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LICENCIATURA EM HISTÓRIA HISTÓRIA DA AMÉRICA II Semestre 6 Prof. Clara Versiani UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS HISTÓRIA DA AMÉRICA II� UNIMES VIRTUAL Universidade Metropolitana de Santos Campus II – UNIMES VIRTUAL Av. Conselheiro Nébias, 536 - Bairro Encruzilhada, Santos - São Paulo Tel: (13) 3228-3400 Fax: (13) 3228-3410 www.unimesvirtual.com.br Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. V642l VERSIANI, Clara Licenciatura em História: História da América II. (por) Prof.ª Clara Versiani. Semestre 6. Santos: UNIMES VIRTUAL. UNIMES. 2007. 166 p. 1. História 2. História da América II. CDD 970 www.unimesvirtual.com.br HISTÓRIA DA AMÉRICA II � UNIMES VIRTUAL UNIMES – Universidade Metropolitana de Santos - Campus I e III Rua da Constituição, 374 e Rua Conselheiro Saraiva, 31 Bairro Vila Nova, Santos - São Paulo - Tel.: (13) 3226-3400 E-mail: infounimes@unimes.br Site: www.unimes.br Prof.ª Rosinha Garcia de Siqueira Viegas Fundadora Prof.ª Renata Garcia de Siqueira Viegas Reitora da UNIMES Prof. Rubens Flávio de Siqueira Viegas Júnior Pró-Reitor Administrativo Prof.ª Vera Aparecida Taboada de Carvalho Raphaelli Pró-Reitora Acadêmica Prof.ª Carmem Lúcia Taboada de Carvalho Secretária Geral mailto:infounimes@unimes.br www.unimes.br HISTÓRIA DA AMÉRICA II� UNIMES VIRTUAL EQUIPE UNIMES VIRTUAL Supervisão de Projetos Prof.ª Deborah Guimarães Prof.ª Doroti Macedo Prof.ª Maria Emilia Sardelich Prof. Sérgio Leite Grupo de Apoio Pedagógico - GAP Prof.ª Elisabeth dos Santos Tavares - Supervisão Prof.ª Cristhiane Fernandes Reis Prof.ª Danielle Oliveira da Costa Prof.ª Joice Firmino da Silva Prof.ª Márcia Cristina Ferrete Rodrigues Prof.ª Maria Eugênia de Oliveira Souza Prof.ª Maria Luiza Miguel Prof.ª Monika Nascimento Moura Aline Oliveira Alves Angélica Ramacciotti William Antony Fernandes Grupo de Tecnologia - GTEC Luiz Felipe Silva dos Reis - Supervisão Carlos Eduardo Lopes Clécio Alvmeida Ribeiro Cleyton Perez de Sá Eldes da Silva Santos Filho Grupo de Comunicação - GCOM Flávio Celino - Supervisão de Operações William Souza - Supervisão de Edição Ana Paula Sandes Gabrielle Pontes Joice Siqueira Leonardo Andrade Lílian Queirós Luiz Henrique Andrade de Oliveira Raphael Xavier Stenio Elias Losada Suellen Caldas Victor Ruas da Costa Grupo de Design Multimídia - GDM Alexandre Amparo Lopes da Silva - Supervisão Alexandre Luiz Salgado Prado Harald Michael Santos Puchreiter Leonardo Correia dos Santos Marcelo da Silva Franco Apoio Administrativo Angélica Dias Maria Denise Aparecida Ursini Marques Machado Fábio Gomes Mota Molinari Izabel Steinheuser Jonia Antonia Fraiha Nunes Juliana Lamoso da Silva Juliana Ramos de Oliveira Lisandra A. Miguel da Silva Monique Ferreira da Silva Raphael Tavares Richard Leandro Koedel Rubia Lisboa da Silva Sabrina Santana Gonçalves Simone Cristina de Lima Vanessa Pereira HISTÓRIA DA AMÉRICA II � UNIMES VIRTUAL AULA INAUGURAL A história da América: opções metodológicas e conceituais O estudo da história, muitas vezes nos dá a impressão de que boa parte dos processos desencadeados pela humanidade, possui causas e carac- terísticas comuns, relações tão íntimas que fazem com que tais processos surjam aos nossos olhos como se fosse uma coisa só. No entanto, quando examinados de perto eles se revelam plurais, diversos múltiplos, embora continuem a pertencer ao mesmo contexto, ao mesmo movimento, à mes- ma “onda” de acontecimentos. Tanto o múltiplo, quanto o uno, é o que se descobre no estudo da História da América. A multiplicidade se revela nas distintas culturas, etnias, lín- guas, costumes, níveis diferentes de desenvolvimento político, econômico e social. Se em alguns países predomina a influência branca e africana, em outros, essa última praticamente inexiste, e, no lugar dela, há uma forte presença indígena. Em outras regiões, tal presença nem se nota mais. Por outro lado, a unicidade se revela na diversidade. Em contraste com a Europa, a América sempre foi o lugar do diverso, do diferente, do “nunca visto”. Para cá vieram imigrantes de todas as regiões do globo. Tanto no período colonial, como depois dele, as sociedades aqui foram marcadas pela presença de diferentes grupos, entre os quais, se criou desde o início, antagonismos e tensões. De todo modo, a América surgia para os europeus como a “visão do para- íso”, atraindo grupos diversos, desencadeando ações idem, determinadas pela mesma razão ou paixão. O que se pretende nesse curso é oferecer a você a possibilidade de cons- truir uma visão o mais próxima possível da verdade sobre o passado da América. Porque, só assim, será possível àquele que se dedica ao estudo da história, desmistificar, “desencantar o mundo”, adquirindo uma percep- ção maior da realidade, que, no entanto, certamente, não será a única. Para concluir, proponho uma reflexão: HISTÓRIA DA AMÉRICA II� UNIMES VIRTUAL Não sem pedantismo, mas com um bom grão de verdade, diria efetiva- metne que uma das missões do historiador, desde que se interesse nas coisas do seu tempo – […] - , consiste em procurar afugentar do presente os demônios da História. Quer isto dizer, em outras palavras, que a lúcida inteligência das coisas idas ensina que não podemos voltar atrás e nem há como pretender ir buscar no passado o bom remédio para as misérias do momento que corre. (HOLANDA, 2000, p. XVIII). E as misérias, “são os bens que o precipitado tempo nos deixa. Somos nossa memória, somos esse quimérico museu de formas inconstantes, essa pilha de espelhos rotos.” (BORGES, 2001, p. 26). Nos veremos nas próximas aulas. Até lá. Professora Clara Versiani HISTÓRIA DA AMÉRICA II � UNIMES VIRTUAL Índice Unidade I - A descolonização e a formação dos Estados nacionais na América 11 Aula: 01 - A sociedade colonial inglesa na América do Norte .................................... 12 Aula: 02 - A independência das Treze Colônias e a formação do Estado .................... 17 Aula: 03 - “A democracia na América” ....................................................................... 22 Aula: 04 - A sociedade colonial na América Ibérica ................................................... 26 Aula: 05 - A descolonização nas “colônias de exploração” I ...................................... 31 Aula: 06 - A descolonização nas “colônias de exploração” II ...................................... 38 Aula: 07 - A formação do Estado na América Ibérica; o caudilhismo ......................... 44 Aula: 08 - O neocolonialismo na América Ibérica ....................................................... 49 Resumo - Unidade I .................................................................................................... 52 Unidade II - A expansão dos EUA ; nacionalismo, conflitos e movimentos sociais na América ................................................. 57 Aula: 09 - A expansão interna dos Estados Unidos .................................................... 58 Aula: 10 - A Guerra Civil nos Estados Unidos ............................................................. 62 Aula: 11 - A expansão imperialista dos Estados Unidos ............................................. 66 Aula: 12 - Afirmação dos Estados, conflitos e tentativa de expansão na América Ibérica I .............................................................. 69 Aula: 13 - Afirmação dos Estados, conflitos e tentativas de expansão na América Ibérica II ............................................................. 73 Aula: 14 - A Revolução Mexicana ............................................................................. 77 Aula: 15 - Democratização e ou modernização na América Ibérica – primeiros passosI ..................................................................................... 81 Aula: 16 - Democratização e ou modernização na América Ibérica – primeiros passos II .................................................................................... 85 Resumo - Unidade II ................................................................................................... 90 Unidade III - A América na era dos Extremos ................................................... 93 Aula: 17 - A crise de 1929 e o regime neocolonial ..................................................... 94 Aula: 18 - Os Estados Unidos nas primeiras décadas do século XX ........................... 98 Aula: 19 - O New Deal ............................................................................................ 102 Aula: 20 - O populismo na América Ibérica I ............................................................ 104 Aula: 21 - O populismo na América Ibérica II ........................................................... 108 Aula: 22 - O populismo na América Ibérica III .......................................................... 111 Aula: 23 - A América no contexto da Guerra Fria .................................................... 114 Aula: 24 - A Revolução Cubana ................................................................................ 118 Resumo - Unidade III ................................................................................................ 123 HISTÓRIA DA AMÉRICA II10 UNIMES VIRTUAL Unidade IV - Revolução, contra - revolução e redemocratização na América ..127 Aula: 25 - Ações e reações na América Ibérica I ...................................................... 128 Aula: 26 - Ações e reações na América Ibérica II ..................................................... 131 Aula: 27 - Ações e reações na América Ibérica III .................................................... 137 Aula: 28 - Ações e reações na América Ibérica IV .................................................... 142 Aula: 29 - A 2ª Guerra Fria e a América ................................................................... 146 Aula: 30 - A redemocratização na América Ibérica ................................................... 152 Aula: 31 - A América neoliberal ................................................................................ 157 Aula: 32 - O fim da jornada ....................................................................................... 161 Resumo - Unidade IV ................................................................................................ 163 HISTÓRIA DA AMÉRICA II 11 UNIMES VIRTUAL Unidade I A descolonização e a formação dos Estados nacionais na América Objetivos Possibilitar a compreensão dos fatores políticos, econômicos, sociais e ideoló- gicos que levaram à descolonização, bem como das características centrais do processo; o conhecimento das especificidades e das diferenças no processo de formação dos Estados. Plano de Estudo Esta unidade conta com as seguintes aulas: Aula: 01 - A sociedade colonial inglesa na América do Norte Aula: 02 - A independência das Treze Colônias e a formação do Estado Aula: 03 - “A democracia na América” Aula: 0� - A sociedade colonial na América Ibérica Aula: 0� - A descolonização nas “colônias de exploração” I Aula: 0� - A descolonização nas “colônias de exploração” II Aula: 0� - A formação do Estado na América Ibérica; o caudilhismo Aula: 0� - O neocolonialismo na América Ibérica HISTÓRIA DA AMÉRICA II12 UNIMES VIRTUAL Aula: 01 Temática: A sociedade colonial inglesa na América do Norte Um dos fatos mais intrigantes para todos aqueles que se debruçam sobre a história da América é a constatação das diferenças que marcam os processos de colonização, bem como as diferenças entre os Estados formados após a independência e, principalmente, a imensa diferença entre o desenvolvimento político e eco- nômico das ex-colônias inglesas da América do Norte e os demais países do chamado Novo Mundo. Para que se possa compreender tais diferenças é necessá- rio considerar o processo de colonização dos atuais Esta- dos Unidos e parte do Canadá. Já se tornou senso comum apontar para esse processo de colonização como sendo um processo de povoamento e não de exploração, diferente, portanto, do que aconteceu nas outras regiões da América, compreendendo desde a região do Méxi- co, passando pelo Caribe e a América do Sul. As formas de colonização explicam parte das diferenças. Antes de mais nada, é preciso deixar de lado a idéia de que a colonização inglesa tinha como característica inerente uma maior tolerância em relação às suas co- lônias. Se considerarmos a colonização inglesa em regiões do Caribe e em regiões da África e da Ásia ou, da mesma forma, a colonização realizada pelos holandeses, é possível observar o empreendimento colonial basea- do na extração e na agricultura voltado para a exportação, com base em grandes propriedades monocultoras e com utilização de trabalho compul- sório, tal como se estabeleceu nas regiões colonizadas pelos ibéricos. Outro ponto importante a ser considerado é que nem toda a região das Treze Colônias inglesas da América do Norte estava destinada especifi- camente ao povoamento, tal como se pode constatar pela existência do sistema de plantation nas colônias da região sul do que hoje são os Es- tados Unidos. Entretanto, muito embora se possa falar do caráter mercan- tilista da colonização inglesa, as diferenças da metrópole colonizadora em relação às metrópoles ibéricas são bastan- te relevantes e explicam parte das causas da emancipação das treze colô- nias - New Hampshire, Massassuchetts, Connecticut, Rhode Island, Nova York, Pensilvânia, New Jersey, Delaware, Maryland, Virginia, Carolina do HISTÓRIA DA AMÉRICA II 13 UNIMES VIRTUAL Norte, Carolina do Sul, Geórgia. Explica, sobretudo, que o Estado surgido desse processo tenha assumido características tão diferentes dos outros que surgiriam no continente. A maior parte dos colonizadores da região pertenciam a minorias religiosas, perseguidas desde o início da reforma religiosa inglesa, ainda no século XVI, mas principalmente, no período que se seguiu à morte de Elizabeth I, em 1603. Embora fossem maioria, os colonos não vieram apenas da Inglaterra, mas também de outras regiões da Europa. Mesmo perseguidos na metrópo- le, tais colonos não deixaram de levar para as novas terras parte da tradição política inglesa, o que implicou no estabelecimento do auto-governo e ainda a consideração da necessidade de limites ao poder do rei. O absolutismo inglês desenvolveu-se de modo muito di- ferente do que pode ser observado na área continental da Europa. A tradição de um parlamento — se não comple- tamente independente, mas atuante — e traços de igualdade jurídica já presentes na Inglaterra desde a Idade Média, influenciariam sobremaneira a organização dos colonos no Novo Mundo, bem como as idéias que leva- ram à independência e aos fundamentos do novo Estado. Para ilustrar essa diferença do absolutismo inglês com relação aos demais, observemos o que coloca Perry Anderson a respeito da justiça: Ao passo que no continente o sistema de justiça se achava geralmente dividido entre a jurisdição real segregada e as jurisdições senhoriais, em Inglaterra a sobrevivência dos tribunais populares pré-feudais proporcionara uma espécie de terreno comum em que podia conseguir-se uma mistura de ambas, pois os xerifes que presidiam aos tribunais dos condados eram de nomeação régia não-hereditária, e no en- tanto selecionados de entre a fidalguia local, não de entre uma burocracia central; e os próprios tribunais retinham vestígios de seu carácter original como as- sembléias jurídicas populares, nas quais os homens livres da comunidade rural se apresentavam perante seus iguais. (ANDERSON, 1984, p.131.) Note-se na passagem acima o peso do local — da comunidade — na tra- dição judiciária inglesae, ainda, do princípio de igualdade que, se não era suficiente para eliminar todos os privilégios conferidos às classes nobres, ao menos reconhecia a todos os homens livres, a possibilidade de se fazer representar. Como veremos mais adiante, a valorização do local, da co- munidade, bem como o direito de representação estendido a todos, eram parte do ideário dos colonos que promoveram a independência. HISTÓRIA DA AMÉRICA II1� UNIMES VIRTUAL Há ainda que se considerar que, muito embora a confissão religiosa ocupasse um aspecto central na sociedade que se formou nas Treze Colônias, não houve nelas o peso ou a in- fluência da religião que houve na América ibérica. Essa ausência pode ser explicada pela herança inglesa, uma vez que, a ruptura entre Henrique VIII e a autoridade papal, com a posterior criação de uma religião do Estado submetida à autoridade do rei, livrou a Inglaterra e suas colônias da influ- ência e do poder da Igreja de Roma, permitindo o surgimento de estruturas políticas e sociais diferenciadas em relação às que se pode observar na América ibérica. Ainda a respeito da religião, boa parte dos colonos das terras inglesas da América do Norte era protestante. Max Weber, em sua análise sobre o desenvolvimento do capitalismo no Ocidente e sua relação com o ethos protestante, fez a seguinte colocação: Ainda mais notável, […], é a relação entre uma filosofia da vida religiosa e o mais intenso de- senvolvimento da perspicácia comercial entre as seitas cujo alheamento da vida se tornou tão proverbial quanto a sua riqueza, principalmente entre os quakers e os menonitas. O papel que os primeiros tiveram na Inglaterra e na América do Norte coube aos segundos na Holanda e na Ale- manha. (WEBER, 2001, p.23.) Como se pode notar pelo trecho acima e, como veremos mais adiante, a influência do ethos (do grego Ethos – lugar, modo de discurso) protestante, com todos os seu elementos de ascese, valorização do trabalho, da pou- pança, da disciplina do corpo e da mente permaneceram na configuração do Estado que surgiu depois da independência. Ainda sobre o protestantismo e suas concepções de mundo é importante atentar para o este outro trecho em Weber: À organização social-orgânica, do tipo fiscal. monopo- lista adotada pelo anglicanismo sob os Stuarts, […], a essa ligação do Estado e da Igreja com os monopo- listas, fundamentada numa ética social cristã – opu- nha o calvinismo, […], os motivos individualistas da aquisição racional e legal através da habilidade e da inciativa de cada um, que – […] – teve uma parte ponderável e decisiva no desenvolvimento industrial que se deu apesar da, e contra a, autoridade do Esta- do. (Id. Ibid, p.98.) HISTÓRIA DA AMÉRICA II 1� UNIMES VIRTUAL O trecho acima diz respeito à oposição dos calvinistas na Inglaterra à di- reção dada pelos Stuarts à economia, e revela a mesma disposição moral entre a maior parte dos colonos na América. Para além das questões políticas, ideológicas e culturais, mas relaciona- da a todas elas, existe uma outra questão fundamental,que diz respeito à economia desenvolvida nas Treze Colônias ou em parte delas. Como já se colocou, as colônias do Sul, Maryland, Virgínia, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia, desenvolveram, principalmente, uma economia voltada para o mercado externo, nos moldes do pacto colonial, tal como se pôde observar em outras áreas da América — nas colônias ibéricas, ou mesmo nas áreas de colonização francesa, inglesa e holandesa nas Antilhas, por exemplo. No entanto, nas colônias do Norte e do Centro,a economia se desenvolveu de outro modo. No Norte e no Centro as condições climáticas e geográficas muito semelhantes às da Europa impediram o desenvolvi- mento de uma agricultura ou de atividades extrativistas de produtos tropicais que interessassem ao mercado europeu. Dessa manei- ra, não foi imposto às tais colônias o modelo de administração típico das áreas coloniais da América, baseado num estrito controle das metrópoles. Floresceu, então, nessas regiões a atividade mercantil voltada para o mer- cado interno e para o mercado externo, livre das amarras da fiscalização metropolitana. O mesmo se deu com a atividade manufatureira. Empurrados por necessidades de expansão — já que ocupavam uma es- treita faixa de terra — pelo dinamismo da economia e pelo crescimento da população, os colonos iniciaram um movimento de ocupação de terras mais ao Norte, na direção do Canadá. O conflito entre os colonos ingleses e a França que dominava a região contribuiu para a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) entre esse país e a Inglaterra. A guerra, que se desenrolou também na Europa e na Ásia, envolvendo aliados dos dois principais impé- rios, contou com uma intensa participação dos colonos. Entretanto, apesar da vitória inglesa, o rei Jorge III proibiu o acesso dos colonos americanos às terras do vale do Ohio. Além disso, as despesas com a conflito impli- caram na elevação da carga tributária para os colonos, o que aumentou a revolta entre eles. Ademais, em função das despesas do Estado e dos novos ventos que so- pravam na economia inglesa, com o franco desenvolvimento da Revolução Industrial, a disposição da metrópole mudou em relação às suas colônias, aumentando a fiscalização sobre elas para evitar o contrabando e garantir mercado para os produtos industrializados e o fornecimento de matéria prima. O súbito recrudescimento do pacto colonial e a negativa inglesa de assegurar às colônias a participação de seus representantes nos proces- HISTÓRIA DA AMÉRICA II1� UNIMES VIRTUAL sos decisórios metropolitanos que lhe diziam respeito lançaram as bases para a independência. Nesta aula pudemos ver como algumas das características ide- ológicas e culturais presentes nas colônias inglesas da Amé- rica do Norte foram importantes para o estabelecimento das diferenças sociais, políticas e econômicas em relação à América Ibérica. A esse respeito reflita: Qual é o lugar das questões ideológi- cas e culturais na determinação dos processos históricos? Tais questões são sempre determinadas pelos aspectos econômicos? HISTÓRIA DA AMÉRICA II 1� UNIMES VIRTUAL Aula: 02 Temática: A independência das Treze Colônias e a formação do Estado Tal como visto na aula anterior, questões objetivas como o recrudescimento do pacto colonial da metrópole inglesa com relação às suas colônias na América do Norte, empur- rou-as para o processo de independência. É importante lembrar que nesse primeiro momento o I Congresso da Filadélfia que foi realizado em 1774 estabeleceu como objetivo a participação dos colonos nas decisões da metrópole, no que dissesse respeito a eles e seus negócios. Este mesmo processo será visto em boa parte da América Ibérica no processo das independências, ou seja, o objetivo inicial muitas vezes não era a emanci- pação, e sim, alcançar um outro status de mais liberdade e participação junto à metrópole. A esse respeito coloca Arendt, Em outras palavras, devemos nos voltar para as Re- voluções Francesa e Americana, e devemos levar em conta que ambas foram protagonizadas, em seus es- tágios iniciais, por homens que estavam firmemente convencidos de que não fariam outra coisa senão res- taurar uma antiga ordem de coisas que fora perturba- da e violada pelo despotismo de monarcas absolutos ou por abusos do governo colonial. Eles alegavam, com toda sinceridade, que desejavam o retorno dos velhos tempos em que as coisas eram como deviam ser. (ARENDT, 1988, p. 35.) Vimos que a influência de outros fatores de natureza ideológica que defi- niram o meio social da colônia e continuaram exercendo influência sobre o Estado constituído na região. Entretanto, é importante ressaltar que, no contexto do processo que levou à independência, a influência das idéias do Iluminismo foi fundamental. No conjunto dos movimentos políticos con- siderados revolucionários, tais como a Guerra de libertação das Treze Colô- nias aRevolução Francesa e, até mesmo, movimentos de menor alcance e importância como a Inconfidência Mineira de 1789, é possível perceber a sua influência do movimento das Luzes. Ideais como liberdade, e igualdade, no que diz respeito aos direitos; o anticolonialismo e, no caso da Independência dos Estados Unidos, o anti- despotismo podem ser observados. A esse respeito vejamos, O horror ao despotismo foi o traço de união de todos HISTÓRIA DA AMÉRICA II1� UNIMES VIRTUAL os filósofos da Ilustração. Voltaire combateu a tirania religiosa e a exercida pelo aparelho judicial arcaico dos parlamentos: Montesquieu pregou o princípio da divisão dos poderes com a finalidade principal de evitar a tirania que resultaria da supremacia de um dos poderes, e foi o mais veemente crítico, em geral, do despotismo, forma de governo cujo princípio é o medo, em contraste com a república, cujo princípio é a virtude, e a aristocracia, cujo princípio é a honra.( ROUANET In: NOVAES, 1992, p. 336.) Ora, se considerarmos as causas objetivas da independên- cia, bem como o fato de que nos seus primeiros momentos o que desejavam os colonos não era independência, mas a “não taxação sem representação”. Veremos que o que de fato animou a luta por uma maior participação nas decisões e, em seguida pela inde- pendência, foi o horror ao despotismo e à tirania inspirado pelas idéias iluministas. Em 1775, no II Congresso da Filadélfia, sem o atendimento das reivindi- cações dos colonos pela metrópole, a idéia de separação começa a ser gestada. Em 1776 é publicada a Declaração de Independência, da qual se reproduz um trecho a seguir. Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário um povo dissolver laços políticos que o ligavam a outro, e assumir, entre os poderes da Terra, posição igual e separada, a que lhe dão di- reito as leis da natureza e as do Deus da natureza, o respeito digno às opiniões dos homens exige que se declarem as causas que os levam a essa separação. Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalie- náveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne des- trutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela for- ma que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade. Na realidade, a prudência recomenda que não se mudem os governos instituí- dos há muito tempo por motivos leves e passageiros; e, assim sendo, toda experiência tem mostrado que HISTÓRIA DA AMÉRICA II 1� UNIMES VIRTUAL os homens estão mais dispostos a sofrer, enquanto os males são suportáveis, do que a se desagravar, abo- lindo as formas a que se acostumaram. Mas quando uma longa série de abusos e usurpações, perseguin- do invariavelmente o mesmo objeto, indica o desígnio de reduzi-los ao despotismo absoluto, assistem-lhes o direito, bem como o dever, de abolir tais governos e instituir novos-Guardas para sua futura segurança. Tal tem sido o sofrimento paciente destas colônias e tal agora a necessidade que as força a alterar os sistemas anteriores de governo. A história do atual Rei da Grã-Bretanha compõe-se de repetidos danos e usurpações, tendo todos por objetivo direto o esta- belecimento da tirania absoluta sobre estes Estados. Para prová-lo, permitam-nos submeter os fatos a um cândido mundo. (DECLARAÇÃO de independência, 1776, online)1 É possível, a partir desse trecho da declaração redigida por Thomas Jeffer- son, verificar claramente algumas das idéias colocadas acima a respeito das condições objetivas e subjetivas que conduziram à independência dos Estados Unidos. A partir da ruptura então declarada, têm início a Guerra de Independência, de 1776 a 1783. O comando do exército libertador foi entregue a George Washington. A partir de 1778 foi estabelecida uma aliança entre o Estados Unidos e a França. Esta última via na guerra e no apoio aos revolucionários a possibilidade de enfraquecer a hegemonia da Inglaterra. Em 1783, der- rotada, a Inglaterra reconhece a independência dos Estados Unidos. Tal Independência, para alguns, surge como sendo a principal fonte de inspiração para os movimentos de libertação que surgiriam na América depois. Outros consideram que foi um movimento que influenciou a Revo- lução Francesa. No entanto, com relação aos movimentos de libertação da América, à exceção talvez da Inconfidência Mineira, em 1789, movimento como já se disse de alcance e importância reduzidos,2 todos os outros movimentos parecem ter sido muito mais influenciados pela Revolução Francesa, além dos fatores relacionados às guerras napoleônicas do sécu- lo XIX, do que pelo movimento dos Estados Unidos. A respeito do alcance da Revolução Americana, vejamos o que coloca Arendt: 1 Para consulta à Declaração da Independência dos Estados Unidos de 1776 na íntegra, acesse o endereço no site da Embaixada Americana, http://www.embaixada-americana.org.br/index.php?action=materia&id=645&s 2 A este respeito afirma Rouanet: “Com exceção do semiproletário Joaquim José da Silva Xavier e do filho de artesão que foi José Joaquim Maia, os inconfidentes foram em geral proprietários e exprimiram interesses e preocupações de proprietários: Para alguns a Inconfidência teria sido exatamente isso: uma conjuração em favor da propriedade.” (ROUANET, in: NOVAES , 1992, p. 342.) http://www.embaixada-americana.org.br/index.php?action=materia&id=645&s HISTÓRIA DA AMÉRICA II20 UNIMES VIRTUAL Foi a Revolução Francesa e não a Americana, que ateou fogo ao mundo, e foi, conseqüentemente, do curso da Revolução Francesa, e não do desenrolar dos acontecimentos na América, ou dos atos dos “Pais Fundadores” que o atual uso da palavra revolu- ção recebeu suas conotações e matizes em todos os lugares, inclusive nos Estados Unidos. A colonização da América do Norte e o governo republicano dos Es- tados Unidos constituem talvez o maior e, certamente, o mais audacioso empreendimento do povo europeu; contudo, os Estados Unidos tiveram efetivamente a iniciativa de sua própria história por pouco mais de cem anos, em esplêndido, ou não tão esplêndido, iso- lamento do continente-mãe. […] A triste verdade da questão é que a Revolução Francesa que redundou em desastre, tenha feito história no mundo, ao pas- so que a Revolução Americana, tão triunfantemente vitoriosa, tenha permanecido um acontecimento de importância quase que apenas local. (ARENDT, 1988, p. 44-45.) A independência não alterou significativamente a estrutura social e econô- mica que já havia no período colonial. Os estados do Sul mantiveram a eco- nomia de base escravista, enquanto o Norte prosseguiu com as mesmas características de sociedade baseada nas médias e pequenas propriedades, com as atividade voltadas também para o mercado interno e com signifi- cativa produção manufatureira. A independência não alterou as condições sociais porque elas não faziam parte do movimento revolucionário. Estas questões, na sua forma mais política e econômica do que social, só surgi- riam de fato como causas na Guerra de Secessão de 1860 a 1865. Socialmente vimos, então, que nada, ou muito pouco se al- terou. O que nos permite, então, falar da Revolução Ameri- cana? Na verdade a grande e maior novidade está na forma e nos princípios fundadores do Estado. A experiência absolutamente nova da fundação de uma república, tal como a que surgiu na América do Norte, provocou a curiosidade e o fascínio de estudiosos da época. Atualmente ainda pode ser visto como um feito sem precedentes. Para que se possa compreender algumas das características essenciais desse Estado que surgee seus princípios fundadores é interessante considerar alguns dos princípios estabelecidos pela Constituição promulgada em 1787, que im- plementou como forma de governo a república federativa, a divisão dos poderes, o mandato de quatro anos para o presidente da nação, dentre outros princípios fundamentais fortemente influenciados pelo ideário ilumi- nista e que, até então, não existiam.,. Os Estados Unidos transformara-se, portanto, em uma república única e sem precedentes na história, do ponto de vista dos seus fundamentos. HISTÓRIA DA AMÉRICA II 21 UNIMES VIRTUAL Em 1789, um outro documento, a Carta de Direitos composta pelas dez pri- meiras emendas à Constituição foi redigida, sendo ratificada pelos estados em 17913.Tal documento, dentre outros direitos, estabeleceu o direito à liberdade de culto, o direito de possuir armas, o direito a julgamento rápido e público entre outros. Essencialmente a Carta de Direitos estabelece os direitos individuais, impondo limites à ação do Estado, assegurando aos cidadãos a defesa contra o poder do Estado. A luta contra a tirania deveria continuar no Estado independente e sem monarca. Defender-se dela é a tarefa dos cidadãos que devem zelar e lutar por seus direitos. Vimos nesta aula as características essenciais do proces- so de independência das chamadas Treze Colônias inglesas que deu origem á República dos Estados Unidos da Amé- rica. Como foi demonstrado, grande foi a influência do ideário Iluminista nesse processo. Para trabalhar um pouco mais a questão do ideário por trás do movimento de libertação dos Estados Unidos, identifique no trecho da Declaração de Independência destacado nessa aula as evidências mais fortes de tal influência. 3 Para consulta ao texto integral da Constituição dos Estados Unidos e da Carta de Direi- tos acesse o site da Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, http://www.embaixada- americana.org.br http://www.embaixada-americana.org.br http://www.embaixada-americana.org.br HISTÓRIA DA AMÉRICA II22 UNIMES VIRTUAL Aula: 03 Temática: “A democracia na América” O título desta aula reproduz uma das obras consideradas fun- damentais em Ciências Sociais e Humanas a respeito dos Es- tados e dos regimes que surgiram após a independência das Treze Colônias Inglesas. É o título de uma das obras de Alexis de Tocqueville, em sua época considerado, apenas, como historiador, mas que hoje é visto por alguns como cientista social e por muitos, como teórico da política. Em seu livro, As etapas do pensamento sociológico, Raymond Aron, apre- senta as origens e o desenvolvimento da sociologia como ciência. Para tan- to, dentre outros autores, um dos que merecem a atenção de Aron é Toc- queville, que, além de Montesquieu, também analisado na obra de Aron, é considerado junto com outros autores, um dos fundadores da Sociologia. Da mesma forma, outros autores e teóricos da política, como Arendt por exemplo, tomam a obra de Tocqueville como referência para a compreen- são do significado do que ocorreu nas ex-colônias inglesas do Norte. O mais interessante na obra de Tocqueville é a consideração que o autor faz, já na primeira metade do século XIX, sobre o regime que havia se instalado nas ex-colônias e a sociedade que ali se desenhava, a despeito da existência da escravidão no Sul. Era o que se poderia chamar de democracia. Atualmente, o que se considera chamar democracia, implica em absoluta igualdade de direitos para todos. Apresentar o regime dos Estados Unidos daquele período como democrático, parece ser um equívoco. No entanto, se olharmos os acontecimentos na Europa e no restante da América, per- ceberemos que, de fato, o regime surgido nos Estados Unidos se compa- rado a outros, apresentava inúmeros avanços em termos institucionais no âmbito dos direitos civis (apesar da permanência da escravidão), e políti- cos, mas sobretudo em termos dos limites impostos ao poder do Estado. Além disso, há que se considerar que o conceito de Demo- cracia, tal como se apresenta na Teoria Política, pode envol- ver diferentes concepções. Uma delas, a de caráter liberal, tem Tocqueville entre seus teóricos. A respeito de tal concepção pode-se dizer que: HISTÓRIA DA AMÉRICA II 23 UNIMES VIRTUAL Nesta concepção liberal de Democracia, a participa- ção do poder político, que sempre foi considerada o elemento caracterizante do regime democrático, é re- solvida através de uma das muitas liberdades indivi- duais que o cidadão reivindicou e conquistou contra o Estado absoluto. A participação é também redefinida como manifestação daquela liberdade particular que indo além do direito de exprimir a própria opinião, de reunir-se ou de associar-se para influir na política do país, compreende ainda o direito de eleger represen- tantes para o Parlamento e de ser eleito. […] Deste ponto de vista, se é verdade que não pode chamar-se, propriamente, liberal, um Estado que não reconheça o princípio democrático da soberania popular, ainda que limitado ao direito de uma parte (mesmo restrita) dos cidadãos darem vida a um corpo representativo, é ainda mais verdadeiro que segundo a concepção liberal do Estado não pode existir Democracia, senão onde forem reconhecidos alguns direitos fundamen- tais de liberdade que tornam possível uma participa- ção política guiada por uma determinação da vontade autônoma de cada indivíduo. (BOBBIO, in: BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1986, p. 324.) Ora, considerando-se o que já foi colocado na aula anterior a respeito da Constituição e da Carta de Direitos dos EUA, é possível perceber o quanto o regime e as configurações institucionais desse país aproximam-se da concepção liberal de Democracia. Para além das considerações a respeito do tipo de regime que se instalou nos Estados Unidos após a Independência, Toc- queville produziu uma análise da sociedade que, em alguns momentos, assume tons proféticos. Nesse sentido, ele se afasta um pouco da história e se aproxima da sociologia, no sentido de ser capaz de perceber e analisar as forças que regem os fenômenos, estabelecendo se não leis ge- rais a respeito deles, previsões sobre o seu desenrolar. Alguns consideram que nesse momento a sua análise assume um caráter premonitório, chegan- do até mesmo a estabelecer a possibilidade do que viria a ocorrer muitos anos depois sobre as futuras relações dos Estados Unidos e da Rússia1. No entanto, para as nossas aulas e os objetivos propostos pelo programa, é interessante notar, sobretudo, a análise de Tocqueville a respeito de al- 1 “Existem hoje, sobre a terra, dois grandes povos que, tendo partido de pontos diferen- tes, parecem adiantar-se para o mesmo fim: são os russos e os anglo-americanos. Am- bos cresceram na obscuridade; e, enquanto os olhares dos homens estavam ocupados noutras partes, colocaram-se de improviso na primeira fila entre as nações e o mundo se deu conta, quase ao mesmo tempo, do seu nascimento e da sua grandeza.[…]O seu ponto de partida é diferente, os seus caminhos são diversos; não obstante, cada um deles parece convocado, por um desígnio secreto da Providência, a deter nas mãos, um dia, os destinos de metade do mundo.” (TOCQUEVILLE, 1977, p. 315.) HISTÓRIA DA AMÉRICA II2� UNIMES VIRTUAL guns aspectos da sociedade nos Estados Unidos. A respeito dos índios, quando Tocqueville inicia sua viagem pelos Estados Unidos, em 1831, já era possível notar que no território da Nova Inglaterra muitas nações indígenas já não existiam mais e, para os que ali conti- nuavam a viver, a situação era de miséria. Tal situação é relacionada à presença dos europeus, como coloca o autor: Algumas famílias européias, ocupando pontos muito remotos, acabam então de expulsar definitivamente os animais selvagens de todo o espaço intermediário que se estende entre elas. Os índios que tinham vivido até então numa espécie de abundãncia, mal acham os meios de subsistência, e ainda menos conseguem en- contrar os objetos de troca de que têm necessidade.[…] Impossível imaginar os terríveis males que acompanham tais emigrações forçadas. Cada um deles procura isolar-se para encontrar furtivamente os meios de sustentar sua existência, e vive na in- tensidade dos desertos como o proscrito no seio das sociedades civilizadas. O laço social, desde muito en- fraquecido, rompe-se então. Para eles, já não havia uma pátria; em breve não mais haverá um povo; mal restarão famílias; o nome comum se perde, a língua é esquecida, desaparecem os traços de origem. A na- ção deixou de existir. Vive apenas na lembrança dos antiguários americanos e só os conhecem alguns eru- ditos na Europa.(TOCQUEVILLE, 1977, p. 248-249) Através das observações e análises de Tocqueville, percebemos que a De- mocracia na América erigiu suas bases sobre uma sociedade branca e de origem européia, não incluindo as nações nativas. Estas, ao contrário do que ocorrerá em parte da América Ibérica (praticamente dizimadas na re- gião que liderou o processo de Independência), tiveram pouca ou nenhuma participação nesse processo, tão enfraquecidas que já se encontravam. Outro grupo também alijado da participação e que não encontrará mui- tas possibilidades de inclusão nos primeiros anos dessa nova ordem, em função da sua própria condição servil e mesmo depois, são os negros. Como já colocado, a Independência não eliminou a escravidão. Mesmo assim,numa perspectiva liberal, a permanência da escravidão nas colônias do Sul não impediu que se visse nos Estados Unidos a primeira experiência democrática da modernidade. Ao contrário dos índios, na análise arguta de Tocqueville, o destino dos ne- gros nos Estados Unidos surge entrelaçado aos dos brancos. Contudo, os negros não conseguirão unir-se a eles completamente, mesmo no Norte, onde não havia a escravidão. As razões para isso devem-se, na visão do autor e como pode ser comprovado pelos fatos, ao seguinte: HISTÓRIA DA AMÉRICA II 2� UNIMES VIRTUAL Os modernos, depois de ter abolido a escravidão, têm ainda, pois, de destruir três preconceitos muito mais in- vencíveis e tenazes que ele: o preconceito do senhor, o preconceito de raça, e, afinal, o preconceito do branco. […] Assim, o negro é livre, mas não pode partilhar nem os direitos, nem os prazeres, nem os trabalhos, nem as dores, nem mesmo a sepultura daquele de quem foi de- clarado igual; não poderia encontrar-se com ele em parte alguma, nem na vida, nem na morte. (Id. Ibid. p. 263.) Mesmo no Norte, até como conseqüência do tipo de economia que lá teria lugar, mais desenvolvida e industrializada do que no Sul, as possibilidades de inclusão para os negros em condições de igualdade com os brancos seriam praticamente nulas. Outro ponto importante a respeito dessa análise da Demo- cracia na América é o que diz respeito às possibilidades de manutenção da união da Confedereção. Quase trinta anos antes da Guerra de Secessão, Tocqueville já percebia os sinais que leva- riam à Guerra Civil. As razões estariam menos nas diferenças econômicas entre o Sul e o Norte e mais nas diferenças de caráter e hábitos entre as duas regiões. Tais diferenças teriam sido provocadas por características econômicas distintas. Entretanto, sobre a análise de Tocqueville é preciso fazer ressalvas à gran- de influência, atribuída por este autor e seus contemporâneos, ao clima sobre o comportamento do grupos sociais. A despeito disso, nota-se a acuidade da análise do pensador e historiador francês ao apontar para essa fragilidade da nação que surgia, as diferenças entre o Norte e o Sul e as ameaças daí advindas à unidade nacional, o que ficaria evidente com a eclosão da Guerra Civil anos depois. Além disso, de acordo com a mesma análise, a incorporação de novos territórios também colocaria algumas das fragilidades ou limites da expe- riência triunfante dos “anglo-americanos”, como se confirmará pelos fatos que se seguirão. Vimos nessa aula, a partir de Tocqueville, alguns dos problemas que cedo ou tarde, como se verá, o novo Estado teria que enfrentar; além de uma breve consideração sobre o lugar de outros grupos sociais na nação que surge. Para compreender melhor a análise de Tocqueville, acesse o texto disponível nosso banco de textos no ambiente de aprendizagem e leia o artigo da professora Célia Quirino dos Santos a respeito desse autor. HISTÓRIA DA AMÉRICA II2� UNIMES VIRTUAL Aula: 0� Temática: A sociedade colonial na América Ibérica Nesta aula trataremos da herança colonial na América Ibéri- ca. É bem verdade que, na região das Antilhas, a colonização não foi somente Ibérica ou, mais exatamente, espanhola. In- gleses, holandeses e franceses também fizeram parte do processo de colo- nização. Em alguns casos tomando e ocupando terras antes colonizadas de- claradas como pertencendo aos espanhóis. Portanto, muito embora falemos da América Ibérica, é bom lembrar que nessas outras regiões colonizadas pelas demais metrópoles européias, o pacto colonial, tal como se conhece, ou seja, a estrutura latifundiária, monocultora, baseada no trabalho compul- sório, também teve lugar. No entanto, para os propósitos do nosso curso, nos concentraremos nas sociedades e Estados surgidos no processo de descolonização das Améri- cas espanhola e portuguesa, eventualmente situando algum outro proces- so de independência que mereça a nossa atenção em colônias de outras metrópoles, tal como será o caso do Haiti. Diferentemente do que pode ser observado nas colônias inglesas do Norte, no restante da América observa-se uma administração mais centralizada, com intensa fiscalização sobre o comércio dos produtos coloniais. É bem verdade que por maior e mais rígida que fosse a fiscalização, esta, em nenhum momen- to, foi suficiente para impedir de fato o contrabando, o saque e as invasões. O início da colonização da América foi creditada aos ibéricos, assim como sua descoberta. O empreendimento espanhol e depois português da con- quista e busca de riquezas, acidentalmente ou não, conduziu à chegada dos europeus no continente. O estabelecimento do monopólio, do pacto e de uma estrutura administrati- va que, segundo a análise de Faoro, implicou na transferência para as áreas colonizadas existente nos países centrais, levou à formação de um Estado patrimonial (FAORO, 2001.) Em linhas gerais, a herança patrimonial signifi- cou a formação nas colônias ibéricas de uma estrutura administrativa mais centralizada nas mãos dos dignatários do rei e que serviu a interesses par- ticulares. A ausência de uma burguesia mais atuante podia ser observada nas instâncias locais de poder, como as Casas de Câmara ou os Cabildos, que representavam o predomínio de uma visão patrimonial do poder. HISTÓRIA DA AMÉRICA II 2� UNIMES VIRTUAL É bem verdade também que, no caso da América Ibérica, em função das riquezas aqui encontradas, o interesse das metrópoles era maior e, como se pode notar nas colônias inglesas do Sul da América do Norte, onde o interesse do reino era maior, a fiscalização era mais intensa, levando à diminuição das possibilidades de autonomia. Autonomia esta, que era menor se considerarmos os efeitos do absolu- tismo em Portugal e Espanha, sem dúvida maiores do que na Inglaterra. Diferentemente, do que foi observado em aulas anteriores, na Península Ibérica, não encontraremos práticas como a de um parlamento atuante, ainda que com uma atuação também limitada, como havia na Inglaterra desde a época medieval. Além disso, há que se considerar o papel fundamental da Igreja, mais espe- cificamente dos jesuítas, no processo de colonização da América Ibérica. O Estado absolutista, muito embora isso nem sempre seja ressaltado, en- frentava limites, tal como coloca Anderson: A monarquia absoluta no Ocidente esteve sempre de fato, duplamente limitada: pela persistência de cor- pos políticos tradicionais abaixo dela e pela presença de um direito arqui-moral acima dela. Por outras pala- vras, o poder do absolutismo operava em última aná- lise dentro doslimites necessários da classe cujos in- teresses ele assegurava. (ANDERSON, 1984, p.55.) O Estado absolutista encontrava limites na nobreza e no di- reito, o que tornava o exercício do poder sobre as colônias mais difícil. Esses limites estavam representados na eficá- cia da fiscalização, que fazia com que a necessidade de negociar a manter alianças fosse primordial e a Igreja, que era parte essencial desse equilí- brio de forças sobre o qual se sustentava o poder do Estado absoluto. A Igreja, instituição que manteve no Ocidente, durante a Idade Média, sua unidade e a aliança com as monarquias ibéricas mesmo durante a divisão provocada pela Reforma, sustentou o seu poder e a sua influência esten- dendo-o para as áreas conquistadas, a despeito de todas as divergências e conflitos internos.A respeito dessa influência vejamos o que coloca Freyre: A partir de 1532, a colonização portuguesa no Brasil, do mesmo modo que a inglesa na Amé- rica do Norte e ao contrário da espanhola e da francesa nas duas Américas, caracteriza-se pelo domínio quase exclusivo da famílira rural HISTÓRIA DA AMÉRICA II2� UNIMES VIRTUAL ou semi-rural. Domínio a que só o da Igreja faz sombra, através da atividade, às vezes hostil, ao familismo. (FREYRE, 2001, p.92.) É interessante notar que, no decorrer das reformas que têm lugar no sé- culo XVIII nas metrópoles e por conseqüência nas colônias ibéricas de além-mar, que resultaram na expulsão dos jesuítas, tem início o desenvol- vimento dos movimentos que, mais tarde, originarão as Independências. Note-se o que coloca Donghi a respeito da ação dos religiosos nas colô- nias espanholas: Além de dominarem terras disseminadas entre as de propriedade espanhola, as ordens religiosas dirigem iniciativas complexas, que têm a finalidade simultâ- nea de difundir a religião e de governar; é o caso das missões e aldeias de índios já convertidos, situadas nas fronteiras imperiais desde o alto Paraná até a Ca- lifórnia, onde desempenham uma precisa função polí- tica.( DONGHI, 1975, p. 38.) No processo de desenvolvimento das monarquias absolutistas a Igreja aca- bou sob o domínio do Estado — considerando-se o que foi colocado acima sobre o delicado equilíbrio que sustentava tais monarquias. Por mais que o clero, notadamente o secular, se submetesse à autoridade real temos nessa relação o seguinte: a) a influência da Igreja era marcante, conside- rando-se a necessidade de manter o conjunto de forças; b) submetido à autoridade monárquica o clero convertia-se num braço da administração e fiscalização Estado. Na América Ibérica então não se tinha nem a liberdade religiosa das colônias inglesas do Norte, nem a presença de religiões menos submetidas ou não submetidas à uma autoridade central. Além disso, os outros elementos do ethos protestante encontrados nas áreas colonizadas pelos ingleses não se- rão encontrados nas colônias espanholas e portuguesas da América. Mesmo em áreas colonizadas por holandeses e ingleses nas Antilhas, onde a influência de Roma não se fazia sentir, ou onde não se pode destacar a influência de uma estrutura patrimonial de poder, a força do pacto colonial é suficiente para emprestar, também a essas áreas, as características cen- trais da colonização da América, à exceção do que se viu mais ao Norte do Continente. Isto é, uma sociedade de base escravocrata ou sustentada pelo trabalho servil, com produção destinada à exportação, da grande pro- priedade agrícola ou extrativista. Seja a partir da mineração ou da agricultura, na verdade mais em função dessa, uma rica elite de origem européia HISTÓRIA DA AMÉRICA II 2� UNIMES VIRTUAL surgirá na América. A esta aristocracia “nativa” e branca opõe-se, por exemplo, como no caso do México, uma magistratura nomeada pela me- trópole. Tal divisão não se verá tão claramente no Brasil. A esse respeito vale mencionar uma diferença marcante entre a América espanhola e a portuguesa. No caso da primeira observa-se, Existem, por conseguinte, nítidas separações entre brancos, mestiços e mulatos livres, as quais enve- nenam a vida urbana em toda a América espanho- la: desde Montevidéu, [,,,], onde um funcionário não pode evitar – nem sequer apresentando uma declara- ção de tribunal onde atesta a pureza de seu sangue espanhol – uma insistente campanha que o tacha de mestiço e, portanto, de pessoa indigna de ocupar cargo de confiança, até a Venezuela, onde a nobreza nativa, através de seus mais ilustres representantes, serve de porta-voz para oposições mais amplas que protestam contra a largueza com a qual as autorida- des distribuem títulos de nobreza a quantos são capa- zes de comprá-los. (DONHGI, 1975, p. 27.) Na América portuguesa, no entanto, muito embora não se possa falar em “democracia racial”, as divisões existentes não foram suficientes para im- pedir a formação de um grande grupo, em alguns lugares como na região das minas, de mestiços e mulatos. Estes últimos, no caso das regiões mineradoras e mesmo nos centros urbanos da colônia portuguesa, com- pondo boa parte da classe média. Quanto à miscibilidade, nenhum povo colonizador, dos modernos, excedeu ou sequer igualou nesse pon- to aos portugueses. Foi misturando-se gostosamen- te com mulheres de cor logo no primeiro contato e multiplicando-se em filhos mestiços que uns milhares apenas de machos atrevidos conseguiram firmar-se na posse de terras vastíssimas e competir com po- vos grandes e numerosos na extensão do domínio colonial e na eficácia da ação colonizadora. (FREYRE, 2001, p. 83-84.) É importante atentar para essas diferenças quando se trata de analisar as condições ou causas para os movimentos de independência na América espanhola e portuguesa porque, muito embora seja possível observar grandes semelhanças, mais do que à primeira vista possa parecer, há diferenças importantes a serem notadas. Na América espanhola, o “sistema de castas”, levou a uma crescente ten- são entre a elite nativa e a plebe de um lado, e os peninsulares de outro. Tal tensão social não se fará presente na América portuguesa, pelo menos não a ponto de se fazer notar como causa do movimento de libertação. HISTÓRIA DA AMÉRICA II30 UNIMES VIRTUAL Nesta aula trabalhamos algumas das características da so- ciedade colonial na América Ibérica e também em áreas de colonização inglesa, holandesa e francesa nas Antilhas que se encaixam no pacto colonial. As características que tal domínio impõe à economia e sociedade são importantes para que se possa começar a com- preender as diferenças com relação ao processo de independência dessa região em comparação com as colônias inglesas da América do Norte, bem como com relação ao tipo de Estado que surgirá após a Independência. Para compreender um pouco mais sobre o conceito de patrimonialismo aplicado à estrutura política e administrativa portuguesa e colonial desen- volvido por Raymundo Faoro e que pode ser estendido à administração es- panhola, leia o artigo de Simon Schwartzman, publicado na revista Dados, vol. 46, n. 2, que está no banco de textos da nossa disciplina no ambiente virtual de aprendizagem. HISTÓRIA DA AMÉRICA II 31 UNIMES VIRTUAL Aula: 0� Temática: A descolonização nas “colônias de exploração” I Uma vez que se torna necessário, neste ponto, incluir a in- dependência do Haiti, não tanto pela sua influência no con- tinente, mas por aquilo que significou e significa até hoje em termos do seu ineditismo, será preciso então considerar nos estudos dessa aula, aquela área de colonização francesa também estruturada nos moldes do pacto colonial. O Haiti foi a única área do continente, além da Treze Co- lônias inglesas, a iniciar de fato seu processo de indepen- dência também no século XVIII. Todas as demais regiões só o iniciariam ao longo do século XIX, havendo ainda aquelas que só a alcançariam no século XX como, por exemplo, a Jamaica. Muito embora não tenha sido explicitado o tratado do processo das Treze Colônias, é importanteperceber que, para além dos fatores internos que conduziram à emancipação no continente, os fatores externos, notada- mente aqueles que diziam respeito ao contexto europeu, no que se refere às disputas comerciais, marítimas e por áreas de influência entre as potên- cias, além das questões internas das metrópoles na Europa, contribuíram no processo de emancipação. No caso das Treze Colônias, por exemplo, alguns autores consideram que a participação da França como aliada dos colonos na Guerra de Indepen- dência, contribuiu em muito para o sucesso e a vitória delas. A Guerra dos Sete Anos, que levou à disputa entre a Inglaterra e a França contribuiu como fator para a independência triplamente: trazendo para os colonos a noção da sua importância no processo de expansão; fazendo que em função das despesas com a guerra, houvesse aumento da carga tributária, isso tornou mais tensas as relações entre metrópole e colônia a ponto de deflagrar o processo; garantindo o apoio francês na independência já que estes, derrotados pelos ingleses na Guerra dos Sete Anos, enxergaram naquele processo de libertação uma forma de enfraquecer os rivais. No caso do Haiti, além das contradições internas típicas das colônias, prin- cipalmente aquelas classificadas como de exploração, ou seja, uma grande população de escravos governada por uma minoria branca, há ainda a influ- ência direta de causas nascidas no processo revolucionário francês. HISTÓRIA DA AMÉRICA II32 UNIMES VIRTUAL O Haiti corresponde à parte oriental da ilha de Santo Domingo, e nesta área de colonização francesa a sociedade se dividia entre a maioria negra e escrava, como já se disse, havendo, além da minoria branca dominante, uma minoria mulata também livre. Isto é, a despeito da miscigenação não havia aí “democracia racial” como de resto. A Revolução Francesa, em 1789, aboliu a servidão em solo francês, mas até 1793 a escravidão nas colônias foi mantida. É interessante notar que ao eclodir a revolução na Europa uma parte da elite da colônia aderiu aos ideais revolucionários, pois enxergava no processo a possibilidade de se ver livre do peso e das exigências da monarquia absolutista. No entanto, não só a minoria branca e mulata foi atingida por tais ideais. Também os negros os incorporaram. Em 1791, um ex-escravo, Vincent Ogé tentou a sublevação contra os brancos, mas foi derrotado e executado. Em 1793, com o início da República Jacobina, fase mais radical da Revo- lução Francesa, a escravidão nas colônias é abolida. Tal fato fortaleceu os movimentos populares, ameaçando a minoria branca. Em 1801, sob a liderança de François Dominique Toussaint, negro e ex-escravo, o movi- mento de libertação mantinha sob seu controle a maior parte da colônia. No entanto, nesse momento com a França em outra fase do seu processo revolucionário, no governo do Consulado e já sob a influência de Napoleão Bonaparte, esta tenta, em 1802 e 1803, submeter a colônia escravizar no- vamente os negros no Haiti para re-estabelecer o seu lugar na produção açucareira nas Antilhas. Toussaint foi feito prisioneiro, morrendo depois numa prisão francesa. Toussaint ou Louverture, como era conhecido, foi sucedido por Dessalines também ex-escravo, que, auxiliado por ingleses e norte-americanos, expulsou as tropas de Napoleão proclamando a inde- pendência, em 1804. A morte do líder libertador, em 1806, fez eclodir movimentos de caráter republicanos e separatistas. A esta altura a divisão não se dava mais entre brancos e negros principalmente, mas entre negros e mulatos. Em 1825, a França reconheceu a independência de sua ex-colônia, governada agora pela elite mulata, que, na liderança, marginalizava a maioria negra. O Haiti, a exemplo de outras áreas da América inscrevia-se dessa forma naquilo que Donghi, historiador da América Latina, chamará de “novo pacto”, ou seja, a inserção marginal no capitalismo global. Nas outras áreas da América, especificamente naquelas de colonização ibérica, se o processo não é tão popular, o seu fim, muitas vezes, não é menos trágico em termos de au- sência de grandes transformações, ou quanto à exclusão da maioria dos trabalhadores. Isto é, não se verá na América Ibérica, assim como não se viu no Haiti ,e diferentemente do que se viu nas Treze Colônias, a formação HISTÓRIA DA AMÉRICA II 33 UNIMES VIRTUAL de um Estado de características liberais de fato, tendendo à democracia ainda no século XIX. Da mesma forma, não se verá o surgimento de nações com economias pujantes e independentes dos investidores externos. Em que pese as semelhanças, é importante pontuar as diferenças entre o que ocorreu na América espanhola e na América portuguesa. Para compre- ensão de tais diferenças deve-se considerar os efeitos e as reações que as Guerras Napoleônicas e outras irão produzir em cada uma das metrópoles. No caso da América espanhola, antes mesmo das guerras napoleônicas, no início do século XVIII, algumas mudanças já se faziam sentir nas colônias. Pelo tratado de Utrecht, que pôs fim à Guerra de sucessão espanhola, a Inglaterra, a princípio aliada dos austríacos, depois mediadora do tratado e quase partidária da França, garantiu para si o asiento, ou seja, o monopólio do tráfico negreiro para as colônias espanholas, e o permiso, isto é, a per- missão para vender manufaturados ingleses nas colônias espanholas. As demais reformas, como a abolição do sistema de frotas, do sistema de porto único e a permissão para o comércio entre as colônias, todas a partir de 1740, devem ser entendidas dentro do conjunto de reformas bourbônicas no contexto do Despotismo Esclarecido. Isto é, as reformas visavam dinamizar a economia da metrópole, intensificando outras atividades nas colônias para aumentar a arrecadação tributária e, dessa forma, compensar as perdas com a decadência da atividade mineradora através da característica essen- cial desse tipo de despotismo, a centralização com racionalização. Os efeitos das reformas na economia colonial de alguma forma se fizeram sentir, desenvolveram-se atividades e im- portantes centros mercantis no litoral. Houve o crescimento da classe de comerciantes peninsulares, composta por espanhóis, que tornou mais tenso o ambiente social das colônias, uma vez que contra ela se dirigirá o ódio e a revolta da elite criolla e, por influência desta ou não, das massas populares. Além disso, a racionalização administrativa dentro do parâmetro da cen- tralização introduz o exército profissional nas colônias. Segundo Donghi, Buscou-se, nesse aspecto da reforma burbônica, uma das origens do militarismo da época da Independência; isso é discutível, mas ela constitui sem dúvida uma premissa necessária, na medida em que fez nascer uma instituição antes inexistente nas Índias: o exérci- to. (DONGHI, 1975, p. 37) As relações entre metrópole e colônia não ficaram de todo estremecidas com as reformas do Despotismo Esclarecido, pelo contrário, para alguns HISTÓRIA DA AMÉRICA II3� UNIMES VIRTUAL historiadores representaram um relativo sucesso, proporcionando uma certa modernização nas colônias e uma certa renovação na economia me- tropolitana, por outro lado as guerras do final do século XVIII e no início do século XIX trariam muitos problemas. A Espanha tornou-se um dos palcos centrais do conflito europeu, sob o domí- nio dos Bourbons ficou ao lado da França no primeiro momento. Mas no con- texto dos conflitos continentais, um movimento de Independência da Espanha para libertá-la dos franceses tem início. O governo independente organizou-se na Junta Central de Cádiz, depois Cortes de Cádiz, aliadas da Inglaterra. Nas colônias, os conflitos na metrópole provocaram o afastamento das colônias de sua fiscalização e, portanto “uma maior flexibilização” forçada pelas circunstâncias; movimentos de apoio aos ingleses e contra os fran- ceses. Entretanto, a exemplo do que ocorrerá na América portuguesa, as Cortes metropolitanas não se interessavam por uma maior flexibilizaçãodo pacto, muito menos por uma maior participação de representantes das elites coloniais nas decisões administrativas. Portanto, em pouco tempo a frustração com as Cortes se fez sentir. Em 1814, Fernando VII, da dinastia Bourbon, foi restaurado no trono espanhol. Teve ínício na Europa continental, sob o domínio dos princípios do Congresso de Viena, um retorno das idéias conservadoras de caráter absolutista o que, nas colônias, teve um efeito direto. Tropas reais são enviadas para conter movimentos de ca- ráter emancipacionista e para reforçar a repressão à elite criolla nas áreas em que esta desafiava o poder da metrópole. Isso fez aumentar não só os sentimentos anti-metropolitanos, mas as rixas e tensões sociais na região entre os peninsulares e os nativos. A vitória dos liberais anti-absolutistas na Espanha em 1820, não garan- tiu dias melhores para os que, nas colônias, pretendiam mais autonomia ainda que sob o domínio espanhol. Em 1823, o absolutismo voltou à força com o apoio dos franceses. Muito embora aqui e ali possam ser localizadas, no final do século XVIII e no final do XIX, manifestações de revolta das classes populares contra o domínio da metrópole. No que se refere a tais movimentos é difícil precisar o quanto eles eram de fato contra a metrópole ou contra a elite criolla. Há ainda os movimentos de revolta ou o crescimento da influência das idéias da Revolução Francesa e em alguma medida da Revolução Americana, que se manifesta em meio à elite ilustrada das áreas coloniais. Mas tais manifestações não trazem, de fato, grandes conseqüências. Será mesmo, a partir do século XIX que os movimentos pró-independência crescerão de tamanho e influência na América espanhola. HISTÓRIA DA AMÉRICA II 3� UNIMES VIRTUAL A partir de 1810, teve início, de fato, a revolução que conduziu à Inde- pendência da área espanhola da América. O que se vê é a explosão das tensões sociais já mencionadas que opunham de um lado a elite nativa e, de outro, os peninsulares à frente do comércio ou da administração. Do México às regiões do sul do império espanhol na América o que se vê, num primeiro momento, é a tentativa de impor a partir das instâncias mu- nicipais de poder, como os cabildos, no caso do México dominado pelos nativos, governantes que se opusessem aos funcionários metropolitanos. Em Buenos Aires, uma tentativa de substituição do mandatário mais favo- rável às alianças com os locais, é provocada pelo cabildo, nesse caso do- minado pelos peninsulares. A tentativa foi reprimida pelas milícias locais. A permanência do vice-rei do Prata, favorável aos nativos, fez as tropas espanholas sediadas em Montevidéu tentarem implantar um outro gover- no, uma vez que não reconheciam a autoridade do mandatário apoiado por Buenos Aires. Situação semelhante foi observada no Chile, no Peru, em La Paz e em Quito. Em meio a tudo isso, observa-se um ponto interessante: duas rebeliões iniciadas por camadas populares em Charcas e em La Paz, ambas regiões do que hoje é a Bolívia, foram severamente reprimidas. Tudo isso ocorreu nas colônias enquanto na metrópole o rei, D. Fernando, foi mantido prisioneiro pelos franceses, tendo sido o trono espanhol entregue a José Bonaparte, irmão de Napo- leão. Foi nesse momento que teve início a resistência espanhola, levando à formação das Juntas de Cádiz. Nesse contexto, o motivo declarado pelos revoltosos é o apoio ao rei, que havia sido feito prisioneiro, e a luta contra os franceses. Donghi caracteri- za assim essa primeira fase do processo: ”Ocorre assim uma Guerra Civil que nasce das camadas dirigentes; mas cada uma das partes antagonis- tas, com o objetivo de prevalecer, empenha-se no sentido de estender essa Guerra Civil, buscando alianças fora do restrito ambiente em que a luta se desencadeou.” (DONGHI, 1975, p. 57). Expedições militares foram enviadas, a partir do Rio da Prata, para o cen- tro da área espanhola da América do Sul. Nessa região tem início o con- flito entre as forças do vice-rei do Peru, fiel à metrópole, e as forças revo- lucionárias. No lado oriental, contra Montevidéu, movimentos populares de camponeses serão encorajados, no primeiro momento, pelas forças revolucionárias comandadas pela elite nativa branca. Essa revolta campo- nesa é comandada por José Artigas. A aliança com Buenos Aires não dura muito e nessa região pode-se observar um dos primeiros movimentos que impedirão a manutenção da unidade da região. HISTÓRIA DA AMÉRICA II3� UNIMES VIRTUAL O movimento de independência na América espanhola se desenrolava em duas frentes, na luta contra os representantes da coroa e na luta interna entre os próprios revolucionários. Dentre os grupos que disputam o poder, lideranças importantes despontam como Alvear, San Martin, Artigas, Mo- reno, Carrera, O’Higgins dentre outros. Em 1813, uma assembléia reunida em Buenos Aires não chega a proclamar a independência, mas aprova um conjunto de mudanças que alteravam definitivamente algumas das ca- racterísticas da legislação colonial. Tal assembléia suprimiu os títulos de nobreza, o direito de primogenitura, aboliu os escravos nascidos depois de 1813; suprimiu também o Tribunal da Inquisição e oficializou o brasão, a bandeira e o hino. A Independência seria proclamada em 1816. Por outro lado, o primeiro esforço revolucionário parecia ter fim no Alto Peru, no Chile e nas áreas que hoje correspon- dem à Venezuela e Colômba. Com o trono restaurado e com a determinação das monarquias continentais de fazer valer o absolutismo, a Espanha enviava para a América seus soldados, isolando assim os prin- cipais líderes revolucionários como, por exemplo, Bolívar. Entretanto, após as guerras napoleônicas e com todos os problemas acu- mulados ao longo dos séculos em lutas intermitentes na Europa e nas áre- as coloniais, a Espanha restaurada não tinha mais a mesma força de antes. O próprio pacto perdera força. A experiência da Guerra Civil nas primeiras décadas do século XIX mobilizou muitas forças na América hispânica. O resultado foi uma segunda fase da luta revolucionária, que contou, a partir de então, com o apoio da Inglaterra e dos Estados Unidos. Tal apoio não deve, no entanto, ser superestimado. No que se refere à América do Sul, na área espanhola, nesse momento a influência maior no movimento revolucionário caberá a Bolívar e San Mar- tin. Este último, comandando os chilenos O’Higgins e Carrera, libertou o Chile em 1818. Em 1821, com a armada chilena comandada por Cochrane tendo isolado o principal porto do Peru em 1820, San Martin proclamou a independência do Peru. Este seria reconquistado pelos espanhóis em 1823 e libertado em seguida por Bolívar. Os espanhóis retomaram também La Paz e Potosi, finalmente libertadas em 1825 por Sucre, lugar-tenente de Bolívar. Este, a partir de 1816, começando pela ilha Margarita, avançou chegando em 1821 a libertar todo o norte, excetuando o Panamá, e todo o sul, com exceção de Quito, que foi libertada, finalmente, em 1822. Os dois principais líderes do processo que finalmente conquistou a Inde- pendência nas áreas espanholas da América do Sul e parte da América Central, no entanto, não se entenderam a respeito de como a região deve- ria ser governada. Enquanto Bolívar defendia a formação de uma federação de repúblicas, San Martin, filho de uma família dedicada ao funcionalismo HISTÓRIA DA AMÉRICA II 3� UNIMES VIRTUAL monárquico da metrópole, talvez por fidelidade às suas origens, defendia a formação de principados nas regiões libertadas, que seriam governados por príncipes europeus convidados. Nesta aula foi apresentado o processo de Independência em algumas regiões das chamadas “colônias de exploração”, como o Haiti, a área de colonização espanhola da América do Sul e da América Central. A descolonização da América portuguesa, do México e de Cuba será tratada a seguir. No entanto, pode-se perceber até aqui que o processo de descolonização da América espanhola foi bastante intrincado,compreendendo duas fases: uma, logo no início do século XIX, e outra que se desenrola a partir de 1816. Apesar da grande mobilização das elites e da participação das classes populares, o processo tal como se viu nas regiões apresentadas, não foi capaz de alterar significativamente a estrutura social e, muito menos, os aspectos econômicos da região. Para saber mais a respeito do processo de Independência na América do Sul e das idéias que cercaram o movimento, leia o artigo da professora Maria Lígia Coelho Prado sobre Bernardo Monteagudo, um dos líderes do processo, disponível no banco de textos do nosso ambiente. HISTÓRIA DA AMÉRICA II3� UNIMES VIRTUAL Aula: 0� Temática: A descolonização nas “colônias de exploração” II Nesta aula o tema será ainda o processo de independência da América Ibérica, analisando a história da descolonização no México, e em outras regiões da América Central, como o Brasil e Cuba. Como foi visto na aula anterior, nessas regiões a Independência também não promoveu uma revolução de fato nas estruturas sociais e econômicas, e nem se firmou como referência para outros movimentos. Isto é, diferen- temente da Independência dos Estados Unidos, o movimento emancipa- cionista nessas áreas, como nas outras já tratadas, não chegou a produzir novos paradigmas e nem a romper com o modelo econômico dependente dos agentes externos. Comecemos pelo México. O interessante da Independência dessa região é que, a despeito do processo conduzir a uma troca dos grupos da elite que detinham e continuaram a deter o poder, o processo teve início a partir de uma revolta de índios mestiços. Da mesma forma que nas outras áreas da América hispânica, os acontecimentos na Europa, que levaram à prisão do rei por Napoleão, também influenciaram esse movimento. Em 1810, Miguel Hidalgo, pároco de Dolores à frente de trabalhadores agrí- colas e mineiros, iniciou um movimento revolucionário pela independência do México em relação a Espanha,que neste período estava sob o jugo Francês. O movimento foi vencido pelo General Trujillo, muito embora suas tropas tenham sido dizimadas no confronto, porque, embora mal armados, os revolucionários eram numerosos. Hidalgo foi preso e antes de ser exe- cutado, arrependeu-se de suas idéias emancipacionistas. O movimento continuou a ser liderado por outro padre, José Maria Morelos, tornando-se mais organizado, havendo, até mesmo uma tentativa de institucionaliza- ção com a criação de uma assembléia. Entretanto, por ser formado por populares, acabou por provocar a união de antigos rivais, a elite nativa e os peninsulares, que, temerosos com o “radicalismo” do movimento (na verdade, temerosos diante da massa popular engajada), juntaram-se na repressão. Morelos foi derrotado, preso e executado, em 1815. Em 1820, com a Revolução Liberal na Espanha, a Indepen- dência do México é assumida por partidários da monarquia, HISTÓRIA DA AMÉRICA II 3� UNIMES VIRTUAL do catolicismo e opositores dos liberais. Como discutido anteriormente, em muitos casos no processo de Independência, mesmo com relação as Treze Colônias, o que se desejava era maior autonomia nos negócios e par- ticipação nas decisões, do que propriamente a ruptura. No México, nessa segunda fase, quem assume o processo é Itúrbide, membro da elite criolla (nativa). Ao conseguir a submissão do vice-rei e obedecendo aos objetivos do Plano de Iguala, de 1821, traçado por ele e seus aliados, Itúrbide forma uma regência no México estabelecida pelo Tratado de Córdoba e ofereceu a coroa do México a Fernando VII, derrubado pela revolução espanhola. Seguindo o que acontece mais ao norte, a audiência da Guatemala, à qual estava ligada toda a América Central, também adere ao movimento de Itúrbide, à exceção do Panamá. Entretanto, outros acontecimentos trans- formam a situação como a morte do vice-rei do México e o posicionamen- to do cabildo favorável aos liberais espanhóis. Itúrbide ocupa a cidade do México e consegue fazer-se coroar imperador, em 1822. O império de Itúr- bide incluía todo o México até os atuais territórios do Texas e da Califórnia, além da América Central, menos o Panamá. Além da Guerra do México, em 1836, as disputas entre liberais, abrigados num primeiro momento no Partido dos Yorkinos, ligados a um loja maçônica que era ramificação da loja de Nova York, e os conservadores, abrigados no Partido dos Esco- ceses, ligado à Loja Escocesa, também maçônica, causarão ainda muita instabilidade política. Antes, porém, o caráter quase absolutista que Itúrbide tentou imprimir ao seu governo, levou a uma reação de republicanos e liberais, apoiada pelos militares, que o derrubou em 1823. A queda levou a América Central a separar-se do México, surgindo então as Províncias Unidas da América Central que incluíam Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Honduras e Costa Rica, presididas por Manuel Arce. Mas assim como no México, o período que se seguiu em breve seria marcado por disputas entre liberais e conser- vadores, neste caso muito ligados à igreja, o que conduziria à secessão da Guatemala, em 1837, determinando o fim das Províncias Unidas. Na Independência da América portuguesa encontraremos muitas das ca- racterísticas mencionadas nos outros processos. O desgaste do pacto co- lonial também provocava desagrados por aqui. Apesar das tentativas do Despotismo Esclarecido, a tal modernização econômica foi bem sucedida. É bem verdade que talvez isso tenha ocorrido devido às próprias contradi- ções e impossibilidades dessa forma de despotismo que, por fim, acabou sucumbindo, depois de Pombal, ao peso do Estado imperial e absolutista português. A insatisfação com o domínio português fez-se sentir entre os produtores de açúcar, que sofriam concorrência do açúcar das Antilhas; os pecuaristas, que concorriam com a região platina e os produtores de algodão, ,que disputavam com os Estados Unidos. Em todos os casos, os produtores responsabilizaram a administração metropolitana e a debilida- HISTÓRIA DA AMÉRICA II�0 UNIMES VIRTUAL de do Estado português pela ausência de proteção aos seus interesses no mercado internacional. As mesmas razões que abalaram a monarquia espanhola no início do século XIX abalariam a monarquia portuguesa e pra- ticamente todos os Estados continentais da Europa. O Trata- do de Fontainebleau, entre a Espanha e Napoleão, garantiu à França o uso do território espanhol para passagem de suas tropas. O objetivo era tomar Por- tugal que, contrariando os franceses, manteve sua aliança com os ingleses. Em 1807, ocorre a primeira invasão francesa. Com a ajuda de seus aliados, os ingleses, Portugal expulsa os invasores. A segunda invasão ocorre em 1809 e a terceira em 1811. A derrota da França no continente, só viria a ocorrer em 1814. Em meio a tudo isso, na iminência da invasão. D. João, à época ainda regente, decidiu fugir com a corte para o Brasil. As conseqüências da vinda da família real portuguesa para o Brasil, trans- formando o Rio de Janeiro na sede do reino português, foram, em linhas gerais: a organização do Estado, dando à colônia unidade político-adminis- trativa; a abertura dos portos, o que rompeu com o imposto exclusivo me- tropolitano devido ao pacto colonial. Todo o processo de transferência da corte para o Brasil, bem como a administração em Portugal e a luta contra os invasores, contou com o apoio fundamental dos ingleses. Sendo assim, os tratados comerciais assinados e as medidas econômicas tomadas, a partir da instalação da corte na América, privilegiavam, sobretudo, os inte- resses ingleses. Por outro lado, há avanços importantes como o início do estímulo à imigração, a partir de 1818, surgindo a primeira colônia de imi- grantes em Nova Friburgo; incentivo à exploração mineral, atividade que também será permitida aos estrangeiros; fundação da Imprensa Régia1 e da Academia Real de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura; expansão da área de domínio português em direção ao norte,
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