Buscar

TCC - Henrique Hahn Coelho - O estado de coisas inconstitucional no tocante ao sistema penitenciario brasileiro

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
HENRIQUE HAHN COELHO
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL
NO TOCANTE AO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Araranguá - SC
2019
HENRIQUE HAHN COELHO
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL
NO TOCANTE AO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Graduação em Direito da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Nádila da Silva Hassan, Esp.
Araranguá - SC
2019
Dedico este trabalho a minha família, amigos,
e a minha professora orientadora Nádila
Hassan.
AGRADECIMENTOS
A esta universidade, seu corpo docente, direção e administração que
oportunizaram a janela que hoje vislumbro um horizonte superior, eivado pela acendrada
confiança no mérito e ética aqui presentes.
A minha orientadora Nádila Hassan, pelo suporte no pouco tempo que lhe coube,
pelas suas correções e incentivos.
A minha família, pelo amor, incentivo e apoio incondicional.
E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu
muito obrigado.
RESUMO
Esta pesquisa trata dos direitos fundamentais lesados dentro do sistema prisional brasileiro,
apontando o “Estado de Coisas Inconstitucional”, bem como a atuação extensiva do Poder
Judiciário, como principais meios de resolução para o problema. O objetivo é traçar uma linha
de causas e efeitos, demonstrando o vínculo direto que existe entre a crise carcerária e o
aumento exponencial de violência nas ruas, bem como reforçar a necessidade de intervenção
direta do Poder Judiciário. A conclusão foi de que o poder judiciário pode, e deve, intervir
quando necessário para proteger direitos fundamentais, assim como o instrumento “estado de
coisas inconstitucional” é legitimo frente as violações observadas no sistema prisional A
metodologia empregada foi a da pesquisa bibliográfica e documental, coletando informações
de sites, revistas jurídicas e da própria legislação, para que fosse possível demonstrar a
necessidade da intervenção do Poder Judiciário na resolução do problema.
Palavras-chave: Estado de coisas inconstitucional; Poder Judiciário; Sentenças estruturais;
Direitos fundamentais.
ABSTRACT
This research deals with fundamental rights injured within the Brazilian prison system,
including the “state of unconstitutional things”, as well as the extensive action of the judiciary
as the main means of problem solving. The goal is to trace a line of causes and effects,
demonstrating the direct link that exists between a prison crisis and an exponential increase in
street violence, as well as reinforcing the need for direct intervention by the judiciary. The
conclusion was that the judiciary can, and should, intervene when necessary to protect
fundamental rights, such as the “state of unconstitutional things” instrument is legit in the face
of violations observed in the prison system. The methodology used was bibliographic and
documentary research, website information, legal magazines and own legislation, so that it
can demonstrate the need for intervention by the judiciary in solving problems.
Keywords: State of Things Unconstitutional; Judicial Power; Structural injunctions;
Fundamental rights.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................8
2 SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
10
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS .............................................................................................10
2.2 CONCEITO DE PENA....................................................................................................13
2.2.1 Espécies de sanções penais..........................................................................................14
2.2.2 Finalidade da pena ......................................................................................................17
2.2.3 Estabelecimentos prisionais e regimes de cumprimento de pena ...........................20
2.2.4 Sistema de recuperação do condenado......................................................................21
2.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS DO PRESO...................................................................22
3 ASPECTOS GERAIS DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL..............26
3.1 OBJETO...........................................................................................................................27
3.2 CONCEITO .....................................................................................................................28
3.3 PRESSUPOSTOS............................................................................................................28
3.4 ATIVISMO JUDICIAL ...................................................................................................29
4 O ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL NO TOCANTE ÀS
PENITENCIÁRIAS BRASILEIRAS ...................................................................................32
4.1 O ATUAL QUADRO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO...............................33
4.2 DEMANDAS ESTRUTURAIS.......................................................................................37
4.3 DA ARGUIÇÃO DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL DO SISTEMA
PRISIONAL BRASILEIRO.....................................................................................................39
4.4 DA VOTAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES ........................................................43
5 CONCLUSÃO...................................................................................................................47
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................48
8
1 INTRODUÇÃO
Não é novidade que o Brasil passa por um delicado momento em relação ao
sistema prisional. Essa questão vem chamando cada vez mais atenção com o aumento
gradativo da criminalidade. E quando o assunto envolve segurança pública os olhos voltam-se
sempre ao sistema prisional, que teria como objetivo conter a onda de violência.
Uma vez em crise, o sistema carcerário brasileiro não é capaz de suprir a demanda
por vagas, ressocializar e nem mesmo consegue manter o detento em condições humanas. Por
conta disso, o sistema prisional tornou-se a principal razão para o aumento de violência nas
ruas, obrigando os Poderes Públicos a agirem para resolverem essa crise. Ocorre que esses
poderes negligenciam as demandas do sistema prisional, seja pela falta de elaboração de
políticas públicas ou até mesmo por questões de impopularidade, porquanto “cuidar dos
presos” nunca foi motivo de eleição de algum candidato.
Nesse contexto, o presente trabalho buscará demonstrar como o descumprimento
das leis e da própria Constituição Federal pode influir para a continuidade da crise carcerária,
e também, como o uso do instrumento criado pela Suprema Corte Colombiana pode ser
definitivo para a resolução da questão.
Assim, por meio da pesquisa bibliográfica e documental, que utilizou sites,
revistas jurídicas, livros, legislação e jurisprudências, o trabalho objetiva analisar a
aplicabilidade do Estado de Coisas Inconstitucional no que diz respeito a todo o sistema
carcerário.
Com isso, pretende-se entender a aplicabilidade do instrumento “Estado de Coisas
Inconstitucional”, demonstrando seus efeitos no que diz respeito ao quadro de
inconstitucionalidades observado nos presídios brasileiros, bem como justificar a ampliação
do alcance do Poder Judiciário.
No primeiro capítulo, é apresentada uma análise histórica, demonstrando como os
problemas prisionais se repetem ao longo dos anos, com características semelhantes e sem
solução. Ainda, no mesmo capítulo, são abordados conceitos importantes para o entendimento
do tema.
No segundo capítulo, tratamos acerca do “Estado de Coisas Inconstitucional”,
discorrendo sobre seu conceito e fazendo uma análise histórica quanto ao seu surgimento.Nesse mesmo capítulo também introduzimos o conceito de ativismo judicial, que ajuda a
entender a funcionalidade desse instrumento.
9
Por fim, no terceiro e último capítulo, discorremos sobre a aplicabilidade e o
cabimento desse instrumento frente ao quadro de violações constitucionais nos presídios,
apontando as principais justificativas do seu uso. Ao final, ainda comentamos acerca da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, analisando as
principais decisões que dali surgiram.
10
2 SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Diante do caos instaurado nos presídios públicos, tem se tornado um desafio
abordar a atual conjuntura dos presos no Brasil. Tendo em consideração que as penitenciárias
estão, de fato, em situação lamentável, tanto em sua organização quanto em sua estrutura, é
difícil ou mesmo impossível o cumprimento de seus desígnios. É nesse cenário que surge a
dignidade humana do aprisionado (TAVARES, 2018, p. 169).
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS
Analisando a questão sob um viés histórico, vemos que a Constituição de 1824,
em seu artigo 179, estabelecia que os cárceres deveriam obedecer a parâmetros mínimos de
segurança, de higiene e de organização, bem como possuir um sistema de separação dos
detentos de acordo com seus delitos (BRASIL, Constituição do Império do Brasil, 1824 apud
FERREIRA, 2018, p. 1). Ocorre que essas prisões não cumpriam com nenhum dos critérios
aqui referidos, submetendo o apenado a um tratamento desumano em condições precárias
(FERREIRA, 2018, p. 1).
Como era evidente o descaso público com as penitenciárias, a Lei Imperial de
1828, com o objetivo de corrigir os vícios no que dizem respeito ao tratamento oferecido ao
preso, desenvolveu comissões a fim de inspecionar esses locais. Portanto, em 1829, no Estado
de São Paulo, foi elaborado o primeiro relatório que descrevia a situação das prisões. Em
meio aos problemas relatados no documento estão a superlotação e o convívio de presos
provisórios com apenados (FERREIRA, 2018, p. 1).
Ainda, acrescenta Mauro César Ferreira (2018, p. 1) que
Somente, a partir de 1840, ano em que foi elaborado um novo relatório é que os
sistemas penitenciários da Casa de Correção de São Paulo e do Rio de Janeiro
passaram por algumas mudanças. Nesse momento, modelos prisionais norte-
americanos foram implantados no Brasil, ocorrendo, dessa forma, a inserção de
oficinas de trabalhos e de celas individuais.
No ano de 1890, o Código Penal instituiu medidas para que as prisões garantissem
a segurança dos internos, ambientação salubre, segurança aos agentes, bem como que fossem
realizadas verificações frequentes. Apesar disso, os problemas com a superlotação e a
recuperação social do preso persistiam (FERREIRA, 2018, p. 1).
De acordo com Santis e Engbruch (2012 apud FERREIRA, 2018, p. 1),
[...] em 1906, a cidade de São Paulo já possuía um grande problema em relação ao
número de vagas no sistema prisional, eram apenas 160 vagas para 816 detentos.
11
Essa realidade não se restringiu apenas as penitenciárias do estado de São Paulo, em
todo o Brasil havia problemas com a ausência de vagas. Contudo, esse déficit
acabou por ocasionar outro tipo de problema no interior das penitenciárias
brasileiras: a deterioração dos espaços físicos dos presídios, acarretando assim, no
comprometimento da saúde dos detentos.
Em 1920, as condições precárias das casas de detenção já estavam consolidadas e
acabaram por se prologar até hoje (FERREIRA, 2018, p. 1).
Como visto, os problemas já citados não são novidade. As dificuldades
observadas hoje, no que dizem respeito ao sistema carcerário, são as mesmas desde o século
XIX. Apesar de várias alternativas terem sido postas em prática, jamais houve mudanças
relevantes no sistema carcerário, evidenciando a ineficácia dessas regras (FERREIRA, 2018,
p. 1).
Sobre o assunto, Ferreira acrescenta (2018, p. 1) que
Mesmo com a tentativa de reformular o sistema prisional no Brasil implantando
modelos internacionais, como o que foi aplicado no sistema prisional do Carandiru,
em São Paulo e nas Casas de Detenção no Rio de Janeiro, as medidas não foram
eficazes no que concerne a resolução das diferentes adversidades enfrentadas pelos
detentos. Esse fato demonstra a ineficiência do Estado em manter a ordem no
interior das unidades penitenciárias, de minimizar os altos índices de criminalidade
que assolam a sociedade e de controlar o crime organizado dentro e fora das
penitenciárias brasileiras.
Outro ponto importante a ser levado em consideração diz respeito a rebeliões que
são cada vez mais comuns, tornando a questão dos direitos humanos, dentro dos cárceres,
ainda mais preocupante. Em abril de 2018, o jornal Folha de São Paulo divulgou uma matéria
com o título “Veja algumas das maiores rebeliões ocorridas em presídios do Brasil”,
trazendo um compilado de massacres que aconteceram no Brasil desde a década de 80 dentro
dos presídios, destacando o número de mortos:
1987 – Penitenciária do Estado, São Paulo (SP) – 31 mortos;
1989 – Distrito Policial de São Paulo (SP) – 18 mortos;
1992 – Massacre do Carandiru, São Paulo (SP) – 111 mortos;
2002 – Presídio Urso Branco, Porto Velho (RO) – 27 mortos;
2004 – Casa de Custódia de Benfica, Rio de Janeiro (RJ) – 31 mortos;
2013 – Complexo Penitenciário de Pedrinhas (MA) – 60 mortos;
2017 – Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, Boa Vista (RR) – 33 mortos;
2017 – Massacre em Manaus, Amazonas – 67 mortos;
2017 – Penitenciária de Alcaçuz, Nísia Floresta (RN) – 26 mortos;
2018 – Centro Penitenciário de Recuperação do Pará – 22 mortos (VEJA..., 2018, p.
1).
Em análise ao assunto publicado, tem-se o ano de 2017 como o mais violento,
onde ocorreram três rebeliões em Estados distintos no Brasil. Assim, mesmo a Lei nº 7.210 de
11 de junho de 1984 - Lei de Execuções Penais (LEP) -, sendo uma das mais completas em
12
nosso ordenamento jurídico, ela não possui a força necessária para resolver os problemas
encontrados no sistema penitenciário (FERREIRA, 2018, p. 1).
Assim, com o visível aumento na violência e demais problemas relacionados ao
sistema carcerário, no ano de 2015, foi implementado “o Plano Nacional de Política Criminal
e Penitenciária” (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2019), regido e
atualizado a cada cinco anos pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
O conselho é integrado por 26 membros, escolhidos pelo Ministro da Justiça e
Segurança Pública, sendo integrado por professores, profissionais de Direito Criminal e
Ciências Correlatas, assim como por representantes da comunidade e de ministérios da área
social. Sua função, segundo o portal do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é propor
[...] diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, promover a
avaliação periódica do Sistema Criminal e Penitenciário, estimular e promover a
pesquisa criminológica, inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, entre
outros objetivos (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2019, p. 1).
No tocante ao Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária, esse é dividido
em duas partes, a inicial tem como objetivo revelar a razão do crescimento da população
prisioneira, possuindo medidas em relação à porta de entrada do Direito Penal. Já a outra parte
é voltada ao assunto do próprio sistema prisional, fixando normas que garantem o
cumprimento das regras de segurança, das alternativas penais e do monitoramento eletrônico
(BRASIL, Ministério da Justiça, 2015).
Muito embora tais medidas tenham sido impostas, não houve mudança expressiva
na situação carcerária, isto é, ONGs continuam fazendo relatórios e denúncias apontando
ofensas aos direitos fundamentais (FERREIRA, 2018, p. 1).
Com a entrada em vigor da LEP, em meados de 1984, a questão humanitária
ganha novos fundamentos, conforme expõe o dispositivo legal através de diversos artigos:
Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou
decisãocriminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado.
[...]
Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não
atingidos pela sentença ou pela lei. Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção
de natureza racial, social, religiosa ou política.
Art. 4º O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de
execução da pena e da medida de segurança.
[...]
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando
prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único.
A assistência estende-se ao egresso.
Art. 11. A assistência será:
I - material;
II - à saúde;
III -jurídica;
13
IV - educacional;
V - social;
VI – religiosa (BRASIL, LEP, 2019).
No entanto, mesmo com a Lei de Execução Penal estipulando o amparo que o
Estado deve dar ao apenado, ainda existe a violação em massa dos direitos fundamentais.
Portanto, o condenado sofre duplamente pelo crime que cometeu, uma vez que tem seu direito
de liberdade restringido e, ainda por cima, perde outros direitos alheios à sentença, chegando
a sofrer incontáveis abusos que beiram à tortura. Assim, o lugar que, até então, tinha como
objetivo ressocializar o apenado, agora o torna mais tendente a cometer novos atos
infracionais (FERREIRA, 2018, p. 1).
Portanto, a ineficácia do Estado, somada à omissão social em não admitir que a
culpa do aumento gradativo da criminalidade é de fato da situação de desamparo dos
presídios, resulta na atual crise carcerária que vive o Brasil (FERREIRA, 2018, p. 1).
2.2 CONCEITO DE PENA
Com a desordem existente nas relações sociais, é comum que ocorram situações
em que há o desrespeito ao direito do próximo. Assim, o Estado dispõe do Direito Penal para
efetuar medidas repressivas com o objetivo principal de pacificar o convívio de indivíduos
dentro de uma sociedade organizada. A essas medidas damos o nome de “pena” (LUZ, 2003,
p. 35).
Sobre a pena, ensina Damásio de Jesus que trata-se de uma
A sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal ao acusado de uma
infração, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem
jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos (2011, p. 563).
A pena, então, estabelece uma ligação entre quem julga e quem é julgado por
determinado delito, dando ao Estado, autonomia para atribuir uma punição ao sujeito pela
prática de determinado delito, comprovando, assim, o conceito de que o Direito Penal é de
fato uma ferramenta de controle social.
Assim, quando já não há outro meio de manter a sociedade em ordem, surge a
pena, trazendo consigo todas as suas soluções e consequências. Ainda que pareça severa, a
pena deve obedecer a princípios básicos tais como a legalidade, a proporcionalidade, a
personalidade e a inderrogabilidade (LUZ, 2003, p. 37). Assim, não há imposição de pena
sem lei que previamente a determine, seus efeitos são pessoais, não estendendo-se a terceiros,
bem como deve ser analisada a gravidade do delito em sua aplicação. Por fim, se ficar
14
provado que houve um crime a pena deve ser obrigatoriamente aplicada (LUZ, 2003, p. 37-
38).
2.2.1 Espécies de sanções penais
Seguindo uma vertente histórica, as penas são divididas em dois grandes grupos,
as penas proibidas e as penas permitidas. A respeito das penas proibidas, destaca-se o inciso
XLVII, itens “A” ao “E”, do artigo 5º da Constituição Federal, que estipulam quais são os
tipos de pena não permitidos em nosso país (BRASIL, CRFB, 2019).
Dentre as penas proibidas em nosso ordenamento, está a pena de morte.
Historicamente, a pena capital sempre gerou muita discussão quanto a sua legitimidade e
utilidade. No império era transformada em espetáculo público, na República foi abolida, com
ressalva à legislação militar em tempos de guerra. Em 1937, voltou a ser admitida nos moldes
do Estado Novo e foi definitivamente vedada a partir da Constituição de 1946. Dentre os
argumentos favoráveis à sua aplicação está o relativo a sua força inibidora contra crimes
hediondos e violentos, muito embora existam inconvenientes técnicos que provam o contrário
(BOSCHI, 2011, p. 127-131).
Também é proibida a pena de caráter perpétuo, que surge como um substitutivo da
pena capital e que tem como objetivo fazer com que o apenado nunca mais volte ao meio
social. No entanto, seu principal equívoco consiste na não observância do caráter
ressocializador da pena, uma vez que as penas têm como objetivo a recuperação do apenado
para depois reinseri-lo na sociedade. Ainda que não houvesse clara proibição em nossa
Constituição Federal, a pena de caráter perpétuo seria contrária à garantia da individualização
da pena, pois, segundo Boschi (2011, p. 132), “exige que a quantificação da resposta estatal
seja realizada com base na natureza e circunstâncias do crime e qualidades pessoais do
criminoso”.
Outra pena inadmitida é a de banimento. Segundo Boschi, ela “[...] foi largamente
aplicada em Portugal. Conhecida com o nome de deportação, degredo ou desterro, implicava
despacho ao condenado para o Brasil ou para as Colônias da África” (2011, p. 133).
Foi empregada no Brasil em meados de 1830 e estava estabelecida no Código
Criminal do Império, em seus artigos 50, 51 e 52. Basicamente eram afastados todos os
direitos que o cidadão tinha em território nacional. É importante salientar que a pena de
banimento distingue-se dos outros tipos previstos no artigos 51 e 52 do já mencionado Código
Criminal do Império, porquanto o primeiro trazia o degredo, que consistia em retirar o
15
apenado do local onde habitava e realocá-lo em lugar diverso longe da residência do ofendido
e por tempo determinado em sentença. Observa-se que no degredo o apenado não é expulso
do solo nacional. No segundo tipo, tem-se o desterro, que determinava que o apenado deveria
se mudar para qualquer local que fosse longe de onde cometera seus crimes e observa-se que,
nessa modalidade, o apenado tinha livre escolha do local para onde iria (BOSCHI, 2011, p.
134).
Assim, a pena de banimento não durou muito tempo e acabou por ser abolida na
Constituição de 1891, em seu artigo 72, § 20 (BOSCHI, 2011, p. 133).
Mais uma pena que é proibida é a de trabalhos forçados. Muito utilizada na
antiguidade greco-romana, bem como durante a Idade Média, as sanções desse tipo penal
basicamente transformavam o indivíduo em um escravo. Sua proibição, na atual Constituição
Federal, decorre do passado histórico de escravidão no Brasil, nesse período o indivíduo
condenado a tal pena era submetido a trabalhos forçados sob condições cruéis. Cabe ressaltar
que a pena de trabalhos forçados não se confunde com o trabalho atribuído ao condenado
dentro dos presídios atuais, uma vez que a pena de reclusão possui também um caráter
retributivo, já que estipula atividades laborais ao apenado em condições salubres (BOSCHI,
2011, p. 132-133).
Ademais, a LEP (Lei 7.210/84) estipula, em seu artigo 28, que “o trabalho do
condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e
produtiva.” Portanto, a atividade laboral do apenado faz parte do processo de reabilitação
social de que dispõe a pena (BRASIL, LEP, 2019).
E por fim, as penas também são proibidas. Sua proibição decorre pura e
simplesmente por conta de seu caráter desnecessário. Dentre suas características, destacam-se
a crueldade e o desrespeito a diversos princípios constitucionais, em especial, o princípio da
dignidade da pessoa humana. Por ser uma prática tida como repulsiva pelos padrões atuais, é
entendida, por nosso ordenamento jurídico, como crime de tortura (BOSCHI, 2011, p. 134-
135).
No tocante às penas permitidas, nossa atual Carta Magna elenca, em seu artigo 5º,
inciso XLVI, itens “A” a “E”, um rol com cinco modalidades de penas.
A primeira, disposta no item “A”, trata da pena privativa de liberdade, onde há
uma suspensão temporária do direito de ir e vir do condenado em locais específicos paraseu
cumprimento. É uma categoria penal muito debatida atualmente. Esses debates giram,
principalmente, em torno de sua aplicação por conta das penitenciárias que não possuem
suporte mínimo para manter o apenado em condições congruentes com o princípio dos
16
direitos humanos. Em relação à situação das penitenciárias, comenta Boschi (2011, p. 137)
que
Os condenados são esquecidos pela sociedade, que os esconde atrás dos muros,
amontoam-se em celas coletivas, dormem no piso, sem colchões e agasalhos. Em
muitas delas, o grau de insegurança é máximo, tanto que as autoridades só
conseguem ingressar nas galerias se forem acompanhadas pelos presos que as
chefiam ou pela polícia de choque.
Portanto, as penitenciárias, em sua grande maioria, distorcem a aplicação da pena
privativa de liberdade, desenvolvendo a violência e corrompendo ainda mais os apenados.
Dando sequência ao rol do artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, temos
a pena de perda de bens e valores, que, ao contrário da anterior, é tida como pena restritiva de
direitos. Segundo Boschi (2011, p. 141), é “de imposição autônoma e substitutiva – é de
natureza pecuniária”. Consiste na tomada de bens de qualquer tipo pertencentes ao agente
causador do ato infracional, arrebatando o benefício obtido com o crime. A perda deverá ser
proporcional à gravidade do delito.
Dessa forma, os bens que foram tomados terão como destino o Fundo
Penitenciário Nacional, tal como estabelece o artigo 44, §3º, do Código Penal.
Boschi (2011, p. 141) ensina, ainda, que “a pena pecuniária de perda de bens e
valores pode atuar como substituta da pena privativa de liberdade, com a ordem de
recolhimento do quantum ao Fundo Penitenciário (§ 3º do artigo 45 do CP)”.
É importante ressaltar que, nesse tipo de pena, os bens precisam ser lícitos, o que
difere da perda de bens e valores oriunda do confisco (PENAS..., 2019, p. 1).
O próximo item do artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, diz respeito à
pena de multa que, segundo Prado (2017, p. 1), “[...] consiste no pagamento de determinado
valor em dinheiro em favor do Fundo Penitenciário Nacional, fundo esse que foi instituído
pela Lei Complementar nº 79/1994 para os fins de custear o sistema de cumprimento de pena
no país”.
É importante ressaltar que a pena de multa pode ser aplicada de forma exclusiva,
alternativamente ou cumulada com a pena de prisão.
Seguindo para o item “D” do referido artigo, temos a pena de prestação social
alternativa que consiste em fazer com que o apenado cumpra um determinado período de
horas trabalhadas por semana em alguma instituição estipulada pelo juiz, até que seja
cumprida sua pena (AGUIAR, 2019, p. 1).
Por fim, o último item trata da pena de suspensão e interdição de direitos. Nas
palavras de Aguiar (2019),
17
A interdição de direitos impede que a pessoa condenada exerça qualquer função,
cargo ou atividade pública – inclusive cargos eletivos – além de qualquer trabalho
que dependa de habilitação especial ou autorização (como é o caso de médicos,
advogados e engenheiros, por exemplo). Além disso, essa pena também inclui a
suspensão do direito de dirigir, e pode chegar até a proibir o condenado de
frequentar lugares específicos.
A título de exemplo, temos aqueles que sofrem essa sanção por conta do crime de
dirigir embriagado (art. 306, caput, do Código de Trânsito Brasileiro - CTB), que culmina na
suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por determinado período de tempo,
bem como em deixar de frequentar lugares de reputação duvidosa (BRASIL, CTB, 2019).
2.2.2 Finalidade da pena
Após passar pelo conceito de cada espécie de pena que existe em nosso
ordenamento jurídico, resta analisar qual o fundamento para sua aplicação, quais as razões
para se punir. Não são poucos os autores que dissertam sobre esse tema, cada um seguindo
uma linha de pensamento diversa do outro, a ponto de surgirem várias teorias.
O termo teoria da pena é utilizado por diversos autores para categorizar esse
assunto. Essas teorias buscam explicar ou até mesmo justificar a aplicação das sanções penais.
Sobre esse assunto, ensina Boschi (2011, p. 87) que
falar em teorias da pena é destacar os fundamentos racionais que explicam e
justificam, isto é, que apontam científica e empiricamente, os sentidos da imposição
pelo Estado de penas pelos fatos considerados ofensivos ao interesse público. É
claro que a lógica que preside as especulações científicas na órbita das ciências
sociais (deve ser) não é a mesma que rege as especulações científicas pelas ciências
da natureza) (grifo do autor).
Assim, temos que as teorias são divididas em quatro grupos: a teoria retributiva, a
teoria preventiva, a teoria da ressocialização, e, por fim, as teorias mistas (ou ecléticas).
A teoria retributiva fundamenta-se no entendimento da pena como uma
penitência, sendo sua finalidade principal a de fazer com que o apenado sofra por aquilo que
fez de errado. Para Boschi (2011, p. 88), “de acordo com essa teoria, a pena tem que ser
imposta por causa do fato, isto é, por ter o indivíduo delinquido (qui peccatum est)”.
Dessa forma, entende-se essa teoria como sendo útil para garantir o cumprimento
da justiça mesmo que não resulte em diminuição nos índices de criminalidade.
Ademais, ressalta Luz (2003, p. 41) que
De acordo com a reflexão kantiana, baseada no império da justiça, tem-se o
conhecido exemplo: se uma sociedade civil chegasse a dissolver-se, com o
consentimento geral de todos os seus membros, como os habitantes de uma ilha que
18
decidissem abandoná-la, o último assassino mantido na prisão deveria ser executado
antes da dissolução, a fim de que cada um sofresse a pena de seu crime.
Outrossim, autores como Boschi fazem críticas, apontando as deficiências do uso
da pena como castigo, para ele “a teoria da retribuição padece do defeito de legitimar a
vingança estatal, liberando-se o ofendido de manchar suas mãos com sangue do ofensor”
(2011, p. 89).
Ainda, seguindo o conglomerado de críticas que possui a teoria da retribuição,
comenta Boschi (2011, p. 90) que
A concepção da pena como retribuição sem limites atende muito bem aos interesses
dos regimes totalitários, porque culmina por conferir um cheque em branco ao
legislador para criminalizar e sancionar as condutas que bem entender e do modo
como quiser, arredando o interesse na discussão sobre o conteúdo ético que
relaciona os fundamentos e os limites do direito de punir.
Por fim, a finalidade do caráter retributivo é punir, para que as pessoas que vivem
naquele meio não precisem fazê-lo.
A próxima teoria trata da prevenção, onde conceitua-se a pena como forma de
impor medo, visando punir o indivíduo pelo ato já cometido e, também, fazer com que
terceiros, vendo o exemplo do infrator, não venham a cometer crimes semelhantes.
Junqueira (2004 apud BOSHI, 2011, p. 93) explica, acerca da teoria da pena
preventiva, que
[...] o Estado responde pelo fato cometido no passado, embora com olhos voltados
para o futuro. “Assim, quando se fala em prevenção, mormente em uma perspectiva
moderna do tema, busca-se impedir novos crimes e outras formas de violência,
como as não criminalizadas ou as reações informais aos crimes praticados, e com
isso buscamos a coerência com a ideia de que a intervenção penal só é legítima
quando necessária. Outro pensamento seria paradoxal, pois feriria os já traçados fins
do Direito Penal”
Além do mais, dentro dessa teoria, existem algumas classificações importantes,
que dizem respeito à destinação da prevenção e acerca de sua natureza. Quanto à destinação,
tem-se a prevenção especial “[...] porque, com a pena, o autor do fato criminoso é estimulado
a não reincidir, isto é, a arrepender-se pelo que fez e, no futuro, agir em conformidade com o
dever jurídico [...]” (BOSCHI, 2011, p. 94).
Já no tocante à prevenção geral, a pena tem como objetivo coibir boa parcela da
população no sentido de não cometerem os mesmos crimes que foram cometidos pelo
apenado, fazendo comque essas pessoas ajam de acordo com as normas jurídicas.
Ainda, a prevenção pode ser positiva, uma vez que “[...] se corrige o criminoso e
reforça-se nos demais a autoridade do Estado e a necessidade de respeito às leis” (BOSCHI,
19
2011, p. 94), ou pode ser negativa, pois “[...] a pena, só pela sua existência, já intimidaria as
pessoas, já constituiria uma ameaça preventiva” (LUZ, 2003, p. 43).
A respeito da teoria da ressocialização, temos a pena com a finalidade de
recuperar o delinquente, dando a possibilidade de reinserção do indivíduo no meio social do
qual foi afastado pelo cometimento do delito. Nesse sentido, busca-se, com a ressocialização,
a efetivação da prevenção especial positiva já citada nos parágrafos anterior, proporcionando
uma espécie de terapia ao apenado a fim de corrigi-lo (LUZ, 2003, p. 44).
Além do mais, a pena com caráter ressocializador é voltada ao indivíduo e não ao
delito em si (LISZT, 1994, p. 112-124).
Ainda que seja uma das mais modernas, tendo sido implantada em nosso
ordenamento jurídico com a Lei 7.210 de 1984 (LEP), a teoria da pena como ressocialização
possui diversas críticas em seu desfavor, dentre as mais relevantes está a citada pelo professor
espanhol Muños Conde, que aponta a própria sociedade como a culpada por criar a
criminalidade. Assim, para ele, não haveria sentido em a mesma sociedade que cria o
delinquente tentar, com seus meios e tratamentos, ressocializá-lo. (CONDE, 1987 apud
BOSCHI, 2011, p. 98).
Outro argumento desfavorável seria o da obrigatoriedade da recuperação,
levantando a questão se ela seria então um direito ou um dever? Explica Roxin que obrigar o
apenado a mudar sua forma de pensar remeteria a uma lesão dos direitos fundamentais do
cidadão (ROXIN, 1992 apud BOSCHI 2011, p. 99).
Por fim, ainda é predominante o argumento de que o próprio Estado, com seus
estabelecimentos prisionais em situação de calamidade, é incapaz de proporcionar um
tratamento adequado ao apenado.
Sobre as teorias ecléticas, trata-se de pura e simplesmente a junção de duas das
teorias já citadas: a teoria da retribuição e a teoria da prevenção. Assim, a pena retribui o mal
praticado pelo indivíduo, bem como inibe a prática de novos delitos. Sobre esse assunto,
esclarece Luz (2003, p. 44) que “[...] a pena tem duas razões: a retribuição, manifesta através
do castigo, e a prevenção, como instrumento de defesa da sociedade”.
Portanto, existem três elementos predominantes nessa teoria: a) a retribuição
propriamente dita, agindo essa em reação ao delito cometido pelo indivíduo; b) a prevenção,
essa última utilizando o caráter vingativo de que dispõe a retribuição para intimidar tanto o
apenado quanto a sociedade e; c) a própria ressocialização, que tenta recuperar o delinquente
com tratamentos adequados dentro do estabelecimento prisional.
20
Nosso ordenamento jurídico claramente adota a teoria eclética, bastando analisar o
artigo 59 do Código Penal, onde está estabelecido que o juiz deverá aplicar as penas com a
finalidade de “reprovar” a conduta e “prevenir” outras semelhantes (BRASIL, CP, 2019).
Embora a palavra ressocializar não esteja explícita na redação do artigo 59 do Código Penal, é
observável sua menção no artigo primeiro da Lei de Execução Penal (BOSCHI, 2011, p. 106).
2.2.3 Estabelecimentos prisionais e regimes de cumprimento de pena
Segundo informações do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da
Justiça (DEPEN), hoje o Brasil conta com 726.354 pessoas cumprindo pena em um pouco
mais de 1.500 estabelecimentos prisionais (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança
Pública, 2017a, p. 7).
Os presídios são divididos e classificados conforme a sua destinação, sendo quatro
tipos principais encontrados em todo território nacional. São eles: as penitenciárias, as
colônias agrícolas ou industriais, a casa do albergado e a cadeia pública.
As penitenciárias são destinadas àqueles que cumprem pena no regime fechado ou
para os que cumprem pena no regime disciplinar diferenciado. A Lei de Execução Penal
estabelece, em seu artigo 88, que deve haver uma cela para cada apenado, cada uma com no
mínimo 6 metros quadrados, e ainda, que o ambiente deve ser adequado e salubre (BRASIL,
LEP, 2019). Atualmente, existem 364 estabelecimentos destinados ao regime fechado
(BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017a, p. 19).
Ao contrário das penitenciárias, as colônias agrícolas/industriais e similares
abrigam condenados em regime semiaberto, isto é, aqueles que trabalham o dia todo e só
retornam à cela para passar as noites. A pena daqueles condenados ao regime semiaberto está
vinculada ao trabalho nesses locais. De acordo com o artigo 92 da LEP, os condenados a esse
regime ficarão alojados em celas coletivas, observados os requisitos de salubridade (BRASIL,
LEP, 2019). Vale ressaltar que nem todas as unidades possuem estrutura para oferecer
trabalho ao apenado. As que possuem são classificadas como centros de progressão
penitenciária e permitem que o condenado ao regime semiaberto possa exercer atividade
laboral e estudar fora do estabelecimento até certo horário. Segundo dados do DEPEN, o
Brasil conta com 114 estabelecimentos desse tipo (BRASIL, Ministério da Justiça e
Segurança Pública, 2017a, p. 19).
Já o condenado ao regime aberto ou com limitação de final de semana deverá
passar o período noturno na casa do albergado, ou na falta desta, em sua própria casa. A casa
21
do albergado, ao contrário da penitenciária, “[...] deverá situar-se em centro urbano, porém
separado dos demais estabelecimentos [...]” (BRASIL, LEP, 2019). Esse tipo de
estabelecimento não possui compromisso em prevenir que o detendo fuja, o objetivo aqui é
simplesmente servir de alojamento ao apenado e proporcionar-lhe cursos e palestras, visando
a sua recuperação. A casa do albergado deverá conter um sistema de fiscalização e orientação
dos condenados. Embora a Lei determine que cada região deve conter ao menos um
estabelecimento desse tipo, atualmente só existem 22 conforme dados do DEPEN (BRASIL,
Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017a, p. 19).
Por fim, tem-se a cadeia pública, que possui por finalidade o recolhimento de
presos em situação provisória (regime provisório) – aqueles que aguardam julgamento –
devendo possuir condições de infraestrutura assim como os demais citados. A Lei 7.210/84,
no seu artigo 103, estipula que esses estabelecimentos devem ficar próximos dos centros
urbanos a fim de que os presos não fiquem longe do meio social e familiar. Segundo dados do
DEPEN, são mais de 750 cadeias públicas espalhadas pelo território nacional (BRASIL,
Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017, p. 19).
A LEP ainda cita outros estabelecimentos como os hospitais de custódia (para
tratamento de presos inimputáveis ou semi-imputáveis) e os centros de observação
(destinados a realização de exames gerais e criminológicos) (BRASIL, LEP, 2019).
2.2.4 Sistema de recuperação do condenado
Como visto anteriormente, nosso ordenamento jurídico adota a teoria mista (ou
eclética) da pena, isto é, a pena serve para prevenir, retribuir e recuperar o apenado. A
recuperação do criminoso ocorre com o processo de ressocialização, dentro do
estabelecimento prisional em que se encontra. Para isso, os estabelecimentos prisionais
oferecem trabalho, educação, profissionalização, entre outros métodos que visam permitir que
o apenado volte para o meio social com novos objetivos, de forma que não cometam atos
infracionais novamente.
É necessário, também, que seja analisada a questão econômica, isto é, quanto
custa manter um detendo dentro do presídio? A resposta para essa questão varia de Estado pra
Estado, mas, segundo a média nacional fornecida pelo Conselho Nacional de Justiça, o valor
fica em torno de R$ 2.400. Existem estados que ultrapassam essa média, a título de exemplo
temos o estado do Amazonas que gasta um valor aproximado de R$ 4.112. Portanto, somando
22
o valor médio gastocom a quantidade de presos existentes no sistema prisional temos um
agravamento na crise carcerária (SOUZA, 2017a, p. 1).
A ressocialização vem como alternativa para minimizar os efeitos dessa crise,
uma vez que manter um preso trabalhando ou estudando saí mais barato do que simplesmente
mantê-lo encarcerado. A exemplo disso, temos a Associação de Proteção e Assistência ao
Condenado (APAC), que mesmo sendo utilizada em poucos locais já se provou um meio mais
barato comparado ao simples encarceramento. As APACs buscam ressocializar o preso por
meio da educação e do trabalho, em um ambiente em que os detentos são os próprios
funcionários (CNJ, 2017, p. 1).
Sobre o trabalho exercido pelo preso, ensina Oliveira (1996, p. 181) que
Atualmente, o trabalho prisional visa não só manter o preso ocupado, evitando o
ócio, mas uma espécie de terapia ocupacional, sendo, também, considerado como
uma fonte geradora de riqueza que diminui os custos operacionais do sistema
penitenciário, preparando o recluso para o retorno a sociedade.
Porém, o processo de recuperação social nos presídios só é possível se o
estabelecimento possuir o mínimo de infraestrutura, o que não é observado atualmente.
(BAYER, 2013, p. 1).
2.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS DO PRESO
Os direitos fundamentais, previstos em nosso ordenamento jurídico, valem para
todos os cidadãos, não havendo exceções àqueles que tem sua liberdade restringida por uma
pena. Portanto, um cidadão não pode ter seus direitos fundamentais denegados por estar
cumprindo uma pena privativa de liberdade (DEMARCHI, 2008, p. 1).
A Constituição Federal de 1988 traz alguns dos mais importantes direitos
inerentes aos presos, por exemplo, o princípio da humanidade das penas, estipulado pelo
artigo 5º, incisos XLIX e L, que “assegura o respeito a integridade física e moral dos presos e
garante que as mulheres condenadas possuam condições para que possam permanecer com
seus filhos durante o período de amamentação” (BOSCHI, 2011, p. 48).
O texto Constitucional ainda garante a proibição das penas cruéis – aquelas que
objetivam a morte ou a tortura do apenado – em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”,
resguardando o princípio da dignidade humana (DEMARCHI, 2008, p. 1).
Porém, esses direitos não ficam restritos ao texto Constitucional, uma vez que em
seu artigo 5º, §2º permite que leis ou tratados internacionais também possam estipular
diferentes direitos e garantias fundamentais (DEMARCHI, 2008, p. 1).
23
Como um exemplo de lei que trata sobre direitos e garantias fundamentais do
preso, temos a Lei nº 7.210/84 que, no seu artigo 41, estipula que são direitos básicos do
preso: “alimentação suficiente e vestuário; trabalho e remuneração; previdência social;
assistência material, jurídica, à saúde, educacional, social e religiosa...” (BRASIL, LEP,
2019).
Ainda que a proteção oferecida pelas leis não fosse suficiente, há também
jurisprudências que protegem os direitos dos detentos, como é o caso da julgado que deu
origem à Súmula Vinculante nº 26, que teve como objetivo garantir o princípio da dignidade
humana, declarando inconstitucional parte do texto da Lei nº 8.072/90 que impedia a
progressão de regime em crimes hediondos. Assim, a progressão de regime para presos por
crime hediondo passou a ser admitida com a chegada da Lei nº 11.464/07 (BRASIL, STJ,
2011).
Existem também os tratados internacionais que viabilizam a criação de regras para
melhorar o sistema prisional, tal como as “Regras de Mandela” (2015, p. 1), que possuem o
objetivo de fixar princípios básicos para organizar o sistema prisional, bem como dar o devido
tratamento aos presos.
Por fim, na mesma linha vem o tratado “Regras de Bangkok” (2010, p. 1), que
estabelecem regras para mulheres presas e medidas diversas das penas privativas de liberdade
para mulheres infratoras.
Violação dos direitos humanos nos presídios
Como visto anteriormente, embora existam diversos dispositivos que asseguram
os direitos fundamentais dentro dos presídios, a falta de infraestrutura, o
“hiperencarceramento” e a não aplicação da lei culminam em uma violação em massa desses
dispositivos.
Segundo dados do infopen, desde a década de 90 o Brasil teve um crescimento
absurdo da população carcerária, os números saem de 90 mil presos em 1990 e chegam a 726
mil em 2017 (data do último levantamento realizado). Desses 726 mil detentos, 32,39%
(235.241) são presos provisórios (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017a,
p. 9).
O problema do “hiperencarceramento” ocasiona uma superlotação a nível
nacional, isto é, essa sobrecarga na demanda por celas é algo vivido na maioria dos presídios,
sendo correta a afirmação de que são poucos os que possuem vagas suficientes. Segundo
24
dados coletados do infopen, o déficit chega a 303.112 vagas (BRASIL, Ministério da Justiça e
Segurança Pública, 2017a, p. 7).
Segundo Thompson, ainda há uma espécie de economia insuficiente dentro desses
locais, isto é, se um estabelecimento prisional extrapola o número máximo de internos
suportado, há que se economizar em comida e em espaço. Como explica o autor, “se a verba
de alimentação é suficiente para sustentar quinhentos internos, com duas refeições ao dia,
pode-se destiná-la ao dobro, se se fornece uma única refeição diária” (THOMPSON, 2002, p.
102).
O mesmo ocorre com as celas, que, ao invés de abrigarem apenas um apenado,
como estabelece a LEP, abrigam um número que, por vezes, ultrapassa os vinte detentos.
Assim, Thompson revela (2002, p. 102) que
[...] em um alojamento onde caberiam cinco camas com razoável distância entre
elas, de sorte a permitir a colocação de um pequeno armário, podem ser acomodados
doze presos, desde que se usem beliches e se suprima o móvel; ou vinte e seis, se
todo mobiliário for eliminado e se fizer com que os hospedes [sic] durmam num
estrado inteiriço a cobrir toda a extensão da cela (sistema usado, v. v., no presidio de
Agua Santa no Rio).
Nesse sentido, com o número de agentes penitenciários desproporcional ao
número de detentos, ocorre uma perda de controle sobre o estabelecimento. Esse problema
leva os agentes a manterem os detentos encarcerados dia e noite, quando deveriam estar livres
dentro das instalações do local, exercendo atividades laborais durante o dia (THOMPSON,
2002, p. 102).
A maior parte desses problemas se dá por conta do número excessivo de presos
em situação provisória. A lei estabelece que a audiência de custódia deve ser realizada 24
horas após a prisão, nela o juiz avalia a necessidade de manter o indivíduo preso e, caso
julgue desnecessário, o indivíduo é liberado. Ocorre que essa audiência, segundo o próprio
Infopen, em média, é realizada 6 meses após a prisão. Há relatos de presos que ficaram mais
de 2 anos aguardando (CNJ, 2016, p. 1).
Outro problema que fortalece essa situação são os efeitos da lei antidrogas que,
com sua chegada em 2006, estabeleceu que pessoas qualificadas como traficantes (aquele que
fabrica, distribui e comercializa a droga) terão pena mínima de 5 anos, o que impossibilita a
concessão de mediadas alternativas à prisão. Segundo dados do Infopen, existem 156.749
presos por tráfico de entorpecentes (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública,
2017a, p. 45).
25
Vale ressaltar que os presídios, em sua maioria, proporcionam condições
desumanas quanto à saúde. Uma vez que não existe um padrão sanitário dentro dos presídios,
a maioria dos internos são acometidos com doenças graves, tais como meningite, tuberculose
e até mesmo HIV (ONU, 2016, p. 1).
Por fim, existem relatos de maus tratos e violência, realizados tanto por parte de
outros presos – o que reforça a ideia de incapacidade dos agentes em manter a ordem dentro
do presídio – quanto pelos próprios agentes prisionais.
26
3 ASPECTOS GERAIS DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL
Em meados de 1997, a Colômbia sofria com um problema crônico em relação aos
seus professores: eles eram privados de seus direitos por conta da faltade inscrição em
sistemas previdenciários. Os professores, lesados pelas autoridades locais que os
negligenciavam, buscaram justiça por meio de ações de tutela, alegando a falha municipal em
inscrevê-los no sistema de seguridade social. A Corte Colombiana, ao analisar o referido
processo, percebeu que a falta de inscrição não era uma demanda exclusiva dos autores da
ação, mas, sim, de uma coletividade de professores de diversos municípios Colombianos,
caracterizando um problema a nível nacional (O ESTADO..., 2019, p. 1).
Verificada a falha no sistema nacional de educação Colombiano, a Corte
Constitucional Colombiana percebeu que o problema não estava nas instituições em si, mas
no próprio conjunto político que regrava aquele sistema, tratava-se, então, de uma falha
estrutural que estava ferindo diretamente os direitos fundamentais protegidos pela
Constituição Colombiana (O ESTADO..., 2019, p. 1).
A Corte Constitucional Colombiana (CCC) em decisão, determinou que as
autoridades públicas reformassem suas políticas em um prazo razoável, para que a resolução
do problema atingisse toda a coletividade afetada (O ESTADO..., 2019, p. 1).
Esse quadro de violações generalizadas de preceitos fundamentais foi chamado de
Estado de Coisas Inconstitucional (ECI), termo que, posteriormente, voltaria a ser usado pela
CCC, porém, dessa vez, por conta de problemas observados no sistema penitenciário
colombiano (GRUIMARÃES, 2017, p. 85).
Em análise ao problema acima citado, têm-se como protagonistas os presídios de
Bellavista e de Modelo, situados em Medellín e Bogotá. A violência, a falta de estrutura e a
corrupção dos agentes prisionais eram alguns dos problemas que caracterizavam a questão
principal a ser resolvida.
Dessa forma, segundo Guimarães (2017, p. 85/86),
Em sua decisão, a Corte Constitucional determinou a imposição de diversas medidas
às entidades estatais, entre as quais se destacam a obrigação de o Instituto Nacional
Penitenciário e Carcerário (Inpec), o Departamento Nacional de Planejamento e o
Ministério da Justiça elaborarem, em um prazo de três meses, a contar de suas
notificações, um plano para a construção e renovação de presídios, de forma a
garantir aos presos condições dignas de vida, bem como a obrigação de a Defensoria
do Povo e a Procuradoria-Geral da Nação exercerem o monitoramento da
implementação.
27
Porém, a questão em si não foi superada, pois a solução escolhida pela Corte, que
visava simplesmente a construção de mais presídios, mostrou-se insuficiente e acabou por
gerar várias críticas por sua falta de fiscalização (GUIMARÃES, 2017, p. 86).
O Estado de Coisas Inconstitucional somente veio a ter eficácia na decisão que
tratava dos “desplazados” (deslocados), que é o termo usado para identificar pessoas que
haviam saído do Estado Colombiano para fugir de problemas como a violência, gerados,
principalmente, pelo narcotráfico e ação das FARCS (GUIMARÃES, 2017, p. 87).
Em decisão, além da Corte ter determinado medidas a serem cumpridas por entes
públicos, também fiscalizou sua execução, o que fez toda a diferença para a resolução do
problema (GUIMARÃES, 2017, p. 88).
Portanto, o Estado de Coisas Inconstitucional é decretado quando há um
descumprimento em massa de preceitos fundamentais, amparados pela Constituição, em
determinado local, que envolva a administração de entes públicos. Vem tendo grande
repercussão no Brasil por meio da ADPF nº 347, movida pelo PSOL (Partido Socialismo e
Liberdade), motivada pelos problemas recorrentes enfrentados nos cárceres (GUIMARÃES,
2017, p. 88).
3.1 OBJETO
Seja o aplicado na Colômbia ou no Brasil, o Estado de Coisas Inconstitucional
possui sempre o mesmo objetivo: proteger os direitos fundamentais e apontar as falhas
estruturais de determinado local, bem como estabelecer a resolução do problema (ESTADO...,
2015).
Ademais, o que se busca não é simplesmente a alegação de que algo não está
certo, mas sim, o procedimento para corrigir o que está errado (ESTADO..., 2015).
Dessa forma, no Brasil a questão foi voltada ao setor prisional, mais
especificamente ao quadro de violações constitucionais que existem dentro dos presídios.
Assim, o que se busca é a superação desse quadro por meio da implementação de novas
políticas públicas (SCHINEMANN, 2016).
Portanto, pode-se concluir que o objeto de que trata o Estado de Coisas
Inconstitucional é a superação de um quadro em que exista violação generalizara de preceitos
fundamentais.
28
3.2 CONCEITO
O Estado de Coisas Inconstitucional, é, por sua natureza, uma forma de resolução
de violações aos direitos fundamentais. É uma espécie de decisão e, até mesmo, uma ordem
dada a um grupo de entes públicos, que tem por objetivo fazer com que estes cumpram
medidas que objetivem a superação da crise instaurada (LIMA, 2019, p. 1).
Portanto, trata-se de um mecanismo procedimental no qual a Corte declara a
existência de um quadro de violação massiva e sistemática de direitos fundamentais que
atinjam determinados grupos sociais e que decorram de falhas estruturais, isto é, omissões
sistêmicas e persistentes dos poderes públicos, onde a superação desse quadro só é possível
mediante um conjunto de políticas públicas que envolvem um aglomerado de atores públicos
(ESTADO..., 2015).
As violações de que tratam o Estado de Coisas Inconstitucional tem vínculo direto
com a negligência daqueles entes públicos envolvidos com o funcionamento de determinado
sistema. Esse descumprimento mostra-se visível a partir do momento em que entes estatais
deixam de cumprir deveres inerentes aos direitos fundamentais, onde, segundo Cunha Júnior
(2015, p. 1), “deixam de adotar as medidas legislativas, administrativas e orçamentárias
necessárias para evitar e superar essa violação, consubstanciando uma falha estrutural das
instâncias políticas e administrativas”.
Portanto, o conceito de Estado de Coisas Inconstitucional está atrelado aos seus
pressupostos de existência, que serão melhor explicados no tópico a seguir.
3.3 PRESSUPOSTOS
Existe uma divergência entre autores colombianos e brasileiros acerca da
quantidade de pressupostos para a decretação do Estado de Coisas Inconstitucional, variando
de três a seis pressupostos. Porém, como forma de simplificar o entendimento do leitor,
analisaremos os três mais relevantes.
O primeiro pressuposto de existência trata da violação dos direitos fundamentais.
Essa violação deve ser massiva e generalizada, de forma que atinja um número elevado de
pessoas. O objetivo da Corte aqui não é analisar a questão individual de um, ou de alguns
demandantes, mas, sim, constatar a transgressão expressiva dos direitos fundamentais de toda
uma coletividade (ESTADO..., 2015).
29
O segundo diz respeito à inércia dos entes públicos quanto ao cumprimento de
seus deveres em relação à proteção e efetivação dos direitos fundamentais. Esse pressuposto
também estipula que essas autoridades públicas deverão apresentar uma explícita falta de
organização ou de coordenação entre medidas orçamentárias, administrativas e legislativas,
caracterizando assim, a chamada “falha estrutural”. Cabe ressaltar que a deficiência não é só
de um único ente público, mas de vários, o que acusaria um problema a nível Estatal. Por fim,
essas autoridades públicas estariam alheias ao quadro de inconstitucionalidade, contribuindo
diretamente para a perpetuação do quadro instaurado (ESTADO..., 2015).
Por fim, o último pressuposto trata das medidas a serem tomadas para a superação
desse quadro de inconstitucionalidade. Assim, o Estado de Coisas Inconstitucional passará a
existir quando demandar a ação direta dos entes públicos, antes omissos, a fim de corrigir os
defeitos estruturais. Porém, não ficando apenas na correção dos defeitos citados, também
deverão ser tomadas outras medidas, tais como a criação de novas políticas públicas ou, até
mesmo, a reparação daquelas que possuem vícios (ESTADO..., 2015).
3.4 ATIVISMO JUDICIAL
Conceitua-se o ativismo judicialcomo uma forma de amparo aos direitos
fundamentais realizada pelo sistema judiciário, isto é, quando um direito fundamental é
ameaçado pela falta do amparo de uma lei, há a necessidade de o Poder Judiciário inovar em
prol da causa, a fim de que seja garantida a efetivação daquele direito (FERREIRA, 2017, p.
1).
Segundo Ferreira (2017, p. 1),
O Ativismo Judicial pode ser definido como o papel criativo dos Tribunais ante a
insuficiência da norma jurídica em se fazer abranger em todos os casos que chegam
ao Judiciário como também de ampliar a interpretação dos dispositivos legais
gerando precedente jurisprudencial tendo como origem um caso em concreto. Neste
sentido o ativismo é uma atitude do magistrado em face de lei lacunosa ou que não
produza efeitos completos na efetivação dos direitos e garantias fundamentais.
Porém, não há como falar sobre ativismo judicial sem antes entender o fenômeno
do neoconstitucionalismo.
Assim, em meados de 1949, começava, na Europa, a chamada
reconstitucionalização, que mudou de forma significativa as interações entre a Constituição e
as instituições públicas (BARROSO, 2005, p. 1).
No Brasil, as discussões sobre o novo Direito Constitucional ocorreram no ano de
1988, simultaneamente à proclamação da atual Constituição da República. Assim, o país saía
30
de um regime autoritário e entrava em uma nova fase, onde os governantes estariam obrigados
a respeitar as leis e os direitos fundamentais por ela dispostos (BARROSO, 2005, p. 1).
A respeito das mudanças trazidas com a nova Constituição, comenta Barroso
(2005) que
Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da
desimportância ao apogeu em menos de uma geração. Uma Constituição não é só
técnica. Tem de haver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de
mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços. O surgimento de um
sentimento constitucional no País é algo que merece ser celebrado. Trata-se de um
sentimento ainda tímido, mas real e sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a
despeito da volubilidade de seu texto.
Portanto, antes o país possuía leis vazias, sem real força normativa, por conta do
estrito vínculo tido com o regime autoritário, assim, segundo Barroso, “coube à Constituição
de 1988, bem como à doutrina e à jurisprudência que se produziram a partir de sua
promulgação, o mérito elevado de romper com a posição mais retrógrada” (2005, p. 1).
A nova Constituição trouxe outros mecanismos que possibilitaram a ampliação
(ou flexibilização) da interpretação das leis, bem como trouxe, consigo, novas ações voltadas
à proteção de preceitos constitucionais, como explica Barroso (2005, p. 1), ao citar a ação
declaratória de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental
como exemplos.
E é em meio a essa nova teoria constitucional que surge a importância do papel do
Supremo Tribunal Federal na interpretação extensiva das normas, que se faz cada vez mais
necessária à medida em que a sociedade evolui (BARROSO, 2005, p. 1).
Assim, segundo Egger, “com fundamento no discurso dos direitos fundamentais e
na ideia de democracia inclusiva, através de decisões criativas e interpretações expansivas das
normas constitucionais, o STF vem ultimamente intervindo nas escolhas políticas do
Executivo e do Legislativo” (2017, p. 34).
Esse fenômeno ficou conhecido, no Brasil, como “ativismo judicial”.
Porém, o termo “ativismo judicial” surgiu muito antes, mais precisamente em
meados do ano de 1947, nos Estados Unidos, quando o historiador e crítico social Arthur M.
Schlesinger Jr. produziu um artigo para a revista Fortune, onde comentava sobre a maneira de
agir da Suprema Corte dos Estados Unidos no período de 1933 a 1937, em que o país passava
pela implementação de uma série de programas para apoiar àqueles que foram atingidos pela
Grande Depressão instaurada na época (DIAS, 2016, p. 1).
Assim, existiam duas linhas de atuação que a Suprema Corte Norte Americana
seguia na época do new deal. Segundo Dias (2016, p. 1),
31
A primeira linha entendia que a Suprema Corte podia desempenhar um papel de
efetivação de políticas para a promoção do bem-estar social com bases nas
concepções políticas dos juízes; e a segunda linha que defendia, basicamente, o
oposto, pregando uma postura de autocontenção judicial, deixando as políticas
públicas aos poderes eleitos pelo povo. A opção pela primeira linha foi intitulada de
ativismo judicial.
Muito embora o termo já tenha sido usado em outras oportunidades, no decorrer
dos anos, a sua essência principal continua sempre a mesma, qual seja, a de que o Poder
Judiciário deverá interferir quando um direito fundamental for ameaçado por omissão da lei
(DIAS, 2016, p. 1).
A aplicação do ativismo judicial no Brasil possui respaldo na Carta de Outubro.
Ferreira (2017, p. 1), ensina que,
A Carta de Outubro prevê em seu artigo 102 como órgão de cúpula do Poder
Judiciário o Supremo Tribunal Federal, formado por onze ministros, que é em sua
essência a última corte a se posicionar sobre uma questão, de onde emana a última
palavra, ou seja, a quem compete a decisão final. Nos últimos anos alguns casos
emblemáticos e difíceis têm chegado a apreciação do pretório excelso, situações que
exigem uma reflexão profunda e a ponderação de princípios constitucionais visando
a melhor solução ao caso concreto, o Juiz em face do princípio do non liquet, não
pode se furtar a decidir no processo judicial ao qual tem competência, acontece que
em muitas situações não há disponível um dispositivo jurídico que contemple uma
solução possível em sua totalidade, neste sentido não é razoável um magistrado ser
apenas um “soldado da lei” de forma a se restringir ao que nela está previsto de
maneira a ser um mero aplicador da norma.
Assim, quando o autor se refere aos “casos emblemáticos”, faz referência direta a
julgamentos que ocorreram no Brasil e tiveram grande repercussão social, como, por
exemplo, os julgamentos acerca da união estável entre casais do mesmo sexo, da ficha limpa,
da pesquisa com células tronco, etc. (DIAS, 2016, p. 1).
O ativismo judicial, então, é visto como uma atitude tomada pelo sistema
judiciário, na qual (no Brasil) o Supremo Tribunal Federal exerce uma interpretação
constitucional extensiva, para poder alcançar aquilo que foge a sua competência (EGGER,
2017, p. 35).
Contudo, essa nova flexibilização interpretativa trazida pelo
neoconstitucionalismo traz a ideia de quebra da tripartição de poderes, como explica Ferreira
(2017, p. 1), ao afirmar que
[...] ao utilizar do ativismo em suas decisões o juiz de certa forma inova no
ordenamento jurídico de forma a se aproximar de um fator sensível que é a
separação dos poderes, seria deste modo segundo uma parte da doutrina uma
extrapolação da competência do Poder Judiciário que não possui a função típica de
legislar [...].
Além disso, outros problemas como a legitimidade dos juízes para decidirem no
âmbito político (ausência de democracia), não permitindo que seja analisada a vontade
32
popular, o perigo de politização do judiciário, bem como a já citada interferência em outros
poderes, levam vários outros autores a recomendarem um uso moderado desse instrumento
para evitar episódios de insegurança jurídica (SALOMÃO, 2017, p. 1).
Em contrapartida, Salomão (2017, p. 1) traz dois dos principais pontos positivos
do uso do ativismo judicial. São eles:
a) a proteção contramajoritária, quando o Judiciário guarda e garante os direitos da
minoria que não lograria obtê-la no Parlamento; e b) a imposição de condutas ou
abstenções ao Poder Público em atuação proativa, no papel de guardião das políticas
públicas que envolvam direitos fundamentais.
Portanto, ainda que seja algo em favor dos direitos fundamentais, o ativismo
judicial é um instrumento delicado, que deve ser manipulado de forma contida, merecendo ser
avaliado em observância a questões já resolvidas (SALOMÃO, 2017, p. 1).
4 O ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL NO TOCANTEÀS
PENITENCIÁRIAS BRASILEIRAS
Os problemas que cercam o sistema prisional brasileiro estendem-se ao longo dos
anos e afetam diretamente os direitos fundamentais do cidadão, conforme demonstra o
primeiro capítulo deste trabalho. Fatores como a falta de estrutura dos presídios, a mistura de
presos de diferentes graus de periculosidade, bem como os elevados níveis de reincidência
culminaram na falência da chamada ressocialização (SARMENTO, 2015, p. 1).
Sobre as questões que abrangem o sistema prisional, comenta Sarmento que
As prisões brasileiras – que já foram descritas pelo Ministro da Justiça, sem nenhum
exagero, como “masmorras medievais” – são, em geral, verdadeiros infernos
dantescos, com celas superlotadas, imundas e insalubres, proliferação de doenças
infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água potável
e de produtos higiênicos básicos. Homicídios, espancamentos, tortura e violência
sexual contra os presos são frequentes, praticadas por outros detentos ou por agentes
do próprio Estado. As instituições prisionais são comumente dominadas por facções
criminosas, que impõem nas cadeias o seu reino de terror, às vezes com a
cumplicidade do Poder Público. Faltam assistência judiciária adequada aos presos,
acesso à educação, à saúde, à seguridade social e ao trabalho. O controle estatal
sobre o cumprimento das penas deixa muito a desejar e não é incomum que se
encontrem, em mutirões carcerários, presos que já deveriam ter sido soltos há anos.
Há mulheres em celas masculinas e outras que são obrigadas a dar à luz algemadas.
33
Neste cenário revoltante, não é de se admirar a frequência com que ocorrem
rebeliões e motins nas prisões, cada vez mais violentos (2015, p. 1).
Assim, princípios como o da dignidade da pessoa humana acabam lesados. Porém,
as violações não são exclusividade com relação à Constituição Federal, uma vez que tratados
internacionais e a própria Lei de Execução Penal também sofrem por conta do quadro caótico
instaurado no sistema prisional. Portanto, Sarmento (2015, p. 1) explica que
não faltam normas jurídicas garantindo o respeito aos direitos humanos dos nossos
presos. O que tem faltado ao Estado brasileiro, nos seus diversos poderes e
instâncias federativas, é a mínima vontade política para transpor do papel para a
realidade a promessa constitucional de garantia da dignidade humana do preso. É
que os presos constituem um grupo particularmente impopular na sociedade
brasileira, o que desestimula o sistema político e a burocracia estatal a “levarem a
sério” os seus direitos.
O estigma atrelado ao cidadão preso, segundo o autor, leva as engrenagens
políticas e judiciais (em sua maioria) a ignorar as violações frequentes dos direitos já citados
(SARMENTO, 2015, p. 1).
Contudo, o Supremo Tribunal Federal possui prerrogativas que podem ajudar a
superar esses problemas. Segundo Sarmento (2015, p. 1),
Há muito o que o STF pode fazer nesta questão, com base na Constituição. É
importante, por exemplo, fixar de uma vez por todas a possibilidade de imposição
jurisdicional de prestações positivas ao Estado nesta área, afastando as objeções de
ofensa à separação dos poderes, à discricionariedade administrativa e à reserva do
possível. Afinal, os direitos fundamentais de uma minoria não podem ficar sujeitos
aos juízos políticos dos governantes de plantão, especialmente quando está em jogo
a garantia do mínimo existencial.
Portanto, a incapacidade política em ater-se a essas questões, pode ser suprida por
ações diretas do STF, uma vez que é histórica a proteção que o referido órgão exerce às
minorias marginalizadas (SARMENTO, 2015, p. 1).
4.1 O ATUAL QUADRO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Como visto anteriormente, o sistema prisional está em crise severa, uma vez que
os problemas encontrados nesse setor voltam-se contra o próprio Estado. Para que possamos
entender melhor as deficiências que causam a crise no sistema prisional, é necessário fazer
uma divisão do conjunto de falhas funcionais e estruturais, uma a uma, analisando suas
características e fatores determinantes para sua incidência.
O primeiro problema, talvez o mais relevante, trata da superlotação carcerária. A
questão toma forma à medida em que se prende mais e solta-se menos, tornando a população
de presos provisórios a segunda maior população carcerária (NUCCI, 2017, p. 1).
34
De acordo com dados extraídos do Infopen, 33,01% da população carcerária é
constituída por presos em situação provisória (BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança
Pública, 2017b, p. 23).
Porém, a questão da superlotação não se limita à falha do sistema judiciário em
atender ao grande volume de demandas, uma vez que a maior população carcerária (45,78%,
segundo o Infopen) são de presos em regime fechado (BRASIL, Ministério da Justiça e
Segurança Pública, 2017b, p. 23).
Dessa forma, estabelece Nucci (2017) que
há que se ponderar os números superestimados de presos em sistema fechado;
muitos cálculos de pessoas detidas envolvem, irregularmente, os regimes semiaberto
e aberto, o que, por óbvio, é ilógico. Quem se encontra em colônia penal agrícola ou
industrial (semiaberto) não está sujeito a nenhuma espécie de superlotação insalubre
ou degradante.
Portanto, o autor explica que existe um número elevado de presos no regime
fechado, enquanto o regime semiaberto mostra-se uma opção mais viável e humana em
relação ao interno, exibindo maior eficácia no que diz respeito à recuperação do apenado, uma
vez que as colônias agrícolas ou industriais não possuem os mesmos problemas das
penitenciárias (higiene, estrutura, segurança...) (NUCCI, 2017, p. 1).
Ainda, por conta da má administração do Poder Executivo, muitas das colônias
agrícolas ou industriais não oferecem educação e nem atividade laboral ao interno, sendo que,
nesse regime, o detento tem a responsabilidade de sair do estabelecimento de manhã para
cumprir essas tarefas, retornando somente ao anoitecer. Isso na prática, torna o regime
semiaberto idêntico ao aberto (NUCCI, 2017, p. 1).
Portanto, Nucci (2017, p. 1) observa que “não é preciso ser especialista em direito
penal para concluir algo evidente: o semiaberto transmudou-se para aberto, na prática, em
incontáveis Comarcas brasileiras, muitas das quais eu visitei e assim constatei”.
Além do mais, ainda que menos gravosos em comparação ao regime fechado, os
regimes aberto e semiaberto possuem cálculos semelhantes aos do primeiro, tornando injusto
o cumprimento da pena, uma vez que os internos do regime aberto e semiaberto não sofrem
com os mesmos problemas encontrados nas penitenciárias (NUCCI, 2017, p. 1).
Assim, ainda há o problema com as casas do albergado, que não estão presentes
na maioria das comarcas. Para suprir essa carência, passou-se a utilizar o art. 117 da Lei de
Execuções Penais para todos os condenados no regime aberto, que poderão cumprir sua pena
em prisão domiciliar. Isso deixa ainda mais absurda e desigual a forma de cálculo utilizada no
35
atual sistema prisional, que mistura condenados dos regimes fechado, aberto e semiaberto
(BRASIL, LEP, 2019).
É importante mencionar que muitos estudos incluem presos que possuem
condenação em outro processo no número de presos provisórios, dando o entendimento de
que não se tratam de presos absolutos (NUCCI, 2017, p. 1).
Por fim, não é lógico concentrar a culpa em juízes que prendem muito, até porque
a maioria dos presos em regime fechado cometeram crimes hediondos, tais como matar ou
estuprar. Os problemas principais, aqui, estão na educação medíocre oferecida pelo Estado e
em políticas sociais falhas (NUCCI, 2017, p. 1).
A reincidência, por sua vez, é uma questão enfrentada no mundo todo, porém,
esse problema possui proporções gigantescas em nosso país. Seu conceito pode ser dado da
seguinte forma:
Reincidência genérica: considera a pessoa que comete mais de um ato criminal,
independentemente se há ou não condenação ou mesmo autuação. Ou seja, é o caso
de muitos presos provisórios, que passampelo sistema prisional, mas no fim acabam
sendo inocentados.
Reincidência legal: é o tipo de reincidência que aparece na Lei de Execução Penal
(LEP), que considera a condenação judicial por um crime no período de até cinco
anos após a extinção da pena anterior.
Reincidência penitenciária: ocorre quando um egresso retorna ao sistema
penitenciário após uma pena ou por medida de segurança. Ou seja, é quando uma
pessoa retorna ao sistema penitenciário após já ter cumprido pena em um
estabelecimento penal.
Reincidência criminal: é quando uma pessoa possui mais de uma condenação,
independentemente do prazo legal estabelecido pela legislação brasileira (SOUZA,
2017b, p. 1, grifo nosso).
Todavia, devido a possíveis confusões que podem ocorrer diante do número de
conceitos existentes, nesse trabalho será usado somente o conceito de reincidência legal.
Assim, de acordo com dados do Conselho Nacional de, fornecidos pelo Ipea, o
nível de reincidência do país chega a 70%. A pesquisa analisou o perfil de 936 apenados,
chegando à conclusão de que, em sua maioria, são jovens com idade entre 18 a 24 anos, do
sexo masculino (91,9% segundo dados do CNJ), que possuem baixa ou nenhuma
escolaridade. Contudo, a pesquisa identificou que a maioria possui ocupação, o que demonstra
que a questão tem muito mais a ver com a educação e com a formulação de políticas públicas
(CNJ, 2015, p. 11).
Também há que se observar que a legislação possui programas funcionais que
auxiliam o preso em sua recuperação, a exemplo disso temos a remição de pena pela leitura,
pelo trabalho e pelo estudo. Basta abrir a Lei nº 7.210 e verificar seu artigo 10, onde está
estabelecido que “é dever do Estado prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em
36
sociedade”, para perceber que não faltam dispositivos legais que garantem a recuperação do
preso (BRASIL, LEP, 2019).
Ocorre que a execução dessas medidas é prejudicada por conta do estado em que
se encontram os presídios, que não possuem mais infraestrutura para proporcionar o devido
tratamento aos internos (SOUZA, 2017a, p. 1).
E por falar em infraestrutura, chegamos nas questões acerca da saúde carcerária.
O Sistema Único de Saúde (SUS) determina que a saúde é um direito universal e que o Estado
deve provê-la gratuitamente a todos, sem distinção de qualquer tipo (BRASIL, Lei n. 8.080,
2019).
Assim, o cidadão que se encontra privado de sua liberdade também possui esses
direitos, porém, verifica-se que o dispositivo não é posto em prática, ou possui uma execução
desastrosa dentro dos estabelecimentos prisionais (ASSIS, 2017, p. 1).
Dessa forma, por conta da negligência higiênica, os internos são frequentemente
acometidos por doenças infecciosas, causadas por vírus, parasitas e bactérias, que se alastram
facilmente dentro das celas superlotadas (ASSIS, 2017, p. 1).
Ainda, doenças sexualmente transmissíveis, tais como a sífilis e o HIV, mostram-
se presentes na maioria desses locais, culminando num grande número de presos mortos pela
falta de tratamento (ASSIS, 2017, p. 1).
Assim, segundo Moraes (2015, p. 72),
o contágio das doenças infecciosas ocorre no sistema prisional devido a alguns
fatores relacionados ao próprio encarceramento, tais como: celas superlotadas, mal
ventiladas e com pouca iluminação solar; exposição frequente à microbactéria
responsável pela transmissão da tuberculose; falta de informação e dificuldade de
acesso aos serviços de saúde na prisão.
Portanto, essa questão remete diretamente à negligência Estatal em não cumprir o
que está disposto na lei, submetendo esses cidadãos “que estão sob sua custódia a condições
subumanas, cruéis, degradantes e vexatórias” (ASSIS, 2017, p. 1).
No mesmo sentido, comenta Assis (2017, p. 1) que
Diante desse cenário deprimente, é possível falar em reintegração social? Como o
Estado está preparando estes seres humanos para o retorno a vida em sociedade? O
que podemos fazer enquanto coletivo humano para reverter essa dramática situação
de violação de direitos?
O comentário da autora deixa implícito, mas perceptível, o desinteresse do Estado
na formulação de políticas públicas para melhorar a situação dos cárceres (ASSIS, 2017, p. 1).
37
Cremos, contudo, que a falta de apoio estatal também tem a ver com a falta de
apoio da sociedade, uma vez que a maioria das pessoas sentem aversão quando o assunto trata
de pessoas presas (BARRUCHO; BARROS, 2017, p. 1).
Por fim, outro problema recorrente em relação aos presídios é a falta de uma
administração competente, basta ver a selvageria instaurada dentro das celas em meio às
frequentes rebeliões. As condições insalubres, bem como a própria superlotação também são
frutos dessa má administração, que gasta menos do que deveria com o sistema prisional
(BARRUCHO; BARROS, 2017, p. 1).
Assim, conforme matéria disponibilizada pelo site “O globo”,
Nos últimos dias de 2016, o governo federal distribuiu R$ 1,2 bilhão do Fundo
Penitenciário Nacional (Funpen) aos estados, por determinação do Supremo
Tribunal Federal (STF). Passados dez meses e três massacres de grandes proporções
que deixaram ao menos 130 mortos nos presídios, somente 1,1% do montante —
cerca de R$ 13,2 milhões — foi investido pelas administrações estaduais (MARIZ,
2017, p. 1).
Extrai-se do levantamento que cada estado ganhou um montante de R$ 44,7
milhões, fracionados em três contas, cada uma com destinação diferente, onde a primeira era
voltada para construções, a segunda para custeio e a terceira para aparelhamento (MARIZ,
2017, p. 1). Porém, somente alguns estados conseguiram investir o dinheiro das três contas,
demonstrando uma dificuldade por falta de políticas públicas, criando questões burocráticas
que retardam o processo de investimentos (MARIZ, 2017, p. 1).
Portanto, o estudo revela que o ponto crucial para melhorar o quadro estrutural
está na elaboração de novas políticas, que facilitem os procedimentos tomados pelos estados
em benefício do sistema prisional. Ocorre que os estados entram em conflito com a União
quando o assunto trata de políticas públicas, muitas vezes gerando uma lide entre os dois
atores públicos. O tópico a seguir busca explicar melhor essa questão.
4.2 DEMANDAS ESTRUTURAIS
As falhas estatais e estruturais derivam da falta de articulação entre os três
poderes. Por exemplo, no caso orçamentário descrito no tópico anterior, onde os estados
culpam a federação por fazer exigências técnicas excessivas para aprovação de políticas
públicas, ao passo que a Federação culpa os estados por não possuirem políticas públicas
suficientes. Essa discussão girou em torno do pedido de descontingenciamento de bilhões de
reais do Fundo Penitenciário Nacional, na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº 347 (ESTADO..., 2015).
38
E é dessa forma que surgem as demandas estruturais, no caso acima, por conta do
interesse patrimonial da União entrar em conflito com os direitos fundamentais dos
presidiários. Assim, a falha estrutural dá origem à demanda estrutural, que busca sanar os
problemas estruturais por meio judicial. Cabe estabelecer que esse conflito possui um objetivo
maior, mais do que simplesmente satisfazer os pedidos de uma das partes, uma vez que o
assunto tem vínculo com o cumprimento de um preceito estabelecido constitucionalmente
(ESTADO..., 2015).
Esses tipos de demandas tiveram início nos Estados Unidos, “a partir do
julgamento do caso Brown vs. Board of Education of Topeka, em 1954, célebre caso que
decidiu sobre a segregação racial no sistema de ensino no sul dos Estados Unidos”
(DANTAS, 2016, p. 156).
Porém, devido à resistência que a Suprema Corte dos Estados Unidos enfrentou
diante dos cidadãos conservadores do sul, por conta das mudanças sociais causadas pela
sentença que extinguiu o termo “esqual but separated” (igual mas separado), boa parcela dos
estudantes negros ainda eram obrigados a frequentar instituições de ensino segregadas
(DANTAS, 2016, p. 156).
Foi somente em meados de 1971, na decisão do caso Swan vs.

Continue navegando