda nessa obra, Visca (2016) explica o motivo e como proceder em cada um dos passos a serem desenvolvidos nas provas. Enfim, finalizadas essas considerações teóricas, vamos ao ponto: como a criança aprende e se desenvolve de acordo com Piaget? COMO A CRIANÇA APRENDE E SE DESENVOLVE DE ACORDO COM PIAGET? Assim como quando falamos de Vigotski, este ponto é um resumo dos anterio- res, de maneira que, para compreender como a criança se desenvolve de acordo com a Epistemologia Genética de Piaget, é necessário compreender os concei- tos básicos dessa teoria, como os que apresentamos anteriormente. O primeiro passo para se entender como a criança aprende e se desenvolve dentro dessa teoria é o desequilíbrio. Desequilíbrio, professor? Exatamente, caro(a) aluno(a)! O ser humano está em constante processo de desequilíbrio X equilíbrio para a teoria, pois sempre que encontramos algo novo, uma nova informação, ocorre o processo de desequilíbrio, o qual temos que assimilar, for- mar esquemas para podermos acomodar o novo e nos readaptar entre o novo e o velho, formando uma nova estrutura mental e, por consequência, voltando Para Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 117 ao equilíbrio. Todo esse processo ocorre todos os dias e o tempo todo, durante a passagem dos indivíduos por todos os Estágios do Desenvolvimento (0 aos 12 anos em diante). Outro ponto demonstrado por Piaget (2012, p. 55) é que certos fatores hereditários podem condicionar o desenvolvimento intelectual, ou seja, o desen- volvimento e a aprendizagem da criança. O autor explica isso ao falar sobre “as condições orgânicas preliminares (biogênese dos conhecimentos)”. Do outro lado, Piaget (2012) também evidencia que todos têm estruturas intelectuais para se desenvolver, mas que a qualidade das interações sociais e das mediações irão determinar se tais estruturas alcançarão seus potenciais ou não. Por fim, caro(a) aluno(a), compreenda que, para se aprofundar no trabalho de Piaget, é necessário ir à fonte. Sendo assim, recomendamos as obras que utiliza- mos aqui para que iniciem, sendo elas Epistemologia Genética, A Psicologia da Criança, Seis Estudos de Psicologia e A Linguagem e o Pensamento da Criança, de maneira que possam conhecer com mais profundidade o trabalho do pensador. Agora, verificada a Epistemologia Genética de Jean Piaget, vamos estabe- lecer algumas aproximações e alguns distanciamentos entre Piaget e Vigotski. Ainda sobre o homeschooling, citado em outros momentos de nosso livro, e do ponto de vista da Epistemologia Genética de Piaget, como podemos analisar essa modalidade da educação? Seria uma metodologia viável para o desenvolvimento da criança do ponto de vista dessa vertente? CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E118 VIGOTSKI E PIAGET: RELAÇÕES POSSÍVEIS, LIMITES E POSSIBILIDADES O primeiro ponto interessante de se observar é que mesmo tendo os dois autores nascido em localidades muito distantes um do outro, eles nasceram no mesmo ano, 1896. Exatamente, esses dois autores de grande relevância para a área citada nasceram no mesmo ano. Mas por qual motivo as imagens retratam um bem mais velho que o outro? Caso você tenha feito uma leitura atenta, viu que Vigotski morreu muito cedo, logo, as imagens dele são unicamente essas, ainda jovem, enquanto Piaget teve uma vida longa. Piaget pensou o indivíduo partindo do ponto de vista do biológico, falou sobre o processo de desequilíbrio que leva o indivíduo a novos conhecimen- tos, logo, ao falar sobre o desenvolvimento e aprendizagem, contribuiu com esta importante área. Para Piaget, o desenvolvimento orgânico não se dissocia do desenvolvimento psicológico, bem como para Vigotski, o desenvolvimento intelectual alavanca os aparatos biológicos. O que fica claro é que os dois autores abordam o intelecto e o biológico, mas com pontos de vista diversos em muitos momentos e partindo de locais diferentes, também. Avançando, Piaget foi importante para compreendermos que crianças aprendem de maneiras diferentes de adultos e diferentes umas das outras, inclusive. Vigotski foi importante, pois trouxe relevantes considerações sobre o meio externo e suas determinações culturais para o desenvolvimento e a aprendizagem. No entanto, Piaget nos proporciona uma visão mais completa do desenvolvimento humano, abordado em estágios, onde os fatores internos são preponderantes, logo, a aprendi- zagem acaba dependendo muito do desenvolvimento. Do outro lado, Vigotski tem uma visão mais singular, talvez pelo pouco tempo que teve para estudar e produzir. Qual a diferença entre Piaget e Vigotski? Essa não é uma pergunta muito simples de ser respondida, mas entenda inicialmente que Piaget não foi um autor extrema- mente preocupado especificamente com a escola, com o professor, com a intervenção pedagógica, como foi Vigotski. Para além disso, Piaget é extremamente complexo na escrita, não é um autor didático, de fácil compreensão. Ao mesmo tempo, ambos são considerados interacionistas, pois levam em consideração a importância da intera- ção para a formação e desenvolvimento dos indivíduos. Qual a diferença deles neste sentido? Vigotski e Piaget: Relações Possíveis, Limites e Possibilidades Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 119 Piaget e Vygotsky compartilham a noção da importância do organismo ativo na construção do conhecimento. Ao explicitarem suas posições teóricas, ambos adotaram uma conduta reconhecidamente interacio- nista. Entretanto, como se pode perceber ao longo das reflexões an- teriores, Vigotski analisou o desenvolvimento das funções cognitivas especificamente humanas a partir de princípios interacionistas, dife- rentes dos assumidos por Piaget. Justifica-se tal afirmativa por se consi- derar que, na verdade, Vigotski adotou como matriz epistemológica de seu interacionismo a dialética, enquanto Piaget fundamentou-se, so- bretudo, no método estruturalista (PALANGAMA, 2015, p. 139-140). Logo, perceba a complexidade desta discussão e entenda que existem sim pon- tos que os aproximam, mas que suas bases iniciais se diferenciam em muitos pontos. Compreenda que ambos fundamentam as concepções sobre ensinar e aprender na atualidade, por isso é necessário estudá-los, para que sua prática seja eficiente. Um bom exemplo sobre prática e eficiência está na Unidade 2. Lá vimos que a Nova Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), estabelece conhecimentos, competências e habilidades que se espera que todos os estudan- tes desenvolvam ao longo da escolaridade básica, certo? Logo, antes de buscar desenvolver habilidades e competência para que o indivíduo aprenda, é necessá- rio, antes, compreender o processo que leva o indivíduo a aprender. E para isso, nada melhor do que Vigotski e Piaget. Para concluir, você percebeu que até aqui estou insistindo na discussão sobre o ensino domiciliar, o homeschooling? Faço isso pois é uma questão muito atual e que merece esse exercício prático/reflexivo da sua parte. Buscar compreender o homeschooling do ponto de vista das teorias, ou seja, se é possível aprender em casa segundo essas visões, é a melhor forma de tirar qualquer conclusão, pois se tratará de uma conclusão fundamentada. Agora, vejamos um último ponto importante para o desenvolvimento infan- til do ponto de vista de nossos autores, vamos ao brincar. CONSIDERAÇÕES TEÓRICASE PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E120 O BRINCAR E O DESENVOLVIMENTO INFANTIL: ENTRE VIGOTSKI E PIAGET Foram várias as vezes em que, na condição de professor da Educação Infantil, fui abordado por outros profissionais da escola que me questionavam sobre o que meus alunos estavam fazendo. Quando respondia que eles estavam brin- cando naquele dado momento, nem sempre essa informação era bem recebida, de maneira que muitas vezes outros profissionais, ou até mesmo os familiares de nossos alunos, podem não compreender as potencialidades do brincar e aca- bam interpretando esse momento como enrolação por parte do professor. Mas e aí? Deixar os alunos brincarem na Educação Infantil é mesmo uma enrolação, um desperdício de tempo? De início, precisamos definir alguns conceitos, como o Brinquedo, o Jogo e a Brincadeira. E para isso, nos apoiaremos em Cordazzo e Vieira (2007): Brinquedo: é o objeto/instrumento utilizado pela criança durante o ato de brincar. Por brinquedo compreende-se qualquer coisa, não necessariamente algo produzido por uma empresa com a definição de se tornar um brinquedo. Mesmo uma caixa vazia de papelão pode tornar-se um brinquedo nas mãos de uma criança. O Brincar e o Desenvolvimento Infantil: Entre Vigotski e Piaget Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 121 Jogo: necessariamente é um momento, uma brincadeira que estabelece um conjunto de regras. Seja um jogo orientado pelos adultos ou um jogo criado e organizado pelas próprias crianças. Brincadeira: é o ato em si. Nesse momento, pode-se utilizar brinquedos ou não, pode ser durante um jogo ou não. A brincadeira é de extrema importân- cia para o desenvolvimento, pois nela a criança cria representações, se frustra, aprende de maneira espontânea, erra, acerta, se machuca etc. A brincadeira pode ser aquela proposta pelo professor capacitado ou outro adulto qualquer, orien- tada, guiada, ou a brincadeira livre, em que a criança escolhe tudo que irá fazer. Considerando os autores estudados nesta unidade, o que eles têm a nos dizer sobre tais conceitos? Para Vigotski (2007, p. 112-113): É enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança. Para uma criança com menos de 3 anos, é essencialmente impossível envolver-se numa ação imaginária, uma vez que isso seria uma forma nova de comportamento que liberaria a criança das restrições impostas pelo ambiente imediato. Logo, sem o brinquedo, sem o objeto que muitas vezes possibilita o brincar, o desenvolvimento do ser não será o mesmo. Assim, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança: No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além do seu comportamento diário. No brinque- do, é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do de- senvolvimento sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento (VIGOTSKI, 2007, p 122). O que observamos é que a psicologia do desenvolvimento já concluiu a ideia de que o brinquedo é fundamental para o desenvolvimento do indivíduo. Da mesma forma, Piaget (1994) mostra como, no jogo, constrói-se uma série de aspectos do juízo moral na criança. A título de exemplo, Piaget (1994, p. 23) fala sobre o jogo de bolinhas: “o jogo de bolinhas, entre os meninos, comporta, por exem- plo, um sistema muito complexo de regras, isto é, todo um código e toda uma jurisprudência”. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E122 Outro ponto necessário de ser retomado mais uma vez é aquele iniciado na Unidade 1 de nosso livro, possibilitado entre as discussões de Postman (2012) e Marín-Díaz (2010). Estão lembrados? A infância está desaparecendo? O con- ceito socialmente construído de infância está desaparecendo ou estamos apenas diante de uma nova infância, um novo conceito social de infância, outra forma de ser criança? E no que se refere ao assunto deste tópico, estaríamos, também, diante de novas formas de brincar? E sobre isso, verificamos um dos questiona- mentos de Postman: “Haverá tecnologias de comunicação que tenham potencial para sustentar a necessidade de infância?” (POSTMAN, 2012, p. 162). A tecno- logia de fato atrapalha o desenvolvimento do ser criança? É necessário que tenhamos a compreensão de que, como já vimos nesta uni- dade, do nascimento aos 6-7 anos de idade a criança vai determinar uma série de comportamentos que serão reproduzidos e aperfeiçoados ao longo de sua ado- lescência e vida adulta. Logo, no que se refere à questão de Postman (2012) e as situações atuais em que vemos crianças constantemente ligadas a um aparelho, devemos sim demonstrar certa preocupação. A tecnologia é algo maravilhoso e está aí para ser utilizada, mas o adulto deve mediar, constantemente, este pro- cesso de interação entre criança e tecnologia. E é aí que verificamos os efeitos psicológicos no desenvolvimento do que acreditamos ser uma nova infância, pois na medida em que as instituições família e escola perdem o controle sobre a mediação da criança, ela fica vulnerável ao mundo e sem qualquer tipo de fil- tro moral ou psicológico. Outra questão problemática que observamos no que se refere a esta discus- são, é que cada vez mais cedo exigimos conhecimentos da vida adulta por parte da criança, exigimos que se tornem adultos. As crianças de hoje fazem natação, inglês, informática, reforço, ginástica etc. E não há problema nisso. Todavia, a que horas elas podem ser apenas crianças? Que horas elas brincam? Pois a infância é As crianças nascidas no século XXI não brincam? Brincam menos do que crianças de outros períodos? Ou brincam de formas diferentes? O Brincar e o Desenvolvimento Infantil: Entre Vigotski e Piaget Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 123 momento da brincadeira! É marcada por essa ação. Adolescentes e adultos tam- bém brincam, mas não com a mesma frequência, mesma intensidade e liberdade. O brincar é a principal ação, é a ação que se sobrepõe a todas as outras durante a infância. Se falta isso, certamente Postman (2012) terá sido certeiro, pois daí, sim, perdemos a ideia de infância. Avançando neste assunto, os documentos discutidos na Unidade 2 deste livro também garantem e abordam o direito ao brincar. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2013), em seu Artigo 4º, definem a criança como: [...] a criança, sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, rela- ções e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experi- menta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a socie- dade, produzindo cultura (BRASIL, 2013). Reforçamos que o brincar é característica fundamental, indissociável do ser criança. E ainda de acordo com as DCNEI, em seu Artigo 9º: [...] os eixos estruturantes das práticas pedagógicas dessa etapa da Edu- cação Básica são as interações e a brincadeira, experiências nas quais as crianças podem construir e apropriar-se de conhecimentos por meio de suas ações e interações com seus pares e com os adultos, o que pos- sibilita aprendizagens, desenvolvimento e socialização (BRASIL, 2013). No que se refere à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que também estu- damos na unidade anterior, verificamos que entre os direitos de aprendizagem e desenvolvimento na educação infantil está o brincar: Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliandoe di- versificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais (BRASIL, 2017, on-line)2. Para além disso: A interação durante o brincar caracteriza o cotidiano da infância, tra- zendo consigo muitas aprendizagens e potenciais para o desenvolvi- mento integral das crianças. Ao observar as interações e a brincadei- CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS SOBRE A APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E124 ra entre as crianças e delas com os adultos, é possível identificar, por exemplo, a expressão dos afetos, a mediação das frustrações, a resolu- ção de conflitos e a regulação das emoções (BRASIL, 2017, on-line)2. Como observamos na BNCC (2017), por meio da brincadeira a criança pode participar, pode expressar-se, conhecer-se, explorar, conviver etc. O brincar é a essência da infância. Então, não, brincar não é enrolação ou desperdício de tempo. Ao contrário, é uma ação necessária para o desenvolvimento infantil e um direito garantido por força de Lei. Para findar, compreendam o brinquedo, o jogo, a brincadeira como recur- sos didáticos e pedagógicos extremamente importantes para a Educação Infantil. Quando a criança brinca, ela desenvolve operações mentais, assimila cultura, desenvolve habilidades motoras e muito mais. Por isso o brincar na Educação Infantil é tão importante quanto o processo de alfabetização, de decodificação grafema X fonema no início do Ensino Fundamental. Cada uma dessas etapas e atividades cumpre uma função sem a qual o indivíduo não se desenvolve. E finalizamos com um conselho do próprio Rousseau (2017, p. 88-89) sobre as crianças, “em vez de deixá-lo estagnar no ar viciado de um quarto, que seja todo dia levado em meio a um prado. Lá, que corra, que brinque, que caia 100 vezes por dia, tanto melhor: aprenderá mais cedo a se reerguer”. Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 125 CONSIDERAÇÕES FINAIS Qual dos pensadores é mais adequado para nos auxiliar na compreensão do desenvolvimento e da aprendizagem infantil? Piaget ou Vigotski? Se você fez uma boa leitura de nossa terceira unidade, sabe que essa não é uma boa per- gunta, ou sequer uma pergunta que se faça. Cada um desses pensadores deu uma contribuição específica para a sua área de estudo. Valendo lembrar aquilo que já enfatizamos em nossa terceira unidade, Piaget viveu muito mais tempo do que Vigotski, que por consequência teve mais tempo para produzir e experimentar o seu trabalho. Acreditamos, diante desse fato, que não é prudente comparar esses pensadores. Cabe apenas compreendermos a relevância de cada um deles e nos perguntarmos: em que momento devo utilizar Piaget e em que momento devo utilizar Vigotski? Mais uma vez, buscando sempre fugir do saudosismo teórico que pode vir a ser um perigo para a formação de qualquer profissional. Sendo assim, mais prudente seja, talvez, o seguinte questionamento: Vigotski e Piaget, quais as relações possíveis, quais limites e possibilidades de cada pen- sador para minha prática diária? Pois ambos podem nos auxiliar nas reflexões em torno do desenvolvimento infantil e os meios que o possibilitam, como a própria brincadeira. Enfim, questionamento este que já abordamos em nossa unidade. Por fim, reforçamos a necessidade de nos afastarmos de todo e qual- quer tipo de saudosismo teórico, pois, como já afirmamos, trata-se de um erro na prática docente e pode prejudicá-la. Para isso, compreendam que, se temos desafios diversos em nosso dia a dia dentro das escolas, por qual motivo não devemos procurar soluções diversas em teorias diversas? Manter a coerência teó- rica é muito importante, é indispensável! Mais importante ainda é cumprir o seu papel e dar conta de ensinar, e uma coisa não necessariamente exclui a outra. Seja coerente, cumpra o seu papel e lembre-se do seu objetivo maior. Sempre. Agora, tendo compreendido um pouco sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem dos indivíduos, falaremos sobre como ensinar na Educação Infantil, falaremos sobre uma didática possível para a Educação Infantil. 126 PIAGET, VYGOTSKY E WALLON: CONTRIBUIÇÕES PARA OS ESTUDOS DA LINGUA- GEM Caciana Linhares Pereira CONTRIBUIÇÕES DE VYGOTSKY Quando Vygotsky aborda a relação entre o pensamento e a fala nos estágios iniciais do desenvolvimento filogenético e ontogenético, afirma não encontrar nenhuma interde- pendência específica entre as raízes genéticas do pensamento e da palavra (Vygotsky, 2001). Desse modo, a relação entre pensamento e palavra não é um pressuposto para o desenvolvimento histórico da consciência. Existem, no desenvolvimento da criança, um período pré- linguístico do pensamento e um período pré-intelectual da fala; no entanto, embora afirme a inexistência de um elo primário entre pensamento e fala, Vygotsky não se alinha às teorias associacionistas que tomam o pensamento verbal como resultante da união externa entre pensamento e fala. Aliás, o fracasso destas teorias, segundo este autor, foi tributário justamente deste tipo de conexão mecanicista, que tentava explicar as propriedades do pensamento verbal fragmentando-as em seus elementos componentes. Vygotsky propõe, então, a substituição da análise por elementos pela análise por unida- des que ele encontra nos significados das palavras. O significado de uma palavra constitui uma unidade indecomponível dos dois processos, de forma que não podemos dizer que ele seja um fenômeno da linguagem ou um fenômeno do pensamento. O autor observa que uma palavra desprovida de significado não é palavra, e sim, um som vazio. O significa- do é um traço constitutivo da palavra, é a própria palavra no seu aspecto interior. Do ponto de vista psicológico, a palavra corresponde a uma generalização ou conceito: “Toda gene- ralização, toda formação de conceitos é o ato mais específico, mais autêntico e indiscutível do pensamento. Consequentemente, estamos autorizados a considerar o significado da palavra como um fenômeno do pensamento” (Vygotsky, 2001, p. 398). O significado da palavra, no entanto, só é um fenômeno de pensamento na medida em que o pensamento se materialize na palavra. Esta materialização pressupõe um pro- cesso de construção que não se resume a um processo de simples associação. Assim, o novo e essencial na teoria de Vygotsky é a investigação sobre o desenvolvimento dos significados das palavras. Para este autor, as investigações em torno do desenvolvimen- to do significado das palavras se reduziram a investigações sobre as mudanças nas co- nexões associativas entre palavras e objetos isolados. Não obstante, não é só o conteúdo que se altera nesta mudança, mas também o modo pelo qual a realidade é generalizada e materializada em uma palavra. Aqui, chegamos a uma problematização crucial reali- zada por Vygotsky: se o associacionismo não investiga as transformações dos modos de generalização e materialização do significado, também não pode explicar as trans- formações estruturais e psicológicas que ocorrem no desenvolvimento da linguagem das crianças. As escolas e tendências psicológicas (como a Escola de Wuerzburg e da Gestalt, e autores como Selz e Ach) não deram o devido valor ao fato de que todo pen- samento é uma generalização, estudando a palavra e o significado sem fazer referência a seu aspecto evolutivo. Esta lacuna nas investigações abriu para Vygotsky uma questão 127 que poderíamos assim formular: como os significados das palavras se alteram em sua natureza intrínseca - e, deste modo, se altera a relação entre pensamento e palavra - o que podemos apreender sobre a relação entre pensamento e palavra a partir de nossas investigações com crianças? Esta pergunta, que norteará a pesquisa deVygotsky, nos interessa de modo particular. [...] CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET Abordando algumas contribuições de Piaget para os estudos da linguagem na criança, poderíamos iniciar afirmando que, para este autor, o pensamento representativo (rudi- mentar) tem início com a capacidade de evocar objetos e eventos ausentes. Esta nova aquisição (representativa) promove transformações que ampliam os conhecimentos advindos da inteligência prática e permite a elaboração de operações mentais com- plexas que os atos, por sua limitação temporal, não alcançam. O desenvolvimento da inteligência prática leva o sujeito a coordenar estados de uma ação, interligados por curtas antecipações e reconstituições momentâneas em torno de um objeto concreto. A inteligência conceitual, por sua vez, possibilita a constituição de representações de conjunto (fusão) e o acesso à atividade classificatória e reflexiva. Como Wallon, Piaget também atribui uma importância capital à atividade imitativa, que já se observa desde os primeiros meses de vida. Partindo da ideia de um indivíduo indiferenciado, os estu- dos de Piaget sobre a atividade imitativa acompanham este descentramento sucessivo da criança. Se a imitação comparece, de início, como uma cópia direta dos gestos do adulto, por outro lado, vai assumindo a forma dos atos da inteligência representativa. A atividade representativa se sustenta, sobretudo nos primeiros anos de vida, na imitação diferida e interiorizada, que comparece no jogo simbólico e na própria atividade linguís- tica da criança. Embora em algumas obras Piaget não tome a linguagem como constitutiva da inteli- gência e do pensamento, chegando mesmo a afirmar a independência do desenvolvi- mento da inteligência em relação à linguagem, consideramos importante estabelecer um diálogo entre estas afirmações e seus estudos relativos à formação do símbolo na criança. Sabemos que Piaget toma a linguagem como uma condição necessária na cons- trução das operações lógicas, mas não necessariamente atribui a ela uma importância capital. Em relação a estas construções lógicas, são importantes os processos de abstra- ção empírica que os indivíduos realizam sobre os objetos (e toda a atividade de coor- denação que esta implica). Não obstante, gostaríamos de retomar afirmações do autor que vinculam a linguagem aos modos mais primitivos de organização do real pela crian- ça. Abordando as categorias representativas, encontramos a afirmação de que, com a conquista da linguagem, estas categorias se desenvolvem no campo das manipulações práticas, mas, “por outro lado, as diversas conexões causais e espaços temporais ultra- passam esse domínio da ação (...) e ocasionam, em particular, sob a influência dos “por- quês” e das questões de origem que a linguagem permite multiplicar, uma proliferação de representações espaciais e temporais, de mitos pseudo-explicativos... (Piaget, 1975, p. 313). Piaget (1975) apresenta exemplos que nos levam diretamente a Wallon e suas 128 considerações sobre as “coesões frouxas” que comparecem na linguagem e no pensa- mento da criança pequena: “Ao 1;8 (11), J. vendo pela janela um nevoeiro que se forma na montanha (a cerca de 200m) exclama: “Nevoeiro, fumaça, papai”, em alusão à fumaça de seu cachimbo” (p. 314). No dia seguinte, a criança diz simplesmente “Nevoeiro papai”; e no banho, mostra o vapor, dizendo: “Nevoeiro, fumaça”. Um mês mais tarde ela diz sem cessar: “Nuvens, papai” ou “Nevoeiro, papai” ao rever brumas. Fonte: Pereira (2012, on-line)3. 129 1. Jean Piaget (1896 – 1980), ao contrário do que muitos pensam, não foi um psi- cólogo infantil, mas foi um grande estudioso do desenvolvimento infantil e nos proporcionou grandes obras partindo dos estudos, inicialmente, de seus próprios filhos. Preocupado em responder a pergunta de como o ser humano aprende, por meio de quais mecanismos, em que circunstâncias e em que mo- mento específico, Piaget nos proporcionou uma teoria completa. Dentro de sua vasta produção, Piaget nos fala sobre os períodos do pensamento ou está- gios do desenvolvimento humano. Sobre isso, apresente quais são os estágios, a faixa etária de cada um deles e explique, resumidamente, o que ocorre em cada um dos estágios. 2. Dentre os assuntos que estudamos em nosso material, passamos pelo brincar e o desenvolvimento infantil. Sabemos que no dia a dia da escola de Educação Infantil nem sempre é fácil possibilitar momentos de brincadeira “livre” ou dire- cionada para os alunos, visto que muitas vezes profissionais menos preparados e familiares responsáveis pelos próprios alunos podem observar o momento da brincadeira como uma “enrolação” por parte do professor. No entanto, sa- bemos que não é nada disso. Sendo assim, considerando a importância do brincar “livre” e suas possibilidades, explique como a atividade e o momento da brincadeira dos alunos pode ser produtivo para eles e como este momento pode fornecer ferramentas de mediação para o professor. 3. Lev Semenovich Vigotski (1836-1934) é um dos grandes pensadores que auxiliam a pedagogia nos estudos relacionados ao processo de desenvolvimento dos indi- víduos e, mais especificamente, no que se refere ao processo de ensino e aprendi- zagem. Vigotski cunhou uma série de termos e procedimentos de análise que se tornaram ferramentas importantes para nós professores. Por exemplo, o conceito de “Zona de Desenvolvimento Proximal” – ZDP. Ligado à ideia de pensamento, linguagem e desenvolvimento intelectual, esse conceito é um dos mais impor- tantes da produção desse pensador. Sendo assim, para esta questão, explique o conceito de “Zona de Desenvolvimento Proximal” de Vigotski. 4. Por que estudamos e buscamos compreender a psicologia do desenvolvimen- to? Enquanto professores, é indispensável que tenhamos noções sólidas sobre como os indivíduos crescem e aprendem. Logo, é necessário que tenhamos condições mínimas de nos situarmos dentre as várias perspectivas que dão conta de estudar essa área do conhecimento. Uma delas é a perspectiva Histó- rico-Cultural. Sobre isso, avalie o conteúdo das alternativas abaixo e verifique a que melhor corresponde à perspectiva Histórico-Cultural de Vigotski: a) Hereditariedade, assimilação e a formação de esquemas são fatores a serem considerados para a aquisição de conhecimento nas crianças. b) Acomodação, adaptação e equilibração são fatores a serem considerados para a aquisição de conhecimento nas crianças. 130 c) A interação é o ato de interagir sobre o meio social. O sujeito adquire conhe- cimentos e aprendizagens por meio da relação interpessoal e da troca com o meio social. d) Os estágios da evolução mental nos indivíduos são o Sensório-motor, o Pré- -operatório, o Operatório concreto e o Operatório formal. e) Ele pressupôs que os seres humanos passam por uma série de mudanças ordenadas e previsíveis. 5. Jean Piaget, mesmo não sendo um psicólogo infantil, trouxe grandes contri- buições para essa e outras áreas observando, justamente, o desenvolvimento da criança. Por meio dos estudos que se iniciaram com seus próprios filhos, Piaget desenvolveu uma teoria completa, intitulada de Epistemologia Gené- tica. Por meio dessa teoria, o autor buscou compreender como os indivíduos aprendem e se desenvolvem. Sobre isso, ele escreveu sobre estágios do desen- volvimento, sendo eles: a) O Sensório-motor, a Adaptação, o Pré-operatório e a Equilibração. b) O Sensório-motor, a Acomodação, o Pré-operatório e a Equilibração. c) O estágio dos Esquemas, a Acomodação, o Pré-operatório e a Equilibração. d) O Sensório-motor, o Pré-operatório, o Operatório concreto e o Operatório formal. e) O Sensório-motor, o Pré-operatório, o Operatório e a Equilibração. Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR A Formação Social da Mente L. S. Vigotski Editora: Martins Fontes Sinopse: há muito tempo o grande psicólogo russo L. S. Vigotski é reconhecido como um pioneiro da psicologia do desenvolvimento. No entanto, sua teoria do desenvolvimentonunca foi bem compreendida no Ocidente. A Formação social da Mente vem suprir grande parte dessa falha. Trata-se de uma seleção cuidadosa dos ensaios mais importantes de Vigotski, editada por um grupo de eminentes estudiosos da sua obra. Seis Estudos de Psicologia Jean Piaget Editora: Forense Universitária Sinopse: as pesquisas psicológicas de Jean Piaget visam não somente conhecer a própria criança e aperfeiçoar os métodos pedagógicos e educativos, mas também compreender o homem. Este livro, composto de artigos e conferências do mestre genebrino, propõe- se a ser uma introdução à obra de Piaget. Na primeira parte, apresenta a síntese das descobertas de Piaget no campo da Psicologia da criança, demonstrando como se verifica o seu desenvolvimento mental. Na segunda parte são abordados problemas centrais do pensamento, da linguagem e da afetividade na criança, por meio de numerosos exemplos e estudos de casos. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curricu- lares nacionais para a educação infantil. Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2010. Disponível em: <http://ndi.ufsc.br/files/2012/02/Diretrizes-Curricu- lares-para-a-E-I.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2019. CORDAZZO, S. T. D.; VIEIRA, M. L. A brincadeira e suas implicações nos processos de aprendizagem e de desenvolvimento. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 89-101, jan./jul. 2007. GASPARIN, J. L. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 5. ed. Campinas: Autores Associados, 2013. MARÍN-DÍAZ, D. L. Morte da Infância Moderna ou Construção da Quimera Infantil? Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 193-211, set./dez., 2010. Disponí- vel em: <http://www.ufrgs.br/edu_realidade>. Acesso em: 10 abr. 2019. PALANGAMA, I. C. Desenvolvimento e aprendizagem Piaget e Vigotski: A rele- vância do social. 6. ed. São Paulo: Summus Editorial, 2015. PIAGET, J. O juízo moral na criança. 4. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1994. ______.; INHELDER, B. A psicologia da criança. 1. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2003. ______. Epistemologia genética. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012. ______. Seis estudos de psicologia. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. POSTMAN, N. O Desaparecimento da Infância. Tradução de Suzana Menescal de Alencar e José Laurentino. Rio de Janeiro: Graphia, 2012. ROUSSEAU, J. J. Emílio ou Da Educação. Tradução, introdução e notas Laurent de Saes. São Paulo: Edipro, 2017. SAVIANI, D. Escola e Democracia. 42. ed. Campinas: Autores Associados, 2012. VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ______. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. VISCA, J.; SCHUMACHER, S. O diagnóstico operatório na prática psicopedagógi- ca: Parte II, Pré-adolescentes, Adolescentes e Adultos. 1. ed. São Paulo: Pulso, 2012. ______. Técnicas projetivas psicopedagógicas e pautas gráficas para sua inter- pretação. 5. ed. Buenos Aires: Visca e Visca, 2015. ______. O diagnóstico operatório na prática psicopedagógica: Parte I. 1. ed. São Paulo: Pulso, 2016. REFERÊNCIAS 133 REFERÊNCIA ON-LINE 1 Em: <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?search=Vygotsky&title=Spe- cial%3ASearch&profile=default&fulltext=1#/media/File:Lev-Semyonovich-Vygot- sky-1896-1934.jpg>. Acesso em: 06 fev. 2019. 2 Em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>. Acesso em: 06 fev. 2019. 3 Em: <http://www.scielo.br/pdf/pe/v17n2/v17n2a10.pdf>. Acesso em: 06 fev. 2019. GABARITO 1. No estágio Sensório-Motor (0-24 meses), o indivíduo passa a se desenvolver cog- nitivamente e com comportamentos sensório-motores. No estágio Pré-operató- rio (2 a 7 anos), o pensamento da criança evolui drasticamente, de maneira que cada pensamento é guiado por uma ação. O pensamento passa a funcionar de maneira conceitual, ainda que esteja em um momento muito egocêntrico. No Operatório concreto (7 aos 11 anos) a criança desenvolve o pensamento lógico que pode ser aplicado a problemas concretos. No Operatório formal (11 – 12 anos em diante) a criança é capaz de construir um pensamento, um tipo de ra- ciocínio lógico que possibilita a resolução de todo tipo de problema. É necessá- rio ressaltar que as divisões etárias não são apresentadas de maneira estanque pelo autor, mas ao contrário, são apenas possibilidades. 2. Estudamos que o momento da brincadeira é extremamente rico para o desen- volvimento infantil, para o desenvolvimento, inclusive, da aprendizagem. O mo- mento da brincadeira traz contribuições para o desenvolvimento psicológico, físico, motor, social, cognitivo do aluno. Neste momento, o aluno se frustra, cria representações do real, estabelece pontes de mediação em diversas situações criadas. Diante disso, é incontestável que a brincadeira enriquece o dia a dia dos alunos. Ao mesmo tempo, o professor deve ter uma observação atenta e qualificada o suficiente para, no ato do que se chama de brincadeira “livre” do aluno, notar possíveis problemas, situações e até mesmo buscar ferramentas de mediação que possam auxiliar na solução de problemas de aprendizagem por parte do aluno. 3. A Zona de Desenvolvimento Proximal representa, resumidamente, a distância entre a capacidade da criança de resolver problemas por si própria, ou o que ela já sabe fazer sozinha (Nível de Desenvolvimento Real), e a capacidade de resolvê-los mediante a ajuda de alguém ou mediada por alguém (Nível de De- senvolvimento Potencial). 4. A alternativa correta é a letra “C”. 5. A alternativa correta é a letra “D”. U N ID A D E IV Professor Me. Antonio Batista Alves Neto UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Objetivos de Aprendizagem ■ Compreender os requisitos gerais para se ensinar sobre a perspectiva comeniana. ■ Compreender a importância da afetividade nas relações possibilitadas na Educação Infantil. ■ Refletir sobre as múltiplas linguagens no contexto da Educação Infantil. ■ Analisar os fundamentos da educação matemática na Educação Infantil. ■ Verificar como a alfabetização e o letramento são compreendidos na Educação Infantil. ■ Compreender os centros de Educação Infantil como espaços privilegiados para o letramento. ■ Compreender a música como elemento didático necessário na Educação Infantil. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Requisitos gerais para ensinar na Educação Infantil: como se deve ensinar com a certeza de atingir o objetivo ■ A afetividade na Educação Infantil ■ Desenvolvimento das linguagens para a aquisição do conhecimento na infância ■ O ensino da matemática na Educação Infantil ■ Letramento e alfabetização: implicações para a Educação Infantil ■ A Educação Infantil e a literatura: formando leitores ■ A música na Educação Infantil INTRODUÇÃO A “didática”, termo utilizado no título de nossa presente unidade, tem seu sig- nificado apresentado no dicionário como a “arte de ensinar com método os princípios de uma ciência ou as regras e preceitos de uma arte” (PRIBERAM, 2018, on-line)1. Na clássica obra intitulada “Didática Magna”, de autoria deste que é considerado, até hoje, o pai da didática, Comenius, encontramos a con- ceituação do termo apenas como “a arte de ensinar” (COMENIUS, 2011, p. 13). E falando em Comenius, nessa linda obra ele nos fala sobre o que é necessário para ensinar “tudo a todos”, lembrando sempre daquilo que já apontamos na Unidade 1, ensinar tudo a todos é diferente de ensinar tudo a todos ao mesmo tempo e da mesma maneira. Diante disso, apresentaremos a você discussões sobre afetividade, linguagens, ensino de matemática, letramento e alfabetização, leitura, formação de leito- res e por fim, a música na Educação Infantil. E será por meio desses temas que mostraremos a você uma proposta didática para esta etapa da educação. Enfim, resumidamente, as perguntas que fazemos neste início de unidade são “como” ensinar e, mais especificamente,“o que” ensinar na Educação Infantil. Existe um caminho específico para isso? Qual o comportamento e o preparo necessário do professor que se dedica a esta que é a etapa mais importante de toda a educação? Diante dessas questões, verificaremos alguns requisitos gerais para se ensinar na Educação Infantil. Sempre lembrando que estamos falando de um caminho possível e nunca de uma imposição teórica irrefutável, pois lembrem-se, aqui evitaremos sempre todo e qualquer tipo de saudosismo teórico. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 137 REQUISITOS GERAIS PARA ENSINAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL: COMO SE DEVE ENSINAR COM A CERTEZA DE ATINGIR O OBJETIVO Caro(a) aluno(a), este primeiro tópico de nossa Unidade 4 é baseado fundamen- talmente na clássica obra do século XVII, Didática Magna, de Comenius (2011). Tal justificativa se faz necessária, pois o próprio título deste tópico é inspirado na obra citada. O capítulo XVI da obra está intitulado “Requisitos gerais para ensinar e aprender: Como se deve ensinar e aprender com a certeza de atingir o objetivo”. Forte esse título, não? Achou audacioso demais? Pois bem, eu tam- bém achei. Essa é uma marca do autor. No entanto, a audácia é toda dele e aqui eu apenas sou um estudioso que vai traduzir algumas reflexões e apresentá-las no contexto do século XXI. Por isso adaptei o título de nosso tópico para tal. Entretanto, talvez agora você esteja se perguntando se vou apresentar uma “receitinha” sobre como ensinar. Ora! Isso sim seria, de fato, um grande absurdo. Não existem receitas para a área da educação, não existe um conjunto de ações ordenadas sobre as quais nos apoiamos para fazer tudo dar certo. O que existe UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E138 Requisitos Gerais para Ensinar na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 139 são fundamentos acumulados durante séculos e repassados para nós por meio de obras clássicas como a de Comenius. Esses ensinamentos são possibilidades, são caminhos possíveis para trilharmos. No entanto, a “certeza de que iremos atingir o objetivo”, ou seja, a convicção, essa precisa estar constantemente impregnada em nossa prática, compreendem? Sendo assim, vamos a esses requisitos gerais para se ensinar na Educação Infantil. Ser exemplo: a prática docente em qualquer nível, etapa ou modalidade da educação exige que “alguém seja exemplo para alguém”. Difícil de entender? Roterdã (1927) explica que é pelo amor ao mestre que a criança desenvolve, pos- teriormente, o amor ao conhecimento. Comenius (2011) aprofunda essa ideia e diz que sem exemplo não há aprendizado. De maneira prática, um professor que não lê tem condições de formar alunos apaixonados pela leitura? Na Educação Infantil isso se dá de maneira muito simples. Se pensarmos nas séries iniciais, nas crianças de 0-3 anos de idade, o exemplo se dá pela presença, pelo gesto, pela palavra de carinho, de paciência, pelo movimento, pelo tom de voz, pela forma como o professor recebe a criança, pela forma como entrega a criança para os pais etc. A criança internaliza o comportamento dos adultos ao seu redor e isso contribui ou não para sua formação. Já nas séries finais da Educação Infantil, o comportamento é todo observado. Somos exemplos, posi- tivos ou negativos, a todo momento. A forma de falar, a forma de entrar em sala de aula, se somos leitores e apaixonados por livros, por exemplo, o aluno sente. Se estamos sempre cansados e reclamando, os alunos sentem também. Se grita- mos o tempo todo, como podemos exigir que nossos alunos do Infantil IV e V sejam silenciosos e controlados? Enfim, entendam que ser exemplo é bem dife- rente de ser perfeito, mas é necessário que haja alguma referência em sala de aula, e é sempre muito bom que esta referência seja o professor. O aluno difícil: é comum observarmos professores cansados reclamando de alunos. No entanto, essa reclamação não tende a gerar resultados positivos, pois apenas alimenta a angústia e tensão. Ao se formar, você, aluno(a), será um especialista na área da educação. Logo, é necessário que você tenha um compor- tamento e um padrão de pensamento, no que se refere aos assuntos da educação, muito acima daquilo que podemos observar na sociedade de maneira geral. Sendo assim, o que o senso comum chama de “aluno difícil”, você precisa chamar de UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E140 “desafio pedagógico”. É muito fácil se formar para lidar só com bons alunos. Os “alunos difíceis” são aqueles que realmente testam a nossa capacidade enquanto educadores. Ao longo do desenvolvimento das etapas da educação, observamos que os alunos considerados “bons” avançam independente do professor. São aqueles que mais têm dificuldades que mais precisam de nós. Na Educação Infantil, um “aluno difícil” pode ser aquele que, nas séries ini- ciais (0-3 anos), não come direito, chora muito, não dorme e ainda acorda os demais alunos, machuca os demais etc. Nas séries finais, 4-5 anos, os compor- tamentos evoluem, e observamos uma série de variações que podem ter causas genéticas, sociais e psicológicas. Se um aluno é “difícil” por conta das situações vividas em casa, devemos fazer a nossa parte enquanto profissionais da educa- ção e nunca perder tempo julgando e condenando um aluno por conta de seu histórico familiar. É claro que, se o professor descobre uma situação que envolve qualquer tipo de abuso contra uma criança, é necessário avisar a direção da escola, que encaminhará aos órgãos competentes. No que se refere aos problemas exter- nos do aluno, isso só serve para entendermos qual o tamanho do nosso desafio, nunca para perdermos tempo criticando, julgando e muito menos espalhando os problemas do aluno. A barganha: a barganha pode ser observada no início da Educação Infantil, como o ato de dar o que o aluno/criança quer para que se comporte, para que fique quieta, para que pare de chorar, por exemplo. Após isso, todas as vezes que a criança sentir a necessidade, irá chorar para conseguir o que deseja. É evidente que esse comportamento tende a vir pronto de casa, mas nos dias de hoje temos crianças que vão para as salas das creches (primeira etapa da Educação Infantil, 0-3) desde o primeiro mês de vida. Logo, esses comportamentos podem ser evi- tados ou reforçados pelo professor. Mais ao final da Educação Infantil, a barganha pode ser observada quando o professor diz: “se vocês ficarem quietinhos hoje, levo vocês ao parquinho no final do dia”. Dois grandes erros neste tipo de barganha são: colocar o brincar como algo que fazemos depois de cumprir uma obrigação chata durante o dia, pois o brincar é muito importante para o desenvolvimento infantil e não pode Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 141 ser objeto de barganha. O outro erro é condicionar o bom comportamento dos alunos a uma recompensa no final. Isso não ajuda esses alunos a aprenderem a se autorregular, a compreender a importância de cada momento. Quando isso ocorre, ou seja, quando o professor barganha nesse nível, o aluno aprende a bar- ganhar com o professor também, e pode acabar ouvindo dos alunos: “professor, se ficarmos quietinhos hoje, você nos leva ao parquinho no final do dia?”. Isso pode gerar situações totalmente descontroladas e uma rotina de constantes ame- aças das duas partes. Outra barganha muito praticada em todas as etapas da educação é: “se você não ficar quieto eu vou te mandar para a sala da diretora”. Neste momento, cons-trói-se uma visão negativa da direção, coloca-se uma ameaça sobre o aluno, condiciona-se seu bom comportamento ao medo de ser punido e o professor ainda transfere sua autoridade para outra pessoa, neste caso, a diretora. É comum, ainda, observar escolas, professores, coordenadoras e diretoras que ameaçam até mesmo chamar o conselho tutelar, na tentativa de deixar o aluno com medo para que ele não repita um determinado comportamento indesejado. Nestes casos, assim como o professor transfere sua autoridade para a diretora ao ame- açar o aluno, a diretora também transfere a sua para o conselho tutelar, mesmo que nunca cumpra a ameaça. É necessário construir um processo didático em que o aluno, com o tempo, possa se observar e regular o seu comportamento com base nas regras social- mente construídas dentro da instituição, nunca pelo medo. Isso não é fácil e não ocorre do dia para a noite, é necessário um trabalho pedagógico forte e bem fundamentado. O professor autoritário e o professor autoridade: como saber se um pro- fessor é autoritário ou autoridade no processo educacional? É simples, observe seus alunos: eles têm medo ou respeito pelo professor? Eles fazem o que é certo só na presença do professor ou se comportam também quando o professor sai de sala? Professores autoritários são o clássico “faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço”. Sentam nas mesas e dizem para os alunos que não podem sen- tar nas mesas. Pedem para que os alunos não gritem em sala, mas vivem dando gritos e ameaçando os alunos. Por isso Comenius define o educador que é auto- ridade do processo educacional como aquele que age “com exemplos constantes, Requisitos Gerais para Ensinar na Educação Infantil UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E142 mostrando que é um modelo vivo de todas aquelas coisas para as quais os alu- nos devem preparar-se”. E reforça, ainda, dizendo que: “se falta isto, todo o resto é vão” (COMENIUS, 2011, p. 314). Uma das grandes diferenças entre um professor “autoritário” e um professor “autoridade” é que o autoritário nunca cumpre com sua palavra. Faz uma série de promessas, mas nunca as cumpre. Faz uma série de ameaças, mas nunca as cumpre. O professor autoritário normalmente é aquele que tende a barganhar muito com os alunos. Para ser um professor autoridade é necessário mostrar aos alunos que sua palavra tem valor, que se prometeu, por exemplo, uma atividade diferenciada, que cumpra! E que se disser que vai mandar o aluno para a coor- denação, que mande! Ainda que essa não seja uma prática positiva, é melhor cumprir sua palavra na primeira vez do que ameaçar o aluno 10 vezes. Todavia, um professor autoridade não barganha, não impõe medo. Ele tende a ser res- peitado e não temido. A paixão pelo conhecimento: um professor autoridade também é apaixonado pelo conhecimento. Entenda, caro(a) aluno(a), nós somos professores de alunos antes de sermos professores de disciplinas, de matérias, de conteúdos. Entretanto o domínio dos conteúdos, a paixão pelo saber é essencial, é indispensável para o exercício da docência em qualquer nível, etapa ou modalidade. Os alunos, da Educação Infantil ao Doutorado, sentem quando o professor é comprometido, é apaixonado pelo saber ou não. E isso faz toda diferença na construção de sua autoridade em sala de aula. Em outras palavras, na Educação Infantil os alunos percebem se o professor é envolvido com a história que conta, com a música que canta e com as ativida- des que propõe. O nível de comprometimento e envolvimento dos alunos com conhecimento está diretamente ligado ao nível de envolvimento comprometi- mento do professor. Ser apaixonado pelo conhecimento faz toda a diferença. Preparou a aula? O planejamento das aulas, das atividades a serem desenvol- vidas no dia a dia é outro pré-requisito para um professor exemplo. Entenda, os nossos alunos, da Educação Infantil ao Doutorado, percebem quando o profes- sor preparou a aula ou não. A diferença é o modo como estes demonstram isso. Um aluno do Ensino Médio quando, percebe que o professor está “enrolando” a aula, reclama com o pai, com a coordenação da escola etc. Já na Educação Infantil, Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 143 como um aluno nos mostra que percebeu que a aula não foi preparada? Com um comportamento à altura. Seu comportamento tende a ser disperso, desorganizado, ou seja, muitas vezes o comportamento desorganizado de uma turma pode ser apenas reflexo da falta de planejamento e organização do professor responsável. Entrar e sair de sala: pode parecer simples, mas a maneira como entramos em sala de aula diz muito sobre como a aula irá se desenvolver. Ou, no caso das séries iniciais da Educação Infantil, como recebemos os alunos e organizamos o seu espaço. No caso das séries finais, quando há a troca de professores ou no início da aula, quando entramos em sala, é necessário mostrar aos alunos um exemplo de postura. Se, no caso da troca de professores, o professor que for assumir a sala naquele horário entra em sala com a turma toda bagunçada, gri- tando, com tudo sujo, jogado pelo chão etc., o professor está passando a seguinte mensagem: “eu não ligo de entrar em sala com esta desorganização”. Aos pou- cos, essa mensagem vai sendo internalizada, de maneira que, conforme o tempo passa, fica mais difícil de organizar a turma. O ideal é que o professor, ao chegar na sala, não entre; que solicite, na porta, que os alunos organizem a sala, pois a próxima aula irá começar. Que estejam em seus lugares. Se o professor tomar essa atitude a turma ficará organizada o resto da aula? Claro que não é isso. A questão aqui é que o momento inicial é muito importante. Se não começamos bem, o desenvolvimento da aula tende a seguir o mesmo ritmo. A organização do espaço físico: este tópico se relaciona com o anterior. Ao aceitar uma sala, um espaço físico totalmente desorganizado, o professor não ensina organização para seus alunos e ainda reforça que “tudo bem aquele espaço ficar sempre bagunçado”. Para aprender é necessário organização, principalmente nesta etapa da educação em que os pilares da disciplina e autorregulação estão ainda em formação. Problematização: o professor Gasparin (2013) define a “problematização” como o fio condutor do processo de ensino e aprendizagem. Nesse caso, trata-se de rea- lizar com a sua turma uma pequena provocação para os ensinamentos que virão. Trata-se de introduzir uma conversa, um conteúdo, um momento de contato, pro- vocando a mente do aluno. Uma pergunta, uma atividade que faça o aluno pensar e/ou se perceber e sentir-se provocado é extremamente importante neste momento. Requisitos Gerais para Ensinar na Educação Infantil UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E144 As regras: desenvolvidos os pontos anteriores, é necessário que fique claro que as regras são indispensáveis em qualquer etapa da educação. Em qualquer momento da vida de um ser humano. Na obra O juízo moral da criança, Piaget (1994) explica que a criança nasce sem nenhum conhecimento sobre regras, sobre o que é certo ou errado, sobre respeito, justiça etc. A esse fenômeno o autor denominou anomia. É apenas por volta dos dois, três anos de idade que a criança começa a desenvolver tais conceitos. Logo, a função mediadora dos adultos, nesse momento, é determinante para o futuro de uma criança. Desde que a criança nasce, é importante que os adultos e os professores ao redor deixem claro o que é e o que não é correto, pois é a partir dessas referências que a criança irá criar suas representações. Em sala de aula, podemos traduzir tudo isso como aquelas regras que são negociáveis e as que são inegociáveis. Desde o primeiroano de vida podemos mostrar para o aluno o que eventual- mente ele poderá fazer e o que ele nunca poderá fazer. A seguir, alguns exemplos de regras para se trabalhar em sala de aula ou dentro da escola, de maneira geral: Quadro 1 - As regras REGRAS NEGOCIÁVEIS REGRAS INEGOCIÁVEIS Horário do parquinho Lavar as mãos antes de comer Lugar onde sentar Pedir licença ao entrar em sala de aula Saídas de sala de aula Recolher todos os brinquedos antes do final da aula Pegar os brinquedos depois das ativi- dades Deixar a sala limpa antes de ir embora Fonte: o autor. Enfim, as regras acima são apenas alguns exemplos possíveis, mas precisamos compreender que essa organização precisa existir. Caso contrário, se seus alunos não tiverem clareza do que pode ou não pode, certamente você cairá no pro- blema da barganha anteriormente descrito. Regras comuns: outro ponto indispensável é compreender que todas as regras precisam ser comuns. Se vale para os alunos, precisa valer para o professor. Se vale para um aluno, precisa valer para todos. Se vale para uma turma, precisa valer para todas. Caso contrário, a escola não conseguirá criar uma identidade disciplinar favorável ao processo de ensino e aprendizagem. Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 145 Regras regimentadas: por fim, todas as regras apresentadas à comunidade escolar precisam estar regimentadas, precisam constar no manual do aluno, no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, precisam ser detalhadamente apresentadas para as famílias no início do ano letivo. Isso garante que não sur- girão problemas? Claro que não, os problemas irão surgir, mas a escola precisa garantir, legalmente, que o que ela está fazendo tem um respaldo, tem uma fun- damentação perante a sociedade. Rotina: registrados os pontos anteriores, entenda, se não houver rotina, ou seja, se não houver uma lógica contínua no comportamento do professor, se não houver coerência, regularidade, os alunos não irão internalizar as atitu- des, os comportamentos corretos que lhes possibilitarão participar do processo de ensino e aprendizagem de maneira significativa. Se eu exijo do meu aluno o cumprimento das regras em um dia e não exijo no outro, ele irá perceber que não sou um professor que tem uma palavra sólida, que não estou plenamente preparado para o que estou fazendo e, acreditem, os alunos irão se aproveitar, ainda que inconscientemente. Então, solicite a organização do espaço físico todos os dias, seja exemplo todos os dias, cumpra as regras todos os dias, prepare a aula todos os dias, planeje suas ações todos os dias, pois acredite, todo os dias você terá um desafio diferente. Nunca leve o aluno ao limite: o professor conhece os limites de seus alu- nos! Sabe quando ele está bem, quando não está. Respeite esses limites. Esse é um ponto didático importante, pois qualquer imposição ou pressão realizada em momento inadequado pode gerar situações que certamente sairão do controle. Não vá para o nível do aluno: o professor, sendo a maior autoridade do pro- cesso educacional, não pode se dar ao direito de perder o direcionamento de suas ações e acabar cometendo erros que são próprios dos alunos. Se um profes- sor xinga, grita ou comete qualquer erro esperado de um aluno, será impossível criar uma relação de autoridade. De maneira resumida, observe a tabela a seguir: Requisitos Gerais para Ensinar na Educação Infantil UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E146 Quadro 2 - Elementos pedagógicos indispensáveis à prática docente ELEMENTO PEDAGÓGICO OBSERVAÇÃO Ser exemplo Não há forma melhor de ensinar a fazer do que fazendo. O aluno difícil Ele(a) precisa ser um desafio pedagógico, uma motivação e não um problema para sua prática. A barganha Não barganhe com o aluno! Ou ele barganhará com você também. Não é possível construir uma relação de autoridade assim. O professor autoritário e o professor autoridade Seja exemplo, só o exemplo é respeitado como autoridade do processo educacional. Quer ser temido ou respeitado? Quer ser autoridade ou autoritário? A paixão pelo conhecimento Crie hábitos! Tenha paixão pelo que faz e não precisará de esforço para incentivar seus alunos. Preparou a aula? Não é possível atingir um objetivo que não foi planejado. Entrar e sair de sala Tenha, em todos os momentos, o respeito que exige de seus alunos. Nunca leve o aluno ao limite Você é a autoridade do espaço educacional. Sua prática precisa contribuir com o desenvolvimento do aluno, não o contrário. Não vá para o nível do aluno Não grite, não fale mal, não perca a paciência... Você é o adulto da relação. A organização do espaço físico Como ensinar os alunos a se organizar se o espa- ço onde trabalhamos todos os dias não é espelho dessa organização? Problematização Provoque o conhecimento dos alunos, não im- ponha. Isso eleva o tempo de atenção e facilita a aprendizagem. As regras Elas precisam existir, deixe isso claro! REGRAS NEGOCIÁVEIS Elas precisam existir, deixe isso claro! REGRAS INEGOCIÁVEIS Elas precisam existir, deixe isso claro! Regras comuns Elas precisam existir, deixe isso claro! Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 147 Regras regimentadas Toda regra precisa ser registrada, ou não terá validade legal. Rotina Os pontos acima precisam ser uma rotina na vida da escola. Se não há rotina, não há aprendiza- gem! Fonte: o autor. Tudo resolvido? Diante das considerações acima, que abordam questões práticas de compor- tamento e organização docente, eu pergunto a você, aluno(a), os profissionais da educação estão preparados para utilizar a didática diante dos mais variados desafios da contemporaneidade? Você se considera preparado para lidar com tais desafios? Sei que se trata de uma pergunta desajeitada e quero que você reflita sobre isso. Da minha parte, acredito que todo profissional da educação que esti- ver disposto a repensar suas ações, suas práticas, seus fundamentos etc., este sim estará preparado para os desafios, de maneira a sempre buscar novas soluções para os problemas diários. No entanto, todo profissional que se recusar a repensar sua prática deixará a desejar no que se refere ao processo de ensino e aprendizagem. Caro(a) aluno(a), compreenda mais uma vez que não existem receitas pron- tas e acabadas para ensinar. Como já afirmei aqui, o que existem são fundamentos, possibilidades, ações que aumentam as nossas chances de ensinar. Esses funda- mentos moldam a nossa prática, o nosso comportamento, o nosso fazer docente dentro e fora de sala de aula. “Mas, professor, se eu seguir cada um dos passos apre- sentados neste tópico vou ter a certeza de que tudo vai dar certo?”. De maneira nenhuma! O docente lida com seres humanos e imprevistos acontecem todos os dias. Aqui, apresentamos caminhos possíveis, agora cabe a você testá-los. Diante disso, deixamos uma pequena advertência do próprio Comenius (2011) para você: Quem não sabe, porém, que para semear e plantar é preciso ter algu- ma arte e habilidade? De fato, a maior parte das plantas cuidadas por jardineiros inexperientes costuma perecer, e se alguma cresce viçosa é mais por acaso que por arte. Quem, porém, trabalha com destreza e paixão, sabendo o que, onde, quando e como é necessário fazer e deixar de fazer, não terá desenganos. No entanto, é verdade que às vezes até os mais experientes não obtêm resultados (COMENIUS, 2011, p. 146). Requisitos Gerais para Ensinar na Educação Infantil UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E148 Ou seja, estude, esteja preparado psicologicamente e muito bem fundamentado, mas entendaque os desafios são muitos e podemos errar. Até os mais experien- tes erram. E mesmo com todo esse preparo por parte do professor não significa que o aluno irá aprender, ou que irá aprender da forma como gostaríamos. Para alguns alunos, teremos que repetir mil vezes a mesma lição. Então entenda, o problema não é o aluno demorar para aprender, o problema é o professor desis- tir de ensinar, pois nada garante que a criança esteja realmente te ouvindo, por isso é importante nunca deixar de falar. Por fim, compreendam que nem todo domínio teórico do mundo e nem todo domínio da técnica serão suficientes se as relações aluno X professor não forem repletas de afetividade. A AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL Iniciamos indo direto ao ponto! A afetividade é pré-requisito para se ensinar na Educação Infantil! É elemento didático indispensável ao ensino nesta que é a pri- meira etapa da educação. Do que estamos falando? O que é essa “afetividade”? A Afetividade na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 149 Para o estudo de certas profissões, exige-se que o candidato passe por um exame de aptidão. É o caso da música. Não basta desejar ser músi- co. É preciso ter as qualificações necessárias para a profissão de músico. Eu acho que o mesmo deveria ser obrigatório para aqueles que querem ser professores. Um teste de aptidão para os candidatos ao magisté- rio seria assim: o candidato seria solto num pátio onde se encontram crianças. Se ele se enturmasse com elas, desse risadas e participasse das brincadeiras e atividades, seria aceito. Caso contrário, deveria procurar outra profissão, ainda que tivesse tirado dez em todas as provas teóricas (LAGO, 2014, p. 44). Não estamos, diante da citação acima, fazendo uma sobreposição pobre da prá- tica sobre a teoria. Em hipótese alguma! Ao contrário, estamos ressaltando que é elemento primordial para o exercício teórico da atividade docente ter uma identificação prévia, ou desenvolvida ao longo das atividades, com aquilo que é o objeto de nosso trabalho, o aluno, o ser humano. Nesta unidade, avançaremos no conceito de “didática”, que já apresentamos e afir- mamos que pode ser compreendida, também, como a “forma de ensinar”, ou o próprio “como” ensinar, ou até mesmo “o meio pelo qual possibilitamos o conhe- cimento aos alunos”, ou ações/atividades organizadas por um professor com o objetivo de possibilitar, de facilitar ou favorecer a construção do conhecimento pelo estudante. Enfim, chega a ser redundante, mas é isso, para se ensinar é neces- sário empatia e vontade para estarmos constantemente buscando novas formas, novas metodologias, para estarmos sempre inovando em nossa prática. Um pro- fessor com elevadíssimo domínio de conteúdo não é garantia de que seus alunos irão aprender. Dominar os conteúdos é indispensável, mas ainda mais indispen- sável é saber como criar condições para passar esse conhecimento a seus alunos. Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. (Rubem Alves) UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E150 E por qual motivo é necessário inovar na prática docente? Pense no seguinte, os alunos de 30 anos atrás se comportavam, se relacionavam e aprendiam da mesma forma que os alunos atuais? É lógico que não, até porque as influências externas sobre o comportamento e o desenvolvimento desses indivíduos é muito mais intensa nos dias de hoje. Logo, se mudaram as formas de se relacionar e de aprender, por que devemos continuar ensinando da mesma maneira que se ensinavam há décadas? Enfim, é por isso que devemos sempre inovar em nossa prática docente. Agora, entenda, mesmo diante de toda inovação do mundo, se falta afetividade nas relações professor X aluno, as chances de alcançarmos o nosso objetivo são pequenas. E para abordarmos o conceito de “afetividade”, retomaremos outro autor de nossa Unidade 1. Diante disso, Roterdã (1927, p. 66) diz que “o primeiro grau da apren- dizagem consiste no amor ao professor. Com o caminhar do tempo, a criança, que foi iniciada no amor ao estudo por causa do amor ao mestre, passa a amar o mestre por amor ao estudo”. Compreendem a força das palavras do autor? Então, compreendam, a Educação Infantil é marcada por essa relação afetiva. É mar- cada por essa primeira ação. Sobre isso, Piaget fundamenta com maestria a necessidade da afetividade para o desenvolvimento do ser humano: O processo evolutivo, cujo aspecto cognitivo acabamos de descrever [...], liga também as estruturas do nível sensório-motor inicial às do nível de operações concretas, que se constituem entre 7 e 11 anos, pas- sando, porém, por um período pré-operatório (2-7 anos) caracterizado Você que está lendo este livro já foi aluno(a) da Educação Infantil e, talvez, já teve ou tenha filhos nessa etapa da educação. Consegue se lembrar de um(a) professor(a) que marcou a sua vida ou a vida de seu filho pelo carinho e respeito que demonstrava durante o processo de ensino e aprendizagem? Consegue compreender a importância deste(a) professor(a) para a sua for- mação psicológica ou de seu filho? A Afetividade na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 151 pela assimilação sistemática à ação própria (jogo simbólico, não con- servações, pré-causalidade etc.) que constitui, ao mesmo tempo, obs- táculo e preparação para assimilação operatória. É evidente que a evo- lução afetiva e social da criança obedece às leis desse mesmo processo geral, visto que os aspectos afetivos, sociais e cognitivos da conduta são, de fato, indissociáveis: como já vimos [...], afetividade constitui a ener- gia das condutas cujas estruturas correspondem às funções cognitivas e, se a energética não explica a estruturação nem o inverso, nenhuma das duas poderia funcionar sem a outra (PIAGET, 2003, p. 103). No trecho supracitado, Piaget (2003) nos deixa claro que aspectos afetivos, sociais e cognitivos da conduta são indissociáveis. Logo na condição de professores, de educadores, devemos considerar a relação afetiva com o nosso aluno tão rele- vante quanto o processo de planejamento de uma aula, por exemplo. Não há como pensar em didática sem compreender as relações afetivas que permeiam o processo de ensino e aprendizagem. Assmann (2012, p. 29) diz que é necessário reencantar a educação, que “precisamos reintroduzir na escola o princípio de que toda a morfogênese do conhecimento tem algo a ver com a experiência do prazer”: Quando esta dimensão está ausente, aprendizagem vira um processo meramente instrucional. Informar e instruir acerca de saberes já acu- mulados pela humanidade é um aspecto importante da escola, que deve ser, neste aspecto, uma central de serviços qualificados. Mas a experiência de aprendizagem implica, além da instrução informativa, a reinvenção e construção personalizada do conhecimento. E nisso o prazer representa uma dimensão-chave. Reencantar a educação signifi- ca colocar a ênfase numa visão de ação educativa como ensejamento e produção de experiências de aprendizagem (ASSMANN, 2012, p. 29). Diante da provocação de Assmann (2012), fica a seguinte pergunta: nós somos capazes de reencantar a educação? Somos capazes de produzir experiências de aprendizagem com nossos alunos ou apenas reproduzimos informações historica- mente acumuladas pela humanidade? Não são questionamentos para estabelecer julgamento sobre a nossa prática, mas sim para nos fazer pensar sobre ela. Enfim, para além dos elementos apresentados em nosso primeiro tópico, com- preendam: a afetividade é elemento didático indispensável para se ensinar, para se atingir os objetivos não só da Educação Infantil, mas de todas as etapas, níveis e moda- lidades da educação. Sefalta isso, todo o resto é em vão! Agora, vamos às linguagens. UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E152 DESENVOLVIMENTO DAS LINGUAGENS PARA A AQUISIÇÃO DO CONHECIMENTO NA INFÂNCIA Antes de compreendermos a importância das linguagens para a aquisição do conhecimento na infância, é muito importante compreender o próprio conceito de linguagem que utilizaremos. Para isso, nossa base para essa discussão será a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017, on-line)2. A BNCC aponta como parte das competências gerais da Educação Básica “utilizar diferentes linguagens [...] para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo” (BRASIL, 2017, on-line)2. Define as mais diversas linguagens como sendo: ■ Verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita). ■ Corporal. ■ Visual. Desenvolvimento das Linguagens para a Aquisição do Conhecimento na Infância Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 153 ■ Sonora. ■ Digital. ■ Linguagens artísticas. ■ Linguagens matemáticas. ■ Linguagens científicas. Ainda em relação a BNCC (BRASIL, 2017, on-line)2, verificaremos que, no que se refere aos direitos de aprendizagem na Educação Infantil, a linguagem está sempre presente. Por exemplo, a criança tem o direito de “conviver com outras crianças e adultos, em pequenos e grandes grupos, utilizando diferentes lin- guagens”. Tem o direito de “participar ativamente [...] desenvolvendo diferentes linguagens”. Tem ainda o direito de “expressar, como sujeito dialógico [...] por meio de diferentes linguagens” (BRASIL, 2017, on-line)2. E no que se refere aos campos de experiências, a criança deve, ainda, “registrar observações, manipu- lações e medidas, usando múltiplas linguagens (desenho, registro por números ou escrita espontânea), em diferentes suportes”. O que estamos apontando aqui é que esta discussão não é pequena e abarca aspectos legais, teóricos e metodo- lógicos enquanto direito e necessidade da criança. Compreendido o conceito de linguagem que abordamos, entendam que é por meio dessas diversas linguagens que a criança expressa ideias, desejos, sen- timentos etc. Desde o dia que nasce, o ser humano não para mais de fazer uso das mais variadas formas de comunicação. Sendo assim, não podemos conside- rar como “linguagem” apenas a oral ou a escrita. Ou seja, saibamos reconhecer as possibilidades desse conceito. A BNCC diz ainda que é por meio das diferentes linguagens, como a música, a dança, o teatro, as brincadeiras de faz de conta, que as crianças se comunicam e se expressam no entrelaçamento entre corpo, emoção e linguagem (BRASIL, 2017, on-line)2. Conseguem compreender a importância da linguagem até aqui? A BNCC expressa e resume que sem o desenvolvimento das linguagens não existe aprendizagem, não existe desenvolvimento, sendo direito da criança, ainda: UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E154 Conviver com diferentes manifestações artísticas, culturais e científi- cas, locais e universais, no cotidiano da instituição escolar, possibilita às crianças, por meio de experiências diversificadas, vivenciar diversas formas de expressão e linguagens, como as artes visuais (pintura, mo- delagem, colagem, fotografia etc.), a música, o teatro, a dança e o audio- visual, entre outras. Com base nessas experiências, elas se expressam por várias linguagens, criando suas próprias produções artísticas ou culturais, exercitando a autoria (coletiva e individual) com sons, traços, gestos, danças, mímicas, encenações, canções, desenhos, modelagens, manipulação de diversos materiais e de recursos tecnológicos (BRA- SIL, 2017, on-line)2. Como podemos observar, não são poucas as possibilidades a serem trabalhadas na Educação Infantil e sem elas não é possível dar a base para que a criança continue aprendendo. Se observarmos o ponto denominado “Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento” por faixa etária da BNCC para a Educação Infantil, encon- tramos alguns aspectos específicos a serem trabalhados dentro de nossa temática: Crianças De 0 A 1 Ano E 6 Meses - Comunicar necessidades, desejos e emoções, utilizando gestos, balbucios, palavras. - Reconhecer seu corpo e expressar suas sensações em momentos de alimen- tação, higiene, brincadeira e descanso. - Movimentar as partes do corpo para exprimir corporalmente emoções, necessidades e desejos (BRASIL, 2017, on-line)2. Crianças De 1 Ano E 7 Meses A 3 Anos E 11 Meses - Comunicar-se com os colegas e os adultos, buscando compreendê-los e fazendo-se compreender. - Dialogar com crianças e adultos, expressando seus desejos, necessidades, sentimentos e opiniões (BRASIL, 2017, on-line)2. Crianças De 4 Anos A 5 Anos E 11 Meses - Comunicar suas ideias e sentimentos a pessoas e grupos diversos. - Manifestar interesse e respeito por diferentes culturas e modos de vida. - Expressar ideias, desejos e sentimentos sobre suas vivências, por meio da linguagem oral e escrita (escrita espontânea), de fotos, desenhos e outras for- mas de expressão (BRASIL, 2017, on-line)2. O Ensino da Matemática na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 155 De imediato, verifique o item três de nossa BNCC por completo, pois aqui sele- cionamos apenas alguns itens para abordar o conteúdo, mas ainda assim verifique os objetivos de aprendizagem por faixa etária citados e tente imaginar os mes- mos sendo cumpridos sem o desenvolvimento das linguagens. Tentou? Difícil, não é? Pois é, é impossível! É por isso que Vigotski (2009), na obra A Construção do Pensamento e da Linguagem, diz que a linguagem é a ferramenta que torna o animal homem em ser humano e que ninguém torna-se “homem”, no sentido social da palavra, sem interagir por meio do uso de linguagens. Enfim, para irmos além deste tópico, reforçamos que não existe desen- volvimento infantil sem o desenvolvimento das linguagens. Sem isso, não há aquisição do conhecimento na infância. No próximo tópico abordaremos a lin- guagem matemática. O ENSINO DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Antes de qualquer coisa, pre- cisamos deixar claro que as aprendizagens que a criança necessita desenvolver em uma determinada etapa não têm como única função levá- -la à próxima etapa. O ensino da matemática na Educação Infantil não tem como única função levar a criança para o Ensino Fundamental. A criança existe em seu espaço, e precisa desses conhecimentos para seu desenvolvimento, para produzir UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E156 significado naquele momento, e não apenas no ano seguinte. Dito isto, o que devemos ensinar sobre a linguagem matemática na Educação Infantil? Adição? Subtração? Multiplicação? Sim, essas operações estão presentes na Educação Infantil. Na verdade, essas operações já estavam presentes na vida da criança mesmo antes desta entrar na escola. Contudo, será nesse momento que ela terá a oportunidade de iniciar um processo de sistematização desses conhecimentos: Além disso, nessas experiências e em muitas outras, as crianças tam- bém se deparam, frequentemente, com conhecimentos matemáticos (contagem, ordenação, relações entre quantidades, dimensões, medi- das, comparação de pesos e de comprimentos, avaliação de distâncias, reconhecimento de formas geométricas, conhecimento e reconheci- mento de numerais cardinais e ordinais etc.) que igualmente aguçam a curiosidade. Portanto, a Educação Infantil precisa promover experiên-cias nas quais as crianças possam fazer observações, manipular objetos, investigar e explorar seu entorno, levantar hipóteses e consultar fontes de informação para buscar respostas às suas curiosidades e indagações (BRASIL, 2017, on-line)2. “Assim, a instituição escolar está criando oportunidades para que as crianças ampliem seus conhecimentos do mundo físico e sociocultural e possam utili- zá-los em seu cotidiano” (BRASIL, 2017, on-line)2. Então a criança terá que ter um domínio completo do sistema numérico já na Educação Infantil? É evidente que não, e sobre isso vejamos o que nos diz a BNCC: Crianças De 0 A 1 Ano E 6 Meses - Traçar marcas gráficas, em diferentes suportes, usando instrumentos ris- cantes e tintas (BRASIL, 2017, on-line)2. A relação afetiva professor X aluno faz diferença no processo inicial de apro- ximação sistematizada com a linguagem matemática? O Ensino da Matemática na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 157 Crianças De 1 Ano E 7 Meses A 3 Anos E 11 Meses - Classificar objetos, considerando determinado atributo (tamanho, peso, cor, forma etc.). - Utilizar conceitos básicos de tempo (agora, antes, durante, depois, ontem, hoje, amanhã, lento, rápido, depressa, devagar). - Contar oralmente objetos, pessoas, livros etc., em contextos diversos. - Registrar com números a quantidade de crianças (meninas e meninos, pre- sentes e ausentes) e a quantidade de objetos da mesma natureza (bonecas, bolas, livros etc.) (BRASIL, 2017, on-line)2. Crianças De 4 Anos A 5 Anos E 11 Meses - Estabelecer relações de comparação entre objetos, observando suas propriedades. - Registrar observações, manipulações e medidas, usando múltiplas lin- guagens (desenho, registro por números ou escrita espontânea), em diferentes suportes. - Classificar objetos e figuras de acordo com suas semelhanças e diferenças. - Relacionar números às suas respectivas quantidades e identificar o antes, o depois e o entre em uma sequência. - Expressar medidas (peso, altura etc.), construindo gráficos básicos (BRASIL, 2017, on-line)2. Do momento inicial, em que a criança passa a “riscar”, até chegar a expres- sar medidas, muita mediação foi desenvolvida, baseada em um processo afetivo professor X aluno, em que a criança vai, aos poucos, percebendo o mundo ao seu redor, pois as crianças já estão “inseridas em espaços e tempos de diferentes dimensões, em um mundo constituído de fenômenos naturais e socioculturais” (BRASIL, 2017, on-line)2. Na escola, a criança apenas sistematiza muito daquilo que já vivencia. Mais importante ainda é entender o “como”, o processo didático por meio do qual se desenvolvem tais habilidades e competências matemáticas. Pois é no dia a dia, no brincar, nas relações mais simples de sala de aula que podemos explo- rar os conhecimentos matemáticos, por exemplo: - Realizar a contagem, coletivamente, do total de alunos em sala no início da aula. UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E158 - Realizar a contagem, coletivamente, do total de meninos em sala no iní- cio da aula. - Realizar a contagem, coletivamente, do total de meninas em sala no iní- cio da aula. - Solicitar aos alunos que ajudem a contar a quantidade de pratos na hora do lanche. - Fazer a anotação coletiva no calendário de sala. - Contar os brinquedos para a divisão igualitária entre os alunos. Enfim, são muitas as possibilidades, compreendam apenas que o processo didático para se ensinar na Educação Infantil tem suas especificidades, assim como em qualquer outra etapa da educação. LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO: IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Antes de avançarmos, retomamos aquilo que já apontamos na Unidade 2 do nosso material, ao abordarmos nossa Base Nacional Comum Curricular. Ao falar- mos dos objetivos de aprendizagem, seja para o desenvolvimento de linguagens gerais, matemáticas etc., estamos falando de desenvolvimento de aprendizagens Letramento e Alfabetização: Implicações para a Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 159 baseadas em competência e habilidades que todos os alunos devem ter condições de desenvolver em determinada idade. Antes de falarmos sobre as implicações do letramento e da alfabetização para a Educação Infantil, o que é “alfabetizar”? O que é “letrar”? Soares (2017, p. 28) diz que “basicamente, três principais facetas de inserção no mundo da escrita disputam a primazia nos métodos e propostas de aprendi- zagem inicial da língua escrita”: Alfabetização: a primeira é a “faceta propriamente linguística da língua escrita – a representação visual da cadeia sonora da fala, faceta a que neste livro se reservará a designação de alfabetização” (SOARES, 2017, p. 28). A segunda é a “faceta interativa da língua escrita – a língua escrita como veí- culo de interação entre as pessoas, de expressão e compreensão de mensagens” (SOARES, 2017, p. 28-29). Letramento: a terceira é a “faceta sociocultural da língua escrita – os usos, funções e valores atribuídos à escrita em contexto socioculturais, estas duas últi- mas facetas consideradas, neste livro, como letramento” (SOARES, 2017, p. 29). Em outras palavras, para Soares (2009), a alfabetização constitui-se no desen- volvimento de habilidades de codificação de fonemas em grafemas e decodificação de grafemas em fonemas, enquanto o letramento seria o processo de construção da função social desse processo na vida de um indivíduo. Sendo necessário apontar que mesmo que na Educação Infantil o foco seja o processo de letramento, esses dois aspectos não se desenvolvem separadamente, mas ocorrem concomitante- mente. Então, a próxima pergunta é, devemos “alfabetizar” na Educação Infantil? Para lidar com esta questão, vejamos outros objetivos de aprendizagem da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017, on-line)2 para a Educação Infantil: Crianças De 0 A 1 Ano E 6 Meses - Conhecer e manipular materiais impressos e audiovisuais em diferentes portadores (livro, revista, gibi, jornal, cartaz, CD, tablet etc.). - Demonstrar interesse ao ouvir a leitura de poemas e a apresentação de músicas. - Participar de situações de escuta de textos em diferentes gêneros textuais (poemas, fábulas, contos, receitas, quadrinhos, anúncios etc.). - Conhecer e manipular diferentes instrumentos e suportes de escrita (BRASIL, 2017, on-line)2. UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E160 Crianças De 1 Ano E 7 Meses A 3 Anos E 11 Meses - Manusear diferentes instrumentos e suportes de escrita para desenhar, tra- çar letras e outros sinais gráficos (BRASIL, 2017, on-line)2. Crianças De 4 Anos A 5 Anos E 11 Meses - Levantar hipóteses em relação à linguagem escrita, realizando registros de palavras e textos, por meio de escrita espontânea (BRASIL, 2017, on-line)2. Observando os pontos citados, precisamos reforçar que, ao traçar tais objeti- vos, a Base não está exigindo que os alunos aprendam somente isso. Ao contrário, que aprendam no mínimo isso! Logo, observamos que o processo de alfabetiza- ção, a decodificação de grafemas em fonemas e vice versa, não se constitui em objetivos específicos aqui. Todavia, nessa etapa, inicia-se o processo de cons- trução sistematizada das bases para que isso ocorra. E para que isso ocorra, é necessário que a escola, a sala de aula, seja um ambiente alfabetizador em si. Como já apontamos, alfabetização e letramento são processos inseparáveis. Logo, a Educação Infantil vai construindo as bases, os pilares desse processo com- plexo. E para que isso ocorra de maneira natural e prazerosa, é importante que haja um planejamento,uma organização adequada e à altura do desafio. Sobre isso, Soares (2009) diz que tal ambiente pode ser, também, aquele que favorece a escrita espontânea, onde temos letras do alfabeto, contato visual frequente, calendário, rótulos de caixas de material didático, dentre outros. Complementando, uma sala de aula com alfabeto, imagens, toda a atmos- fera possibilita, de forma natural, que a criança vá se inserindo nesse novo mundo. Logo, que fique registrado mais uma vez que não há motivo para apres- sar a Educação Infantil. Sabemos que muitas vezes as cobranças das famílias e da própria escola podem levar o professor a sobrecarregar o aluno. Por isso, é necessário estarmos preparados. Não devemos fazer com que o objetivo da Educação Infantil seja apenas o de levar o aluno ao Ensino Fundamental, ainda que isso seja uma consequência: A transição entre essas duas etapas da Educação Básica requer mui- ta atenção, para que haja equilíbrio entre as mudanças introduzidas, garantindo integração e continuidade dos processos de aprendizagens das crianças, respeitando suas singularidades e as diferentes relações que elas estabelecem com os conhecimentos, assim como a natureza das mediações de cada etapa. Torna-se necessário estabelecer estraté- A Educação Infantil e a Literatura: Formando Leitores Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 161 gias de acolhimento e adaptação tanto para as crianças quanto para os docentes, de modo que a nova etapa se construa com base no que a criança sabe e é capaz de fazer, em uma perspectiva de continuidade de seu percurso educativo (BRASIL, 2017, on-line)2. Por fim, reforçamos, é por meio da brincadeira que a maior parte desses obje- tivos são alcançados na Educação Infantil. Lembrem-se, o brincar na Educação Infantil é tão importante quanto qualquer outra atividade desenvolvida no Ensino Fundamental. A EDUCAÇÃO INFANTIL E A LITERATURA: FORMANDO LEITORES Ao colocarmos os alunos da Educação Infantil em contato com a literatura, estamos contribuindo para o processo de alfabetização e letramento? Com toda certeza! O mundo da literatura é rico para trabalhar todo tipo de linguagem e é observando uma contação de história, selecionando livros, olhando os núme- ros do sumário, verificando quais letras dos livros são iguais às do próprio nome etc., que o aluno vai conhecendo a função social desses materiais (letramento), ao mesmo tempo em que se relaciona com o processo de codificação (alfabeti- zação). Entretanto, é necessário utilizar livros e contação de histórias, com os UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E162 alunos da Educação Infantil desde as séries iniciais? Vejamos o que nos dizem alguns objetivos de aprendizagem da BNCC sobre isso. Crianças De 0 A 1 Ano E 6 Meses - Demonstrar interesse ao ouvir histórias lidas ou contadas, observando ilustrações e os movimentos de leitura do adulto-leitor (modo de segurar o por- tador e de virar as páginas). - Demonstrar interesse ao ouvir a leitura de poemas e a apresentação de músicas. - Reconhecer elementos das ilustrações de histórias, apontando-os, a pedido do adulto-leitor. - Imitar as variações de entonação e gestos realizados pelos adultos, ao ler histórias e ao cantar (BRASIL, 2017, on-line)2. Crianças De 1 Ano E 7 Meses A 3 Anos E 11 Meses - Identificar e criar diferentes sons e reconhecer rimas e aliterações em can- tigas de roda e textos poéticos. - Formular e responder perguntas sobre fatos da história narrada, identifi- cando cenários, personagens e principais acontecimentos. - Relatar experiências e fatos acontecidos, histórias ouvidas, filmes ou peças teatrais assistidos etc. - Criar e contar histórias oralmente, com base em imagens ou temas sugeridos. - Manusear diferentes portadores textuais, demonstrando reconhecer seus usos sociais. - Manipular textos e participar de situações de escuta para ampliar seu con- tato com diferentes gêneros textuais (parlendas, histórias de aventura, tirinhas, cartazes de sala, cardápios, notícias etc.). - Demonstrar interesse e atenção ao ouvir a leitura de histórias e outros tex- tos, diferenciando escrita de ilustrações, e acompanhando, com orientação do adulto-leitor, a direção da leitura (de cima para baixo, da esquerda para a direita) (BRASIL, 2017, on-line)2. Crianças De 4 Anos A 5 Anos E 11 Meses - Recontar histórias ouvidas e planejar coletivamente roteiros de vídeos e de encenações, definindo os contextos, os personagens, a estrutura da história. - Recontar histórias ouvidas para produção de reconto escrito, tendo o pro- fessor como escriba. A Educação Infantil e a Literatura: Formando Leitores Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 163 - Produzir suas próprias histórias orais e escritas (escrita espontânea), em situações com função social significativa. - Levantar hipóteses sobre gêneros textuais veiculados em portadores conhe- cidos, recorrendo a estratégias de observação gráfica e/ou de leitura. - Selecionar livros e textos de gêneros conhecidos para a leitura de um adulto e/ou para sua própria leitura (partindo de seu repertório sobre esses textos, como a recuperação pela memória, pela leitura das ilustrações etc.). - Escolher e folhear livros, procurando orientar-se por temas e ilustrações e tentando identificar palavras conhecidas (BRASIL, 2017, on-line)2. Perceberam que são muitos os objetivos apresentado pela Base sobre o ques- tionamento que fizemos? E olha que selecionamos apenas alguns. Contudo, como fazer crianças entre 0 e 1 ano de idade sentirem interesse por ouvir uma histó- ria? Para essa pergunta, volte ao primeiro tópico desta unidade, pois a resposta é “didática”, encantamento, planejamento, é tornando-se exemplo, exemplo de paixão pela literatura, pela leitura, de encantamento para o aluno a sua frente, é compreendendo como esse aluno aprende e se desenvolve que você terá alguma chance de encantar, de ensinar. Entretanto tudo isso ainda não é o bastante, ainda é necessário saber esco- lher um bom material, um material compatível com a faixa etária dos alunos e seu nível de desenvolvimento, sempre buscando levá-lo ao próximo. E sobre isso fare- mos agora algumas indicações de literatura para trabalhar em sala de aula. E sim, podemos e devemos utilizar obras contemporâneas, mas é imprescindível utilizar, também, aquilo que é clássico (na literatura ou na música), e por clássico enten- demos que seja aquilo que sobreviveu ao tempo. Ao mesmo tempo, tudo que é “velho” é clássico? Evidente que não. Entretanto, uma obra, para ser chamada de “clássico”, necessariamente precisa ter sobrevivido ao tempo. E um livro novo, de cerca de 5 ou 10 anos, pode ser clássico? Dificilmente. Pode ser que seja um exce- lente livro, uma grande obra, mas só o tempo dirá se chegará a ser um clássico. Outro grande motivo para utilizarmos aquilo que é clássico é o fato de que sobre- viveu ao tempo, acumulou história, adquiriu identidade e passou a fazer parte de uma cultura, e isso já é pré-requisito suficiente para ser utilizado. Enfim, deixemos algumas indicações, entre clássicos e contemporâneos, a seguir: Quadro 3 - Sugestão de obras para serem exploradas de diversas formas na educação infantil, em especial UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E164 para contação de histórias X LIVRO/TEXTO POÉTICO AUTOR/EDITORA FAIXA ETÁRIA POSSÍVEL 1 O Cachorrinho salva uma Estrela (livro) Ciranda Cultural 0/2 anos 2 Você é meu bebê (livro) Publifolhinha 6 meses/2 anos 3 Cadê o meu penico? (livro) Mij Kelly 2 anos 4 Só me diz por que não pos-so morder os outros? (livro) Sara Agostini2/4 anos 5 Sai pra lá, vira lata! (livro) Danilo Furlan 3/5 anos 6 Menina bonita do laço de fita (livro) Ana Maria Machado 3/5 anos 7 O Bicho que queria crescer (livro) Ziraldo 3/5 anos 8 O pequeno príncipe (Adap-tações) (livro) Antoine de Saint-Exu- péry 3/5 anos 9 Poemotes (livro) Sandra Ronca 4/5 anos 10 Só me diz por que não posso assistir TV demais? (livro) Sara Agostini 4/5 anos 11 Poemas que escolhi para as crianças (livro) Ruth Rocha Todas as idades 12 Só me diz por que preciso de dinheiro? (livro) Sara Agostini 4/5 anos 13 Papai! (livro) Philippe Corentin 4/5 anos 14 Tatu balão (livro) Sônia Barros 3/4 anos 15 E o dente ainda doía (livro) Ana Terra 4/5 anos 16 O Bicho (poema) Manuel Bandeira 4/5 anos 17 Ou Isto ou Aquilo (poema) Cecília Meireles 4/5 anos 18 Ou Isto ou Aquilo (livro) Cecília Meireles 5 anos 19 Canção do exílio (poema) Gonçalves Dias 5 anos 20 I want to be (livro para escola bilíngue) Yvette Pais 5 anos Fonte: o autor. A Educação Infantil e a Literatura: Formando Leitores Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 165 É necessário observar que eu poderia indicar outros milhares de livros aqui para vocês. Tanto no que se refere ao que já utilizei com meus alunos na Educação Infantil, quanto aqueles que hoje são consagrados pela sua capacidade didática. Por isso essas são apenas algumas recomendações possíveis diante de milhares. Para problematizar esse nosso tópico sobre a formação de leitores na Educação Infantil, apresento agora a pesquisa Retratos da Leitura, realizada entre 23 de novembro e 14 de dezembro de 2015 pelo Instituto Pró-livro e executada pelo Ibope. Com 5012 entrevistados em todo o território nacional, o Instituto Pró-Livro (2015) verificou que 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro. Para fins de registro, é considerado “leitor” para a pesquisa aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos 1 livro nos últimos 3 meses. E “não leitor” é aquele que declarou não ter lido nenhum livro nos últimos 3 meses, mesmo que tenha lido nos últimos 12 meses. O Instituto Pró-Livro tem dentro de seus objetivos: Avaliar impactos e orientar políticas públicas do livro e da leitura, ten- do por objetivo melhorar os indicadores de leitura do brasileiro. Pro- mover a reflexão e estudos sobre os hábitos de leitura do brasileiro para identificar ações mais efetivas voltadas ao fomento à leitura e o acesso ao livro. Promover ampla divulgação sobre os resultados da pesquisa para informar e mobilizar toda a sociedade sobre a importância da lei- tura e sobre a necessidade de melhorar o “retrato” da leitura no Brasil (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2015, on-line). Diante de tais objetivos, as pesquisas realizadas desde 2007 pelo Instituto bus- cam produzir dados e contribuir com a formação de leitores em nosso país. E no que se refere ao objetivo central da última pesquisa realizada pelo Instituto (2015), este foi o de “conhecer o comportamento leitor medindo a intensidade, forma, limitações, motivação, representações e as condições de leitura e de acesso ao livro – impresso e digital – pela população brasileira” (INSTITUTO PRÓ- LIVRO, 2015, on-line)3. As perguntas realizadas pela pesquisa são as mesmas de 2007, e buscam saber quantos livros as pessoas leram nos últimos 3 meses e nos últimos 12 meses. E no que se refere ao perfil da amostra da pesquisa, veri- fique a figura a seguir: UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E166 Figura 1 - Condição atual de estudo (2011-2015) Fonte: Instituto Pró-Livro (2015, on-line)3. A Educação Infantil e a Literatura: Formando Leitores Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 167 Verifica-se que, em relação à condição de estudo dos entrevistados na época da pesquisa, houve uma diminuição se comparada à última pesquisa de 2011. Apenas o Ensino Superior manteve-se estável entre 2011 e 2015, o que é um dado alar- mante dentro de nossa concepção. A pirâmide da importância e valorização do estudo continua invertida no Brasil. Como podemos observar na figura a seguir, a amostragem é composta, majoritariamente, pelo publico feminino. Figura 2 - Perfil da amostra Fonte: Instituto Pró-Livro (2015, on-line)3. E por fim, na figura a seguir temos um panorama das três últimas pesquisas, que evidenciam que boa parte dos brasileiros ainda se declara “não leitor”, ou seja, trata-se de pessoas que não leem ao menos um livro em três meses. Figura 3 - Perfil do leitor Fonte: Instituto Pró-Livro (2015, on-line)3. UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E168 A Figura 3 evidencia, também, que a definição de leitor/não leitor se mantém desde a edição de 2007. Todavia, o que isso tem a ver com nossa discussão sobre a formação de leitores, sobre letramento e alfabetização na Educação Infantil? É simples, o primeiro contato de um aluno com a literatura, com o mundo letrado, tende a influenciar significativamente sua relação posterior com essa prática. Se o primeiro contato do aluno da Educação Infantil com esta prática é encantante, repleto de prazer, de sentimento, de envolvimento, se o professor inspira pelo exemplo de sua prática e dedicação ao saber, é bem provável que o aluno terá bons resultados no seu relacionamento com o mundo letrado. Caso contrário, se não estimulado, provocado pela leitura e suas possibilidades, o aluno tende a ocupar o lado triste da pesquisa Retratos da Leitura, o das pessoas que deixam de ler ano após ano de sua vida. Enfim, a pesquisa acima evidencia que não estamos avançando no que se refere à formação de leitores no Brasil. E um cidadão que não lê não interpreta os textos, o mundo, a vida, a sociedade de maneira crítica, e tende virar massa de mano- bra dentro de uma sociedade complexa. O que o(a) professor(a) da Educação Infantil pode fazer para contribuir para uma mudança de rumo nos resultados da pesquisa citada? A Música na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 169 A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Sobre a importância da linguagem musical no desenvolvimento da criança, Deckert (2012, p. 29) nos explica que: Do nascimento aos 6 meses a criança: - Desenvolve percepção global e diferenciada. - Reconhece a voz materna. - Reconhece histórias, rimas, parlendas e músicas ouvidas durante a gestação. - Desenvolve preferências: no início da fase, por sons graves; ao final, por sons agudos. - Procura fontes sonoras: inicialmente, com movimento dos olhos; depois, com virada de cabeça. - Desenvolve a redução do movimento corporal quando há música. - Desenvolve respostas corporais generalizadas aos sons musicais. - Desenvolve a capacidade de ouvir qualquer tipo de escala. Dos 7 meses aos 12 meses a criança: - Desenvolve o balbuciar musical. - Movimentos corporais não necessariamente sincronizados à música. - Percepção de contornos melódicos, padrões rítmicos, formas, timbres, vozes e modos de cantar. - Modulação de comportamento em resposta aos diferentes tipos de música. - Distinção entre acordes consonantes e dissonantes. - Preferência por consonâncias e por música a cappela (canto sem acompa- nhamento de instrumentos). - Reconhecimento de música conhecida, ouvida repetidamente. - Preferência pelo timbre da voz humana em relação ao timbre dos instrumentos. UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E170 Dos 13 meses aos 18 meses a criança: - Desenvolve vocalizações: experimentação vocal. - Jogosmusicais: aprendendo a vida de cada um. - Expressão das primeiras palavras. Dos 19 meses aos 24 meses a criança: - Desenvolve o aumento do vocabulário. - Experimentação livre de canções. - No canto, uso de intervalos melódicos de segundas, terças maiores e menores. - Surgem canções espontâneas curtas, em geral pequenos intervalos meló- dicos, como padrão rítmico flexível. Com 2 anos de idade a criança: - Desenvolve o uso de padrões melódicos de canções conhecidas em can- tos espontâneos. - Manifestação de habilidade de cantar partes de canções. - Imitação de partes de canções, embora sem acertar todas as notas. - No canto, início do uso de intervalos de quarta e quinta. - Movimentos de braços e pernas; sincronização temporária com o pulso (10%). - Ritmos constantes, porém nem sempre corretos. - Nenhuma evidência de consciência de forma musical. Dos 3 anos aos 4 anos a criança: - Desenvolve uma melhora na imitação de canções, cada vez mais próximo do modelo. - Início do uso de jogos solitários e de associação, como classificação de dife- rentes sons e timbres. - Representação de papéis de personagens em canções. - Adaptação gradual a prática musical coletiva, como cantar em grupo. - Aprendizado de canções na seguinte sequência: movimento, palavras, ritmo, frase. - Diminuição da variedade dos movimentos corporais (as crianças tornam- -se mais seletivas em relação aos movimentos). - Prática e exploração de movimentos conhecidos. - Melhora sensível da coordenação motora. A Música na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 171 - Surgem os padrões rítmicos; a repetição é fundamental. - Execução de ritmos corretos e ostinatos (repetição de um padrão de ritmo de vezes). - O senso de totalidade começa a emergir. - Representação inventada: rabiscos que seguem o curso do ritmo musical. Dos 5 anos aos 6 anos a criança: - Desenvolve as estruturas do pensamento, tornam-se cada vez mais aptas a perceber os parâmetros do som. - A música é assimilada por imagens, depois por imagens-símbolos, seguida da representação. - Senso de tonalidade mais estável, tornando-se no final da etapa. - Consegue cantar, de maneira cuidadosa, a maioria das canções apreendidas. - Resposta mais comum ao ritmo: palmas e movimentos curtos são mais fáceis de controlar. - Pulso correto e firme. Repetições rítmicas e melódicas são comuns nessa fase. - Senso de forma e padrão na improvisação. - Representações inventadas: uso de figuras e símbolos abstratos para mos- trar estruturas musicais ou elementos da forma. Aos 6-7 anos de idade: - Uso das primeiras representações figurativas, agrupando unidades de dura- ção em notações inventadas. - Abertura para música de outras culturas (DECKERT, 2012, p. 29). Diante da minuciosa descrição das contribuições da música para o desenvolvi- mento infantil de Deckert (2012), observamos que em todas as séries da Educação Infantil é indispensável a utilização dessa linguagem. Contudo, também se faz necessário observarmos canções adequadas para tal. Diante disso, da mesma maneira que fizemos no tópico anterior, deixamos algumas indicações para uti- lização em sala de aula, das mais variadas formas: UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E172 Quadro 4 - Sugestão de músicas para serem exploradas de diversas formas na educação infantil X MÚSICA AUTOR FAIXA ETÁRIA 1 Nana neném Cantiga Popular (sem definição) 0/1 ano 2 Brilha estrelinha Cantiga Popular (sem definição) 0/2 anos 3 A chamada vai começar Eliton Rufino 1/2 anos 4 Meu amigo eu vou respeitar Eliton Rufino 1/2 anos 5 O cravo brigou com a rosa Cantiga Popular (sem definição) 1/2 anos 6 Fui no Tororó Cantiga Popular (sem definição) 1/3 anos 7 Peixe vivo Cantiga Popular (sem definição) Todas as idades 8 A dona aranha Cantiga Popular (sem definição) Todas as idades 9 Alecrim dourado Cantiga Popular (sem definição) Todas as idades 10 Bom dia, coleguinha, como vai? Cantiga Popular (sem definição) 2/5 anos 11 O sapo não lava o pé Cantiga Popular (sem definição) 1/3 anos 12 A barata diz que tem Cantiga Popular (sem definição) 2/5 anos 13 Escravos de Jó Cantiga Popular (sem definição) 4/5 anos 14 Toma banho (Castelo rá Tim Bum) Hélio Zisking 4/5 anos 15 Ocho basos al día Casi Creativo 4/5 anos 16 Aquarela Vinicius de Moraes - Toquinho Todas as idades 17 A casa Vinicius de Moraes Todas as idades 18 A canoa virou Braguinha Todas as idades 19 Ciranda cirandinha Cantiga Popular (sem definição) Todas as idades 20 Se esta rua fosse minha Cantiga Popular (sem definição) Todas as idades Fonte: o autor. Assim como no caso da literatura, é importante observar as possibilidades con- temporâneas, mas sempre preservando os clássicos a serem apresentados de uma geração para a outra. Quanto aos objetivos de aprendizagem da Base Nacional Comum Curricular baseados em competências e habilidades, também observa- mos importantes pontos sobre a linguagem musical: A Música na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 173 Crianças De 0 A 1 Ano E 6 Meses - Conhecer e manipular materiais impressos e audiovisuais em diferentes portadores (livro, revista, gibi, jornal, cartaz, CD, tablet etc.). - Imitar as variações de entonação e gestos realizados pelos adultos, ao ler histórias e ao cantar. - Reconhecer quando é chamado por seu nome e reconhecer os nomes de pessoas com quem convive. - Explorar diferentes fontes sonoras e materiais para acompanhar brinca- deiras cantadas, canções, músicas e melodias. - Explorar sons produzidos com o próprio corpo e com objetos do ambiente (BRASIL, 2017, on-line)2. Crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses - Identificar e criar diferentes sons e reconhecer rimas e aliterações em can- tigas de roda e textos poéticos. - Criar sons com materiais, objetos e instrumentos musicais, para acompa- nhar diversos ritmos de música. - Utilizar diferentes fontes sonoras disponíveis no ambiente em brincadeiras cantadas, canções, músicas e melodias (BRASIL, 2017, on-line)2. Crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses - Inventar brincadeiras cantadas, poemas e canções, criando rimas, alitera- ções e ritmos. - Reconhecer as qualidades do som (intensidade, duração, altura e timbre), utilizando-as em suas produções sonoras e ao ouvir músicas e sons. - Utilizar sons produzidos por materiais, objetos e instrumentos musi- cais durante brincadeiras de faz de conta, encenações, criações musicais, festas (BRASIL, 2017, on-line)2. Aqui também cabe uma outra observação didática. Para além da literatura, o envolvimento musical do professor também fará diferença no trato dos exem- plos com a linguagem, lembre-se do fator “exemplo” apontado como pré-requisito didático ao processo de aprendizagem no primeiro tópico desta unidade. Façamos, então, a necessária relação entre os pontos aqui discutidos. No primeiro tópico, trouxemos aspectos didáticos comportamentais sem os quais não se pode ensinar. Reforçamos mais uma vez que não apresentamos regrinhas, UMA DIDÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E174 receitinhas para lidar com a sala de aula. Entretanto, baseados em clássicos, colo- camos a sua disposição ferramentas importantes que auxiliam no desenvolvimento do dia a dia da sala de aula. Em seguida, falamos sobre a importância do desen- volvimento das linguagens para a aquisição do conhecimento. Do conhecimento matemático, da língua escrita, das artes, da literatura, da música. Então, com- preenda, de nada adianta ter um bom planejamento, uma boa visão didática se não soubermos lidar com os conteúdos, se não soubermos “o que” o nossoaluno precisa aprender, se não soubermos quais habilidades e competências ele precisa desenvolver em cada etapa do seu desenvolvimento educacional. Saiba que nesse conjunto de saberes (psicológicos, legais, filosóficos, histó- ricos, sociológicos etc.) que reunimos até aqui constituem-se em uma proposta didática. E foi respeitando a Base Nacional Comum Curricular que buscamos observar as possibilidades e necessidades da Educação Infantil. Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 175 CONSIDERAÇÕES FINAIS Para concluir mais esta unidade, esperamos que tenha ficado claro que, fun- damentados no já citado Comenius (2011), acreditamos e concordamos que é possível ensinar tudo a todos! Basta que tenhamos em mente que o impossível é ensinar “tudo a todos ao mesmo tempo e da mesma forma!”. Compreende? O letramento, o ensino da matemática, da apreciação da literatura, da música, da arte de maneira geral na Educação Infantil pode ser trágico se não compreen- dermos que cada indivíduo tem um tempo de aprendizagem, um ritmo e uma forma de aprender, que é única e deve estar constantemente relacionada ao brin- car. É impossível que, em uma sala com 25 alunos no Infantil V, por exemplo, todos aprendam da mesma forma e ao mesmo tempo! É lógico que, com o passar dos meses, a turma vai desenvolvendo um ritmo de aprendizagem, mas nunca teremos alunos idênticos! Por isso, estudamos em nossa terceira unidade alguns aspectos do desenvolvimento humano, para que possamos compreender o quão peculiar pode ser o processo de aprendizagem de cada ser. Para concluir, enfatizamos aquilo que tanto apontamos nesta unidade: é impossível que um professor que não lê e não aprecia a música e a arte forme alunos apaixonados pela leitura, pela música e pelas formas de expressar a arte de maneira geral. Antes de ensinar, é importante que se tenha aprendido. Antes de proporcionar condições para desenvolvermos habilidades e competências no outro é necessário, também, ter desenvolvido em si. Agora, vamos concluir nossas reflexões falando um pouco sobre organiza- ção, prática e o trabalho pedagógico na Educação Infantil. 176 A pedagogia e a educação infantil Eloisa Acires Candal Rocha Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas A ciência [...], longe de mecanizar o artista ou o profissional, arma a sua imaginação com os instrumentos e recursos necessários para os seus maiores vôos e audácias. Anísio Teixeira (apud Brandão & Mendonça, 1997, p. 203) A reflexão aqui apresentada resulta de “A Pesquisa em Educação Infantil no Brasil: trajetó- ria recente e perspectivas de consolidação de uma pedagogia”, que analisou o conjunto da produção sobre a educação da criança pequena. Essa análise revelou construções te- óricas que, sustentando-se em bases empíricas e teorizações anteriores, vêm permitindo a identificação de um conjunto de “regularidades e peculiaridades” que suscitam novas frentes de investigações. Os construtos já identificados pelas pesquisas analisadas permi- tem afirmar a possibilidade e o nascimento de uma Pedagogia da Educação Infantil que passa a analisar criticamente o real, a partir de uma reflexão sistemática que ganha corpo, procedimentos e conceituações próprias. Sem pretender recuperar aqui toda uma extensa trajetória de discussão sobre o objeto e o estatuto científico da Pedagogia, minha tentativa será de estabelecer uma aproxima- ção a respeito dos limites e perspectivas de uma Pedagogia da Educação Infantil como um campo de conhecimento em construção. Desta maneira, parto do princípio de que uma Pedagogia da Educação Infantil caracteriza- -se por sua especificidade no âmbito da Pedagogia (em seu sentido mais amplo), uma vez que a meu ver o objeto desta está essencialmente ligado a toda e qualquer situação edu- cativa (como organização, estruturas implícitas, práticas etc.). De fato, em sua trajetória, o campo pedagógico não tem contemplado suficientemente a especificidade da educação da criança pequena em instituições não escolares, tais como a creche e a pré-escola. Não é novo falar de uma “didática pré-escolar”. O próprio aparecimento da pré-escola no Brasil se deu sob as bases da herança dos precursores europeus que inauguraram uma tradição na forma de pensar e apresentar proposições para a educação da criança nos “jardins de infância”, diferenciadas das proposições dos modelos escolares. O modelo minuciosamente proposto por Froebel orientou muitas das experiências pioneiras no Brasil, a exemplo do Jardim de Infância Caetano de Campos, tal como mostra o recente estudo de Kuhlmann Jr. e Barbosa (em Kuhlmann Jr., 1998, p. 8). Modelos como o de Montessori e Decroly também integram grande parte das práticas que proliferaram en- tre nós com o aparecimento das pré-escolas, nos âmbitos públicos e privados, mesmo já na década de sessenta. Esses modelos, porém, influenciados por uma Psicologia do Desenvolvimento, marcaram uma intervenção pautada na padronização. Neste sentido, não se diferenciaram da escola tradicional ao constituírem práticas de homogeneização. Apesar de suscitarem a busca de uma pedagogia para a criança pré-escolar, mantiveram 177 as mesmas intenções disciplinadoras das práticas escolares, com vista ao enquadramen- to social, através de práticas e atividades que se propunham como mais adequadas à pouca idade das crianças. Em relação a esta tradição, o novo apresenta-se através de uma produção recente que resulta de influências teóricas e contextuais antes não colocadas. Mudam as formas de fazer e de pensar a educação da criança de 0 a 6 anos nas instituições educativas, esta- belecendo-se como um novo objeto das Ciências Humanas e Sociais. A identificação da construção de uma Pedagogia da Educação Infantil, como um campo particular do conhecimento pedagógico, revelada pela trajetória das pesquisas recentes analisadas, situa-se inicialmente também no âmbito da Pedagogia. Desta forma, interessamos dis- cutir sua própria delimitação como campo científico. De acordo com Mazzotti (1996, p. 3), a Pedagogia, “tem sido tomada ora como tecnolo- gia, ora como ciência, ora como filosofia aplicada” e raramente como ciência autônoma que examinaria as práticas pedagógicas. Isto porque não se aceita que uma prática pos- sa dar origem a uma ciência ou ser uma ciência. Esta mesma perspectiva é reforçada pelo pesquisador italiano Riccardo Massa (1997) quando afirma que enquanto a Pedagogia se prender a valores e ideologias, ela se reduz à Filosofia; e quando se refere apenas a técnicas e relações, reduz-se à Didática ou à Psi- cologia. Para ele, a Pedagogia tem um estatuto específico que tem como objeto os siste- mas de ações inerentes às situações educativas – um objeto muito material que permite à Pedagogia se colocar como uma teoria de estrutura implícita à experiência educati- va (Massa, 1997). Desta forma, seu relacionamento com as outras ciências deve ser de apropriação de todos os aspectos de outros campos a ela relacionados, “sem complexo de inferioridade”. A Pedagogia pode afirmar-se pelo estudo da experiência educativa, recolocando-se como Ciência da Educação. O que se vê hoje é que as mais diferentes práticas sociais recorrem à Pedagogia: “Paradoxalmente a Pedagogia morre, mas é tudo ‘pedagogizado’ (excessivamente)” (Massa, 1997) [...]. Fonte: Rocha (2001, on-line)4. 178 1. Observamos em nossa Unidade 4 que compreender o processo didático que envolve a Educação Infantil, levando em consideração comportamentos (do aluno e do professor), competências e habilidades, objetivos de aprendizagem, os estágios do desenvolvimento dos alunos e as linguagens necessárias para a aquisição do conhecimento é indispensável para quem deseja atuar nesta que é a primeira etapa da Educação Básica. Sobre isso, explique e exemplifique o que seria a “didática”. 2. Tendo como referências os estudosaqui possibilitados sobre os objetivos de aprendizagem baseados em competências e habilidades da Base Nacional Co- mum Curricular (BRASIL, 2017), observamos pontos importantes sobre o de- senvolvimento de diversas linguagens. Levando em conta o desenvolvimento da linguagem musical, observe os objetivos abaixo: I. Deixar a criança ouvindo música ao menos 2 horas por dia. II. Identificar e criar diferentes sons e reconhecer rimas e aliterações em canti- gas de roda e textos poéticos. III. Criar sons com materiais, objetos e instrumentos musicais, para acompa- nhar diversos ritmos de música. IV. Utilizar diferentes fontes sonoras disponíveis no ambiente em brincadeiras cantadas, canções, músicas e melodias. É correto apenas o que se afirma em: a) I. b) I e IV. c) I e III. d) II e III. e) II, III e IV. 3. Ainda sobre os aspectos didáticos para se ensinar na Educação Infantil, o pri- meiro tópico da Unidade 4 tem uma fundamentação comeniana e recebe, em seu título, uma adaptação do livro do próprio Comenius (2011), “Requisitos gerais para ensinar na Educação Infantil: como se deve ensinar com a certeza de atingir o objetivo”. Sobre esse título, já apontamos nesta mesma unidade o quanto consideramos ser audacioso, no entanto, trata-se de uma característica comeniana. Para além disso, nesse mesmo tópico de discussões citado, elenca- mos alguns pontos que consideramos fundamentais salientar para que haja o mínimo de organização para que o processo de ensino e aprendizagem ocorra, sendo eles: o ser exemplo, o aluno difícil, a barganha, o professor autoritário e o professor autoridade, a paixão pelo conhecimento, o planejamento de aula, o entrar e sair de sala, a organização do espaço físico, a problematização, as 179 regras e a rotina. Agora, considerando a relevância da discussão de cada um desses pontos, escolha ao menos três e discorra sobre eles apontando sua im- portância para o processo didático na Educação Infantil. 4. Para responder esta questão, leia a citação abaixo: Para o estudo de certas profissões, exige-se que o candidato passe por um exame de aptidão. É o caso da música. Não basta desejar ser músico. É preciso ter as qualificações necessárias para a profis- são de músico. Eu acho que o mesmo deveria ser obrigatório para aqueles que querem ser professores. Um teste de aptidão para os candidatos ao magistério seria assim: o candidato seria solto num pátio onde se encontram crianças. Se ele se enturmasse com elas, desse risadas e participasse das brincadeiras e atividades, seria aceito. Caso contrário, deveria procurar outra profissão, ainda que tivesse tirado dez em todas as provas teóricas (LAGO, 2014, p. 44). A citação acima foi utilizada em nossa Unidade 4 para falarmos sobre afetivi- dade. No trecho, Lago (2014) reproduz um pensamento do pesquisador, pro- fessor e poeta Rubem Alves. Aqui é possível observar o quanto Rubem Alves se preocupava com as relações afetivas entre os indivíduos durante o processo educativo, de maneira que nem só de teoria e nem só de prática vive um pro- fessor. Agora, sobre essa relação Teoria X Prática, explique a importância de relacioná-las no dia a dia da escola de maneira a sempre privilegiar o desenvol- vimento do aluno. 5. Dos 7 aos 12 meses a criança desenvolve o balbuciar musical, os movimentos corporais, não necessariamente sincronizados à música, a percepção de con- tornos melódicos, padrões rítmicos, formas, timbres, vozes e modos de cantar, dentre outras ações. Sobre isso, estudamos a importância da música na Edu- cação Infantil enquanto linguagem. Sabemos que a linguagem musical para além de possível de ser utilizada nessa etapa da educação, é necessária. Diante disso, explique algumas possibilidades de trabalho da música nessa etapa da educação e apresente exemplos de possíveis obras a serem utilizadas. MATERIAL COMPLEMENTAR Didática Magna Comenius Editora: Martins Fontes Sinopse: Comenius (1592-1670), professor, reitor de colégios e escritor fecundíssimo, foi talvez o pedagogo mais significativo do século XVII. A didática magna trata-se de obra fundamental para a compreensão do atual estágio dos métodos pedagógicos. A educação emotivo-afetiva na escola de educação infantil Vários autores Editora: Paulinas Sinopse: constituída por oito ensaios, cada um deles escrito por um autor, esta obra trata do tema da emoção e da afetividade na primeira infância. Os ensaios se colocam numa perspectiva de contribuição, traçando um percurso educativo-formativo para a criança, e assumem que a vida afetiva de uma pessoa se estrutura a partir das experiências vividas desde a mais tenra idade. Assim, consideram de suma importância a “escola materna” (aqui no Brasil chamada de creche), ou seja, uma escola em que, desde os primeiros meses de vida, se eduque e se considere o papel da educação da emoção-afetividade essencial para a formação do indivíduo pleno integrado. Além do mais, os textos são escritos por especialistas e estudiosos na área da emoção-afetividade, tornando o livro um importante contributo não só para a formação de educadores de berçários, creches, pré-escolas, como também para psicólogos, pedagogos, psicólogos da educação e outros. A proposta aqui é colaborar – por meio de artigos curtos, porém profundos, e que discorrem com seriedade sobre a formação da personalidade na infância – e esclarecer melhor esse tema tão importante. Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR Poesia para crianças: conceitos, tendências e práticas Leo Cunha (Org.) Editora: Positivo Sinopse: este livro preenche algumas lacunas a respeito do trabalho com a poesia na escola. Aborda, de forma clara e didática, conceitos como a poesia, o poético, o infantil e o livro infantil, além de uma série de noções básicas da criação poética: rima, métrica, figuras de linguagem, entre outros elementos. Trata de algumas das principais vertentes da produção poética brasileira para crianças, como as que exploram o aspecto lírico, o lúdico, a musicalidade e a visualidade. Apresenta uma série de atividades que podem ser desenvolvidas em sala de aula, a partir de três pilares: percepção, discussão e criação. Discute critérios essenciais que se deve levar em conta no momento de escolher os livros para a sua própria leitura e a de seus alunos. - Prêmio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) 2014, na categoria Teórico. - Selo “Altamente Recomendável”, 2014 - Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). - Selecionado para o catálogo brasileiro apresentado na Feira do Livro Infantil de Bolonha 2014, na Itália. REFERÊNCIAS ASSMANN, H. Reencantar a educação: Rumo à sociedade aprendente. 12. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2012. COMENIUS, I. A. Didática magna. Tradução de Ivone Castilho. 4. ed. São Paulo: Mar- tins Fontes, 2011. CUNHA, L. Poesia para crianças: conceitos, tendências e práticas. Curitiba: Piá, 2012. DECKERT, M. Educação musical da teoria à prática na sala de aula. São Paulo: Moderna, 2012. GASPARIN, J. L. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 5. ed. Campinas: Autores Associados, 2013. LAGO, S. O melhor de Rubem Alves. 3. ed. Curitiba: Nossa Cultura, 2014. PIAGET, J. O juízo moral na criança. 4. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1994. ______.; INHELDER, B. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Difel, 2003. ROTERDÃ, E. De Pueris (Dos Meninos): A Civilidade Pueril. São Paulo: Escala, 1927. SOARES, M. Alfabetização e Letramento na Educação Infantil. Pátio: Educação Infan- til, Porto Alegre, v. 6. n. 20, jul./out. 2009. ______. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2017. VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. REFERÊNCIA ON-LINE 1 Em: <https://dicionario.priberam.org/did%c3%a1tica>. Acesso em: 07 fev. 2019. 2 Em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 07 fev. 2019. 3 Em: <http://prolivro.org.br/home/images/2016/pesquisa_retratos_da_leitura_ no_brasil_-_2015.pdf>.Acesso em: 07 fev. 2019. 4 Em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n16/n16a03.pdf>. Acesso em: 07 fev. 2019. GABARITO 183 1. A “didática”, termo utilizado no título de nossa presente unidade, tem seu significa- do apresentado no dicionário como a “arte de ensinar com método os princípios de uma ciência ou as regras e preceitos de uma arte” (PRIBERAM, 2018, on-line)1. Na clássica obra intitulada Didática Magna, encontramos a conceituação do termo apenas como “a arte de ensinar” (COMENIUS, 2011, p. 13). A didática pode ser com- preendida por meio da preocupação do “como ensinar”, com que meios, para qual grupo. Ao pensar no processo de ensino de conceitos matemáticos, por exemplo, o professor precisa desenvolver atividades coerentes com a faixa etária da turma, ter um comportamento e um engajamento que permita aos alunos se sentirem mo- tivados a participar do processo de ensino e aprendizagem como sujeitos ativos. 2. A alternativa correta é a letra “e”. 3. De imediato, é necessário ressaltar que não existe um grau de relevância maior do que o outro em relação aos pontos citados na questão. No entanto, aqui citamos como exemplo os pontos “o professor autoritário e o professor autoridade, a pai- xão pelo conhecimento e o planejamento de aula”. Tendo como base a perspectiva comeniana, compreendemos que ser autoridade dentro do processo de ensino e aprendizagem é indispensável para que a palavra do professor, principalmente na Educação Infantil, tenha validade perante seu aprendiz. Outra questão é o ser exemplo no que se refere ao conhecimento, a paixão pelo conhecimento. Retoma- mos o ponto e reafirmamos que um professor eu não é apaixonado pelo conhe- cimento dificilmente gera o encantamento necessário em seus alunos. E por fim, sem planejamento de aula, não há a menor possibilidade de garantirmos qual- quer organização e, por consequência, aprendizado na Educação Infantil. 4. A citação apresentada na questão acima não faz uma sobreposição da prática sobre a teoria. Muito pelo contrário! Como já observamos, é necessário muito estudo para compreendermos de fato a importância da brincadeira, das relações afetivas para o desenvolvimento psicológico da criança. Logo, não se trata, mais uma vez, de sobrepor uma coisa à outra, mas sim de evidenciar que a teoria vem da prática e a prática precisa da teoria para estar cada vez mais adequada às exi- gências de seu tempo. Logo, não se trata de uma relação “possível” entre teoria e prática. Trata-se de uma relação necessária, sem a qual nossa ação docente torna-se mera reprodução. 5. Existe uma infinidade de músicas possíveis de serem utilizadas na Educação In- fantil dos 0 aos 5 anos de idade. Algumas delas apresentamos em nossa presente unidade, por exemplo, Nana neném, Brilha estrelinha, A chamada vai começar, Meu amigo eu vou respeitar, O cravo brigou com a rosa, Fui no Tororó. Vimos que podemos utilizar tanto músicas consideradas “clássicas”, como músicas contem- porâneas. Podemos utilizar também apenas os sons, as melodias... A questão é que a linguagem musical não pode faltar na Educação Infantil. Para além disso, a própria forma de utilização pode e deve variar muito de escola para escola, de região para região. É necessário observar as características de cada grupo e compreender como a música pode ser utilizada a fim de contribuir para o desen- volvimento dos alunos. GABARITO U N ID A D E V Professor Me. Antonio Batista Alves Neto ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Objetivos de Aprendizagem ■ Compreender e refletir sobre a necessidade da organização da Educação Infantil. ■ Conhecer as ideias que fundamentam o planejamento na Educação Infantil. ■ Compreender a especificidade da avaliação na Educação Infantil. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A organização da Educação Infantil ■ Planejamento do Trabalho Pedagógico na Educação Infantil ■ Avaliação Mediadora na Educação Infantil: um olhar sensível e reflexivo sobre a criança INTRODUÇÃO História, filosofia, sociologia, políticas públicas, psicologia e a didática necessá- ria. Tudo isso verificamos até aqui, tendo como foco, sempre, a infância e, mais especificamente, a Educação Infantil. Cada uma de nossas unidades anteriores foram construídas e pensadas em uma sequência que deve possibilitar a você, aluno(a), uma reflexão sobre as necessidades teóricas e os desafios práticos de um professor da Educação Infantil e o quanto devemos estar fundamentados para o “agir” nesta que, como já dissemos e aqui reforçamos, é a principal etapa de toda a educação. Diante disso, após pensarmos cada um dos pontos já discutidos, temos con- dições de, agora, problematizar o trabalho pedagógico na Educação Infantil. E como planejar o dia a dia da Educação Infantil? Como se preparar para os desa- fios diários? Como pensar o tempo e o espaço e fugir do “improviso” nesta que é a base de toda a educação do indivíduo, como já ressaltamos em Rotterdam (1927), em Comenius (2011), em Rousseau (2017) e em Froebel (1908)? Como avaliar a criança? Existe uma única resposta para tudo isso? Esses são alguns questionamentos que iniciam nossa última unidade, e temos a certeza de que, após todas estas discussões, você terá condições de ser propositivo ao pensar esses e vários outros “como”. Sempre lembrando daquilo que viemos apontando e reforçando desde a apresentação desta obra: evitemos, a todo custo, todo tipo de saudosismo teórico, pois ele é, sem dúvida, algo nocivo à prática docente de qualquer nível, etapa ou modalidade da educação. Iniciemos, então, com a organização da Educação Infantil. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 187 ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E188 A ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL Para falarmos de organização da Educação Infantil, precisamos lembrar que não é correto privilegiar os conteúdos do Ensino Fundamental na tentativa de “adian- tar” o aluno, a turma ou fazer parecer que a escola é “eficiente” por já ter ensinado seus alunos a ler ainda no início do Infantil V, por exemplo. Como já dissemos, privilegiar os conteúdos da próxima etapa é prejudicial ao desenvolvimento dos indivíduos, pois em cada momento a escola deve proporcionar um conjunto de habilidades muito peculiares e importantes aos seus alunos, e as habilidades do Ensino Fundamental não são mais importantes do que as da Educação Infantil. Ao contrário, cada uma delas tem um papel importante e insubstituível. Dito isso, é importante que não abandonemos os elementos didáticos comenianos que apresentamos no primeiro tópico de nossa unidade anterior. Compreender o que é próprio do comportamento das crianças de 0 a 5 anos de idades é indispensável para traçarmos estratégias e estabelecermos uma organi- zação à altura do desafio dessa etapa da educação. No entanto, para estabelecermos uma organização à altura da Educação Infantil, é necessário, antes, termos a clareza do que é a infância, como ela se desenvolveu Uma criança de 3 anos de idade pode ser considerada indisciplinada por correr muito dentro da sala de aula? Sim? Não? Por quê? A Organização da Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 189 historicamente, quais seus direitos e deveres, suas peculiaridades, como se dá seu desenvolvimento etc. Por isso, as unidades anteriores são tão importantes para este momento, pois só compreendendo a complexidade do aprender infantil que podemos pensar em uma organização que dê conta de lidar com tal desafio. Ou seja, é necessário intencionalidade por parte de quem desenvolve o trabalhoeducativo na Educação Infantil. Essa intencionalidade consiste na organização e proposição, pelo educa- dor, de experiências que permitam às crianças conhecer a si e ao outro e de conhecer e compreender as relações com a natureza, com a cultura e com a produção científica, que se traduzem nas práticas de cuidados pessoais (alimentar-se, vestir-se, higienizar-se), nas brincadeiras, nas ex- perimentações com materiais variados, na aproximação com a literatura e no encontro com as pessoas (BRASIL, 2017, on-line)1. Diante disso, compreenda que tudo que estudamos até aqui nos dá base para pensar a organização que agora discutiremos. Agora, temos condições de pen- sar a literatura, a música, o letramento, as experiências lúdicas e as intervenções necessárias em cada faixa etária. Como já observamos em nosso livro, de acordo com Andrade (2010, p. 127), “a origem das instituições de atendimento à infân- cia, na Europa, do início até a metade do século XIX, foi marcada por distintas ideias de infância, modelos de organização dos lugares e opiniões sobre o que fazer com as crianças [...]”. Agora, cabe a nós, em nosso tempo e espaço, nos apropriar do que foi produzido para fazermos um trabalho coerente às necessi- dades de nosso tempo e lugar, e não meramente reproduzirmos o que já foi feito. Sobre isso, é indispensável que tenhamos clareza do que nos exige a nova Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017, on-line)1. Como já apontamos, é dela que agora vêm as orientações que norteiam a nossa prática. Sobre a organização curricular da Educação Infantil, o documento diz que: [...] está estruturada em cinco campos de experiências, no âmbito dos quais são definidos os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Os campos de experiências constituem um arranjo curricular que aco- lhe as situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crian- ças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural (BRASIL, 2017, on-line)1. ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E190 E estes campos de experiências são: 1. O eu, o outro e o nós. 2. Corpo, gestos e movimentos. 3. Traços, sons, cores e formas. 4. Escuta, fala, pensamento e imaginação. 5. Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Tais campos de experiências já foram brevemente apresentados em nosso livro, mas agora retomamos tal assunto para lembrar que a organização da Educação Infantil não pode se dar pelo improviso, ao contrário, deve ser planejada de acordo com um referencial específico. Para pensarmos efetivamente a organização da Educação Infantil, não há outra forma de iniciarmos se não pelo planejamento. PLANEJAMENTO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL O que é planejamento? Com toda cer- teza, podemos encontrar centenas de definições para esse termo. Definições teóricas, técnicas, contextualizadas ou não. Podemos entender o planejamento como um conjunto de ações que ante- cedem um agir, que organizam previamente uma determinada prática, que sistematizam, prevendo possíveis acontecimentos e, assim, buscam o melhor resultado. Então, planejamento pode ser, também, uma forma de antecipar uma determinada atividade, de pensá-la antes de sua execução. No entanto, aqui não Planejamento do Trabalho Pedagógico na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 191 estamos falando de qualquer planejamento, estamos falando do planejamento que ocorre no âmbito escolar. E no que se refere a esse planejamento, podemos encontrar o Projeto Político Pedagógico (PPP), que ocorre no âmbito geral e sistematiza as ações de toda a escola, traçando suas características e fundamenta- ções. Temos também aquele que é o nosso foco neste momento, o plano de aula. Plano de Aula: sobre o plano de aula, precisamos compreender que se trata de um tipo de planejamento em que organizaremos conteúdos, objetivos e ati- vidades que possibilitarão que nossos alunos tenham acesso aos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade. Se falta tal planejamento, nos- sas ações em sala de aula, de fato, tornam-se improviso e mero desperdício de tempo e esforço. Ao mesmo tempo, para que realizemos um bom plano de aula, não basta apenas ter domínio sobre o conteúdo que iremos ensinar. É necessário também compreendermos a importância de um bom posicionamento didático, como mencionado na unidade e no tópico anterior. É necessário conhecimento de história, dos aspectos do desenvolvimento humano, para que então possa- mos criar, de fato, estratégias que facilitem o acesso ao conhecimento e nunca que o dificultem. Caso não estejamos preparados para tal, possivelmente nos- sos alunos não terão êxito. Ainda nesse sentido, o planejamento pode ser visto como algo meramente burocrático se o observamos como o simples preenchimento de um papel que fazemos para entregar a alguém que nos cobra. Pode ser visto como desperdí- cio de tempo, como inútil, se pensarmos que é feito só para parecer que estamos fazendo algo, quando na verdade ele não se materializa na prática. Por isso, é necessário que, antes do professor sentar para realizar o planejamento, ele com- preenda sua função social. E qual é a função social do planejamento? Já citamos essa função aqui, pois é por meio dele que organizamos e sistematizamos o agir que possibilita o processo de aquisição do conhecimento historicamente acu- mulado pela humanidade às novas gerações. Vasconcellos (2012, p. 35) define o planejamento como o ato de “antecipar mentalmente uma ação a ser realizada e agir de acordo com o previsto”. E sim, para desenvolvermos um bom planeja- mento precisamos estar atentos ao conteúdo a ser ensinado. Conteúdo: os conteúdos são organizados com a orientação geral do plano de educação de cada município. No entanto, todos eles devem seguir as orientações ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E192 da Base Nacional Comum Curricular, que já estudamos e que apresenta objetivos de aprendizagem baseados no desenvolvimento de competências e habilidades. Objetivos da aula: na Unidade 2 do nosso livro, apresentamos um quadro completo dos campos de experiências, faixas etárias e objetivos de aprendizagem na Educação Infantil. E são esses objetivos que deverão nortear tais planejamen- tos. Exemplo: campo de experiências = espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Faixa Etária = bebês (zero a 1 ano e 6 meses). Objetivos de aprendizagem e desenvolvimento = explorar e descobrir as propriedades de objetos e materiais (odor, cor, sabor, temperatura). Materiais a serem utilizados: esse é outro ponto indispensável para qual- quer tipo de planejamento. Pensar em cada material a ser utilizado durante uma aula é chegar ainda mais perto da possibilidade de que seus objetivos sejam atin- gidos. Por exemplo, para trabalhar, com crianças de 0 a 1 ano, o odor, a cor e o sabor, quais materiais serão necessários? Outro ponto muito importante que devemos apresentar é que as formas de se fazer o planejamento são variadas. Podem variar de município para municí- pio, de estado para estado. Enfim, o ato de planejar não pode ser uniforme, não pode ser resumido a um mero instrumental a ser preenchido. O instrumental é muito importante e variado, mas também precisamos compreender que, antes do instrumental a ser preenchido, é necessário que a teorização tenha sido feita. E Gasparin (2013, p. 7) explica que “a teorização é um processo fundamental para a apropriação crítica da realidade, uma vez que ilumina e supera o conhe- cimento imediato e conduz à compreensão da totalidade social”. No entanto, compreendam que aquinão trabalharemos as possibilidades de teorização do ato de planejar, ou seja, as teorias que giram em torno da temática, mas estamos apresentando conceitos relevantes para suas reflexões e para seu agir. Um dos conceitos importantes é o quadro-rotina, instrumental que é parte de um pla- nejamento maior, que pode ficar à disposição do professor no dia a dia e que se torna eficiente para que não percamos o rumo das atividades. Abaixo, um exem- plo de quadro-rotina: Planejamento do Trabalho Pedagógico na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 193 Quadro 1 - Exemplo de Quadro-rotina (Infantil IV e V) DIA DA SEMANA ATIVIDADES Segunda-Feira - Acolhida dos alunos. - Música para iniciar a aula. - Chamada coletiva com ajuda dos alunos. - Organização do calendário. - Contação de histórias. - Visita à biblioteca. - Desenvolvimento da atividade do dia (conteúdo vinculado ao planejamento). - Momento de relaxamento. Encerramento do dia. Terça-Feira - Acolhida dos alunos. - Música para iniciar a aula. - Chamada coletiva com ajuda dos alunos. - Organização do calendário. - Contação de histórias. - Visita ao parquinho. - Desenvolvimento da atividade do dia (conteúdo vinculado ao planejamento). - Momento de relaxamento. Encerramento do dia. Quarta-Feira - Acolhida dos alunos. - Música para iniciar a aula. - Chamada coletiva com ajuda dos alunos. - Organização do calendário. - Contação de histórias. - Visita ao parquinho. - Desenvolvimento da atividade do dia (conteúdo vinculado ao planejamento). - Momento de relaxamento. Encerramento do dia. ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E194 Quinta-Feira - Acolhida dos alunos. - Música para iniciar a aula. - Chamada coletiva com ajuda dos alunos. - Organização do calendário. - Contação de histórias. - Desenvolvimento da atividade do dia (conteúdo vinculado ao planejamento). - Momento de relaxamento. Encerramento do dia. Sexta-Feira - Acolhida dos alunos. - Música para iniciar a aula. - Chamada coletiva com ajuda dos alunos. - Organização do calendário. - Contação de histórias. - Visita ao parquinho. - Desenvolvimento da atividade do dia (conteúdo vinculado ao planejamento). - Momento de relaxamento. Encerramento do dia. Fonte: o autor. Observem que a execução do quadro-rotina pressupõe repetição das ações, o que facilita a organização e adaptação dos alunos. Considerando ainda o qua- dro-rotina, entendam que ele não pode ser visto como um instrumental rígido, inflexível e nem pode ser ele o resumo total de um planejamento. Se o quadro- -rotina for o único plano feito pelo professor, então certamente as atividades desenvolvidas serão mecânicas, desprovidas de reflexão e sentido. Esse quadro, ao favorecer a organização da rotina, tema abordado na unidade anterior, faci- lita a adaptação por parte do aluno. Rotina gera segurança, pois a criança passa a compreender, a internalizar o que irá fazer durante o dia, a semana, o mês. Ao mesmo tempo, a rotina deve favorecer o desenvolvimento da criança e não facilitar o trabalho do professor. Ou melhor dizendo, a organização da rotina deve facilitar o trabalho do professor na busca pelo desenvolvimento da criança. Todavia, para que a criança se desenvolva dentro da escola, é necessário que o professor pense cada uma de suas atitudes dentro desse processo. Planejamento do Trabalho Pedagógico na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 195 ATITUDES DO PROFESSOR Planejamento, nosso tema, relaciona-se, também, com a obra Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica, do professor João Luiz Gasparin, no qual Gasparin (2013) fala sobre as atitudes do professor antes, durante e após a aula, e explica que: As atitudes e ações dos três momentos da mediação pedagógica, apre- sentadas a seguir, não são as que necessariamente aparecem em todas as aulas. Podem ser outras, em maior quantidade, ou podem às vezes nem aparecer, sendo, o trabalho realizado mecanicamente, sem muita clareza do que se pretende obter (GASPARIN, 2013, p. 111) Antes da aula: 1. Atitudes do professor ao preparar sua aula: predisposição mental sobre o que vai executar com seus alunos em relação ao conteúdo, os processos pedagógicos que pretende utilizar, os recursos necessários e as formas de avaliação. 2. Ações do professor ao preparar a sua aula: estudo e organização do conteúdo que vai trabalhar e preparo de todo o material (GASPARIN, 2013, p. 112). Durante a aula: 1. Atitudes do professor ao ministrar sua aula: manifestação de seu ponto de vista sobre o conteúdo; importância, necessidade, validade; postura em relação à disposição pedagógica em ministrá-lo; explicitação do refe- rencial teórico-metodológico sobre o conteúdo que será tratado; criação de condições favoráveis à aprendizagem dos alunos. 2. Ações do professor ao ministrar sua aula: apresentação gradativa do conteúdo por meio de ações didático-pedagógicas em que os educan- dos sejam colocados frente a frente com o objeto do conhecimento. O trabalho do mestre consiste em fazer com que os alunos achem social- ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E196 mente (ação interindividual) e individualmente (ação intraindividual) para a apropriação do saber científico sistematizado, integrando-o de forma articulada em suas vidas. O professor, assim, repetindo Vygotsky, ao trabalhar com os alunos deverá: explicar, dar informações, questio- nar, fazê-los explicar, isto é, agir na zona de desenvolvimento imediato dos educandos (GASPARIN, 2013, p. 112-113). Após a aula: 1. Atitudes do professor após a aula: expressão de agrado ou desagrado pelo trabalho realizado; demonstração de alívio pela aprendizagem dos alunos, ou de apreensão por não ter alcançado os objetivos propostos; expecta- tiva em relação ao que os alunos farão na prática com os conhecimentos teóricos adquiridos; disposição em rever o processo de ensino-aprendi- zagem, caso seja necessário. 2. Ações do professor após a aula: revisão do conteúdo ministrado para verificar se foi executado conforme o proposto; análise crítica dos pro- cedimentos didático-pedagógicos utilizados em sala de aula; elaboração de um novo plano de trabalho, se percebeu que a aprendizagem dos alu- nos não foi alcançada como estava previsto (GASPARIN, 2013, p. 114). Agora, em que sentido podemos pensar a Educação Infantil sob o olhar de Gasparin (2013)? De imediato, precisamos ter clareza que este pensar o pro- cesso de ensino-aprendizagem antes, durante e depois da aula é indispensável em qualquer etapa, nível ou modalidade. A questão é como se aplica às pecu- liaridades de cada um deles. Sendo assim, três exemplos são importantes de serem ressaltados no que se refere à Educação Infantil, sendo o primeiro a pre- disposição mental do professor sobre o que vai executar com seus alunos; o segundo, a apresentação gradativa do conteúdo por meio de ações didático-pe- dagógicas em que os educandos sejam colocados frente a frente com o objeto do conhecimento; e o terceiro, a revisão do conteúdo ministrado para verificar se foi executado conforme o proposto. A predisposição mental talvez seja mais importante na Educação Infantil do que em qualquer outra etapa, visto que o professor dessa etapa está sujeito, diariamente, à pressões físicas e psicológicas. Planejamento do Trabalho Pedagógico na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 197 Sobre o segundo exemplo, apresentaçãogradativa do conteúdo, isso se faz neces- sário desde os 0 aos 5 anos de idade, visto que não é só um momento em que a criança terá acesso a experimentações, vivências de um conteúdo ou ação cien- tífica, sistematizada. Trata-se da primeira experiência científica sistematizada da vida desse indivíduo. Compreendem a importância deste momento? Por fim, o último exemplo, a revisão do conteúdo ministrado, se faz necessário para que o professor repense essa experiência vivida com a criança de 0 a 5 anos. É esse momento que fará o professor compreender onde errou, onde acertou, o que precisa ser modificado e o que poderá ser mantido. Outro ponto indispensável para se pensar o plano de aula é, sem dúvidas, o tempo. O TEMPO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A organização, o planejamento do tempo é indispensável para que tenhamos condições de cumprir os objetivos de uma aula. No caso específico da Educação Infantil, essa previsão de tempo se faz ainda mais necessária, visto que imprevis- tos acontecem todos os dias. Que tipo de imprevistos? ■ Você pode ter planejado uma atividade ao ar livre e, mesmo que não hou- vesse previsão de chuva, acaba chovendo naquele dia, impedindo assim a execução da atividade. Logo, é necessário sempre ter um plano “b” em seu planejamento, para evitar o já discutido “improviso”. ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E198 ■ Você pode ter planejado uma atividade ao ar livre, e um cacho de abe- lhas cai no chão, no pátio da escola, por conta do vento, porque um aluno arremessou algo sobre ele ou por simples obra do acaso. Vocês não terão condições de permanecer no local. E sim, acreditem, isso ocorre. ■ Você pode ter planejado uma atividade na biblioteca na segunda-feira conforme seu quadro-rotina, logo depois da contação de histórias, e nor- malmente você leva 8 minutos para organizar a turma para sair de sala. Entretanto, naquele dia, acontece uma briga, 3 ou 4 alunos precisaram ir ao banheiro ao mesmo tempo, alguém se machuca ou chega atrasado na aula, dispersando a atenção da turma. Os 8 minutos viraram 45, e você perdeu seu horário reservado na biblioteca. Enfim, esses são exemplos rotineiros que o próprio autor deste livro já viven- ciou. Poderíamos fazer um capítulo apenas de “imprevistos”, mas creio que já ficou claro. A questão é que a rotina deve existir, ela é necessária enquanto ele- mento pedagógico para a organização do aluno. Ao mesmo tempo, como vimos, o professor não poderá perder o controle diante de possíveis situações que, pro- vavelmente, irão interromper sua rotina. Cabe ao professor estar suficientemente preparado para lidar com este momento, contornar a situação e buscar, da melhor forma possível, atingir o objetivo proposto para o dia. Os 15 minutos iniciais: por que nos demos ao trabalho de fazer um pequeno subtópico intitulado “os 15 minutos iniciais”? Pois é necessário que o professor compreenda que não é possível receber os alunos e logo iniciar os conteúdos, atividades ou proposições do dia. O aluno chega em sala vindo de uma situação totalmente diferente daquela da sala de aula. No espaço em que ele estava, pro- vavelmente não era necessário muita atenção, concentração e, dependendo da faixa etária, esse aluno chega extremamente acelerado depois de ter corrido por uns 15 minutos, brincando no pátio. Sendo assim, será que diante dessa reali- dade é possível solicitar que, no minuto seguinte, o aluno entre em uma sala fique bem quietinho e se concentre? Ora, esse é um tremendo de um erro didático- -pedagógico. Por quê? Porque, compreendendo o processo de desenvolvimento da criança, como bem já discutimos na Unidade 3 deste material, observamos que cada indivíduo tem um tempo estimado de atenção. Logo, é necessário que, com muito preparo e maestria, o professor conduza o momento inicial da aula de maneira a diminuir a frequência cardíaca de seu aluno, acalmando a turma, Planejamento do Trabalho Pedagógico na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 199 direcionando o tempo de atenção de todos os alunos para um mesmo ritmo, de maneira que sua voz possa ser ouvida e a aula iniciada. Como isso pode ser feito? Vejam o trecho a seguir, que retirei do quadro-rotina que apresentei ante- riormente para vocês: ■ Acolhida dos alunos. ■ Música para iniciar a aula. Observem que o item “acolhida dos alunos” e “música para iniciar a aula” estão presentes em todos os dias da semana. Por quê? Porque essa é uma forma de desacelerar a condição cognitiva dos alunos, levando-os ao nível adequado ao processo de ensino e aprendizagem. Ao realizarmos a “acolhida”, permitimos que durante alguns minutos os alunos conversem e participamos das conversas. Aos poucos, vamos direcionando o foco da aula. Em seguida, cantamos músi- cas. Caso o professor domine algum instrumento, isso é um grande diferencial. Ou podemos cantar acompanhando a letra do aparelho de som. Mas é necessá- rio uma ação como essa, que retire o aluno de uma situação agitada para levá-lo, de maneira tranquila e natural, a outro estado de atenção. E quais músicas utilizar? Como já viram, na Unidade 4, deixamos algumas sugestões de músicas para serem utilizadas inclusive nesses momentos pelos pro- fessores. Contudo reforçamos que estes são apenas alguns exemplos e sugestões sobre o que fazer. Existem muitas outras possibilidades. O que não podemos é cair todos os dias em uma rotina em que o professor leva os alunos do Infantil III, IV e V para a sala e fica gritando, batendo no quadro, na mesa, pedindo silên- cio. Esse sim, provavelmente, é o maior erro pedagógico de todos. Os 15 minutos finais: outros 15 minutos importantes a serem pensados em seu planejamento são os 15 minutos finais. Por quê? É importante, por uma questão de formação, que os minutos finais de todas as aulas sejam destinados à organização da sala de aula. Em minha última turma de Infantil V, a ativi- dade final de nossa rotina era destinada à limpeza e organização da sala de aula. Como podemos observar ainda no exemplo de quadro-rotina, o item “organi- zação da sala de aula” aparece já ao final da aula. Os alunos pegavam a vassoura e a pá, que ficavam no armário da sala, e em equipe se organizavam para deixar a sala limpa, as carteiras organizadas para a turma que fosse utilizar a sala no ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E200 dia seguinte antes de nós, e sempre concluíamos o dia cantando outras músicas ou fazendo uma brincadeira da escolha dos alunos. Qual a importância dessas ações nos 15 minutos finais? Solicitar aos alunos que organizem a sala que eles mesmos utilizaram forma nesses indivíduos a importância e a valorização do espaço que pertence a eles. Faz com que, durante a aula, pensem: “se eu sujar agora, vou ter que limpar depois”. Ou seja, ajuda no desenvolvimento geral do aluno, pois a organização não é necessária apenas para “limpar uma sala”. Limpar a sala é apenas um exercício de cidadania, de respeito, e que contribui para a o processo de ensino e aprendizagem do aluno, ou não precisamos desenvolver organização para aprendermos? Outro ponto importante do momento final é fazer com que o aluno pense no próximo. Deixamos as carteiras organizadas e a sala limpa, também por que outra turma irá utilizar a sala em seguida ou no dia seguinte, se a sua aula for no período da tarde, ou no mesmo dia, se sua aula for no período da manhã. Sendo assim, observem os itens finais do quadro-rotina: ■ Organização da sala de aula. ■ Momento de relaxamento. ■ Encerramento do dia. Sendo assim, organizamos a sala, as bolsas, os materiais, relaxamos e nos prepa- ramos para ir embora.Agora, cabe retomar que, sem o processo de teorização explicado por Gasparin (2013), nenhum quadro rotina será eficiente. Sem a com- preensão da função social desse instrumento em seu planejamento, você estará apenas reproduzindo uma prática que terá pouco sentido para você e, por con- sequência, para seus alunos. Todavia, precisamos dar conta de organizar o tempo de maneira que pos- samos executar a rotina e, ao mesmo tempo, não peder a noção de flexibilidade necessária para essa etapa da educação. Planejamento do Trabalho Pedagógico na Educação Infantil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 201 O ESPAÇO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: Pensar o planejamento semanal, mensal, bimestral etc., ou o plano de aula, como já dissemos, exige sempre a organização de um plano “b”. Para organizarmos isso, é necessário levar em consideração as instalações da instituição onde você estará inserido(a). Ao planejar o ambiente a ser utilizado para determinada ati- vidade, o professor precisa pensar na temperatura, se o espaço comporta todos seus alunos, se pode haver barulho naquele local etc. Ao ser necessário algum remanejamento, é importante também pensar em espaços viáveis. A organização do dia a dia da sala de aula, da disposição dos alunos de 0 a 1 ano, das cadeiras – no caso de alunos maiores, tudo isso deve ser considerado em seu planejamento. Toda organização pressupõe uma concepção de mundo, de educação, de ser humano. Logo, quando vamos pensar a organização do espaço físico de nossa sala de aula, devemos nos fazer a seguinte pergunta: estou orga- nizando a sala para facilitar o meu trabalho, ou para facilitar as atividades e o desenvolvimento dos meus alunos? Por exemplo, como os alunos ficam organi- zados no dia a dia da escola? Enfileirados? Em círculos? Como já apontamos, fazer essa pergunta é fundamental para perceber se esta- mos apenas facilitando nosso trabalho, colocando os alunos em posições que dificultam a interação entre eles, evitando conversas, ou se estamos planejando a organização do espaço físico em sintonia com os objetivos de aprendizagem propostos para a faixa etária em questão. ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E202 Agora, tenhamos em mente que o processo educativo precisa ser avaliado. É necessário pensarmos o planejamento, o tempo, o espaço e o processo didá- tico em que os alunos estarão inseridos, mas também a avaliação, de preferência a avaliação mediadora. AVALIAÇÃO MEDIADORA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM OLHAR SENSÍVEL E REFLEXIVO SOBRE A CRIANÇA Antes de discutirmos especificamente a avaliação na Educação Infantil, precisa- mos definir qual a concepção de avaliação que tomaremos. Concordamos com Hoffmann (2012, p. 13), para quem avaliar “refere-se a um conjunto de proce- dimentos didáticos que se estendem por um longo tempo e em vários espaços escolares, de caráter processual e visando, sempre, à melhoria do objeto ava- liado”. De acordo com Hoffmann (2012), a avaliação não pode ser apenas um estado de julgamento da criança, mas sim um acompanhamento, um processo de mediação durante momentos de mudanças específicos e que favorecem o desenvolvimento. Diante disso, concordamos que: Avaliação Mediadora na Educação Infantil: Um Olhar Sensível e Reflexivo sobre a Criança Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 203 Avaliar não é fazer um “diagnóstico de capacidades”, mas acompanhar a variedade de ideias e manifestações das crianças para planejar ações educativas significativas. Parte de um olhar atento do professor, um olhar estudioso que reflete sobre o que vê, sobretudo um olhar sensí- vel e confiante nas possibilidades que as crianças apresentam (HOF- FMANN, 2012, p. 30). Nesse sentido, a autora apresenta alguns questionamentos importantes que deve- mos fazer durante o processo de avaliação mediadora: Em que dimensões de aprendizagem cada criança apresenta avanços ou necessidades? Qual a razão (epistemológica, didática, relacional) para os jeitos e tem- pos de aprender de cada uma? Em que área de desenvolvimento cada uma delas precisaria de maior atenção ou de novos desafios? Que alternativas pedagógicas individuais/e ou coletivas poderão ser desenvolvidas nesse caso? (HOFFMANN, 2012, p. 106). Ou seja, a avaliação é, também, um processo de mediação das possibilidades cog- nitivas da criança. É o momento em que o adulto pensa sobre o pensamento da criança nas mais diferentes etapas do desenvolvimento, conforme Piaget (2015), para que o professor tenha condições de intervir, de mediar da maneira mais coerente, mais condizente possível com a necessidade e com as possibilidades da criança. No entanto, infelizmente “[...] o processo avaliativo, na concepção mediadora, ainda não se efetiva em muitas dessas instituições, mais preocupadas ainda em preencher formulários sobre rotina, controle do sono, de alimentação e higiene das crianças [...]” (HOFFMANN, 2012, p. 11), por isso reforçamos o fato de que o próprio quadro-rotina precisa ser resultado de um longo processo de reflexão X teorização. E diante disso, também percebemos que: [...] estamos vivendo o perigo de um exagero na formalização de pro- cessos avaliativos em outras instituições, cujo objetivo é o de demons- trar às famílias e à sociedade que o trabalho realizado com as crianças é “sério, competente e de qualidade” (HOFFMANN, 2012, p. 11). Sobre isso, compreendemos que muitas vezes os próprios professores, a própria escola é pressionada a demonstrar tais “resultados”, colocando a folha de papel e o relatório na frente do desenvolvimento do aluno. No entanto, “a formalização ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E204 em excesso, devo ressaltar, muitas vezes acaba por desvirtuar o significado pró- prio da avaliação” (HOFFMANN, 2012, p. 11). Diante disso, o que era para se tornar um parecer técnico, reflexivo, sensível e que apresentasse as possibili- dades do aluno, torna-se um documento morto, para fins burocráticos. Por isso, concordamos com Hoffmann (2012), que explica que ainda que se regis- tre todo e cada passo de uma criança, isso não é garantia de que uma avaliação foi realmente feita em seu sentido pleno. Para avaliar, é necessário que a inten- ção previamente planejada tenha sido a de auxiliá-la em seu fazer pedagógico, contribuindo, assim, para o seu desenvolvimento. Uma avaliação que não con- tribui para o desenvolvimento do aluno não pode ser considerada uma avaliação eficiente. E debruçada sobre nossos autores, Hoffmann (2012) diz ainda que: Aprendizagem no sentido de desenvolvimento, para Piaget (1970;1977), pressupõe desequilíbrio, conflito, reflexão e resolução de problemas. Para ele, cabe aos adultos mediar a aquisição de ferramentas culturais (linguagem e símbolos) das crianças de forma a levá-las a refletir sobre as suas experiências, articulando ideias e construindo compreensões cada vez mais ricas acerca da realidade (HOFFMANN, 2012, p. 20). Mais uma vez, o que observamos em Piaget é que todo o processo precisa ser “mediador”, e a avaliação não está fora disso. “Também em Vygotsky (1988;1993), o conceito de mediação é essencial em termos do desenvolvimento” (HOFFMANN, 2012, p. 20-21): Segundo ele, há uma grande diferença entre o que uma criança pode aprender sozinha ou com a ajuda de outras pessoas mais experientes, mais competentes ou que lhe proporcionem desafios adequados ao lon- go de seu desenvolvimento. Seus estudos sobre a noção de ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal) ressaltam a importância do papel me- diador do professor e sugerem a necessidadede uma observação si- multânea sobre o que a criança “já é ou conhece” e sobretudo o que “pode vir a ser ou conhecer”, isto é, sobre o desenvolvimento real. [...] (HOFFMANN, 2012, p. 20-21). Tais informações não são novas para nós, certo? Pois ao compreendermos a ZDP em nossa unidade III, temos a condição de, agora, refletir sobre sua fun- ção no processo de avaliação. Ou seja, “avaliar não é fazer um ‘diagnóstico de capacidades’, mas acompanhar a variedade de ideias e manifestações das crian- ças para planejar ações educativas significativas” (HOFFMANN, 2012, p. 30). E Avaliação Mediadora na Educação Infantil: Um Olhar Sensível e Reflexivo sobre a Criança Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 205 tendo como base tais perspectivas, é correto afirmar que o professor, na condi- ção de avaliador, terá por objetivo: a. Manter uma atitude curiosa e investigativa sobre as reações e manifesta- ções das crianças no dia a dia da instituição. b. Valorizar a diversidade de interesses e possibilidades de exploração do mundo pelas crianças, respeitando sua identidade sociocultural. c. Proporcionar-lhes um ambiente interativo, acolhedor e alegre, rico em materiais e situações a serem experienciadas. d. Agir como mediador de suas conquistas, no sentido de apoiá-las, acom- panhá-las e favorecer-lhes desafios adequados aos seus interesses e possibilidades. e. Fazer anotações diárias sobre aspectos individuais, observando de forma a reunir dados significativos que embasam o seu planejamento e a reor- ganização do ambiente educativo (HOFFMANN, 2012, p. 31). Diante desses e outros pontos é que precisamos entender que a avalia- ção não deve permitir que só o adulto entenda o nível de desenvol- vimento infantil, mas também que a própria criança possa perceber, por meio de uma media- ção qualificada, quais suas conquistas e difi- culdades. E quais são os instrumentos possíveis para contribuir com o processo de acompanhamento do desenvolvimento, da avaliação na Educação Infantil? Aqui deixamos alguns exemplos: ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E206 A própria Base Nacional Comum Curricular de 2017 esclarece tal questão: Para isso, as informações contidas em relatórios, portfólios ou outros re- gistros que evidenciem os processos vivenciados pelas crianças ao longo de sua trajetória na Educação Infantil podem contribuir para a compre- ensão da história de vida escolar de cada aluno (BRASIL, 2017, on-line)1. Reforçamos o que traz o documento, tais instrumentos devem ter por função evidenciar os processos ao longo da trajetória da criança na Educação Infantil, e não apenas emitir um relato positivo ou negativo. Por isso, é necessário o olhar sensível e técnico ao mesmo tempo. Vejamos dois modelos de registro e avalia- ção para a Educação Infantil, os pareceres e os portfólios. PARECERES FINAIS: Hoffmann (2012) comenta que essa forma de avaliação, por meio de relatos, teve início nos anos de 1970, na então pré-escola, na condição de “pareceres descriti- vos”. Posteriormente, foram adaptados para as demais etapas do ensino. Hoffmann (2012) explica a importância dos relatórios, dos pareceres para o apri- moramento do próprio docente dentro desse processo, antes de sua importância para o próprio aluno: “por que é importante registrar e/ou documentar o que se observa? Vygotsky (1988) valoriza a linguagem escrita porque é mais reflexiva que a linguagem oral. Por meio da fala, “organizamos” o nosso pensamento” (HOFFMANN, 2012, p. 111). E complementa dizendo que “a escrita, representando a nossa fala, exige uma reorganização do pensamento, uma maior reflexão e conexão entre ideias defendi- das” (HOFFMANN, 2012, p. 111). Neste sentido, ao realizar um parecer, ao fazer um registro, o professor reflete sobre a reflexão do aluno, reflete sobre sua ação e tem mais condições de tecer um parecer técnico, sensível e reflexivo. Outro ponto que precisa ser compreendido é que o instrumento em si não é a “avaliação”, se observado sozinho. Nem o parecer e nem os portfólios. Uma coisa é a ferramenta utilizada “para”, outra bem diferente é o processo em que ela é inserida. O que avalia é o processo, não a ferramenta. Por isso é necessá- rio muito cuidado, pois nem sempre os pareceres contemplam a totalidade do desenvolvimento infantil, como nos mostra Hoffmann (2012) em relato. Avaliação Mediadora na Educação Infantil: Um Olhar Sensível e Reflexivo sobre a Criança Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 207 Relato: Lucas está no último nível da Educação Infantil. Ao final de Outubro, seus pais são convidados a comparecer à escola. Seus trabalhos são comentados pela pro- fessora: “não há muitos detalhes na figura humana. Lucas utiliza poucas cores, não se interessa em desenhar e dispersa-se às vezes. Se há insistência da profes- sora para que faça os trabalhos, o menino responde com certa agressividade”. A professora sugere aos pais que ele permaneça na educação infantil no próximo ano. Essa é a avaliação da escola. Entretanto, Lucas tem sua própria história. É um menino de 6 anos que joga futebol na rua com crianças de 5 a 12 anos. Desenha na calçada, com giz, estradas, desvios, sinaleiras para brincar com seus carrinhos. Seus desenhos, navios, bombas e homens afogados. O menino lê tudo, desde o início do ano, e, no outro dia, escreveu um bilhete para sua mãe: “Mãe, tu é muito chata!” Lucas, agora, não quer mais ir à escola! Se diz um “burro”. Seus pais, entretanto, não querem mudar de escola, então que ele repita o pró- ximo ano (HOFFMANN, 2012). Como podemos observar no relato, o parecer pode ser um risco se reali- zado isoladamente. O relato da professora em questão é superficial em relação ao real desenvolvimento do menino Lucas. Diante disso, a autora nos apresenta, também, os riscos desse tipo de instrumental. Caso feito erroneamente, descon- textualizado e sem preparo, esses documentos podem vir a ser: a. Breves e superficiais. b. Repetitivos. c. Descontextualizados. d. Focados no que o professor espera e não nas possibilidades de desenvol- vimento do aluno. É evidente que nossa intenção aqui não é criar nenhuma generalização, mas ape- nas apresentar as possíveis ferramentas, seu limites e suas possibilidades. ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E208 PORTFÓLIOS: Entendam, um instrumento específico é menos importante do que o todo do processo de acompanhamento, de mediação das vivências na Educação Infantil. É claro que é indispensável que haja um bom registro, mas um bom registro não substitui uma boa mediação durante o dia a dia e vice versa. Sendo assim: Avaliar, na concepção mediadora, portanto, engloba, necessariamente, a intervenção pedagógica. Não basta estar ao lado da criança, observan- do-a. Planejar atividades e práticas pedagógicas, redefinir posturas, reor- ganizar o ambiente de aprendizagem e outras ações, com base no que se observa, são procedimentos inerentes ao processo avaliativo. Sem ação pedagógica, não se completa o ciclo de avaliação na sua concepção de continuidade, de ação-reflexão-ação (HOFFMANN, 2012, p. 15). E onde os portfólios se relacionam com isso? O que são os portfólios? Correia e Souza (2014, p. 83) explicam que “nele geralmente consta uma sequência de folhas arquivadas, pretendendo oferecer a visualização de um determinado objetivo. No Brasil, a adoção e utilização do portfólio no âmbito escolar vêm crescendo nas últimas décadas”. Trata-se de uma rica fonte de consulta que deve estar ao alcance do professor, do aluno e da comunidadeescolar, pois só assim fará parte de um processo contínuo de avaliação. Todavia, se for um material construído para permanecer dentro de um arquivo, será apenas mais uma formalidade. Correia e Souza (2014, p. 83), em um estudo de caso de “abordagem qualita- tiva” que contou com 20 crianças de turma de Educação Infantil de uma escola pública localizada em Londrina, Paraná, verificaram que “as crianças reconhe- ceram o portfólio como um produto construído pelas suas mãos, atribuindo-lhe a condição de acolher e compilar as suas produções” (2014, p. 84). E este pre- cisa ser o objetivo do instrumento, fazer a criança perceber-se enquanto parte determinante de seu próprio desenvolvimento. Sentir-se útil a si. As autoras dizem ainda que: No espaço escolar, o portfólio agrupa mais do que folhas, mais do que atividades realizadas no intuito de evidenciar o domínio de conteúdos específicos. Ele é um instrumento que viabiliza ‘externar’ a aprendiza- gem, conforme as propostas de ensino vão ganhando forma e repercu- tindo em tarefas, levadas a termo pelos estudantes sob orientação do professor. O portfólio revela o processo de construção da aprendizagem, Avaliação Mediadora na Educação Infantil: Um Olhar Sensível e Reflexivo sobre a Criança Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 209 possibilitando que o professor (re)organize adequadamente seu ensino, ao avaliar as produções nele sequenciadas, bem como que o estudante analise seu próprio processo de aprendizagem, ao autoavaliar a asserti- vidade de suas tarefas (CORREIA; SOUZA, 2014, p. 84-85). Então sim, o portfólio também pode ser parte de um instrumento a ser utilizado dentro de uma avaliação mediadora. E antes de concluir, é necessário compreen- der, ainda, que um processo avaliativo mediador como o que apresentamos, que tem como objetivo um acompanhamento integral da criança, não cabe dentro de um planejamento rígido, dentro de uma rotina inflexível e linear. Ao contrário, é necessário que planejamento e avaliação estejam em sintonia, caso contrário, esses dois processos serão meramente burocráticos e nossa prática será mero improviso. “A avaliação, portanto, envolve um conjunto de procedimentos ine- rentes ao fazer pedagógico” (HOFFMANN, 2012, p. 17): Os princípios que embasam a avaliação norteiam o planejamento, as pro- postas pedagógicas e a relação entre todos os elementos da ação educati- va. Eles refletem, de forma vigorosa, em todo o trabalho da escola. Sem uma reflexão séria sobre as concepções e os procedimentos avaliativos de forma mais ampla, perdem-se os rumos da educação e a clareza das ações a efetivar em termos da melhoria da aprendizagem das crianças e da organização do cenário educativo (HOFFMANN, 2012, p. 17). Para findar, compreendam! A escola, em todos os níveis, etapas e modalida- des, não é lugar apenas de “avaliar”. A escola é lugar de muitas coisas, e com este tema finalizamos. NA ESCOLA É consenso que a escola é lugar de aprender. E que a função primordial do pro- fessor é ensinar. Entretanto, também é claro que existe a necessidade de educar. A escola é lugar do questionamento sistematizado, de conversas, de discussões, de emoção, de leitura, de brincadeira, de cair e de se levantar. A escola é lugar de sentir dor, carinho e é disciplina! Para sistematizar as funções da escola, dei- xamos este último poema para além da teoria: ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA: O TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E210 NA ESCOLA Na escola se estuda! Mas também se brinca, pensa, fala e questiona. Na escola se discute, dialoga e se emociona... Na escola se estuda! Mas também se conta histórias, a dos livros e a do dia a dia. E na escola tem coordenador, professor, diretor, zelador e às vezes até o tio e a tia. Na escola se estuda! E também se aprende, leva bronca, se machuca, sente dor, carinho e decepção. Mas há sempre lugar para uma boa compreensão! Na escola se estuda! E é lugar de disciplina! Mas não qualquer disciplina! Falo daquela disciplina inspirada pelo respeito, pelo afeto e, acima de tudo, pelo exemplo e pela dedicação! E não se esqueçam, é impossível que na escola não se tenha emoção! E emoção é coisa verdadeira, faz professor chorar, faz aluno cantar, e deveria fazer a sociedade toda lembrar que é nesse espaço que um futuro se há de criar (ALVES, 2018, p. 25). Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 211 CONSIDERAÇÕES FINAIS Organização, planejamento do trabalho pedagógico, o tempo, o espaço e a avaliação na Educação Infantil. Tudo isso deve ser pensado considerando as especificidades dessa que é a mais importante etapa da educação e do desenvol- vimento do ser humano. Ao longo de nossas unidades verificamos como nossa prática pode ser desafiadora, considerando os mais variados aspectos do conhe- cimento que precisamos dominar para atuar na Educação Infantil. E em nossa última unidade, verificamos como essa prática pode e deve ser organizada para que nosso trabalho seja eficiente e atinja o seu objetivo de ensinar e educar esses que são, literalmente, o futuro de nossa nação. Para além disso, é necessário que tenhamos a devida organização, para que possamos ter condições de efetuar e materializar o nosso planejamento no tempo e no espaço da Educação Infantil, pois sem planejamento não existe trabalho peda- gógico, e corremos sempre o risco de cair em uma trágica rotina de improvisos e atividades sem sentido ou direcionamento, como bem apontamos nesta última unidade. E sem organização do trabalho, como podemos realizar um efetivo e contínuo processo de avaliação considerando as necessidades de cada aluno? E isso é possível? Bem, sem planejamento e organização, certamente não é. O que pedimos a você, aluno(a), é que tente, que faça o melhor que puder com tudo que tiver ao seu alcance, pois lembre-se sempre, o futuro de toda uma sociedade está em sua mão. E eles merecem o nosso melhor! Não tenham dúvida disso. Enfim, esperamos que mais esta unidade tenha apresentado a você provoca- ções suficientes para que avance em seus estudos e pesquisas, para que sua prática seja sempre rica de possibilidades e que seus alunos tenham todos os seus direi- tos de aprendizagem e desenvolvimento garantidos e efetivados na prática do dia a dia da escola de Educação Infantil, por meio de um trabalho qualificado. 212 1. A fim de pensarmos a Educação Infantil, precisamos ter em mente cada uma de suas peculiaridades. Devemos pensar a organização, o tempo, o espaço, o planejamento, o trabalho pedagógico de maneira geral e, por fim, a avaliação. E para completar, devemos ter em mente que a etapa da Educação Infantil tem o seu papel na formação da Educação Básica do cidadão, não devendo ser con- fundida com a etapa seguinte, a do Ensino Fundamental. Sobre a relação da Educação Infantil com o Ensino Fundamental, avalie as afirmativas. I. A Educação Infantil não tem como propósito apenas levar o aluno a etapa se- guinte, o Ensino Fundamental. Ao contrário, cada uma destas etapas tem uma importância, uma função necessária e insubstituível na formação dos indivíduos. II. A Educação Infantil tem como propósito apenas levar o aluno a etapa seguinte, o Ensino Fundamental. Fazendo com que o aluno possa, inclusive, chegar letrado na próxima etapa. III. Sobre a Educação Infantil, é importante compreender a necessidade de realizar um planejamento próprio para esta etapa, buscando atender suas necessidades e peculiaridades. IV. A proposta dos planejamentos é importante. No entanto, sabemos que, no dia a dia da escola, não é possível realizar este trabalho. Logo, agir no impro- viso não tende a ser um problema. Está correto o que se afirma em: