Buscar

A Revolução Pernambucana de 1817 aos olhos Moreno Brandão

Prévia do material em texto

A Revolução Pernambucana de 1817 aos olhos Moreno Brandão
Lucas Brito Santana Da Silva
A revolução pernambucana é percebida por Moreno Brandão como um acontecimento nas proporções de uma tragédia grega, algo inquietante como a literatura de Dante. Os abalos sísmicos que ocorreram no espaço pernambucano estiveram na origem dos movimentos de independência do espaço alagoano, primeiro como comarca, com as ondas provocadas pela guerra holandesa, depois como capitania, como resultado das ações dos revolucionários/revoltosos, que levaram ao desmembramento de Alagoas da capitania de Pernambuco. 
Essa revolução que planta os primeiros germes da “rebeldia contra a metrópole” teria sido iniciada com os atos de um negociante e tomado fôlego com a conivência de “oficiais brasileiros”. O autor condena o derramamento de sangue do qual parte a revolução, contudo a valoriza positivamente por ter mostrado algum teor patriótico. Um dos primeiros atos dos revolucionários foi tentar cooptar mais adeptos à sua causa nas capitânias e povoações vizinhas. Em relação às povoações do futuro território alagoano, os revolucionários conseguiram sua adesão, com exceção da povoação de Atalaia – de imediato Brandão aponta que a adesão a esse tipo conflito não era comum ao espírito das populações que se formaram nesse território. 
O “tipo alagoano”, tomado como ser de ânimo sereno, apático, com pouca iniciativa individual, aferro às tradições passadas, não seria idôneo à natureza dos acontecimentos que se desdobravam. Se essas populações aderiram à revolta, antes o foi por questão de um “mal-entendido humanitarismo”, só assim o tipo alagoano acabaria envolvido nesses tratos. Diante do reconhecimento da generalizada adesão, Brandão fala em “adesão com fictício entusiasmo”, reforçado a perspectiva de que o tipo alagoano não possui uma índole que o impele a esse tipo de ação. As vilas de São Miguel e Penêdo são destacadas; para o autor, parte dos “penedenses” que aderiram à revolução só o fizeram porque “coagidos pelo terror”, num momento em que sofriam os males da epidemia de varíola e da seca recentes. 
Uma das causas principais que teriam levado a uma adesão mais ampla dos anseios revolucionários, na comarca de Alagoas, seria a divulgação de falsas notícias sobre a revolução ter sido aderida em várias partes da Colônia.
Para Brandão, no geral, a Revolução Pernambucana tomou forma em 
actos ingênua e parvoamente demagógicos e iconoclastas, consistentes na soltura de presos encerrados em cárceres, na eliminação das armas reaes de bandeiras e edifícios públicos, na mudança do tratamento de senhor, excellencia, senhoria e mercê, por vos e patriota” (MORENO, p. 38).
Assim, se Brandão reconhece que houve manifestação de patriotismo nos atos revolucionários de Pernambuco, os desdobramentos desses atos foram, no mínimo, medíocres. 
A narrativa prossegue a partir da ruptura das relações da comarca de Alagoas com o governo de Pernambuco, a qual estava submetida. O fator que leva a essa ruptura? Um esclarecimento sobre as notícias falsas do primeiro momento. A comarca monta um governo provisório submetido à Bahia e, juntando força militar com esta, iniciam uma investida contra os revolucionários de Pernambuco; aliás, uma das primeiras ações voltadas para a contenção da revolução, algo que o autor toma como positivo, quase uma vanglória por Alagoas ter contribuído aí. 
Esse apartamento inicial da Comarca de Alagoas com Pernambuco e a conseguinte submissão explícita da comarca à dinastia Bragança não impediriam uma onda de retaliações sobre as povoações alagoanas, com destaque para a vila de Penêdo. Nas palavras de Brandão, o resultado dessas retaliações foi 
Toda uma população, por seus homens representativos, ajoelhada na curvatura suprema da humildade, implorando perdão à prepotência boçal, que se quintessenciava em actos de anômala vingança (p. 39).
Não é descabido afirmar que os amores de Brandão por Alagoas estão a guiar parte de suas palavras sobre as consequências da revolução pernambucana na comarca, tomadas como moralmente injustas, uma série de cruéis humilhações. Penêdo seria a vila onde a crueldade e as humilhações atingiram seu auge. Esta vila, que no começo das notícias havia se alinhado à causa dos revolucionários, logo se colocou à sua remissão. Apesar disso, as forças para combate que haviam se aglomerado na povoação de Villa-Nova, e que tinham jurado fidelidade à causa régia e ódio aos rebeldes pernambucanos, não hesitaram em submeter Penêdo e seus habitam à extremas violências. Nos termos do autor 
Os villa-novenses exerciam um corso medonho contra o povo de Penêdo, aprezavam embarcações, prendiam indivíduos forros ou captivos, atiravam nos que fugiam aos seus attaques, patrulhavam acintosamente as ruas e etc (p. 40). 
O cenário para os penedenses se fez de pânico geral, com várias famílias, com os habitantes em geral, fugindo da vila, tementes de maiores danos. Mesmo os chefes da guarnição de Penêdo estiverem sob o escopo da foice dos villa-novenses. Houveram tentativas de alertar ao governo baiano a situação dramática na qual se encontra a vila de Penêdo, contudo, Brandão sustenta que as violências continuaram, em parte por conta da própria inércia das autoridades alagoanas. 
	Ao fim deste tópico em que trata da Revolução de 1817, Moreno Brando repassa sua explicação: os “alagoanos” que aderiram à causa revolucionário o fizerem a ferros, coagidos pelo terror, e porque as falsas notícias os fizeram acreditar que a revolução havia se generalizado na colônia e que nada poderiam fazer para deter os desdobramentos da revolução, seus malefícios para o rei. O autor encerra falando sobre a violência em Penêdo só ter cessado com a chegada de uma autoridade, o general Cogominho; que não só pôs fim à onda de violências como conseguiu montar dois batalhões de voluntários em Penêdo, partindo com eles para a contenção dos rebeldes na capitania de Pernambuco – quase uma confirmação do entusiasmo fictício dos alagoanos pela revolução, que no momento propício demonstraram seus verdadeiros afetos. 
Os acontecimentos disso que ficou conhecido como Revolução Pernambucana de 1817 tiveram interpretações variáveis desde o momento em que o ocorreram, interpretações que ainda não cessarem, que, segundo Andrade (2017), necessitam maiores desdobramentos, mais discussões e aprofundamentos. 
Desde os textos mais antigos a tratar da existência do espaço que mais tarde veio a ser conhecido como Alagoas, os acontecimentos de 1817 se fazem presentes nas narrativas dos primeiros escritores que se colocaram a escrever sobre ele. São narrativas que tratam, de algum modo, das consequências desses acontecimentos para a formação de Alagoas, e seus enfoques, as relações que fazem, as interpretações que propõem, quando propõem, são variados. No caso de Moreno Brandão, o autor foca nas consequências mais factualmente observáveis da revolução pernambucana para o surgimento de Alagoas. Há suspeitas do quão profundo foram esses acontecimentos, considerados como os primeiros germes da rebeldia contra a metrópole portuguesa. Contudo, Brandão escreve num momento em que a revolução pernambucana já está sendo retomada, por alguns, como evento-símbolo do espírito republicano no Brasil, um elemento precioso para a memória histórica da jovem República. 
Em relação ao lugar da Revolução Pernambucana na História Geral do Brasil, já nas primeiras publicações de escritos historiográficos pode-se observar a variação do olhar sobre esse acontecimento. Um dos momentos mais importantes na historiografia dessa revolução se dá com os escritos de Adolfo Varnhagen, no século XIX. Esse historiador vai impor, por algum tempo, uma perspectiva negativa sobre a revolução, um acontecimento que não haveria de merecer os esforços dos historiadores em seu estudo. Esse desprezo do Heródoto brasileiro, se explicaria “porque a Revolução Pernambucana foi um movimento que tentou romper laços com o Império português” (ANDRADE, 2017, p. 125); porque seria um ato de desamor do povo por um Imperadorque amava seus súditos e havia trazido grandes melhoras para as terras “brasileiras”. Para não nos estendermos demasiadamente, apenas indicamos que no século XX, especialmente a partir da década de 50, as perspectivas sobre a revolução pernambucana mudam, a preocupação com a identidade nacional, com a formação de uma consciência nacional, faz a revolução ser tomada como parte de um processo, que, de alguma forma interligado a outros eventos, como a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, levaria à Independência Do Brasil. 
No caso de Brandão Moreno, parece-nos que o autor hesita quanto a assumir uma postura valorativa quanto a relação do acontecimento voluntário e os acontecimentos que vão da Independência ao Proclamação da República. Por outro lado, o autor não apresenta perspectivas negativas quanto ao Império, ao imperador, e, tendencialmente, seu texto apresenta um tom positivo à ao regime imperial. Aqui podemos trazer essa questão da percepção geral da revolução pernambucana com a história de Alagoas escrita por Moreno. A narrativa do autor assume um enfoque onde tenta redimir, moralmente, Alagoas de possível traição ao poder régio; sua preocupação com uma identidade de Alagoas e dos alagoanos, certamente está presente aí. Ao interpretar o desmembramento definitivo de Alagoas em relação a Pernambuco, o autor escolhe explicá-lo como uma limitação do poder da capitania de Pernambuco e uma compensação a Alagoas; Alagoas se torna independente, afinal, por seu reconhecimento do poder imperial – Brandão passa longe de colocar esse fato numa interpretação negativa da ação do imperador.

Mais conteúdos dessa disciplina