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VI – MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO Ivo Ribeiro da Silva1/ & Eduardo de Sá Mendonça1/ 1/ Departamento de Solos, Universidade Federal de Viçosa – UFV. CEP 36570-000 Viçosa (MG). Bolsistas do CNPq. ivosilva@ufv.br; esm@ufv.br Conteúdo CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................................................................................................... 276 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................ 276 COMPARTIMENTOS DA MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO ........................................................................... 281 Matéria Orgânica Viva ................................................................................................................................................ 281 Matéria Orgânica não-Vivente .................................................................................................................................. 285 ROTAS DE FORMAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DAS SUBSTÂNCIAS HÚMICAS ................................... 293 Características Químicas e Estruturais das Substâncias Húmicas ................................................................. 296 ESTABILIZAÇÃO DA MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO ................................................................................. 305 Dinâmica e Tamanho dos Compartimentos ......................................................................................................... 305 Mecanismos de Estabilização ................................................................................................................................... 309 Estabilização Química ou Coloidal ..................................................................................................................... 309 Estabilização Física ................................................................................................................................................. 312 Estabilização Bioquímica ....................................................................................................................................... 313 Aspectos Estruturais e Moleculares da Matéria Orgânica Estabilizada ........................................................ 315 PROPRIEDADES DO SOLO INFLUENCIADAS PELA MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO .................... 319 Propriedades Químicas .............................................................................................................................................. 319 Poder Tampão .......................................................................................................................................................... 319 Capacidade de Troca Catiônica ........................................................................................................................... 321 Complexação de Metais ......................................................................................................................................... 322 Características Físicas do Solo .................................................................................................................................. 329 Agregação .................................................................................................................................................................. 329 Retenção de Água .................................................................................................................................................... 335 Propriedades Biológicas do Solo .............................................................................................................................. 337 Reserva Metabólica de Energia ............................................................................................................................. 337 COMPARTIMENTOS E DECOMPOSIÇÃO DE NUTRIENTES EM FORMA ORGÂNICA ......................... 337 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................................... 355 AGRADECIMENTOS ..................................................................................................................................................... 356 LITERATURA CITADA ................................................................................................................................................ 357 SBCS, Viçosa, 2007. Fertilidade do Solo, 1017p. (eds. NOVAIS, R.F., ALVAREZ V., V.H., BARROS, N.F., FONTES, R.LF., CANTARUTTI, R.B. & NEVES, J.C.L.). FERTILIDADE DO SOLO 276 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA CONSIDERAÇÕES INICIAIS No presente capítulo, pretendeu-se fazer uma introdução sobre os aspectos básicos relacionados com gênese, composição e contribuição da matéria orgânica do solo para a fertilidade química e física do solo. Considerando a natureza abrangente do assunto e, especialmente, os objetivos propostos, alguns temas importantes tiveram de ser deixados de fora. Um destes foi o manejo da matéria orgânica do solo, principalmente em solos tropicais, merecedor de um capitulo à parte. A matéria orgânica do solo, sempre pouco estudada e pouco conhecida pelos cientistas de solo, felizmente, tem merecido atenção considerável das pesquisas, particularmente na última década. Muitos aspectos fundamentais estão começando a ser descobertos e mais bem compreendidos. O grande volume de informação disponível sobre os diferentes assuntos reflete esses avanços. No presente capítulo, abordou-se, inicialmente, os compartimentos globais de carbono (C) e as frações da matéria orgânica do solo, passando então pelos aspectos de gênese, composição e estrutura de substâncias húmicas, mecanismos de estabilização, efeitos da matéria orgânica em algumas características químicas, físicas e biológicas do solo. Finalmente, foram discutidos alguns aspectos relacionados com as formas orgânicas de N, P e S do solo. Procurou-se, sempre que possível, incluir exemplos baseados em resultados de pesquisas para solos brasileiros. Infelizmente, dadas as limitações de espaço, nem todas as pesquisas pertinentes puderam ser mencionadas. INTRODUÇÃO O solo é um compartimento terrestre que apresenta grande dinamismo em seus constituintes e está intimamente ligado às características e aos processos que ocorrem na atmosfera, hidrosfera, litosfera e biosfera (Figura 1). A fase sólida é constituída da fração mineral e orgânica. A fração orgânica corresponde à matéria orgânica do solo (MOS), constituída basicamente por C, H, O, N, S e P. O C compreende cerca de 58 % da MOS, H 6 %, O 33 %, enquanto N, S e P contribuem com cerca de 3 %, individualmente. Figura 1. O solo (pedosfera) como componente integrador do ciclo do carbono entre as quatro esferas fundamentais: biosfera, litosfera, hidrosfera e atmosfera. FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 277 Os teores de C em formas orgânicas (C orgânico) do solo estão diretamente ligados à sua interação com a biosfera. Por meio dos produtos da fotossíntese (6CO2 + 6H2O + energia → C6H12O6 + 6O2), grande parte do C entra no solo. A fotossíntese, realizada pelos organismos autotróficos, é um processo muito importante para manter o equilíbrio de CO2 na atmosfera e o ciclo do C na Terra. Estima-se que a produção primária total (PPT) global de C pelo processo de fotossíntese seja cerca de 120 Gt ano-1 de C (1 Gt = 109 t). Em razão das perdas por meio do processo de respiração das plantas, tem-se a produção primária líquida (PPL), que, em termos globais, é estimada em 60 Gt ano-1 de C, metade da PPT. A PPL corresponde à produção líquida de material orgânico pelas plantas, fonte primária de energia para os demais organismos heterotróficos até tornar-se parte integrante da MOS. A entrada de C no solo está relacionada, principalmente, com o aporte de resíduos da biomassa aérea e radiculardas plantas, liberação de exsudados radiculares, lavagem de constituintes solúveis da planta pela água da chuva e transformação desses materiais carbonados pelos macro e microrganismos do solo. Todos esses processos fazem parte da biosfera (Quadro 1). No ambiente de tundra, caracterizado por temperaturas extremamente baixas e negativas na maior parte do ano, a relação C vegetação/C solo é extremamente pequena (0,08), quando comparada com o ecossistema tropical (aproximadamente 1), caracterizado por temperaturas elevadas, próximas de 35–40 °C. Esses números ilustram a dinâmica mais rápida do C em ecossistemas tropicais. Eles também apontam para a fragilidade desse sistema caso sejam realizadas alterações em sua cobertura vegetal, visto que a produtividade do sistema é muito dependente das alta taxas de ciclagem do C. Em termos globais, o C está armazenado nos seguintes compartimentos: oceânico (38.000 Pg) (1 Pg = 1015 g); compartimento geológico – principalmente petróleo, gás natural e carvão mineral (5.000 Pg); biosfera, que corresponde ao solo (2.500 Pg) + biota terrestre (620 Pg); e o compartimento atmosférico (760 Pg) (Lal, 2004). O solo é o maior reservatório Densidade de C Estoque Bioma Área Vegetação Solo Vegetação Solo Tempo de ciclagem (t½) Mha(3) ___ Mg(1) ha-1 ____ _________ Pg(2) _________ Ano Tundra 927 9 105 8 97 2.080 Boreal/Taiga 1.372 64 343 88 471 16 Temperada 1.038 57 96 59 100 - Tropical 1.755 121 123 212 216 6 Solos Inundados 280 20 723 6 202 - Média 54 189 Total 5.672 373 1.086 (1.500*) Quadro 1. Estoque de carbono em diferentes ecossistemas terrestres (1) Mg (Mega grama) = 106 g. (2)Pg (Peta grama) = 1015 g. (3)Mha = 106 ha. Fonte: Bolin (1983); Lal (2004). *Janzen (2006). FERTILIDADE DO SOLO 278 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA de C do ecossistema terrestre. Estimativas mais recentes indicam que cerca de 1.500 Pg de C estejam armazenados na MOS até 1 m de profundidade (Janzen, 2006). No Brasil, estima-se que os estoques de C orgânico na camada de 0–30 cm de profundidade totalizem 36,4 3,4 Pg de C, considerando-se todos os solos sob condições de vegetação nativa (Bernoux et al., 2002). Esse acumulo é possível, em grande parte em solos minerais pelo fato de o C estar associado a formas estáveis da MOS. Essas formas podem ter meia (t1/2) vida de séculos até milênios. Vale destacar que mudanças nos estoques de C do solo podem levar a alterações significativas nos teores de C–CO2 na atmosfera, que está, também, intimamente relacionada com os processos que ocorrem na biosfera e na hidrosfera. Entretanto, o equilíbrio entre as esferas (Figura 1) tem sido alterado, com a elevação da concentração de CO2 na atmosfera, desde a Revolução Industrial, levando à intensificação do chamado efeito estufa. Nos países menos industrializados, como o Brasil, mudanças no uso da terra, tais como: a substituição das áreas com vegetação nativa por áreas de cultivo mais intensivo, o freqüente uso de queimadas e o preparo intensivo do solo têm levado a perdas rápidas da MOS e contribuído, substancialmente, para aumentar a emissão dos gases de efeito estufa, principalmente de CO2 e CH4. Estima-se que as perdas globais de C orgânico nos solos cultivados já atingiu 50 Pg C (Janzen, 2006). Estimativas para os solos brasileiros indicam que as perdas de CO devido as atividades antrópicas, até 1995, sejam da ordem de 2 Pg de C, perdidos da camada de 0–30 cm de profundidade (Bernoux et al., 2005). No entanto, somente entre 1990 e 2000 a intensificação das atividades agropecuárias levou a emissões de C-CO2 da ordem de 7,2 Pg de C (Bernoux et al., 2005). O ciclo hidrológico influencia diretamente a dinâmica de C na Terra. Os oceanos são os grandes responsáveis pelo tamponamento da concentração de C–CO2 na atmosfera. A percolação de água pelo perfil do solo possibilita a entrada de C orgânico dissolvido (operacionalmente definido como a fração menor que 0,45 μm) para as camadas mais profundas. O aumento do carbono orgânico solúvel do solo (COS) está diretamente ligado ao incremento no teor total de C orgânico total (COT), o que é demonstrado pela equação, COS = 37,28 + 3,02 COT, R2 = 0,63 (n = 27; p < 0,001) (Ciotta et al., 2004). A percentagem de COT associado à forma de C orgânico solúvel variou de 0,15–0,59 %, na camada de solo de 0–10 cm, e de 0,08–0,74 %, na camada de 10–30 cm em Latossolos e Argissolos, conforme Mendonça et al. (2001). Quando não são mineralizados ou retidos nos horizontes subsuperficiais, esses compostos orgânicos podem ser incorporados a corpos d’água da superfície (ex: rios e lagos). Essa movimentação de compostos orgânicos desempenha papel importante em vários processos, como a mobilização de Fe e Al na forma de complexos organometálicos de horizontes superficiais para horizontes mais profundos, contribuindo para a gênese de horizontes espódicos (Jansen et al., 2003; Dias et al., 2003). A movimentação de Ca para camadas subsuperficiais de calcário aplicado em superfície, via complexação com ácidos orgânicos de baixa massa molecular (Franchini et al., 1999), é outra implicação prática da mobilidade vertical de compostos orgânicos dissolvidos no solo. Em razão das altas concentrações de N2 (78 %) na atmosfera, grande parte do N no solo é decorrente da fixação biológica do N2 pelos microrganismos, simbióticos ou não, FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 279 que compõem a microbiota do solo. Como será discutido com mais detalhe posteriormente, o N é um dos elementos com papel fundamental na dinâmica da MOS. Existem poucas estimativas para os teores e estoques de C para as diferentes classes de solos brasileiros. A área de abrangência dos Latossolos representa cerca de 40 % do território brasileiro (> 3.310.000 km2) (Schaefer, 2001), com conteúdo médio de C variando de 6–13 kg m-2, para os LA, 7,5–11 kg m-2, para os LE, 6,8–8,8 kg m-2, para os LVA, e 30,16–15, 78, para os LH, para os horizontes A e B, respectivamente (Andrade et al., 2004). O estoque de MOS nos horizontes B dos Latossolos variou de 42–76 % do C total do solo, ilustrando a grande contribuição do horizonte B em estocar C. A amplitude de variação dos dados confirma a influência do clima regional, o tipo de vegetação predominante e o uso da terra sobre os estoques de C do solo. A alteração da rocha pelos diversos processos de intemperismo acarreta liberação de nutrientes da litosfera para a pedosfera. São esses nutrientes que serão absorvidos pelas plantas e incorporados aos compostos orgânicos que, mais tarde, poderão retornar ao solo e serem incorporados aos diferentes compartimentos da MOS. Grande parte dos nutrientes que constituem a MOS é proveniente da litosfera. As características físicas das rochas irão, também, definir a textura do solo, que tem efeito marcante sobre seus teores de C. Sob condições ambientais semelhantes, solos com textura mais argilosa geralmente apresentam maior teor de C. Essa influência está ligada à capacidade da MOS em formar diferentes tipos de ligações com partículas com elevada superfície específica, tais como as frações argila e silte, favorecendo a proteção coloidal da MOS. Essa relação positiva entre os teores de silte + argila e o teor de C orgânico foi demonstrada para vários Latossolos da região Noroeste de Minas Gerais (Zinn et al., 2005). Esse mecanismo de proteção é mais atuante em camadas mais superficiais, onde a incorporação de resíduos vegetais é maior e os processos de decomposição da MOS são mais ativos (Figura 2). Em solos mais arenosos, as perdas de C orgânico solúvel também são maiores, especialmente em regiões com elevado índice pluvial. Além disso, nos solos mais argilosos, a floculação das argilas e a formação de agregados estáveis são favorecidas. Como conseqüência, ocorre a proteção física proporcionada pela oclusão da MOS dentro dos agregados, dificultando ou impedindo o acesso aos microrganismos e suas enzimas, e em microporos onde até mesmo o fluxodifusivo de O2 é dificultado, resultando na maior preservação da MOS. Adicionalmente, as características químicas das rochas, combinadas com os demais fatores de formação do solo, terão influência sobre a mineralogia da fração argila do solo. Estudos têm demonstrado que os minerais do solo, considerando as diferenças em superfície específica e tipo de grupamentos reativos, oferecem possibilidades distintas de interação com a MOS (Wattel-Koekkoek et al., 2001; Wattel-Koekkoek & Buurman, 2004). As transformações do C do solo compreendem, essencialmente, duas fases: fase de fixação do C–CO2 e fase de regeneração. A fixação do C–CO2 atmosférico é efetuada pelos organismos fotossintéticos – plantas, algas e bactérias autotróficas. Esta fixação finaliza-se na síntese de compostos hidrocarbonados de complexidade variável: amidos, hemiceluloses, celuloses, ligninas, proteínas, óleos, ácidos nucléicos e outros polímeros. Estes compostos retornam ao solo com os resíduos vegetais e são utilizados pelos organismos que regeneram o C–CO2 durante as reações de oxidação respiratória, utilizando a energia que lhes é indispensável para a manutenção e crescimento. A FERTILIDADE DO SOLO 280 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA multiplicação dos microrganismos estimulada pela maior disponibilidade de substrato resulta no incremento da biomassa microbiana, que resulta em imobilização temporária do C. A segunda fase, de regeneração, correspondente às diferentes etapas de decomposição das substâncias carbonadas por meio da atuação dos microrganismos do solo. A decomposição caracteriza-se pela quebra das estruturas e mineralização, via quebra das formas orgânicas mais complexas em compostos orgânicos mais simples e elementos minerais. Assim, o teor de COT depende, essencialmente, do aporte e do processo de decomposição/mineralização da MOS. Em contraste ao processo de degradação, ocorre, concomitantemente, o processo de preservação, com alterações nos resíduos orgânicos, originando compostos coloidais relativamente estáveis, com alto tempo de residência médio – as substâncias húmicas. Esse processo é chamado de humificação. A humificação da MOS é influenciada por todos os compartimentos terrestres, podendo ocorrer no solo sob diversas rotas ao mesmo tempo (esse assunto será abordado com mais detalhe posteriormente). A predominância de uma rota sobre outra é decorrente da combinação dos fatores ambientais, que podem ser influenciados pela ação antrópica. Os materiais orgânicos que entram no solo, advindos do ambiente, das rotas de decomposição/mineralização e humificação, bem como interações dos compostos orgânicos com a fração mineral, resultam na formação de uma MOS heterogênea. Dada essa complexidade, para facilitar seu estudo e melhor compreender sua dinâmica, a MOS pode ser dividida em diferentes compartimentos que se distinguem entre si quanto à função, natureza, reatividade, distribuição espacial, biodisponibilidade, dentre outros (Stevenson, 1994). Uma divisão mais geral pode ser feita separando-a em dois componentes: matéria orgânica viva e não-vivente. Figura 2. Relação entre o teor de carbono orgânico com os teores de silte + argila de camadas de solo em diferentes profundidades. Os dados são de uma seqüência de solos de textura variada na região Noroeste de Minas Gerais. Fonte: Zinn et al. (2005). FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 281 Assim, o conceito de MOS incorpora vida e dinamismo. Diante disso, a tendência é que os estudos tornem-se cada vez mais refinados e passem a basear também na quantificação e caracterização do C das substâncias e compartimentos da MOS, indo além de um componente químico do solo que, constantemente, é relacionado com o teor de COT determinado nos laboratórios de fertilidade do solo. COMPARTIMENTOS DA MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO Num sentido bem amplo, a MOS pode ser entendida como a fração que compreende todos os organismos vivos e seus restos que se encontram no solo, nos mais variados graus de decomposição. Em algumas situações, até mesmo os resíduos vegetais na superfície do solo são tidos como componentes da MOS (Stevenson, 1994). No entanto, mais freqüentemente e, em especial no manejo da fertilidade do solo, a MOS é considerada como sendo a fração não-vivente, representada especialmente pelas frações orgânicas estabilizadas na forma de substâncias húmicas. Matéria Orgânica Viva Corresponde ao material orgânico associado às células de organismos vivos que se encontra temporariamente imobilizado (dreno), mas que apresenta potencial de mineralização (fonte). A matéria orgânica viva raramente ultrapassa 4 % do COT do solo e pode ser subdividida em três compartimentos: raízes (5–10 %), macrorganismos ou fauna do solo (15–30 %) e microrganismos (60–80 %). Apesar de representar baixo percentual da matéria orgânica, essa fração é muito importante no processo de transformação dos compostos orgânicos do solo. As raízes atuam diretamente como fonte de C orgânico, uma vez que diferentes espécies vegetais imobilizam temporariamente C em sua biomassa radicular, retornando- o ao solo por ocasião da sua senescência. Dependendo da espécie, quantidades grandes de C podem ser adicionadas em profundidade. Em algumas espécies, as raízes finas (< 2 mm de diâmetro) apresentam teores elevados de compostos orgânicos mais resistentes à degradação (Ex.: lignina). Esses teores podem ser mais elevados que nas raízes grossas, e até mesmo na própria parte aérea (Rasse et al., 2005). Indiretamente, as raízes contribuem com a exsudação de uma série de compostos orgânicos, os quais imediatamente vão constituir, em parte, o compartimento da MOS morta (substâncias não-húmicas). Em torno de 30–60 % do C fixado fotossinteticamente por plantas é, anualmente, translocado para as raízes, dos quais cerca de 70 % podem ser liberados na rizosfera (Neumann & Romheld, 2001). Estimativas recentes indicam que, em culturas anuais, como o milho, a contribuição do sistema radicular para a MOS é maior que a da parte aérea (Allmaras et al., 2004). Os componentes que constituem a MOS viva, macro e microrganismos e raízes, são parte integrante dos processos biológicos, mineralização, imobilização e formação das FERTILIDADE DO SOLO 282 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA substâncias húmicas. Os organismos do solo podem ser classificados quanto à sua funcionalidade, utilizando critérios de taxonomia, tamanho, tempo de residência no solo, habitat, forma de locomoção e nutrição. Quando se utiliza o critério de tamanho dos seus componentes, podem ser separados em microflora (microrganismos), microfauna (< 0,2 mm), mesofauna (0,2–10 mm) e macrofauna (> 1 mm). Em geral, os organismos de menor tamanho encontram-se em maior quantidade no solo. Os microrganismos são representados, principalmente, pelas bactérias, fungos, actinomicetos e algas, sendo os vírus componentes submicroscópicos e os protozoários os componentes da microfauna do solo. A mesofauna pode ser representada pelas colêmbolas e ácaros; e a macrofauna pelos anelídeos, térmitas, isópteros e coleópteros. Alguns organismos podem se situar em mais de uma classe, como os nematóides, que podem ser incluídos tanto na micro como na mesofauna. As funções de destaque da fauna do solo na transformação dos compostos orgânicos são: redução do tamanho do material orgânico (resíduo); separação dos componentes do material orgânico; mistura dos componentes orgânicos e inorgânicos; formação e manutenção dos poros do solo; regulação e dispersão da microflora no solo. Dependendo da forma de alimentação – fitófagos, saprófagos e carnívoros –, os organismos têm funções diferenciadas. A ação de misturar e deslocar o material orgânico e mineral do solo da superfície e do subsolo pela fauna é fundamental na dispersão de nutrientes ao longo do perfil de solo. Alguns organismos (térmitas e anelídeos, dentre outros) têm grande capacidade de concentrar nutrientesnos ninhos. A comparação entre as características químicas de excrementos de minhoca em amostras de um Latossolo Vermelho-Escuro álico sob cultivo de Eucalyptus grandis (Quadro 2) permitiu observar diminuição do pH, da saturação por Al e incrementos dos cátions trocáveis (Ca2+, Mg2+), dos teores disponíveis de K e P, da CTC e do COT. Portanto, pode-se inferir sobre a grande capacidade das minhocas em alterar a ciclagem da MOS e dos nutrientes no solo, em razão da composição de seus excrementos (Quadros et al., 2002). Amostra pH (CaCl2) Al3+ Ca2+ Mg2+ Na+ K+ CTCpH 7,0 P(1) C m _____________________ mmolc kg -1 ______________________ mg kg-1 g kg-1 % Excremento 3,4 20,5 12,5 10,0 0,6 1,8 45,4 19 33,1 45 Profundidade (cm) 0–5 4,1 7,5 1,0 1,0 0,2 0,6 10,3 17 11,7 73 5–10 4,1 6,0 0,5 2,0 0,1 0,4 9,0 6 13,2 67 10–20 4,2 6,5 0,5 1,0 0,1 0,4 8,4 3 12,4 77 20–30 4,2 5,5 0,5 1,5 0,1 0,3 7,9 3 8,6 70 Quadro 2. Dados médios das características químicas dos excrementos de minhoca e do solo em diferentes profundidades sob Eucalypitus grandis, com três anos de idade (1) Extrator: Mehlich-1. Fonte: Quadros et al. (2002). FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 283 Carbono orgânico Nitrogênio total Contribuição relativa Biomassa microbiana cm g kg-1 g kg-1 % mg kg-1 de C Litter 305,0 16,00 76 4.600 0-23 19,3 1,46 49 166 23-46 7,6 0,86 36 49 46-69 6,2 0,78 29 35 69-91 3,5 0,53 28 11 A redução do tamanho do material orgânico leva ao aumento da superfície de contato, favorecendo a ação dos microrganismos no processo de decomposição/ mineralização do material aportado ao solo e na transformação da MOS e, conseqüentemente, na formação das substâncias húmicas. A fauna do solo é grandemente influenciada por fatores, como clima, disponibilidade de nutrientes, pH, cobertura do solo, sistema de manejo (Mussury et al., 2002; Cole et al., 2005; Merlim et al., 2005; Irmler, 2005) os quais terão grande impacto sobre a taxa de mineralização de C orgânico e nutrientes, alterando os teores de MOS. Dessa forma, a ação antrópica, alterando o ambiente para atender a suas demandas, resulta em grandes alterações, de curto e longo prazo, nos organismos. Em amostras de serapilheira e solo sob floresta natural (preservada e não preservada) na região Norte Fluminense, obtiveram-se maiores valores de densidade e riqueza de fauna, quando comparados a povoamento de eucalipto e pasto (Moço et al., 2005). Quando as condições ambientais são favoráveis, por exemplo, após a adubação e irrigação do solo, o tamanho e a atividade da população dos organismos podem ser aumentados rapidamente, fazendo com que haja grande flutuação em curtos períodos ao longo do ano. A biomassa microbiana (BM) é a principal constituinte da MOS viva. Cerca de 1–3 % do COT em solos tropicais está associado a BM. Atua como agente decompositor e como reserva lábil de C e nutrientes e no fluxo de energia no solo. Há tendência de a BM ser maior em camadas mais superficiais pela maior disponibilidade de matéria orgânica, água e outros nutrientes (Quadro 3). Os microrganismos, para a obtenção de nutrientes e energia, têm ação predominante nos processos de oxidação, redução e complexação de compostos orgânicos e minerais do solo (Quadro 4). Esses processos, por sua vez, influenciam o ciclo dos nutrientes, principalmente N, P e S, e a forma e concentração destes nos diferentes compartimentos do solo, alterando sua disponibilidade para as plantas e a mobilidade no solo. Dessa forma, esses processos afetam a qualidade do solo, da água e do ar, visto que muitos dos produtos podem ser carreados para corpos d’água ou, ainda, volatilizados para a atmosfera. Quadro 3. Teor de carbono, nitrogênio, biomassa microbiana e contribuição relativa dos microrganismos ao longo do perfil do solo Fonte: Castelazzi et al. (2004). FERTILIDADE DO SOLO 284 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA A contribuição da microbiota do solo na ciclagem de nutrientes, imobilizados em sua biomassa, pode ser predita por meio de suas proporções em relação às formas totais desses nutrientes. A percentagem de contribuição do N–BM e P–BM, em relação aos totais de N e P, variou de 0,93 a 1,8 % e de 4,8 a 7,6 %, respectivamente, em solos de ecossistemas florestais (Devi & Yadava, 2006). O S-BM representa de 1-3 % do S em formas orgânicas (S orgânico) (Moreira & Siqueira, 2002). Assim como a relação C:N, as relações C:P, C:S e P:S da biomassa microbiana podem ser utilizadas para indicar como esta influencia a disponibilidade de P e S no solo. As relações mais estreitas podem resultar em maior mineralização desses nutrientes, enquanto relações mais largas podem levar à imobilização dos mesmos. He et al. (1997) obtiveram relações C:P, C:S, e P:S que variaram de 9 a 276:19, 50 a 149:1 e 0,3 a 14:1, respectivamente, variável com a estação do ano e adubação. O C associado à biomassa microbiana (C-BM) representa um dos compartimentos da MOS com menor tempo de ciclagem. A BM responde rapidamente às práticas que levam ao decréscimo ou acréscimo da MOS. Esse fato foi observado por Matsuoka et al. (2003) em um Latossolo Vermelho-Amarelo com cultura perene (videira) e anual (soja). Essas áreas, uma vez comparadas à área de vegetação natural (Cerradão), apresentaram redução média no C-BM de 70 %, enquanto a redução dos teores totais de MOS foram de, no máximo 47 %, refletindo maior dinâmica da BM, ocasionada pela alteração da cobertura vegetal. Em áreas reflorestadas, ocorreu recuperação lenta e contínua do COT com o tempo; entretanto, a BM e os atributos relacionados com sua atividade, medidos pela respiração (C–CO2 evoluído) e quociente metabólico, responderam a curto prazo às alterações da cobertura vegetal do solo (Quadro 5). Produto Formação/propriedades CO2 Formado pela decomposição/mineralização de compostos orgânicos por organismos heterotróficos aeróbios; essencial no processo de fotossíntese; gás de efeito estufa. CH4 Formado pela decomposição/mineralização de compostos orgânicos por organismos anaeróbios; estável na ausência de O2; em condições aeróbias, é utilizado por bactérias metanotróficas; gás de efeito estufa. NH3 Formado durante a amonificação; NH4 + é formado no ambiente solo; utilizado pelos microganismos e plantas; é prontamente oxidado para NO3 - em solos bem aerados e umedecidos. NO3 - Formado durante a nitrificação; utilizado pelos microrganismos aeróbios e anaeróbios e pelas plantas; efeito sobre a qualidade da água. N2O Formado durante a nitrificação e decomposição/mineralização anaeróbia de compostos orgânicos; utilizado pelos microrganismos; gás de efeito estufa; redução da camada de ozônio. SO4 2- Formado pela decomposição/mineralização aeróbia de compostos orgânicos; utilizado pelos microrganismos aeróbios e anaeróbios e pelas plantas. H2S Formado pela decomposição/mineralização anaeróbia; utilizado como substrato pelos microrganismos. Quadro 4. Alguns produtos finais da decomposição/mineralização e suas transformações no solo Fonte: adaptado de Baldock & Nelson (1999). FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 285 A influência da BM na disponibilidade de P foi avaliada em Latossolo Vermelho- Amarelo submetido a diferenciados sistemas de manejo (sistema plantio direto-SPD, plantio convencional-PC) e plantas de cobertura. No SPD com dois anos de implantação, o P–BM foi, em média, de 11,4 μg g-1, significativamente superior ao P–BM no PC, o qual foi, em média, de 8,3 μg g-1 de C. No SPD com seis anos de implantação, houve efeito da cultura de cobertura: o cultivo de nabo forrageiro em comparação ao milheto resultou em redução no P–BM. A população de fungos solubilizadores de fosfato foi maior na área cultivada com guandu (Cajanus cajan) e nabo forrageiro. A maior população de bactérias solubilizadoras de fosfato foi constatada na área plantada com guandu. Na área de vegetação nativa, tomada como referência, a atividade da fosfatase ácida foi mais elevada que em todas as áreascultivadas (Carneiro et al., 2004). Uma vez que a MOS constitui-se na fonte energética dos organismos, além da quantidade, comumente alterada pelas práticas de manejo, a qualidade do material orgânico adicionado, influenciada pelas diversas espécies que compõem o sistema, terá forte influência no tamanho da população e na atividade dos organismos do solo, de modo a influenciar diferentemente a ciclagem dos nutrientes no solo. Pelo fato de a atividade e a diversidade dos microrganismos do solo dependerem, também, de outros fatores, tais como umidade e temperatura, esta fração pode ser utilizada como índice de aferição da qualidade do solo. Matéria Orgânica não-vivente A matéria orgânica não-vivente contribui, em média, com 98 % do C em formas orgânicas (C orgânico) total (COT) do solo, podendo ser subdividida em matéria macrorgânica (3–20 %) e húmus. O húmus é um compartimento que consiste de substâncias húmicas (70 %) e não-húmicas (30 %). Outro compartimento que tem recebido atenção mais recentemente é aquele composto por carvão, originado da queima (natural ou antrópica) de resíduos vegetais. Essa última fração pode assumir maior importância em ecossistemas como os Cerrados, em que o fogo é um componente presente há milhões de anos. Época Biomassa microbiana Carbono Respiração basal Fluxo de CO2 QM(1) C/N Ano mg kg-1 de C no solo g kg-1 �g g-1 dia-1 C–CO2 solo mL min -1 0 37,97 0,90 20,70 364,9 2,61 1,87 1 70,26 0,89 24,23 372,2 1,40 1,45 2 61,69 0,61 20,90 390,9 1,39 1,28 4 84,63 2,85 29,02 440,7 1,61 4,45 10 94,90 5,87 36,60 415,7 1,15 6,28 FP(2) 141,07 15,37 39,74 420,7 1,18 10,91 Quadro 5. Atributos do solo em áreas reflorestadas em diferentes épocas de recuperação (1) QM = Quociente metabólico [(μg CO2/μg C min h -1 ) x 102]. (2) FP = Floresta Primária. Fonte: Moreira & Costa (2004). FERTILIDADE DO SOLO 286 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA A matéria macrorgânica, ou matéria orgânica leve (MOL) ou particulada, dependendo do método de fracionamento, é a fração da matéria orgânica não-vivente que se encontra em menor proporção, contribuindo com cerca de 3–20 % do COT, composta principalmente por restos vegetais em vários estádios de alteração. Seu conteúdo está principalmente ligado ao aporte orgânico, pelo aumento e manutenção dos resíduos orgânicos. Há tendência de aumento dos teores dessa fração, seja em sistemas que preconizem a diminuição do revolvimento do solo, como em SPD, seja em espécies em rotação (Freixo et al., 2002 ; Costa et al., 2004; Bayer et al., 2004), em condições climáticas menos favoráveis à decomposição e em sistemas mais produtivos (Lima, 2004) e, ainda, pela adição ao solo de resíduos que não são produzidos in situ , como composto orgânico (Leite et al., 2003) e lodo de esgoto (Soares, 2005), Logo, o tipo de solo, a vegetação, o clima e as práticas de manejo adotadas irão afetar a magnitude desse compartimento. A MOL pode ser dividida em matéria orgânica leve livre (interagregados) e matéria orgânica leve oclusa (intra-agregado). A MOS leve livre é quimicamente parecida com os restos vegetais (como a serapilheira) e tem, em geral, uma taxa de decomposição muito alta, enquanto a MOS oclusa apresenta grau mais avançado de transformação (Roscoe et al., 2004) e ciclagem mais lenta, podendo conter, ainda, resíduos do metabolismo microbiano (Golchin et al., 1997). A MOL é caracterizada, em razão da sua composição química, pela sua alta disponibilidade aos microrganismos do solo e pela sensibilidade às alterações do meio, como verificado por Roscoe & Buurman (2003): forte decréscimo da MOL livre após a conversão do Cerrado em área cultivada. De fato, observa-se que, sob condições de vegetação natural, encontram-se maiores teores de C e N associados à MOL, cerca de 18 % de C e 12 % de N, quando comparados aos dos sistemas cultivados, os quais apresentam valores inferiores, de 4–5 % de C e 2-3 % de N (Roscoe & Buurman, 2003). O processo de oclusão da MOS nas típicas estruturas de Latossolos (granular forte muito pequena) leva à intensa transformação dessa fração, preservando-a seletivamente. Entretanto, tem-se constatado pequena capacidade de oclusão da MO em solos com alto teor de oxihidróxidos de Fe e Al. A contrituição dessa fração para os Latossolos brasileiros foram de 1–2 % do COT (Roscoe et al., 2004). Essas frações podem ser determinadas por meio de fracionamento físico por diferença de densidade. O uso desse fracionamento permite separar frações orgânicas cuja composição e localização física no solo são diferenciadas. Com o uso do método densimétrico, são separados os restos vegetais parcialmente decompostos e de baixa densidade dos compostos orgânicos mais resistentes à decomposição, sendo utilizadas, para isso, soluções de sais orgânicos e inorgânicos com densidades compreendidas na faixa de 1,6–2,0 kg L-3 (Christensen, 1996). O iodeto de Na e o politungstato de Na são algumas das substâncias utilizadas mais freqüentemente com esse propósito. Tendo em vista que essas frações da MOS apresentam densidade menor que 1,6 kg L-3, promove-se, por meio da utilização dessas soluções, a flotação do material mais leve (Figura 3). Na MOS que fica associada ao material sedimentado (frações areia, silte e argila), comumente denominada fração pesada, está associada a maior parte das substâncias húmicas do solo. Estudos têm demonstrado que a MOS associada às frações pesadas (areia, silte, argila) geralmente correspondem a mais de 80 % do COT. FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 287 Alguns trabalhos também propõem o uso da água para efetuar o fracionamento densimétrico da MOL (Anderson & Ingram, 1989), considerando a vantagem de menor custo e ausência de reagentes tóxicos, como o NaI. A maior desvantagem é que a quantidade de MOL extraída é menor e, possivelmente, sua qualidade também difere daquela extraída com soluções mais densas (1,6–2,4 kg L-3). Sohi et al. (2001), comparando soluções de NaI com diferentes densidades, obtiveram diferenças nas quantidades extraídas de fração leve livre e fração leve intra-agregado. O aumento da densidade das partículas orgânicas é um indicativo de um estádio de decomposição mais avançado e maior transformação com maior contribuição microbiana. Em alguns estudos, depois da separação com soluções de diferentes densidades, a fração leve coletada é novamente fracionada em peneira com malha com aberturas variando de 0,1–0,5 mm, dependendo do objetivo, obtendo-se, assim, a matéria orgânica leve particulada. A separação da MO leve por peneiramento pode ainda ser precedida pela dispersão, como, por exemplo, pela utilização de hexametafosfato de Na. Conforme proposto por Cambardella & Elliot (1992), a suspensão é passada em peneira de 53 μm de maneira que a fração retida é considerada a MO particulada. Utilizando esse método, Bayer et al. (2004) obtiveram estoques de C na MO particulada variando de 11 a 15 % do COT na camada de solo de 0–20 cm. Outros estudos consideram a própria matéria orgânica leve, separada por densimetria, sem o uso de peneiramento, para definir a classe de tamanho, como sendo a fração particulada (Six et al., 2001). A uniformização de conceitos e procedimentos seria desejável para que possíveis comparações futuras fossem mais acuradas. O húmus é o compartimento que inclui substâncias húmicas e não-húmicas. Esses dois grupos de compostos encontram-se fortemente associados no ambiente edáfico e não são totalmente separados pelos processos tradicionais de fracionamento, sendo difícil definir seus limites. As substâncias não-húmicas podem chegar a contribuir com 10 a 15 % do COT dos solos minerais. São grupos de compostos orgânicos bem definidos, como carboidratos, lignina, lipídios, ácidos orgânicos, polifenóis, ácidos nucléicos, pigmentos e proteínas. Esses compostos são provenientes da ação e transformação da matéria orgânica viva sobre o material orgânico que é aportado ao solo, ou, ainda, adicionados via exsudação Figura3. Esquema de separação da fração da matéria orgânica leve do solo por flotação. FERTILIDADE DO SOLO 288 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA das raízes. Os mono e dissacarídeos, dificilmente encontrados no solo, são rapidamente oxidados e transformados em outros compostos (principalmente substâncias húmicas) pela microbiota do solo. As proteínas, os polifenóis solúveis e os núcleos polifenólicos da lignina são grandes fontes de N e C na forma aromática, respectivamente, para a síntese de substâncias húmicas. A lignina, por exemplo, é considerada uma das principais precursoras das substâncias húmicas nas rotas de humificação e sua degradação é realizada, em sua maior parte, por um grupo específico de organismos: os fungos de podridão branca (Wolf & Wagner, 2005). A composição do compartimento das substâncias não-húmicas é influenciada pela proporção dos componentes químicos das plantas. A composição química das plantas varia com sua natureza e idade, podendo também ser influenciada pelo tipo de solo e, possivelmente, pela adubação. Espécies arbóreas, principalmente leguminosas, crescendo em ambientes com estresse químico acentuado, tendem a ter maior teor de polifenóis solúveis do que plantas de ambientes com maior disponibilidade de nutrientes. A mudança da composição química das plantas com seu crescimento está ligada ao aumento da parede celular e de sua composição. A parede celular das partes jovens da planta contém mais carboidratos e muito pouca lignina e pectina, enquanto os teores de celulose e hemicelulose permanecem mais ou menos constantes (Quadro 6). As substâncias húmicas contribuem com cerca de 85 a 90 % do COT dos solos minerais. São constituídas de macromoléculas humificadas amorfas, variando do amarelo a castanho. Esse compartimento é o principal componente da MOS, consistindo a grande reserva orgânica do solo. Sendo assim, muitos autores referem-se à MOS como húmus e grande parte da pesquisa com MOS está voltada para o estudo dessas frações. Essas substâncias são formadas por reações secundárias de síntese e têm propriedades distintas dos biopolímeros de organismos vivos, incluindo a lignina das plantas superiores. Espécie Parte da planta C N P LG CL HL CR PF ___________________________________________________ g kg-1 ___________________________________________________ Solanum variable Folha 500 39 1,2 75 224 176 521 37 Pecíolo 490 24 0,8 96 335 189 644 13 Caule 510 13 0,2 146 466 207 829 08 Cassia ferruginea Folha 550 26 1,2 90 168 137 430 193 Pecíolo 520 11 0,4 139 473 180 802 82 Caule 530 09 0,3 157 496 161 790 33 Piptadenia gonoacantha Folha 510 38 1,3 106 181 156 426 151 Pecíolo 510 17 0,7 138 409 165 706 14 Caule 520 14 0,5 147 473 216 840 10 Croton urucurana Folha 420 35 1,0 84 150 146 401 189 Pecíolo 480 15 0,4 98 275 161 586 131 Caule 510 12 0,4 203 412 168 738 33 Quadro 6. Características químicas de algumas espécies da Floresta Atlântica LG = lignina; CL = Celulose; HL = Hemicelulose; CR = Carboidratos; PF = Polifenois. Fonte: adaptado de Mendonça & Stott (2003). FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 289 Atualmente, não existe um método de extração ideal para as substâncias húmicas. O método ideal deveria: possibilitar o isolamento do material orgânico na forma não alterada; permitir a extração dos compostos orgânicos sem contaminação com outras substâncias inorgânicas, tais como argilas e cátions; favorecer a extração completa, garantindo, assim, a representatividade do material extraído em relação a todas as demais frações de diferentes tamanhos, e, finalmente, ser universalmente aplicável a todos os solos. Percebe-se, assim, que não existe um esquema ideal de extração, purificação e fracionamento das substâncias húmicas. A escolha de um ou outro método deve, preferencialmente, estar calcada nos objetivos do estudo. Deve-se ressaltar, em razão da complexidade e gama de estruturas apresentadas pelas substâncias húmicas, que o seu fracionamento é puramente operacional e baseia-se na sua solubilidade em diferentes soluções. Assim, as substâncias húmicas podem ser operacionalmente subdivididas em: fração ácidos fúlvicos (solúvel em álcali e em ácido), fração ácidos húmicos (solúvel em álcali e insolúvel em ácido) e fração huminas (insolúvel em álcali e em ácido) (Figura 4). O aspecto puramente operacional desse esquema de fracionamento não garante que cada fração seja composta por substâncias orgânicas com composição e estruturas semelhantes. Figura 4. Esquema operacional de fracionamento químico com base na solubilidade diferencial das frações húmicas em ambiente alcalino ou ácido. FERTILIDADE DO SOLO 290 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA Dentre os vários extratores empregados na extração e fracionamento das substâncias húmicas, o mais comum tem sido o emprego de solução diluída de NaOH (normalmente 0,1 ou 0,5 mol L-1 NaOH) – a solução mais diluída, embora tenha menor poder de extração, é preferida pela menor probabilidade de alterar a composição/estrutura das substâncias húmicas. Também tem sido utilizada uma mistura de reagentes, como 0,1 mol L-1 NaOH e 0,1 mol L-1 Na4P2O7 em solução ou reagentes mais brandos, como Na4P2O7 a pH neutro. Independentemente do extrator, são necessárias extrações sucessivas para obter o máximo de matéria orgânica humificada. Entretanto, um número diferente de extrações sucessivas pode levar à recuperação de frações com características bastante distintas. Por exemplo, Li et al. (2003) demonstraram que as primeiras frações extraídas com NaOH 0,1 mol L-1 eram compostas por substâncias de menor massa molecular, mais polares e mais aromáticas em comparação às frações obtidas nas últimas das extrações sucessivas. As substâncias húmicas extraídas de solos minerais com NaOH normalmente contêm quantidade considerável de material inorgânico (cerca de 25 %). Sendo assim, para estudos mais refinados desses componentes, particularmente por técnicas espectroscópicas, há necessidade de se purificar o material extraído, reduzindo o conteúdo de cinzas (cátions e fração argila) e removendo os compostos orgânicos que não são constituintes estruturais das substâncias húmicas (polissacarídeos, ácidos orgânicos de baixo peso molecular, etc). Os contaminantes inorgânicos podem ser reduzidos por meio de tratamentos sucessivos com mistura de ácidos diluídos, os quais solubilizam os metais e causam a dissolução de oxihidróxidos e argilas silicatadas. Para solos de diferentes texturas do Rio Grande do Sul, foi demonstrado que espectros 13C–CP–MAS RMN com boa resolução foram obtidos quando se fizeram oito tratamentos sucessivos com a mistura de HF 10 % e HC 0,1 % (Gonçalves et al., 2003). Os contaminantes orgânicos podem ser removidos por meio de cromatografia líquida em coluna com resina não-iônica (XAD–8) seguida por passagem em coluna com resina trocadora de cátions (IHSS, 2007). Quantidades consideráveis de C podem ser perdidas durante o processo de purificação. Gonçalves et al. (2003) constataram, após oito tratamentos com HF, que as taxas de recuperação do C foram de 52–71 %, para o horizonte A, e de 15 a 29 %, para o horizonte B. Essas perdas, entretanto, não consistiram em alterações na distribuição dos grupamentos funcionais da MOS determinados por CP–MAS 13C-RMN, o que indica que não se trata de uma perda seletiva de grupos específicos da MOS. Deve-se considerar que o uso de soluções alcalinas para extração de substâncias húmicas do solo tem sido muito criticado. As principais críticas são: (a) se o material que é extraído da MOS realmente representa a composição do material que não é extraído e de toda a fração orgânica do solo; (b) a dificuldade em relacionar a função biológica do COT do solo com o material orgânico extraído; (c) as diferenças químicas encontradas entre as moléculas orgânicas extraídas em relação aos mesmos materiais que estão retidos no solo (conformação, capacidade de complexação de cátions,hidrofobicidade, etc.); (d) criação de artefatos durante o processo de extração. Uma alternativa aos procedimentos de extração é a utilização de técnicas espectroscópicas que permitam a caracterização da composição química do COT de amostras de solo in situ, sem a necessidade de extração prévia (Gonçalves et al., 2003; Dick et al., 2005). Contudo, deve-se ressaltar que, em solos FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 291 mais intemperizados, haverá a necessidade de se realizar a purificação das amostras de solos para a remoção dos núcleos paramagnéticos, como em solos com altos teores de Fe, como nos Latossolos. O objetivo da remoção dos núcleos paramagnéticos é obter espectros de boa qualidade onde possam ser identificados os principais grupos funcionais. Maiores detalhes sobre os procedimentos de extração e purificação de substâncias húmicas são fornecidos pela Sociedade Internacional de Substâncias Húmicas (IHSS, 2007). A composição das substâncias húmicas é extremamente variada, desde polímeros de peso molecular relativamente baixo, em torno de 1.000 daltons, até substâncias complexas de peso molecular de algumas centenas de milhares de daltons. A grande variação no grau de polimerização e no número de cadeias laterais e radicais que podem ser encontradas nas substâncias húmicas faz com que não existam duas moléculas húmicas idênticas. Considerando que as substâncias húmicas constituem o compartimento da MOS de maior reatividade, elas encontram-se envolvidas na maioria das reações químicas no solo. Por apresentar alta complexidade química e forte interação com a fração coloidal inorgânica do solo, essas substâncias não são facilmente atacadas pelos microrganismos do solo, decompondo-se lentamente e acumulando-se na natureza como MOS. Tal fato foi constatado por Qualls (2004) em estudo de biodegradabilidade de substâncias húmicas e frações de litter, no qual o ácido húmico foi a fração que apresentou a menor taxa de mineralização ao final de uma ano, apenas 5,5 % do 14CO2 evoluído foi mineralizado, e as demais frações apresentaram as seguintes taxas: ácido fúlvico, 16,2 %; fenólicos, 17 %; serapilheira, 28 %; hidrofílica ácida, 40 %; hidrofílica neutro, 43,9 %; humina, 44,1 % e glucose, 45,8 %. Existe sobreposição de definições a respeito do COT do solo, as quais são feitas com base em aspectos operacionais. Comumente, discutem-se na literatura aspectos relacionados com o C lábil e C solúvel. Essas formas de C podem englobar constituintes orgânicos de diferentes compartimentos (abordados anteriormente). Formas de C lábil podem incluir desde a matéria macrorgânica, C associado aos organismos do solo, o próprio C orgânico solúvel, substâncias não-húmicas em formas que não estão estabilizadas. Enfim, o C lábil corresponde às formas que seriam de fácil mineralização pela microbiota do solo e pode ser determinado, seguindo-se os métodos descritos em Lefroy et al. (1993), Blair et al. (1995), Shang & Tiessen (1997), Chan et al. (2001). Dentre as formas de C lábil, destaca-se o C orgânico solúvel ou dissolvido. O C orgânico dissolvido (COD) por definição operacional consiste na fração menor que 0,45 μm, solúvel em água. Pode ser oriundo da decomposição de resíduos orgânicos, litter (Don & Kalbitz, 2005), resíduos culturais (Ciotta et al., 2004; Ellerbrock & Kaiser, 2005) de origem microbiana, exsudados de raízes (Lu et al., 2003; Souza & Melo, 2003). O COD forma complexos solúveis de carga neutra com cátions metálicos, facilmente deslocáveis no perfil do solo, de modo que cátions como Ca2+ e Mg2+ podem ser translocados para camadas mais profundas do solo e a toxidez causada pelo Al3+ diminuída em subsuperfície (Ciotta et al., 2004), alterando as reações de acidez. Atuam na movimentação de metais pesados, além de influenciar a formação de horizontes pedogenéticos (Jansen et al., 2003). O COD é constituído por ácidos orgânicos de baixo peso molecular, destacando-se os ácidos fúlvicos e graxos, ésteres, polissacarídeos e materiais proteináceos (Stevenson, 1994). FERTILIDADE DO SOLO 292 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA O C-carvão é originado do processo da queima incompleta da biomassa. As informações sobre o C associado ao carvão são ainda escassas em solos brasileiros. E se se considerar o fato de o fogo fazer parte de alguns dos nossos ecossistemas, como, por exemplo, nos solos do Cerrado, Terra Preta (solos da Amazônia), a perspectiva é que haja grande contribuição dessa fração para a MOS nesses solos. O C-carvão é um importante reservatório de C no solo, em virtude do longo tempo de residência, com capacidade de armazenar água e cátions, ou seja, não são inertes nos ambientes, interferindo na dinâmica da MOS, com papel importante na predeterminação de propriedades físicas e químicas da MOS em solos tropicais (Skjemstad & Graetz, 2003). Em solos de Terra Preta na região Amazônica, a contribuição do C-carvão para o COT é cerca de 20 %, duas vezes maior que aquela observada em Latossolo em área vizinha (Figura 5). Nesses solos de Terra Preta, a contribuição do C-carvão em relação à fração leve e pesada da MOS diminuiu com o aumento da densidade das frações; 75,2 % do C da fração leve (C–FL) era C-carvão, enquanto, na fração de densidade intermediária, o C-carvão representou 52,4 % e, na fração pesada, valores acima de 19,3 % (Glaser et al., 2000). Contribuições acima de 45 % do COT foram constatadas em solos da Alemanha com propriedades de solos Chernozêmicos (Schmidt et al., 1999); em solos com uso agrícola do EUA essa contribuição variou de 10-35 % do COT (Skjemstad et al., 2002). O carvão tem estrutura altamente condensada, aromática e resistente à oxidação química e biológica. Apesar disso, mesmo com considerável taxa anual de formação o C-carvão não é a forma predominante de COT, o que indica não ser material completamente inerte (Skjemstad & Graetz, 2003). Estudo recente também demonstrou que o carvão pode contribuir para a CTC do solo (Liang et al., 2006). Figura 5. Contribuição do C-carvão em relação ao COT (a) e a fração terra fina (b) de Terra Preta e Latossolo adjacente na região Amazônica. Fonte: Glaser et al. (2001). FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 293 ROTAS DE FORMAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DAS SUBSTÂNCIAS HÚMICAS As substâncias húmicas (SH) são formadas a partir do processo denominado humificação, para o qual diferentes rotas têm sido propostas (Figura 6). Dentre as várias possibilidades, encontram-se desde a clássica teoria que considera que as SH são formadas a partir da lignina modificada até à teoria mais aceita na atualidade, a chamada de rota dos polifenóis. Em seguida, são descritas, brevemente, quatro possíveis rotas de formação das SH. Os compostos com suas respectivas estruturas e as reações bioquímicas envolvidas podem ser consultados com maiores detalhes em Stevenson (1994); Santos & Camargo (1999); Stevenson & Cole (1999); Baldock & Nelson (1999); Burdon (2001); Picollo (2001); Canellas et al. (2005) e Sutton & Sposito (2005). Rota 1: Trata-se de teoria pioneira em que se propunha que as SH eram exclusivamente produtos residuais da degradação da lignina. Acreditava-se que a lignina seria incompletamente degradada pelos microrganismos, passando então a fazer parte das SH do solo. A lignina sofreria modificações com a perda de grupos -OCH3 e formação de o-hidroxifenóis, além de passar pela oxidação de cadeias alifáticas para a formação dos grupos -COOH. Pelo fato de as SH serem consideradas polímeros, o produto inicial formado por meio dessa rota de humificação seria a humina (HU), que, após oxidações e fragmentações, daria origem, inicialmente, aos ácidos húmicos (AH), os quais, por sua vez, seriam submetidos a fragmentações adicionais e oxidação de cadeias laterais para dar origem aos ácidos fúlvicos (AF). Portanto, conforme essa teoria, polímeros mais complexos e condensados e de maior tamanho são os primeiros componentes da rota de humificação. Comoserá visto posteriormente, essa fração HU difere daquelas formadas via demais rotas por ser considerada uma fração herdada, contrastando com as demais que são consideradas HU de síntese. Rota 2: Nesta teoria de formação, considera-se que a lignina também é uma precursora das SH. Porém, neste caso, considera-se que a lignina é degradada pelos microrganismos, liberando ácidos e aldeídos fenólicos, os quais são convertidos em quinonas por meio de ação enzimática. Estas quinonas se polimerizam na presença ou ausência de compostos amínicos, dando origem às macromoléculas húmicas. Rota 3: É semelhante à rota anterior, mas considera-se que os polifenóis são sintetizados a partir de fontes que não contenham lignina, como a celulose, por exemplo. Alguns poucos gêneros de fungos do solo são capazes de utilizar carboidratos simples em seu metabolismo e produzir substâncias de natureza aromática. Stevenson (1994), sumariando alguns resultados, ressalta o fato de que fungos decompõem a celulose e outros constituintes orgânicos, além da lignina, e, nesse processo, os fungos sintetizam macromoléculas de fenóis de coloração escura. Rota 4: De acordo com esta rota, as SH são formadas a partir da redução de açúcares e aminoácidos, resíduos do metabolismo microbiano, que passam por polimerização não-enzimática (reação de Maillard), formando polímeros nitrogenados. FERTILIDADE DO SOLO 294 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA As rotas que envolvem a síntese de SH a partir da condensação de polifenóis e compostos aminados são as mais aceitas atualmente. No entanto, é importante ressaltar que a ocorrência de uma rota de humificação não exclui a existência de outras. Todas podem estar ocorrendo ao mesmo tempo, ou uma pode estar predominando sobre a outra, dependendo, principalmente, do tipo de substrato e condições ambientais. Em solos mal drenados e em outros ambientes edáficos restritivos à atividade microbiana (regiões extremamente frias e alagadas, por exemplo), acredita-se que a rota de humificação, conforme a teoria da lignina (rota 1), seja a predominante. Por outro lado, a participação de polifenóis pode ser mais importante em solos florestais bem drenados onde resíduos lenhosos com maior teor de compostos de natureza aromática são depositados. Em solos localizados em condições que favorecem a flutuação de umidade e temperatura, pode estar predominando a síntese não-enzimática de SH por meio de condensação de aminoaçúcares. Independentemente da rota predominante, a humificação é um processo em que ocorre a estabilização do C anteriormente encontrado em formas mais lábeis, contribuindo para fixar o C no solo. Obviamente, nos solos, ocorrem, concomitantemente, os processos de degradação de compostos orgânicos mais complexos em componentes mais simples (exemplo: quebra de proteínas com liberação de aminoácidos) e processos de humificação em que, geralmente, ocorre a síntese de compostos mais complexos a partir de substâncias relativamente mais simples. Os microrganismos do solo assumem importante papel na mediação nos processos de formação das SH, visto que são mediadores tanto nas rotas de síntese (como na rota dos polifenóis), quanto nas rotas degradativas (teoria da lignina modificada). Os basidiomicetos são considerados o principal grupo de fungos envolvidos na transformação de moléculas orgânicas recalcitrantes, como exemplo, a lignina, das quais se originam as SH do solo. O possível mecanismo de atuação destes microrganismos Figura 6. Rotas de formação de substâncias húmicas. Fonte: Adaptado de Hedges, (1988); Hatcher & Spiker (1988) e Stevenson (1994). FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 295 está associado à liberação de enzimas oxidativas extracelulares, destacando-se como os principais grupos de enzimas envolvidas nesse processo a Mn-peroxidases, lignina peroxidases e lacases (Dedeyan et al., 2000), que são capazes de degradar compostos orgânicos mais estáveis, como a lignina (Wolf & Wagner, 2005). Outra característica importante a ser salientada é que, durante o processo de humificação (Figura 6), compostos orgânicos nitrogenados (aminoácidos, aminoaçúcares) podem ser incorporados às SH em todas as rotas. Do mesmo modo, formas inorgânicas de N podem ser incorporadas, particularmente o NH4+ e o NO2-. Resíduos de palha de arroz marcados com 13C e 15N e (NH4)2SO4 com 15N foram submetidos à incubação com solo, durante 90 dias, com o intuito de verificar a contribuição da forma mineral de N às frações da MOS estabilizada. Quando o N mineral foi aplicado junto com resíduo (fonte de N e C), houve maior recuperação do N mineral adicionado do que quando foi aplicado isoladamente. Possivelmente, a ausência da fonte de C (resíduo) limita a transformação de N em formas mais estáveis. Quanto à contribuição de ambas as formas de N (orgânica e mineral), houve maior recuperação do N derivado do resíduo vegetal que do N mineral, indicando a preferência de assimilação das formas orgânicas, em relação às formas minerais. A maior recuperação das formas de N (mineral e orgânica) ocorreu na fração humina (Figura 7). O N seria preferencialmente assimilado pelos microrganismos junto com o C do resíduo em produtos mais estáveis ou por meio de mecanismos que favorecem a estabilização dos produtos da decomposição do N do resíduo (Moran et al., 2005). Nas rotas de formação das SH em que prevalece a via de polimerização (rotas 2 e 3), pode ocorrer reação dos aminoácidos com outros precursores das SH, principalmente Figura 7. Incorporação de nitrogênio de diferentes fontes nas frações da matéria orgânica do solo. Fonte: Moran et al. (2005). DOCUMENTOS Realce FERTILIDADE DO SOLO 296 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA polifenóis, acarretando maiores teores de N nas substâncias húmicas mais polimerizadas e estáveis no solo (huminas). Dessa forma, a incorporação de N na estrutura das SH vêm sendo objetivo de vários estudos em razão do possível favorecimento do N na estabilização do C em componentes mais humificados e estáveis do solo. Tradicionalmente, embora as SH constituam novo grupo de substâncias que são formadas no solo por meio da transformação abiótica e biótica de produtos derivados de plantas, animais e microrganismos do solo (Stevenson, 1994), estudos recentes têm questionado a existência de SH como nova categoria de compostos (Burdon, 2001; Simpson et al., 2002). Utilizando técnicas de RMN de alta resolução, foi sugerido que a origem da maior parte das SH pode ser traçada a compostos bioquímicos definidos, tais como carboidratos, proteínas, lignina e alguns polímeros alifáticos (ex: componentes da cutícula de folhas), indicando serem elas constituídas por uma mistura de componentes derivados de plantas e microrganismos (Kellheher & Simpson, 2006), conforme argumento favorável apresentado por Burdon (2001) e Sutton & Sposito (2005). Características Químicas e Estruturais das Substâncias Húmicas As SH são quimicamente muito parecidas, mas as frações podem ser diferenciadas uma das outras pela cor, massa molecular, presença de grupos funcionais, grau de polimerização e composição elementar – teores de C, O, H, N e S (Stevenson, 1994). Em relação a essa última propriedade das SH, existe uma tendência geral de os ácidos húmicos (AH) apresentarem maior teor de C, menor de O e teor similar de H em relação ao ácidos fúlvicos (AF). De fato, isso pode ser exemplificado com os dados obtidos por Canellas & Façanha (2004) para amostras de um Argissolo Amarelo (Quadro 7). Quadro 7. Composição elementar, relações atômicas e relação E4/E6 (1) de ácidos húmicos e fúlvicos em amostras de Argissolo Amarelo Amostra Profundidade C H N O H/C O/C C/N E4/E6 m _____________________________ g kg-1 _____________________________ Ácido húmicos 1 0,00-0,05 32,32 29,75 1,16 36,77 0,92 1,14 27,84 4,4 2 0,05-0,10 24,19 32,95 0,59 42,27 1,36 1,75 40,98 4,0 3 0,10-0,20 22,04 30,22 1,00 46,74 1,37 2,12 21,96 5,84 0,20-0,40 19,51 26,50 0,78 53,21 1,36 2,73 25,08 7,0 Ácido fúlvicos 1 0,00-0,05 21,44 32,33 1,38 44,84 1,51 2,09 15,56 7,8 2 0,05-0,10 18,57 31,15 1,18 49,09 1,68 2,64 15,68 8,7 3 0,10-0,20 14,43 28,09 0,92 56,56 1,95 3,92 15,69 7,2 4 0,20-0,40 12,89 26,71 0,81 59,60 2,07 4,63 15,90 9,7 (1) Relação E4/E6 é caracterizada pela razão de absorvância nos comprimentos de ondas de 465 e 665 nm. Fonte: Canellas & Façanha (2004). FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 297 A partir da composição elementar, podem ser obtidas relações utilizadas na diferenciação do grau de humificação dessas frações. Valores de maior magnitude para a relação O/C podem refletir maior teor de grupamentos carboxílicos e carboidratos, enquanto menor relação O/C indica incremento da condensação da MOS. Ussiri & Johnson (2003) constataram na fração AH menor teor de O, menor relação O/C e menor concentração de grupamentos carboxílicos em relação aos AF. Comparando a relação O/C obtida por Canellas & Façanha (2004), verifica-se que os AH apresentaram valor médio (1,93) menor que os AF (3,32) (Quadro 7). A relação H/C mais alta indica maior alifaticidade e menor proporção de anéis aromáticos. Do mesmo modo que a relação O/C, o incremento dessa relação reflete o aumento da alifaticidade da MOS em profundidade (Quadro 7) (Canellas & Façanha, 2004). Constatou-se ainda correlação linear positiva (r = 0,391**) entre as relações O/C e H/C. A relação E4/E6 (Quadro 7) é determinada pela razão entre a absorbância a 465 e 665 nm, obtidas pelo uso da técnica de ultravioleta-vísivel (maiores detalhes dessa podem ser vistos em tratados sobre o assunto (Stevenson, 1994; Ceretta et al., 1999; Canellas & Rumjanek, 2005). Uma menor E4/E6 está associada à maior presença de componentes aromáticos. Portanto, os AH apresentaram relação E4/E6 inferior aos AF, bem como houve correlação desta com a relação H/C. Quanto ao teor de N nas SH, era esperada a seguinte ordem: AF < AH < HU. Entretanto, no estudo de Canellas & Façanha (2004), essa tendência não foi verificada. Já Ussiri & Johnson (2003) constataram aumento na concentração de N nos AH e redução da relação C:N em comparação aos AF. A relação C:N variou de 27,3–57,2 e de 18,3–26,2 para AF e AH, respectivamente. O estreitamento da relação C:N com o avanço do grau de humificação é observado com a perda de CO2 e incorporação de N (Figura 8). Esse comportamento explica parte da dificuldade de se prever a taxa de liberação de N do solo para as plantas pela mineralização de formas orgânicas. Por se encontrar incorporado na estrutura de compostos orgânicos nitrogenados, na forma heterocíclica, a mineralização dessas formas é dificultada, liberando N inorgânico de maneira lenta e gradual: entretanto, o N pode ser encontrado em proporções significativas em forma proteináceas (Schulten & Schinitzer, 1998; Schulten & Leinweber, 2000). Mahieu et al. (2002) constataram que 60-80 % da área de espectros de RMN de 15N correspondia a Figura 8. Esquema de decomposição/humificação da matéria orgânica do solo. FERTILIDADE DO SOLO 298 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA estruturas de N-amida, enquanto o N em forma heterociclica correspondeu apenas a cerca de 7-22 % em amostras de AH, indicando que moléculas estruturalmente mais lábeis podem sobreviver à decomposição microbiana. Os principais grupamentos funcionais das substâncias húmicas são: carboxílicos (- COOH), alcoólico (-OH), fenólico (-OH), carbonil (C = O), quinona (anel C = O), metoxil (OCH3) e amínico (-NH2) (Figura 9). Os grupamentos funcionais são determinados, tomando-se como base as propriedades acídicas das substâncias húmicas. A acidez total dos grupamentos funcionais das substâncias húmicas pode ser calculada por meio do somatório dos grupamentos carboxílicos e fenólicos. Deve-se considerar que as cargas negativas superficiais são dependentes de pH. Assim, com a elevação do pH, ocorre dissociação dos grupamentos orgânicos, de acordo com o esquema: Com a elevação do pH ocorre incremento significativo das cargas superficiais das substâncias húmicas. Em AH e AF extraídos de um solo orgânico, os incrementos foram verificados na faixa de pH 4-6 (Figura 10), constatando-se maior contribuição dos AF, que de AH, na geração de cargas. Esse comportamento deve-se à menor constante de dissociação e abundância dos grupamentos carboxílicos. O valor de log K1 (referente aos grupamentos carboxílicos) foi, em média para dois horizontes, 4,3, para os AF, e 5,23, para AH, resultando em uma diferença de aproximadamente uma unidade, conferindo aos AF maior tendência de ionização. O log K2 (referente aos grupamentos fenólicos) foi Figura 9. Exemplos de grupamentos funcionais da matéria orgânica do solo. FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 299 em média 8,7 para ambos, AH e AF, e a relação entre grupos carboxílicos de HA/FA foi de, aproximadamente, 4:6 (Gondar et al., 2005), o que reforça a premissa de que a diferença nas cargas geradas pelos AF e AH está principalmente relacionada com a presença de grupamentos carboxílicos. Entre pH 3 e 6,5, ocorre aumento linear nas cargas superficiais, representando a dissociação dos grupamentos R-COOH. Além deste pH, o gradiente reduz o poder tampão do ácido, representando a dissociação de grupamentos fenólicos. Dessa forma, como grande parte dos grupamentos R-COOH dissocia-se para ânion carboxilato nos valores de pH encontrados na maioria dos solos ácidos, são esses grupamentos que têm grande influência sobre a CTC dos solos. Os grupamentos fenólicos também têm participação, uma vez que substituições dos componentes dos anéis benzênicos podem reduzir os valores de pKa dos grupamentos fenólicos, permitindo que eles se dissociem em valores de pH mais baixos. Entretanto, grande parte deles não está dissociada quando o pH esta abaixo de 9. Os AF apresentam maior número de prótons dissociáveis por unidade de massa do que os AH graças à maior quantidade de grupamentos R-COOH e maior acidez (carga) total (Quadro 8). Em média, os grupamentos carboxílicos corresponderam a 73 % da acidez (carga) total nos AF, enquanto nos AH, correspondem a 54 %. A acidez total foi, em média, de 733 cmolc kg-1 para AH, inferior à observada para AF, de 1.111 cmolc kg-1. Contudo, ambas as frações, AH e AF, apresentam grupamentos reativos que potencializam ter mais cargas dissociadas do que a capacidade de troca típica de uma argila 2:1 (< 2 molc kg-1). Visto que grande parte dos grupamentos acídicos das substâncias húmicas se dissocia entre pH 5 e 7, espera-se que elas tenham carga líquida negativa nos solos. Na realidade, esses compostos revelam caráter anfótero desenvolvendo, além das cargas negativas, cargas positivas, dependendo do pH do solo e do PCZ dos compostos orgânicos. Em geral, as cargas positivas estão associadas à protonação do grupamento amino: Figura 10. Curvas de desenvolvimento de cargas como variável do pH, em AH e AF extraídos do horizonte Hs de um solo orgânico. Fonte: Gondar et al. (2005). FERTILIDADE DO SOLO 300 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA NH3+ – CH – COOH ↔ NH2 – CH–COOH ↔ NH2 – CH – COO - Meio ácido Ponto isoelétrico (PCZ) Meio básico Além dos grupamentos funcionais, a maior contribuição das SH na geração de cargas passíveis de reação de troca é aumentada em razão da alta superfície específica das substâncias húmicas (que pode chegar a 900 m2 g-1). Alvarez-Puebla et al. (2005) determinaram a área superficial aparente (SA) de SH, constatando um aumento da SA com a diminuição da complexidade molecular do AF > AH > HU. Os AF, AH e HU foram extraídos de SH comerciais, sendo os valores de SA obtidos para AF de 79-97,7 m2 g-1, para AH os valores variaram de 52,4–89,9 m2 g-1 e, para HU, de 43,1–57,3 m2 g-1 . De acordo com esses autores, essa diminuição na SA com o aumento da complexidade estrutural é devida à agregação intramolecular, com o conseqüenteaumento do tamanho da molécula e decréscimo da polaridade. Considerando essas duas propriedades, a matéria orgânica pode reter até 20 vezes seu peso em água por meio de pontes de H+ dos grupamentos reativos. Contudo, os compostos aromáticos que predominam no núcleo das SH são hidrofóbicos e, por esta razão, o núcleo encontra-se condensado, tendendo a reduzir sua superfície de contato com o meio aquoso, adotando forma esférica. São os grupamentos funcionais, com cargas Ácidos húmicos Ácidos fúlvicos Solo Horizonte Acidez total -COOH Fenólico Acidez total -COOH Fenólico __________________________________________________ mmolc kg -1 _____________________________________________________ LV A1 671 360 311 1.064 782 282 A3 688 368 320 1.117 819 298 B1 694 371 323 1.139 836 303 B2 882 473 409 1.127 827 300 DMS(0,05) - 201 92 82 63 44 35 LE A1 654 351 303 1.083 794 289 A3 718 386 332 1.066 780 286 B1 762 411 351 1.005 736 269 B21 836 449 386 973 715 258 B22 914 489 425 1.080 794 286 DMS(0,05) - 240 127 107 97 60 29 GH - 878 471 407 872 635 237 (1) Acidez total = -COOH + -OH. LV = Latossolo Vermelho-Amarelo; LE = Latosso Vermelho-Escuro; GH = Glei Húmico; DMS = diferença mínima significativa. Fonte: Mendonça & Rowell (1996). Quadro 8. Acidez (carga) total(1) e acidez dos grupamentos carboxílicos e fenólicos de ácidos húmicos e fúlvicos de Latossolos FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 301 elétricas não compensadas, que formam as cadeias alifáticas hidrofílicas. Sendo assim, a capacidade de retenção de água também será influenciada pela proporção das moléculas de anéis aromáticos (hidrofóbicos) e dos radicais laterais (hidrofílicos). A redução da relação H/C (como ocorrido dos AF para a fração HU) resulta em diminuição da capacidade de hidratação das substâncias húmicas. Essas microrregiões de natureza hidrofóbica, conforme já mencionado, são importantes para a retenção de muitos pesticidas e contaminantes de natureza apolar. A massa molecular relativa dos AH é maior do que a dos AF. O tamanho molecular dos AF e AH pode ser estimado por meio de várias técnicas, sendo as mais comuns a osmometria, cromatografia por exclusão de tamanho e ultracentrifugação. Técnicas avançadas de espectrometria de massas utilizando ciclotron de íons também têm sido usadas para determinar a massa de substâncias húmicas (Koch et al., 2005) e, certamente, contribuirão para melhorar o conhecimento nessa área. As informações a respeito do peso molecular são dadas, geralmente, com base no número médio (nM), peso médio (pM) e no índice de polidispersidade (pM/nM), dependendo da técnica utilizada na sua determinação. Os valores de tamanho de AF e AH citados na literatura são de difícil comparação, visto que foram obtidos por meio de diferentes técnicas e condições de operação dos equipamentos. De modo geral, o tamanho dos AF encontra-se na faixa de 1.000 a 3.000 daltons – Da, ou massa atômica unificada- u (1 Da = 1 u = 1/12 da massa do 12C), o que é inferior ao observado para os AH, que se encontram na faixa de 200.000 até mais do que 400.000 Da (Stevenson, 1994). Entretanto, tem sido levantada a hipótese de que o alto peso molecular relatado na literatura possa ser explicado pela associação de moléculas menores, formando agregados com propriedades de macromoléculas. Simpson et al. (2002), por meio de técnicas de RMN e cromatografia líquida, obtiveram indícios de que as SH podem ser facilmente separadas e que a estrutura macromolecular poderia ser resultante de um fenômeno de agregação dessas substâncias, em razão da complexação via cátions metálicos (Simpson et al., 2002; Baalousha et al., 2006). Vale mencionar que dados históricos de pesquisa indicam que as substâncias húmicas são micelas de natureza polimérica, com formato de espirais estendidas irregularmente com as seguintes características: (a) estrutura básica de anéis aromáticos de fenol di-ou-tridróxidos interligados por pontes de -O-, -CH2-, -NH-, -N=, -S- e outros grupos que contêm grupos -OH livres e ligações duplas de quinona, obtendo na sua estrutura grupamentos carboxílicos, hidroxilas, carbonilas e alcanos; (b) grande número das cadeias de alcanos C1–C20 substituídas ou não por grupamentos que contêm O ligados a cadeias menores de C; (c) grupos aromáticos e alcanos conectados, principalmente, por ligações C-C para formar a estrutura básica das moléculas húmicas; (d) proteínas e carboidratos não ligados covalentemente à estrutura principal (“core”) podem ser encontrados associados à superfície das substâncias húmicas, formando uma estrutura muito estável, havendo ligações cruzadas entre as diferentes partes das moléculas. Pesquisadores têm tentado desenvolver modelos químicos para representar a estrutura média dessas substâncias, como os apresentados para AH por Shulten & Schnitzer (1993, 1997) e por Alvarez-Puebla et al. (2006). No entanto, mais recentemente, têm surgido novas proposições para a origem e estrutura das SH. DOCUMENTOS Realce DOCUMENTOS Realce FERTILIDADE DO SOLO 302 IVO RIBEIRO DA SILVA & EDUARDO DE SÁ MENDONÇA Conforme comentado anteriormente, se for levado em conta serem as SH formadas por fragmentos parcialmente modificados de compostos derivados de plantas e microrganismos, as SH então não poderiam mais ser classificadas como polímeros, mas, sim, supramoléculas (uma espécie de agregado) estabilizadas por ligações fracas (interação hidrofóbica, pontes de hidrogênio) e não por ligações covalentes, como era postulado anteriormente (Burdon et al., 2001; Piccolo, 2001; Simpson et al., 2002; Sutton & Sposito, 2005). Os íons metálicos do solo parecem ter papel preponderante na estabilização desses componentes (Simpson et al., 2002) e devem assumir importância especial em solos tropicais altamente intemperizados. Essa espécie de modelo proposto de “agregado” difere substancialmente da visão tradicional de polímeros em forma de espiral estendida (Simpson et al., 2002) (Figura 11). Na realidade, as SH apresentariam peso molecular relativamente baixo, inferior a 2000 Da (Simpson et al., 2002). Em estudos usando técnica de cromatografia por exclusão de tamanho, o peso molecular de SH extraídas de diferentes solos variou de 12 a 17,3 kDa, para AH, e de 7,9 a 11 kDa, para AF (Perminova et al., 1999), e de 9 a 14 kDa, para AF, e de 15–20,4 kDa, para AH (Perminova et al., 2003). Com relação à natureza da estrutura molecular das SH, nas últimas décadas, estudos utilizando técnicas espectroscópicas, como a Ressonância Magnética Nuclear do 13C (13C–RMN), Ressonância Eletrônica Paramagnética (REP), Infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) , UV-Visível, dentre outras com equipamentos hifenados como a PY/GC/MS (Pirólise/Cromatografia Gasosa/Espectrometria de massa), permitiram grande avanço na caracterização das substâncias húmicas. As revisões de Oades (1989); Hayes et al. (1989); Stevenson (1994); Beyer (1996); Baldock & Nelson (1999); Figura 11. Modelo conceitual de substâncias húmicas conforme a visão tradicional de polímeros em forma de espiral estendida (a) ou conforme o conceito de supramolécula formada por moléculas de tamanho pequeno estabilizadas por ligações fracas (b). Esferas vermelhas: íons metálicos; unidades em preto: polissacarídeos; unidades em azul: polipeptídeos; unidades verdes: cadeias alifáticas; unidades marron: fragmentos aromáticos de lignina. Fonte: Simpson et al. (2002) DOCUMENTOS Realce FERTILIDADE DO SOLO VI - MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO 303 Kogel-Knabner (2000); Schulten & Leinweber (2000); Hatcher et al. (2001); Piccolo (2001); Simpson (2001); Canellas & Santos (2005); Roscoe et al. (2006) apresentam informações pormenorizadas sobre os princípios das técnicas e seu emprego no estudo da composição e estrutura das SH. Entretanto, os modelos até então propostos parecem ainda não refletir os avanços oriundos da utilização das técnicas espectroscópicas e termodegradativas, anteriormente citadas. A percepção a respeito da estrutura aromática
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