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Financas_Publicas_Livro_Texto (1)

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Prévia do material em texto

Professor
João Rogério Sanson
Finanças PúblicasFinanças Públicas
Copyright 2009. Todos os direitos desta edição reservados ao Sistema Universidade Aberta do Brasil. Nenhuma parte deste material
poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito,
do autores.
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Luiz Inácio Lula da Silva
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Carlos Eduardo Bielschowsky
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Hélio Chaves Filho
SISTEMA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL
Celso Costa
COMISSÃO EDITORIAL DO PROJETO PILOTO UAB/MEC
Marina Isabel Mateus de Almeida (UFPR)
Teresa Cristina Janes Carneiro (UFES)
DESIGNER INSTRUCIONAL
Denise Aparecida Bunn
Fabiana Mendes de Carvalho
Fábio Alexandre Silva Bezerra
Patrícia Regina da Costa
PROJETO GRÁFICO
Annye Cristiny Tessaro
Mariana Lorenzetti
DIAGRAMAÇÃO
Annye Cristiny Tessaro
Victor Emmanuel Carlson
REVISÃO DE PORTUGUÊS
Fábio Alexandre Silva Bezerra
ORGANIZAÇÃO DE CONTEÚDO
João Rogério Sanson
Sumário
Apresentação.........................................................................07
UNIDADE 1 – O Estado na economia capitalista
Introdução....................................................................................................11
A hegemonia à la Gramsci.................................................................12
A concorrência entre partidos políticos................................................16
Resumo......................................................................................25
Atividades de aprendizagem.........................................................................26
UNIDADE 2 – O tamanho do setor público
A fronteira entre os setores público e privado.................................................31
Atividades econômicas estatais...........................................................40
O Estado produtor...............................................................................44
Carga tributária............................................................................47
Explicações sobre o tamanho do setor público....................................50
Resumo...................................................................................53
Atividades de aprendizagem.........................................................................54
UNIDADE 3 – Orçamento Público
Planejamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .59
O Orçamento Público.................................................................62
Princípios orçamentários..................................................................65
O processo orçamentário...................................................................66
Resumo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .71
Atividades de aprendizagem.........................................................................71
UNIDADE 4 – Despesas pública e seu financiamento
Despesas....................................................................................75
Receitas.......................................................................77
Incidência legal versus incidência econômica..........................80
Incidência econômica: algumas qualificações..........................86
Impostos, gastos públicos e renda real.....................................88
Resumo............................................................................93
Atividades de aprendizagem.............................................................93
UNIDADE 5 – Déficit público e dívida pública
Déficit público e déficit privado...................................................97
Tipos de déficit. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .99
O Sistema Financeiro Nacional...........................................102
Déficit público e nível de atividade econômica.....................103
A evolução e a sustentabilidade da dívida pública..................105
Estabilização e crescimento econômico................................109
Resumo........................................................................................111
Atividades de aprendizagem.......................................................113
Referências.....................................................................................114
Minicurrículo.....................................................................................118
Apresentação
Prezado estudante!
O setor público é a parte da economia associada à prestação de
serviços públicos pelo Estado aos cidadãos de um país. Como muitos
participantes deste curso são funcionários públicos, incluindo funcioná-
rios de empresas estatais, suas respectivas organizações prestam servi-
ços públicos em nome do Estado brasileiro. Portanto, nesses casos, você
é parte do Estado. Mas, como cidadão, você vê o Estado de outro ângu-
lo. Um exemplo bem simples disso é quando você encontra um policial
na rua. Esse policial é a personificação mais próxima do Estado.
Na verdade, o Estado é um grande aparato social, ou instituição,
organizado segundo princípios burocráticos para prestação de servi-
ços à população. Princípios burocráticos incluem uma estrutura de
cargos cujo exercício e ocupação têm regras nem sempre claramente
definidas, mas pelo menos têm tradições e regras implícitas quanto a
seu funcionamento. Não é exagero dizer que essa forma de trabalho
em grupo foi uma das invenções fundamentais na evolução humana.
Vale, ainda, ressaltar que princípios burocráticos não são exclusivos
da máquina estatal. Qualquer organização*, empresarial ou não, é
também estruturada dessa forma. Tal invenção, de fato, é uma busca
por melhor qualidade de serviços também de estruturas burocráticas
privadas. Do mesmo modo, você pode verificar que seu treinamento
como administrador profissional busca tornar mais eficiente a estrutu-
ra burocrática da organização da qual você faz ou fará parte.
Se muitas vezes a burocracia pública é criticada, isso é feito mais
por deficiências na qualidade dos serviços públicos do que pela forma
como o setor público é organizado. A busca pela melhor organização
e eficácia de empresas privadas* é também estruturada dessa forma
e é, de fato, um elemento essencial na busca por melhor qualidade de
seus serviços.
Na disciplina de Finanças Públicas, a pergunta básica é como
funciona o processo de decisões do setor público e como isso envolve
GLOSSÁRIO
*Organização –
conjunto de relações
de ordem estrutural
(direção, planeja-
mento, operação e
controle) que man-
tém uma empresa
em funcionamento.
Consiste num siste-
ma por meio do
qual os desempe-
nhos pessoais são
operacionalizados e
coordenados. Fon-
te: Sandroni (1999).
*Empresa privada –
organização perten-
cente a indivíduos ou
grupos, que produz
e/ou comercializa
bens ou serviços
com o objetivo de
lucro. Fonte:
Sandroni (1999).
toda a sociedade. Por isso, fazemos uma breve incursão em temas de
ciência política. O orçamento público, de fato, reflete todos os gran-
des interesses dos vários grupos que compõem a sociedade e a interação
entre eles ocorre via o processo político. No restante do texto, em es-
sência, as perguntas são sobre a definição das fontes de receita pública e
suas consequências microeconômicas, os tipos de despesas e as
consequências macroeconômicas do déficit e da dívida do setor público.
Começamos, na Unidade 1, com explicações sobre o que é e
como funciona o Estado. Na Unidade 2, vamos estudar conceitos úteis
na definição dos tipos de bens e serviços típicos do setor público, es-
tabelecendo, assim, uma espécie de fronteira com o setor privado. Na
Unidade 3, vamos caracterizaro orçamento público, incluindo sua
tramitação. Na Unidade 4, verificaremos como as despesas públicas
são financiadas e como os impostos afetam a renda das pessoas. Por
fim, na Unidade 5, discutiremos como o déficit público e, por
consequência, a dívida pública estão ligados à estabilidade de preços
e ao nível de atividades da economia.
Gostaríamos de lembrar a importância dos conceitos estudados
nas disciplinas de Ciência Política, Sociologia, Introdução à Econo-
mia, Administração Financeira e Orçamentária e Economia (Micro e
Macro). Esses conceitos serão fundamentais para os estudos desta disci-
plina. Portanto, se você ainda tem alguma dúvida ou já esqueceu o que
estudou, siga as orientações ao longo deste texto e reveja esse material.
Desejamos a você muito sucesso nesta disciplina!
Professor João Rogério Sanson
O Estado na
economia capitalista
O Estado na
economia capitalista
UNIDADE
1
10
Curso de Graduação em Administração a Distância
Objetivo
Nesta Unidade, apresentamos duas explicações básicas sobre o que é um
Estado e como ele funciona. Ao final da Unidade, você saberá:
distinguir entre hegemonia e ideologia; verificar como um grupo
dominante numa sociedade enfrenta uma crise hegemônica via uma
revolução passiva; identificar como os partidos políticos concorrem
entre si pelo voto via plataformas políticas; e verificar como a
concorrência entre os partidos e grupos tende a diminuir vantagens
excessivas do exercício do poder.
Módulo 8
11
Releia Borba (2007, p.
65-66). A Unidade 7
de Mendes et al.
(2007) situa o pensa-
mento marxista na
história das ideias
econômicas.
Introdução
Caro estudante, seja bem-vindo!
Convido-o a adentrar comigo nesse universo amplo, po-
rém, desafiador e instigante, que é a discussão sobre as
Finanças Públicas. A partir desta seção da Unidade 1, você
verá explicações sobre como funciona politicamente o Es-
tado e como os vários interesses de diferentes grupos soci-
ais se refletem no orçamento público. A partir da leitura
do material, podemos juntos construir e socializar olhares,
articulando teoria e prática.
Não esqueça que dúvidas e indagações são sempre perti-
nentes, pois são condutoras do processo de aprendizado
que estamos dispondo coletivamente nesta disciplina em
forma similar ao que você já fez nas disciplinas anteriores.
Sugerimos, ainda, que você pesquise em outras fontes de
conhecimento, adicionalmente às indicações que estão pos-
tas no Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais e nos LinksLinksLinksLinksLinks!
Bons estudos!
Os economistas e outros cientistas sociais têm várias formas de
explicar o funcionamento do Estado. É claro que a abordagem
marxista vem logo à mente como uma explicação bastante conhecida.
Em termos elementares, para essa teoria, o Estado é um aparato políti-
co de uma classe social para fins de dominação das demais, seja pela
violência, seja pela ideologia*. A abordagem marxista que veremos,
das várias que existem, é a de Antonio Gramsci, um intelectual e mili-
tante comunista italiano que desenvolveu sua teoria como prisioneiro
durante o período do regime fascista* italiano. Para Gramsci, a ideo-
logia era mais uma visão de mundo específica a um grupo ou fração
social, e não apenas a visão de mundo da classe capitalista, vista como
classe dominante. Designaremos essa abordagem como teoria
gramsciana.
GLOSSÁRIO
*Ideologia – conjun-
to de ideias e crenças
culturais, políticas ou
religiosas. Tem a fun-
ção de servir como
uma espécie de liga-
mento social entre as
pessoas. Fonte:
Lacombe (2004).
*Fascismo – regime
político totalitário que
se caracteriza por do-
mínio de um partido
único, hipertrofia do
aparelho policial,
exaltação nacionalis-
ta, pregação do
antiliberalismo, do
anticomunismo e de-
fesa da ação do Es-
tado como principal
dirigente da econo-
mia nacional. Surge
na Itália e é depois
adaptado em outros
países, como Alema-
nha, Espanha e Por-
tugal. Fonte:
Sandroni (1999).
12
Curso de Graduação em Administração a Distância
Para uma ampla lista
de exemplos de ideo-
logia, releia a Unidade
2 de Borba (2007) e as
p. 107-115 de Mendes
et al. (2007).
Uma outra teoria de Estado parte da ideia da concorrência entre
grupos políticos que buscam o poder. É inspirada na teoria econômica
da formação de preços em mercados. Segundo a teoria da concor-
rência partidária, o político é membro de um partido, e o partido é
como uma empresa que oferece serviços de representação dos cida-
dãos nas decisões sobre os serviços fornecidos sem cobrança direta,
sendo as despesas cobertas pelos impostos pagos por esses mesmos
cidadãos. Os partidos concorrem entre si por esse serviço de represen-
tação política do mesmo modo que as empresas concorrem na venda
de seus produtos.
A hegemonia à la Gramsci
O ponto de vista de Gramsci, no contexto histórico em que ele
escreveu, era o da busca da revolução proletária na Itália. Aqui, nosso
ponto de vista é o de explicar o funcionamento do Estado.
Para Gramsci, a sociedade civil é representada pelo “complexo
das relações ideológicas e culturais, a vida espiritual e intelectual, e a
expressão política dessas relações” (CARNOY, 1986, p. 93). É uma
das partes da superestrutura institucional da sociedade. Note que,
para Marx e Engels, a sociedade civil é parte da estrutura – onde se dá
a acumulação de capital – e o Estado é parte da superestrutura. A soci-
edade política, ou Estado, detém o monopólio do uso da força e é
também parte da superestrutura. O controle social ocorre principal-
mente pela hegemonia, mas também pela força.
Quando um grupo, ou fração de classe, usa elementos da
sociedade civil para conquistar e manter sua dominância
sobre a sociedade civil ocorre a hegemonia desse grupo. Um
dos instrumentos fundamentais para isso é a ideologia. A
superestrutura ideológica é a visão de mundo embutida na
superestrutura institucional que convence as pessoas a aceita-
rem a moral, os costumes e as regras sociais até por consenso.
Módulo 8
13
Uma das consequências da teoria gramsciana é que a superes-
trutura ideológica pode ter supremacia sobre a estrutura econômica.
Gramsci, apesar de aparentemente inverter um argumento essencial de
muitos marxistas, – o de que a estrutura determina tudo o que ocorre
na superestrutura –, apenas diminui a importância das relações de pro-
dução na determinação da superestrutura.
A fidelidade de Gramsci às ideias marxistas fica clara no argu-
mento de que a classe dominante ao nível da produção é dominante ao
nível intelectual, pois tem os meios materiais para controlar o modo de
produção mental. Assim, o grupo dominante tentará influenciar o modo
como a educação é conduzida para que sua visão de mundo seja ab-
sorvida por toda a sociedade. Governos populistas* como os de Perón,
na Argentina, e de Getúlio Vargas, no Brasil, cuidaram especialmente
da questão ideológica via o controle quase total dos meios de comuni-
cação e dos currículos escolares. São exemplos de governos conside-
rados bastante independentes da classe capitalista. O conceito
gramsciano de domínio intelectual ajuda também a entender a experi-
ência soviética, em que o Estado, com seu monopólio estatal dos mei-
os de produção, que era da essência daquela experiência social, mo-
nopolizava totalmente a produção mental depois de ter eliminado a
classe capitalista.
Um ponto em que destaca a análise de Gramsci é que o Estado é
moldado como parte da dominação hegemônica. Isso expande a ideia
marxista de que os capitalistas controlam o Estado em função de suas
necessidades. O grupo hegemônico influencia a criação de leis e, por-
tanto, a própria evolução da forma do Estado. Contudo, só dominar o
Estado não garante a hegemonia, como você verá mais adiante.
A forma como a hegemonia é obtida depende crucialmente do
intelectual orgânico*. Compreende religiosos, professores, jornalis-
tas, líderes profissionais e sindicais, líderes estudantis e comunitários,
além dos intelectuaisusuais, como filósofos, literatos e artistas. Os
intelectuais orgânicos são produzidos principalmente dentro da classe
hegemônica. No entanto, podem ser também recrutados entre as clas-
ses dominadas, passando a ser aceitos como membros da classe
hegemônica. Isso, numa linguagem sociológica, é chamado de ascen-
são social.
GLOSSÁRIO
*Populismo – movi-
mento ou forma de
atuação política ca-
racterístico da Áfri-
ca, Ásia e América
Latina, em que se
enfatiza a relação
direta entre a cúpula
do Estado e as mas-
sas populares, medi-
ada pelo desempe-
nho político de um
líder carismático.
Apresenta em geral
uma ideologia
difusa, sem espírito
de classe manifesto.
Na América Latina,
Getúlio Vargas (1883-
1954) instala um go-
verno populista no
Brasil em 1930, se-
guido, mais tarde,
por Juan Domingo
Perón (1895-1974),
na Argentina. Fon-
te: Sandroni (1999).
*Intelectual orgâni-
co – é todo tipo de
pessoa que atue na
divulgação de uma
ideologia. Fonte:
Sandroni (1999).
14
Curso de Graduação em Administração a Distância
Embora as políticas públicas sejam enviesadas em favor do gru-
po dominante, elas precisam ter benefícios para a sociedade como um
todo. Na verdade, o grupo hegemônico buscará sempre caracterizar
essas políticas como de interesse da sociedade como um todo. Isso
garante a legitimidade* dessas políticas. Assim, uma política que bus-
que gerar maiores ganhos para a classe capitalista pode aparecer como
uma atividade geradora de emprego e renda para a sociedade como
um todo.
Em países periféricos, há aliança de interesses entre o grupo
dominante nacional e os interesses do capital internacional de modo
que as políticas públicas sejam do interesse de ambos. Contudo, o grupo
hegemônico local faz alianças de seu próprio interesse. Seus objetivos
políticos e econômicos estão à frente nessas políticas. Os membros
desse grupo não são apenas “bonecos” comandados por grupos
hegemônicos do exterior. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que os
grupos dominados dos países centrais veem como de seu interesse as
vantagens obtidas pelo capital internacional nos países periféricos*.
Esse tipo de argumento gramsciano caracteriza a teoria da depen-
dência de Cardoso e Faletto (1970).
Como vimos acima, tomar o aparato estatal, por exemplo, via
um golpe de Estado, não garante a hegemonia. Do mesmo modo, um
elemento essencial da visão gramsciana é que uma crise econômica
não equivale a uma crise hegemônica. É por isso que previsões de
que uma depressão econômica viabilizaria a revolução socialista não
se realizaram na maioria dos casos. Uma crise hegemônica, na verda-
de, pode decorrer de erros de avaliação sobre as estratégias que enfra-
quecem a liderança ou a legitimidade do grupo hegemônico.
A crise hegemônica, no entanto, pode ser estimulada através da
competição ideológica. O que Gramsci chama de guerra de posição
é parte desse processo de competição ideológica. Em vez de um ata-
que frontal ao Estado, como em algumas revoluções, ele achava que
na Europa ocidental seria preciso um trabalho meticuloso de conquis-
ta das mentes. Em analogia com o que ocorreu nos campos de batalha
durante a I Guerra Mundial, essa conquista seria feita pelos intelectu-
ais orgânicos em pequenos ataques locais, ao mesmo tempo em que
GLOSSÁRIO
*Legitimidade – ca-
ráter, estado ou qua-
lidade do que é le-
gítimo, ou seja, que
é conforme ao direi-
to positivo, que está
fundado e ampara-
do em lei; legal.
Fonte: Houaiss
(2001).
*Periferia – conjun-
to das economias
nacionais subdesen-
volvidas que estão
integradas aos gran-
des centros do capi-
talismo moderno.
Por extensão, país
periférico é o que
está nesse conjunto.
Nos últimos anos,
surgiu uma nova ca-
tegoria, a dos países
emergentes, que in-
clui o Brasil. São
países periféricos
que atingiram um
nível de renda mé-
dia acima dos países
mais pobres e são
grandes economias.
Os quatro membros
mais importantes
são conhecidos pela
sigla BRIC: Brasil,
Rússia, Índia e Chi-
na. Fonte: Sandroni
(1999).
Módulo 8
15
buscassem a proteção das regras sociais existentes naquele momento, como
na guerra de trincheiras. O papel do intelectual orgânico agora é propagar
uma ideologia concorrente àquela da fração de classe dominante.
Já a revolução passiva é uma estratégia do grupo dominante
para continuar hegemônico. Um exemplo interessante e contemporâ-
neo foram as mudanças institucionais, com a liberação gradual para a
formação de empresas privadas, feitas pelo Partido Comunista Chi-
nês, para assim permanecer no comando da sociedade chinesa.
Porém, quando a revolução passiva deixa de funcionar, o grupo
dominante pode tentar o uso da força para permanecer no poder. Na
disputa pela hegemonia, esse seria o momento para a guerra de mo-
vimento, na forma como ocorreram várias revoluções, com o ataque
aberto das forças revolucionárias. Nesse sentido, Gramsci era consis-
tente com a visão marxista tradicional.
Do ponto de vista de explicação do processo político, fica claro
que a análise gramsciana implica que uma superestrutura ideológica
dominante pode ser deslocada por outra. No fundo, a visão gramsciana
inclui um processo competitivo entre frações de classe na busca da
hegemonia sobre a sociedade civil. Há uma alternância de poder entre
esses grupos num horizonte temporal de, pelo menos, várias décadas.
Os intelectuais orgânicos são instrumentos essenciais nesse processo.
Saiba mais...
A teoria marxista de Estado tem muitas variantes e uma ampla
literatura que cobre desde a interpretação do que Marx realmente
quis dizer em seus escritos esparsos sobre isso, passando pela visão
ortodoxa dos soviéticos e indo até desenvolvimentos posteriores de
seus seguidores europeus e americanos. Um texto didático que cobre
as diversas teorias marxistas de Estado é:
CARNOY, Martin. Estado e teoria política. Campinas: Papirus,
1986.
Um texto que permite um aprofundamento das ideias políticas
gramscianas é:
SIMIONATTO, Ivete. Gramsci. 3. ed. Florianópolis: Editora da
UFSC; São Paulo: Cortez, 2004.
16
Curso de Graduação em Administração a Distância
A concorrência entre partidos políticos
Uma visão alternativa do processo po-
lítico é a da concorrência entre partidos polí-
ticos, desenvolvida a partir do trabalho dos
economistas Joseph A. Schumpeter, que es-
creveu um capítulo de seu livro Capitalismo,
socialismo e democracia, de 1942, com as
linhas gerais da teoria, e Anthony Downs, que
escreveu uma tese doutoral sobre o tema e a
publicou em 1957 com o título Uma teoria
econômica da democracia, tornando-se um
livro fundamental sobre o assunto. Ambos vi-
ram o processo político pelas lentes da teoria
econômica, inspirados no processo
concorrencial dos mercados de bens e serviços.
Segundo essa teoria da democracia, a
sociedade é composta por indivíduos, e esses podem ser classificados
em três tipos básicos: cidadãos, políticos e burocratas. Assim,
os cidadãos financiam os serviços fornecidos pelo setor pú-
blico e têm preferências definidas em relação à estrutura dos
gastos públicos;
os políticos, agindo em nome dos cidadãos, tomam as deci-
sões sobre os serviços públicos; e
os burocratas são os que executam as decisões dos políticos.
Cidadãos
Os cidadãos têm várias formas de manifestarem suas preferên-
cias. O sonho dos políticos é conseguir que os cidadãos deem apoio
incondicional ao governo, algumas vezes cegamente, como buscam
os governos autoritários e líderes carismáticos eventuais em democra-
cias, mas outras vezes um apoio consciente. Essa lealdade do cidadão
Para saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber mais
*Joseph Alois Schumpeter (1883 – 1950) –
economista austríaco que chegou a Ministro das
Finanças de seu país. Lecionou nas universida-
des de Bonn e de Harvard. Em seus estudos so-
bre a formação dos ciclos econômicos enfatiza
as inovações tecnológicas introduzidas por em-
preendedores. Fonte: Sandroni (1999).
*Anthony Downs – é economista e estudioso
das áreas de políticapública e administração
pública. A premissa de Downs é a de que políti-
cos e eleitores agem racionalmente. As motiva-
ções dos políticos são desejos pessoais, tais como
renda, prestígio e poder, obtidos via os cargos
que ocupam. Fonte: <www.anthonydowns.com/
bio.htm>. Acesso em 6 abr. 2009.
Módulo 8
17
ao governo pode, desse modo, ter muitos graus. Com um pouco de
boa vontade, é possível também ver alguma semelhança com os con-
ceitos gramscianos de ideologia e de hegemonia. Veja a famosa frase
do presidente americano John F. Kennedy: “Não pergunte o que seu
país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu
país”. Uma versão empresarial é: “Vista a camisa da empresa”. Você
pode pensar em diferentes interpretações para essas frases, mas uma
delas é a do apoio incondicional.
Numa democracia, os cidadãos são expostos às plataformas po-
líticas dos partidos políticos durante as campanhas eleitorais. As plata-
formas e o perfil ideológico dos partidos políticos facilitam a escolha
dos eleitores e reduzem os custos de busca de informação sobre as
várias decisões que precisam ser tomadas pelo setor público. Por exem-
plo, em vez de cada eleitor buscar informações sobre para quem o
governo deve transferir renda nos programas sociais ou onde cons-
truir estradas em regiões distantes da sua, ele apenas presta atenção
nas proposições incluídas nas plataformas, conforme expressas pelos
candidatos aos cargos públicos, e nas realizações efetivas dos partidos
quando estão no poder. Mesmo aí, os custos de informação são altos e
o eleitor tende a esquecer o que ocorreu no passado, lembrando ape-
nas os fatos recentes.
A manifestação dessas preferências pode ocorrer de diferentes
formas. A mais frequente delas é pelo voto, mas é possível ter uma
participação mais direta via manifestações públicas ou engajamento
num partido, dedicando parte do tempo livre para isso, ou seja, a pes-
soa participa com o próprio trabalho. Outra participação mais direta é
a doação de recursos, financeiros ou materiais, a candidatos e parti-
dos. O lobby*, que pode ser direto, com trabalho próprio, ou via a
contratação de pessoas especializadas nessa atividade, é um tipo de
participação em busca de interesses específicos, tanto pessoais como
institucionais, em favor de empresas privadas, de corporações profis-
sionais ou de grupos religiosos. Em todos esses casos, os cidadãos
aceitam a sociedade como ela é com suas instituições. Quando as pes-
soas não aceitam as regras de funcionamento da sociedade, elas têm
GLOSSÁRIO
*Lobby – atividade
que visa influenciar
atividades e deci-
sões das autoridades
públicas dos Pode-
res Executivo,
Legislativo ou Judi-
ciário, mediante ar-
gumentos, persua-
são ou coação, de
modo que as deci-
sões favoreçam os
interesses de deter-
minado grupo eco-
nômico ou organi-
zação. Fonte:
Lacombe (2004).
18
Curso de Graduação em Administração a Distância
duas opções: a revolta ou a emigração. A emigração desse tipo é mais
adequadamente descrita como exílio voluntário.
Políticos
Os políticos são vistos, na teoria da concorrência entre partidos,
como profissionais que oferecem serviços de decisão sobre serviços
públicos, tendo como motivação a maximização de sua própria renda
real. Mas a renda real é vista de uma forma diferente da usual, que
considera o poder de compra dos rendimentos que a pessoa recebe.
Esse termo é usado para os políticos talvez por falta de um mais ade-
quado. Um componente dessa renda real é a remuneração que os car-
gos políticos podem proporcionar. Muitas vezes um nível educacional
formal relativamente baixo pode ser compensado pela habilidade de
atrair votos, gerando para o profissional uma renda monetária muito
acima do que conseguiria em empregos regulares. O mesmo argumen-
to pode ser feito em relação a habilidades para a atividade empresari-
al, que podem ser exercidas independentemente da educação formal,
embora a combinação da educação com a habilidade empresarial seja
bastante útil.
Para políticos que desenvolvem atividades econômicas parale-
las, pessoalmente ou com ajuda de familiares e amigos próximos, muitas
vezes o exercício da política dá acesso a informações sobre a máquina
pública e sobre novas leis ainda em fase de negociação fora do
Legislativo, que revertem em vantagens comerciais para o grupo, nem
sempre consideradas moralmente inaceitáveis ou proibidas por lei.
Além disso, há outros componentes nessa renda real, aos quais
os economistas costumam associar equivalentes monetários mais como
uma simplificação da análise. O exercício de cargos políticos também
gera satisfação pelo fato de a pessoa estar em posição de comando,
algo que qualquer pessoa em cargos administrativos também pode sen-
tir. No entanto, esses cargos têm seu lado negativo, pois envolvem a
solução de muitos conflitos entre pessoas e a obrigação de emitir or-
dens que envolvem, muitas vezes, consequências desagradáveis para
outras pessoas. Mas as disputas pelos cargos mostram que o resultado
líquido deve ser positivo na maioria dos casos, mesmo que essas dis-
Módulo 8
19
putas não ocorram apenas pela satisfação envolvida. Há ainda o as-
pecto psicológico de os políticos serem, em muitos cargos, o centro
das atenções e até de respeito e consideração. Na vida privada, muitas
das festas e ritos de passagem são formas de as pessoas serem o centro
das atenções por algumas horas. No caso de muitos políticos, os ga-
nhos psicológicos pessoais do exercício do poder chegam a ser imen-
sos. Além disso, tal atenção é acompanhada de benefícios que só pes-
soas muito ricas podem ter.
Um político, no entanto, não pode se lançar como candidato com
uma plataforma em que declare tal busca de renda real. De fato, há
uma cultura entranhada nas religiões e nos valores herdados de épo-
cas em que os políticos não eram remunerados e, na verdade, nem
eram escolhidos popularmente. Predomina a ideia de que a represen-
tação pública é feita pela busca desinteressada do bem comum. É a
ideia do político idealista, que salvaria a sociedade dos males de cau-
sas diversas e da incompetência dos políticos do momento. Note que
isso é diferente de existirem políticos guiados, por princípios éticos
rígidos e por valores partidários. Por conta disso, os políticos procu-
ram disfarçar ao máximo os interesses próprios ou dos grupos de inte-
resse que os apoiam, normalmente com recursos financeiros para cus-
tear campanhas eleitorais. Mesmo em regimes políticos não-democrá-
ticos, há a necessidade de os ditadores passarem a imagem do desinte-
resse pessoal. Essa necessidade de buscar o bem comum faz com que
os interesses específicos, pessoais ou de grupos, sejam disfarçadamente
apresentados como benefícios à sociedade como um todo. Nesse sen-
tido, essa teoria tem isso em comum com a ideia da legitimidade vista
anteriormente na teoria gramsciana.
Os políticos tendem a ser generalistas, por conta do grande nú-
mero de questões discutidas nos órgãos legislativos. Exatamente esse
fato de terem que entender de tudo é que lhes dá uma imagem de que
não entendem de nada, em comparação com todos os tipos de especi-
alistas presentes na sociedade, principalmente aqueles com educação
formal. Esse generalismo é que permite, muitas vezes, que um médico
que tenha exercido vários cargos de representação política possa se
tornar um competente Ministro da Fazenda, cargo que muitas pessoas
20
Curso de Graduação em Administração a Distância
talvez imaginassem que apenas economistas estivessem aptos a exer-
cer. Por outro lado, o fato de se informarem e entenderem de muitas
questões, além de procurarem ser assessorados por especialistas em
temas mais complexos, faz com que os políticos diminuam os custos
de busca de informação para os eleitores. Em vez de gastar muito tem-
po para se informar sobre todos os temas que são de interesse coletivo,
o cidadão apenas escolhe seus representantes em função de suas posi-
çõessobre as questões que o próprio eleitor considera importante. Os
detalhes na hora das decisões ficam por conta desses representantes.
Partidos
Os políticos se agrupam em partidos, que equivalem a empre-
sas privadas do ponto de vista de venda de serviços, embora as regras
de pertencimento possam ser menos rígidas nos partidos políticos. Uma
plataforma política de um partido reflete sua ideologia e resulta em
pacotes de políticas governamentais. Por sua vez, a ideologia partidá-
ria equivale às marcas das empresas privadas. A composição comple-
xa das plataformas equivale à venda casada em que a empresa
condiciona a venda de um produto à compra de outro. Um exemplo
seria o eleitor que deseja um viaduto no seu bairro e, ao votar num
candidato que o promete, pode ter que ajudar no pagamento de servi-
ços de um novo posto de saúde em outra parte da cidade. Esse exem-
plo ilustra o outro lado da moeda: junto com as promessas de benefíci-
os via gastos públicos, há a conta de impostos. Os eleitores têm cons-
ciência disso, embora saibam que o efeito individual é pequeno, pelo
menos quando se trata de acréscimos de impostos em cima de uma
conta já grande.
Uma vez no poder, o partido e os respectivos políticos têm o
monopólio da representação durante o mandato. Isso significa que
podem agir de forma independente dos interesses do eleitor. Esse mo-
nopólio só será contestado ao final do mandato e ele pode ter duração
fixa, em democracias como a brasileira, ou variável, como no regime
parlamentarista. O equivalente ao término de um mandato em regimes
autoritários é a derrubada do grupo que está no poder por um grupo
rival. Nesses casos, dependendo da legitimidade desse exercício de
Módulo 8
21
Você pode comparar a
presente discussão sobre
burocracia com a
apresentação vista na
disciplina de Sociologia.
poder, o mandato pode ter longa duração até que seja contestado. Como
nos casos de duopólio* ou oligopólio*, a concorrência desses grupos
pode envolver conflitos. Entre as empresas ocorrem guerras de pre-
ços. Entre os grupos rivais que buscam o poder autoritário, monopolista,
em geral, há conflitos armados.
As vantagens do poder, monetárias ou não, são distribuídas, em
geral, via coordenação dos partidos. Daí a usual distribuição dos car-
gos de confiança em base política. Contudo, num ambiente de concor-
rência política bem azeitada, essas vantagens tendem a diminuir, pois
o exagero em seu uso pode ser utilizado pelos partidos de oposição
como elementos de suas plataformas, na forma de críticas aos partidos
da situação. Ao mesmo tempo, é exatamente esse processo competiti-
vo que permite um melhor ajuste das ações político-partidárias às pre-
ferências dos eleitores. Quanto melhor for esse ajuste, mais próximo
do atendimento do bem-comum estará o processo político, agora defi-
nido de baixo para cima.
A ideia de a competição entre empresas reduzir os lucros muito
altos é essencial em teoria econômica de mercados com alto grau de
competição. Assim como as empresas não gostam de competição, os
partidos políticos também criticam o grande número de partidos. Daí a
criação de leis que restringem esse número. No Brasil, houve o estí-
mulo ao surgimento de muitos partidos por conta de regras para o uso
do tempo obrigatório na televisão e do acesso a fundos públicos para
esses partidos. Por um lado, isso é saudável, pois aumenta a competi-
ção política, mas, por outro, torna ineficiente o debate na televisão e
até o funcionamento do Poder Legislativo.
Burocratas
Os burocratas, normalmente chamados de funcionários públi-
cos, tocam a máquina governamental. Burocracia é uma estrutura de
funções, em geral hierarquizadas, com rotinas pré-determinadas de
serviços em que as pessoas são substituíveis. Como invenção, prece-
deu a técnica de peças intercambiáveis da indústria, tendo aparecido
na Antiguidade. É também a forma como as empresas são organiza-
das, sendo os burocratas privados chamados de empregados ou funci-
GLOSSÁRIO
*Duopólio – situa-
ção de mercado ca-
racterizada pela
existência de apenas
dois vendedores de
determinada merca-
doria ou serviço.
Fonte: Sandroni
(1999).
*Oligopólio – tipo
de estrutura de mer-
cado, nas economi-
as capitalistas, em
que poucas empre-
sas detêm o contro-
le da maior parcela
do mercado. Fonte:
Sandroni (1999).
22
Curso de Graduação em Administração a Distância
onários. Técnicas administrativas de motivação levam a designações
alternativas para esses burocratas, como a de colaborador, tendo caído
de moda a de recursos humanos.
Talvez por críticas a casos de ineficiência administrativa no se-
tor público e pelo poder discricionário que os burocratas possuem so-
bre os cidadãos em Estados autoritários, há uma imagem negativa as-
sociada ao termo burocrata, surgida ao longo do Século XX. Nós
mantemos o termo burocrata aqui por ter um sentido neutro na teoria
econômica que agora discutimos. Por exemplo, nesse sentido, profes-
sores universitários, são também burocratas. Podem sentir orgulho de
saber que as estruturas burocráticas foram invenções que viabilizaram
o crescente grau de complexidade das sociedades e civilizações desde
a Antiguidade. Em nossa época, ocorre apenas o aperfeiçoamento des-
sas estruturas organizacionais. O próprio curso que você faz neste
momento é parte do treinamento de pessoas que poderão substituir
outras.
Em termos de objetivos pessoais, o burocrata maximiza sua ren-
da real, que é composta pela remuneração em termos monetários, pe-
las condições de trabalho e, eventualmente, pelo exercício do poder,
quando em cargos de direção. Certos cargos públicos dão um bom
conhecimento da máquina governamental, e isso possibilita o exercí-
cio de funções em empresas privadas. Essa possibilidade de salários
maiores posteriormente é também parte da renda real ao longo da car-
reira desses funcionários, algumas vezes com salários abaixo do mer-
cado para funções equivalentes. Mas para evitar vantagens considera-
das indevidas a essas organizações, a passagem do funcionário público
ao setor privado é frequentemente cercada de restrições, como é o caso
de períodos de quarentena administrativa para altos funcionários do Ban-
co Central.
Como vimos, o poder de burocratas em cargos de direção de-
pende, em essência, do tamanho do birô*, definido pelo tamanho de
suas dotações orçamentárias anuais, dos ativos imobilizados que dis-
põe e do número de funcionários que controla. Esses cargos são nor-
malmente preenchidos por critérios políticos, exatamente pelas
consequências políticas que têm. Mas o número desses cargos varia
GLOSSÁRIO
*Birô ou Bureau –
lugar onde se reali-
za um trabalho inte-
lectual; escritório;
gabinete. Fonte:
Houaiss (2001).
Módulo 8
23
de país a país e, aparentemente, depende
do grau de maturidade dos regimes demo-
cráticos. A própria concorrência política e
a frequente alternância de partidos no po-
der motiva a diminuição do número des-
ses cargos no longo prazo, como forma de
diminuir as vantagens eleitorais do parti-
do de situação.
Um tipo especial de burocrata é o
tecnoburocrata. É um funcionário especi-
alizado que, em geral, dirige importantes
birôs. Comumente, tecnoburacratas são
identificados com os economistas e enge-
nheiros brasileiros que tiveram grande
importância entre os anos 1950 e 1970.
Ajudaram a criar o sistema financeiro bra-
sileiro e as grandes empresas estatais, além
de todo o sistema de planejamento gover-
namental. Entre os exemplos mais conhe-
cidos estão Roberto Campos, Celso Fur-
tado e Ignácio Rangel.
Poderes e níveis de governo
Portanto, a questão fundamental que
essa visão do processo político, baseada
na concorrência entre partidos políticos, procura responder é como os
interesses dos cidadãos são em última análise atendidos. Nas demo-
cracias, os políticos precisam concorrer entre si para conseguir que os
cidadãos digam sim a suas plataformas e ideologias. A ligação entre
os políticose os burocratas tende a ser de forma hierárquica dentro de
cada poder. Mas a divisão em poderes – Legislativo, Executivo e Judi-
ciário – é uma forma de dividir trabalho na burocracia governamental
e, ao mesmo tempo, de diminuir a concentração do poder político. A
divisão em níveis de governo também pode ser vista como uma
desconcentração de poder e de busca de maior competição entre os
Para saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber mais
*Roberto de Oliveira Campos (1917-2001) –
diplomata; assumiu a Presidência do Banco Na-
cional do Desenvolvimento Econômico (BNDE)
de 1958-1959; foi embaixador brasileiro nos
EUA de 1961-1964; Ministro de Planejamento
de 1964-1967. Fonte: <www.cpdoc.fgv.br/
dhbb/Verbetes_HTM/1023_1.asp>. Acesso
em: 6 abr. 2009.
*Celso Furtado (1920 - 2004) – economista
brasileiro, primeiro superintendente e idealizador
da Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste (Sudene) e Ministro do Planejamento
no governo de João Goulart (1961-1964). Foi
também um dos diretores do BNDE (1953). Em
1957, publicou Formação Econômica do Brasil,
seu livro mais conhecido. Fonte: Sandroni
(1999).
*Ignácio de Moura Rangel (1914-1994) –
formado em direito, mas reconhecido como eco-
nomista, ingressou no serviço público federal em
1952, na assessoria do presidente Getúlio
Vargas, e integrou o Conselho Nacional do Pe-
tróleo, aposentando-se em 1975 pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico. Fon-
te: Sandroni (1999).
24
Curso de Graduação em Administração a Distância
políticos. Os grupos de interesse também concorrem entre si tanto em
democracias como em regimes autoritários.
Nos regimes autoritários, a concorrência pode passar por longos
períodos de estabilidade, enquanto o monopólio é mantido, mas a con-
testação do poder por novos concorrentes pode gerar instabilidade até
que novo grupo consiga se legitimar. Mas isso, como nos mercados,
também é competição. Assim, a resposta de como os interesses dos
cidadãos são atendidos, embora com desvios eventuais, é pela compe-
tição política, de forma parecida com o que ocorre entre empresas.
Saiba mais...
O texto original de Schumpeter inicialmente critica a visão
clássica de ciência política em que se pressupõe que os políticos
buscam o bem comum. Traduzida popularmente, é aquela visão de
que é necessário um líder eticamente puro e carismático para resol-
ver todos os problemas da sociedade. Você pode conferir como o
próprio autor discutiu isso principalmente nos Capítulos 21 e 22 de:
SCHUMPETER, Josef A. Capitalismo, socialismo e democracia.
Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
Você encontra uma exposição didática da visão schumpeteriana
da concorrência entre partidos, com ênfase nos tipos de agentes
econômicos – cidadãos, políticos, burocratas e tecnoburocratas –
no Capítulo 4 de:
FILELLINI, Alfredo. Economia do setor público. São Paulo:
Atlas, 1989.
Para uma exposição breve sobre o papel da competição política
no combate à corrupção, veja:
SANSON, João R. O fiscal do fiscal e o combate à corrupção.
Atualidade Econômica, ano 20, n. 53, p. 7-11, ago./dez. 2008.
Disponível em: <www.cse.ufsc.br/gecon/boletim.htm>. Acesso em:
30 out. 2008.
Módulo 8
25
RESUMO
Nesta Unidade, você estudou duas teorias de Estado.
A teoria gramsciana enfatiza a hegemonia de frações de clas-
ses sociais, mantida por uma visão de mundo, a ideologia, acei-
ta pelas classes dominadas. Esse domínio está sujeito a contes-
tações por parte de outras frações de classe que apresentam ide-
ologias alternativas, divulgadas por seus intelectuais orgânicos.
No longo prazo, com a eventual crise da classe hegemônica,
ocorre uma alternância de poder. Por sua vez, a teoria da con-
corrência entre partidos explica o funcionamento do Estado
a partir de comportamentos individuais. Num ambiente de alta
concorrência entre os políticos, organizados em partidos políti-
cos, as preferências dos eleitores são atendidas via decisões dos
políticos e das ações de funcionários públicos, como parte da
estrutura burocrática estatal. Há, porém, fatores que restringem
a velocidade de ajuste a mudanças nessas preferências, como o
poder que os políticos têm de agirem independentemente dos
interesses de seus eleitores quando se preocupam apenas com o
curto prazo de um mandato, como o fato de os eleitores terem
memória curta em relação aos atos dos políticos e como o fato
de grupos de políticos conseguirem poder de monopólio ou algo
bastante próximo disso, o que é típico de governos autoritários.
Em comparação com a teoria gramsciana, a teoria da con-
corrência entre partidos preocupa-se mais com a explicação da
dinâmica das democracias e, mais recentemente, com a
alternância de poder pela força, como no caso de golpes de es-
tado e ditaduras mais duradouras. Em contraste, a teoria
gramsciana preocupa-se com a permanência no comando su-
premo de uma sociedade por grupos específicos, olhando para
26
Curso de Graduação em Administração a Distância
várias décadas à frente. Mas as duas teorias têm em comum as
ideias da possível alternância no poder e de como o atendimen-
to das necessidades públicas e da legitimidade dos governantes
é mais efetivo com essa alternância.
Atividades de aprendizagem
Confira se você teve bom entendimento do que tratamos
nesta Unidade respondendo às questões conforme os con-
ceitos estudados. Para respondê-las, você deve revisar os
textos correspondentes ao assunto até ter compreendido
o que perguntamos. Você pode reler os textos quantas
vezes forem necessárias para ter certeza de que entendeu
o assunto. Quanto à extensão da resposta, o ideal é que
seja breve, mais ou menos entre cinco e dez linhas de
texto, escrita com suas próprias palavras. Você conseguirá
uma redação própria mais facilmente se tiver atingido o
objetivo proposto na Unidade. Caso não se lembre, releia
também o objetivo.
Então, bom trabalho!
Se precisar de auxílio, não deixe de fazer contato com seu
tutor pelo Ambiente Virtual de Ensino-Aprendizagem. Ele
está à sua disposição para auxiliá-lo.
1. Qual é o papel da ideologia na hegemonia de um grupo sobre a
sociedade civil?
2. Caracterize o conceito de hegemonia, relacionando-o à crise
hegemônica e à revolução passiva.
3. Novas ideologias são usadas como instrumento de contestação
ao grupo hegemônico. Como os conceitos de intelectual orgânico e
de guerra de posição se encaixam nesse processo?
Módulo 8
27
4. (Falso ou verdadeiro? Justifique.) Na teoria política inspirada na
concorrência entre empresas,
a) os cidadãos escolhem combinações de bens e serviços pú-
blicos por meio de plataformas de partidos políticos;
b) os burocratas são generalistas que tomam as decisões sobre
as múltiplas questões que aparecem nas plataformas políti-
cas; e
c) plataformas políticas são um meio de reduzir custos de in-
formação na hora de escolher entre diferentes combinações
de bens e serviços públicos.
O tamanho do setor públicoO tamanho do setor público
UNIDADE
2
30
Curso de Graduação em Administração a Distância
Objetivo
Nesta Unidade, você estudará a divisão de tarefas entre o setor público
e o setor privado. Ao final dela, você deverá ser capaz de: distinguir
entre diferentes tipos de bens, classificados de acordo com a forma
como são consumidos; identificar porque é muito caro cobrar por alguns
tipos de benefícios ou conseguir indenização por sacrifícios sofridos; e
analisar o tamanho do Estado em termos de quanto da renda total é
apropriado via tributos.
Módulo 8
31
A fronteira entre os setores
público e privado
Caro estudante!
A questão do tamanho do setor público envolve uma
classificação dos tipos de bens. Nesta seção, você verá,
inicialmente, como classificar os bens e como isso ajuda a
entender o conceito de externalidade. Nas seções seguin-
tes, nossa preocupação é com os tipos de atividades do
setor público. O Estado pode produzir bens e serviços
diretamente e pode fazer parcerias com o setor privado.
Além da atividade produtivadireta, que mais o Estado faz?
Na verdade, regulamenta atividades privadas, estabiliza o
nível de atividade e, consequentemente, o emprego e, mais
importante, redistribui renda. Nas seções finais desta
Unidade, nossa preocupação será com o tamanho relativo
do setor público. O Estado moderno depende muito
pouco de atividades produtivas próprias como fonte de
renda, pois, em geral, essas atividades requerem novos
investimentos públicos, sendo assim uma fonte adicional
de despesas públicas. Na verdade, para suas várias ativida-
des, o Estado tributa os cidadãos, como você já estudou na
Unidade anterior. Assim, é possível perguntar qual é esse
nível de tributação em comparação com o produto do país.
Bons estudos!
Tudo era setor público em algumas sociedades bastante anti-
gas, como no Império Inca, e também nos experimentos socialis-
tas do Século XX. As decisões eram totalmente centralizadas e
tomadas por um corpo de funcionários públicos, tornando a socie-
dade uma grande fazenda, como no Império Inca, ou uma grande
fábrica, como no experimento soviético. Historicamente, ocorreu
a gradual descentralização* das decisões de produção e de distri-
Veja a indicação de
leitura sobre a socieda-
de inca no Saiba mais
desta seção.
GLOSSÁRIO
*Descentralização –
processo de descen-
tralizar. Descen-
tralização significa
que a maioria das
decisões relativas ao
trabalho que está
sendo executado é
tomada pelos que o
executam, ou com
sua participação.
Fonte: Lacombe
(2004).
32
Curso de Graduação em Administração a Distância
buição de bens com a ajuda de mercados institucionalizados desde
milhares de anos atrás.
Mas como podemos explicar essa descentralização?
Por que nem toda a produção de bens e serviços é
privatizável?
Como explicar os casos em que o setor público apenas regu-
lamenta a produção privada?
Você verá, inicialmente, a grande diferença, do ponto de vis-
ta econômico, entre degustar um delicioso prato de peixe, por
exemplo, ou de camarões e ostras de Florianópolis, e um bom jogo
de futebol, num dia inspirado da seleção brasileira, visto pelo si-
nal da TV aberta. Pela caracterização de diferentes tipos de bens e
serviços, você entenderá porque há uma divisão de trabalho entre
o setor público e o setor privado. Em seguida, terá um rápido in-
ventário dos tipos de atividades estatais e, ao final, de como se
mede e explica a evolução do tamanho do setor público.
Para essa discussão, classificamos bens e serviços com base
em duas características: a rivalidade no consumo e a exclusão de
consumo. A característica da rivalidade tem um sentido físico, de
ocupação de espaço. Um bem ou serviço consumido por uma pes-
soa é rival no sentido de que apenas ela pode fazer isso, pois no
momento em que o consumo ocorre não há possibilidade de outra
pessoa fazê-lo ao mesmo tempo. Exemplos de bens ou serviços
com rivalidade: um delicioso prato de carne de sol, uma cerveja
bem gelada, uma porção de água fresca ou um bom atendimento
médico. Várias pessoas, às vezes, consomem juntas um prato de
camarões, acompanhado de cerveja, mas as porções servidas a cada
pessoa são consumidas apenas por elas. Veja, em contraste, alguns
exemplos de serviços não-rivais: defesa nacional ou sinais da TV
aberta. No caso de não-rivalidade, muitas pessoas se beneficiam
simultaneamente do serviço. Essa classificação de bens e serviços
segundo a rivalidade no consumo só admite duas opções: rival e
não-rival.
Módulo 8
33
Bens ou serviços não-rivais têm uma dimensão espacial, que pode
torná-los locais. Um primeiro exemplo é a iluminação pública, em que
o alcance do serviço tem uma área limitada pela potência das lâmpa-
das. É apenas naquele perímetro que várias pessoas podem se benefi-
ciar do serviço simultaneamente. Isso vale também para a proteção
contra certas doenças via obras de saneamento.
A característica da exclusão de consumo ocorre quando é
possível impedir que alguém possa consumir um determinado bem
ou serviço. Contudo, essa exclusão pode ser difícil e cara, crian-
do, assim, diferentes graus de exclusão possíveis. Do ponto de
vista dos custos, há muitas formas de exclusão. Uma forma
institucional, que envolve convenções sociais, é a do reconheci-
mento de direitos de propriedade. A propriedade pode ser privada
ou coletiva. A propriedade coletiva envolve exclusão de quem não
pertence àquele grupo social. Aliás, isso está implícito na defesa
de territórios, pelas forças armadas.
Já a propriedade privada envolve a exclusão de consumo
dentro da própria sociedade. Assim, se você possui um livro e as
demais pessoas reconhecem sua propriedade sobre ele, você pode
impedir outras pessoas de o lerem. É por isso que você diz a seu
amigo que poderá lhe emprestar o livro quando você não o estiver
necessitando. Você também pode emprestar algum tipo de alimen-
to com a expectativa de que terá de volta algo equivalente mais
tarde. Se a devolução ocorrer, isso implica o reconhecimento de
seu direito de propriedade sobre o alimento emprestado. Contudo,
quando se trata de amigos, é mais realístico considerar isso como
doação. Ele até reconhece seu direito de propriedade, mas a clás-
sica resposta do “devo, não nego, mas pago quando puder” pode
tornar inútil esse direito.
Os diferentes graus de exclusão dependem da tecnologia uti-
lizada e dos correspondentes custos. Por exemplo, excluir as pes-
soas de assistirem a um jogo de futebol envolve os altos custos de
construção de um estádio. O conforto dado às pessoas, que nem
sempre é a contento, vem acompanhado da exclusão dos não-
pagantes. Não incluímos aqui as entradas conseguidas gratuita-
34
Curso de Graduação em Administração a Distância
Na verdade, o que
viabiliza uma empresa
de TV aberta é o
serviço de propaganda
para outras empresas.
Quem assiste TV
nessa forma recebe um
pacote de diversões e
propaganda.
mente, que refletem outros fatores de conveniência dos clubes e
donos de estádios. São exemplos de exclusão de baixo custo: co-
midas de restaurantes, alimentos vendidos em feiras, remédios ou
serviços médicos. Como exemplos de exclusão cara, podemos ci-
tar: peixes num grande lago, espaço de estacionamento em áreas
centrais de cidades ou espaço para os veículos rodarem numa es-
trada. Os sinais da TV aberta são um exemplo em que se desiste
da exclusão, embora TV a cabo e por satélite sejam exemplos de
exclusão possível para um serviço não-rival, apesar dos altos cus-
tos. Se alguém contratar os serviços de uma empresa privada para
obras de saneamento na área de sua residência terá muitas dificul-
dades em excluir os vizinhos desses benefícios. Logo, a classifi-
cação dos bens pela possibilidade da exclusão de consumo envol-
ve um número muito grande de tipos de bens possíveis.
Combinando as duas formas de classificação de bens e ser-
viços, ou seja, segundo a rivalidade ou a exclusão, podemos defi-
nir vários tipos de bens. Num extremo da dupla classificação, se o
bem é não-rival no consumo e se a exclusão é muito cara, então
ele é chamado de bem público. Note que nessa definição não di-
zemos que o bem tem que ser produzido pelo setor público para
ser caracterizado como bem público. Por exemplo, em regiões de
fronteira, onde os serviços de segurança pública ainda não chega-
ram ou são ineficazes, as pessoas podem formar uma brigada de
voluntários ou até de vigias particulares para se protegerem de la-
drões de gado. Todos os agricultores e criadores de gado da área
são protegidos simultaneamente. Isso também ocorre quando as
pessoas pagam pelo serviço de vigias numa determinada rua. Em
algumas regiões do Brasil, as pessoas fazem trabalho comunitário
para a limpeza de riachos e de valetas de escoamento de água e
esgoto, com benefício simultâneo para toda a localidade. A princi-
pal consequência para os que não colaboram é, às vezes, serem
alvo de um tratamento frio e do desprezo dado aos indivíduos que
tiram proveito excessivo de seus pares.
 No outro extremo,se o bem envolve rivalidade e a exclusão é
de baixo custo, então ele é um bem privado. Esse é o caso, por exem-
Módulo 8
35
plo, da carne de sol e da cerveja. A linguagem da mídia tende a definir
bens privados como aqueles com provisão de mercado e bens públi-
cos como aqueles de provisão pública. Em geral, isso reflete um estu-
do apressado desses conceitos, mas é possível que a influência da mídia
seja maior do que a da academia no longo prazo.
Um caso intermediário ocorre quando o bem é rival, mas a
exclusão é cara. Esse é o caso dos bens de uso comum. Um exem-
plo bastante relevante para nossa época é a camada de ozônio e a
atmosfera como um todo. Quando alguém emite gases que destro-
em uma parte da camada de ozônio, consome aquela parte da mes-
ma. Como é difícil definir quem é o dono da camada, quem chegar
primeiro é o dono e a consome ao se livrar de gases poluentes.
Isso é ilustrado mais diretamente por áreas de pesca. Como é difí-
cil definir a propriedade dos oceanos, especialmente as áreas de
mares internacionais, os donos dos grandes peixes ameaçados de
extinção são os que primeiro os capturarem. Contudo, se esses
pescadores não os pescarem, outros podem pescá-los e o sacrifí-
cio de não pescá-los terá sido em vão. O sacrifício é individual,
mas o benefício de deixar os peixes atingirem a idade apropriada
para não os ameaçar de extinção é dividida com todos os pescado-
res. Logo, o sacrifício de deixar para pescar mais tarde é muito
maior do que o beneficio de fazê-lo depois. Porém, há situações
em que a exclusão é viável, seja por acerto comunitário ou inter-
nacionalmente, como nos acordos para a preservação de várias es-
pécies de baleias, seja por regulação estatal, dentro de países ou
mares cercados por poucos países. No caso da pesca, é possível
haver a exclusão quando se definem direitos de propriedade sobre
pequenas lagoas, como no caso do sistema do “pesque e pague”,
mas, então, a pesca deixa de funcionar em regime de recursos de
uso comum para se tornar um bem privado.
Podemos sistematizar essa classificação de bens com ajuda
do Quadro 1. Para a combinação de rivalidade com baixos custos
de exclusão, temos o caso dos bens privados puros. O outro caso
extremo é de bens públicos puros, normalmente mencionados na
literatura de finanças públicas apenas como bens públicos. A vari-
36
Curso de Graduação em Administração a Distância
Como explicar a
distribuição gratuita de
remédios pelo setor
público? Arrisque uma
resposta e aguarde até
o próximo parágrafo,
onde chegaremos ao
conceito de
externalidade.
abilidade dos custos de exclusão gera casos mistos, conforme ob-
servamos no Quadro 1 a seguir. Fica fácil também localizar os bens
de uso comum.
Baixo
Níveis intermediários
Alto
Não
Público privatizável
Misto
Público puro
Sim
Privado puro
Misto
Uso comum
Rivalidade
Custo de
exclusão
Quadro 1: Tipos de bens, segundo o custo de exclusão e a rivalidade
Fonte: adaptado de Jones (2000, p. 68)
Na explicação da fronteira entre os setores público e privado,
podemos concluir que os Estados poderiam liberar para a atividade
privada aqueles bens em que a exclusão é barata, independente de o
bem ser rival ou não no consumo. Por exemplo, a produção e até a
provisão de remédios são, em geral, atividades do setor privado, dada
a facilidade da exclusão. Já a provisão de serviços de segurança públi-
ca, cuja exclusão é difícil, normalmente fica nas mãos do setor públi-
co, embora a produção possa ocorrer via setor privado. Isso também
ocorre com a infraestrutura de transporte. Por exemplo, o Estado pode
prover esse tipo de infraestrutura, mas a produção é privada, com pa-
gamento pelo Estado, que, na verdade, apenas repassa os tributos.
O entendimento de por que a produção de bens e serviços clara-
mente privados, assim como a de bens rivais de exclusão barata, é
muitas vezes mantida publicamente necessita de mais um conceito
importante, o de externalidades. No caso de bens privados puros, o
preço pago pelos compradores reflete os benefícios proporcionados a
eles por esses bens, enquanto que o mesmo preço, do ponto de vista
dos vendedores, reflete os custos de produção. Mas há casos em que
benefícios ou custos estão envolvidos sem que as instituições permi-
tam a cobrança de tais benefícios ou o ressarcimento de custos. Não
há, portanto, um mercado para tais benefícios ou custos. É uma falha
institucional que impede o acerto entre as partes do negócio sobre o
Módulo 8
37
que é a mercadoria ou de como cobrar adequadamente por ela. Do
ponto de vista institucional, podemos dizer também que é uma falha
do mercado, pois há benefícios ou sacrifícios envolvidos na transação
que não são objetos de pagamento.
Se há custos desconsiderados ou externos a uma transação de
mercado, dizemos que ocorrem externalidades negativas. A produ-
ção será superior à que seria obtida se todos os custos fossem conside-
rados. Um exemplo importante é o de agroindústrias avícolas que po-
luem um rio. Isso afeta o uso do mesmo como fonte de água potável
ou de lazer para a população rio abaixo. Os compradores de frango
nos supermercados pagam um preço inferior ao que pagariam se os
custos de evitar a poluição fossem considerados e, assim, compram mais
do que seria o nível de produção compatível com uma poluição menor.
Um exemplo na área de saúde é o dos cuidados necessários para
diminuir a população de mosquitos transmissores de doenças, como é
o caso da dengue. Muitas pessoas desfrutam do conforto de não traba-
lhar o suficiente para evitar focos da dengue em suas propriedades,
mesmo tendo conhecimento dos mecanismos de propagação da doen-
ça. Calculam que isso não fará muita diferença quanto à probabilidade
de elas mesmas adquirirem a doença. Se muita gente fizer isso, o re-
sultado será a proliferação do vetor da doença.
Outro exemplo da área da saúde é o do consumo de drogas,
incluindo aí o fumo e o álcool, além de narcóticos ilegais. Em princí-
pio, drogas são bens privados. No entanto, seus efeitos psicológicos
ocasionam comportamentos inadequados socialmente, muitas vezes
resultando em violência contra terceiros, como no caso de acidentes
de trânsito, ou em doenças altamente custosas para os usuários e para
pessoas expostas indiretamente a seus efeitos, como é o caso dos
derivados do tabaco. Numa sociedade com acesso universal à saúde,
isso resulta em sobrecarga nas despesas do sistema. A solução para
essas externalidades negativas tem sido a proibição pura e simples
ou a restrição a seu consumo, o que ignora as preferências desses
usuários. Uma solução frequente, que respeita as preferências de
usuários, é a tributação bastante alta das drogas lícitas de forma a
compensar a sociedade por esses custos. Mas nos casos de viciados,
38
Curso de Graduação em Administração a Distância
A seguridade social
brasileira está descrita
no Art.194 da Consti-
tuição Federal de
1988.
cuja elasticidade-preço da demanda é extremamente baixa, de modo
a levar a pequena queda de quantidade demandada por conta de gran-
des variações de preços, a tributação tem o efeito indesejado de pio-
rar a situação de pessoas de baixa renda. O efeito indireto é também
um aumento de despesas públicas de saúde.
Como parte da seguridade social no Brasil, que inclui o acesso
universal à saúde, a assistência social e a previdência social, você já
pensou que tipo de externalidade envolve a Previdência Social? A pre-
vidência social envolve um tipo de externalidade diferente. Quando se
é jovem, há incerteza quanto ao nível de renda que se terá na velhice.
O ideal é que todos fizessem um seguro de garantia de renda para essa
fase da vida, independente do que cada um conseguisse durante os
anos de trabalho. O seguro seria apenas uma garantia de que não se
passará necessidades. Contudo, na juventude, os anos da velhice ain-
da estão muito longe e tais rendimentos valem muito pouco no presen-
te. A tendência éque um grande número de pessoas deixe para fazer
tal tipo de seguro muito mais tarde. É por isso que os planos de previ-
dência privada cobram mensalidades bastante baixas de quem entra
nesses planos ainda jovem. Como poucos fazem isso quando jovens,
as mensalidades tendem a ficar muito altas para que a empresa de se-
guros possa cobrir os altos custos de vender o seguro apenas para pes-
soas mais velhas. Isso leva a mensalidades mais altas também para os
jovens que entram cedo no sistema, afastando-os mais ainda.
Essa é uma explicação para o fato de que a estatização desse
tipo de seguro começou cedo na Europa, ao longo do Século XIX.
Junto com a estatização veio a obrigatoriedade de se adquirir o servi-
ço. No setor público, o Estado cobra uma fração dos salários de todos
os que trabalham formalmente, que, no Brasil, são aqueles com regis-
tro na carteira de trabalho, para cobrir as despesas daqueles que já
estão aposentados ou de seus dependentes, na forma de pensões. Sem
o sistema de previdência pública, haveria um número talvez muito alto
de pessoas em situação de necessidade na velhice por conta dessa
externalidade negativa associada à baixa entrada espontânea de jo-
vens trabalhadores no sistema de seguro previdenciário.
Mas há casos em que ocorrem externalidades positivas, por
conta de benefícios que são desconsiderados numa dada transação.
Releia o conceito de
elasticidade-preço em
Carvalho Jr. (2008, p.
30-35).
Módulo 8
39
Esse fenômeno de o
resultado depender do
número de pessoas
que aderem a esse
comportamento é
chamado também de
externalidade em rede,
e tem ajudado a enten-
der a adoção de novas
tecnologias no setor
privado.
Por exemplo, uma empresa privada investe em pesquisa e desenvolvi-
mento de novos produtos (P&D), mas pode ter os resultados copiados
por outras empresas que se beneficiarão sem ter todos os custos. Isso
vale também para a autoria de trabalhos intelectuais. Como as empre-
sas que efetivamente gastam em P&D só contabilizam seus próprios
benefícios, investirão menos em P&D do que se pudessem cobrar por
todos os benefícios gerados para a sociedade.
Outro exemplo é o de um indivíduo que tem hábitos de limpeza
e ordem ao redor da sua residência, embelezando-a com jardins, mas
evitando os criadouros de insetos transmissores de doenças, gerando
desse modo benefícios para os vizinhos. Como ele tem custos ao fazer
isso, só levará em consideração os próprios benefícios, que têm talvez
mais a ver com a própria satisfação de viver num ambiente bem orga-
nizado do que com o combate a epidemias. O resultado é um menor
investimento nesse tipo de atividade do que seria o nível ótimo para a
sociedade. Mas se vários vizinhos tiverem preferências parecidas, pode
ocorrer um efeito em rede, em que quanto mais pessoas fizerem o
mesmo, maiores serão os benefícios para o grupo em termos puramen-
te estéticos. Nesse caso, haveria um efeito adicional de combate à pro-
liferação dos mosquitos.
Esses benefícios ou sacrifícios extras podem envolver os dife-
rentes tipos de bens, segundo a rivalidade e a exclusão. Em geral, os
casos de não-rivalidade e de altos custos de exclusão são mantidos nas
mãos do Estado. Contudo, se os custos de exclusão forem relativa-
mente baixos, a externalidade pode ser solucionada via contratos mer-
cantis. Por exemplo, um produtor de mel de abelha beneficiará
plantadores de frutas das redondezas. Normalmente, esse serviço não
é remunerado e o produtor de mel só leva em conta seus próprios be-
nefícios. Dependendo dos tamanhos dessas atividades, pode ser viá-
vel a alguém se especializar no serviço de polinização, deslocando as
colmeias de acordo com a remuneração recebida de produtos que se
beneficiem de uma polinização mais intensiva.
Há casos em que mesmo se tratando de bens privados, o gover-
no mantém a produção pública dos mesmos. Um exemplo importante
disso foi a produção de aço pelo Brasil via uma empresa estatal, a Cia.
Siderúrgica Nacional. Sua criação durante a Era Vargas para produzir
40
Curso de Graduação em Administração a Distância
Você pode repassar
Mendes et al. (2007,
p. 107-118) agora
focando na teoria da
regulação. Note que a
presente discussão de
corte neoclássico seria
considerada pela teoria
da regulação como
apenas um subitem.
e comercializar um bem privado puro, na verdade envolvia
externalidades ligadas à defesa nacional, segundo a avaliação políti-
co-militar durante um período de grandes guerras mundiais. Em de-
corrência disso, o governo federal considerou essencial, à época, que
o controle total da produção fosse público.
Portanto, a fronteira entre os setores público e privado é explicá-
vel, em boa medida, pela existência de bens com possível rivalidade,
diferentes graus de exclusividade e externalidades associadas a bens
que, normalmente, ficariam nas mãos do setor privado. Nesses casos,
dizemos que há falhas nas instituições de mercado, que mantêm ou
levam à produção estatal.
Saiba mais...
A sociedade inca tinha uma economia totalmente centralizada, a
ponto de nem ter dinheiro como meio de troca, embora fosse sofisti-
cada produtora de objetos de ouro e prata. A produção de bens era
administrada coletivamente nas próprias vilas e com trocas de bens
também coordenadas coletivamente entre elas. O governo central
cuidava principalmente da coordenação político-religiosa, do contro-
le militar do império, da tributação e da infraestrutura de transporte.
Sobre esse tema, sugiro a leitura do Capítulo 4 de:
FREITAS, Luiz C. T. Tahuantinsuyo: o Estado Imperial Inca.
Luzcom Multimakers, 1997. Disponível em: <www.luzcom.com.br/
inca/livro/html/>. Acesso em: 23 out. 2008.
Atividades econômicas estatais
Há uma área cinzenta na fronteira entre os setores público e pri-
vado. Além das próprias empresas estatais, em que há a divisão do
capital com o setor privado, mas sob controle estatal, há a regulamen-
tação de atividades sob concessão pública e a criação recente das
parcerias público-privadas. Essas parcerias são um arranjo em que
Módulo 8
41
Para saber mais sobre
o Conselho Adminis-
trativo de Defesa
Econômica (CADE),
acesse:
<www.cade.gov.br>.
Para saber mais sobre
o Secretaria de Direito
Econômico (SDE),
acesse:
<www.mj.gov.br/
sde>.
o Estado dá concessões para empresas privadas explorarem certas ati-
vidades, como, por exemplo, a manutenção ou a construção de estra-
das ou hospitais sob supervisão estatal. Se houver cobrança de tarifas
de usuários, quando isso é possível e decidido politicamente, o setor
público pode, eventualmente, cobrir insuficiência de receita. Essa par-
ceria é uma forma de dar ao governo uma maior capacidade de provi-
são de serviços públicos. Alguns serviços públicos, mesmo quando
produzidos pelo setor privado, estão sujeitos a regulamentação espe-
cial, em comparação com as atividades usuais de produção de bens
privados puros. Uma das razões para isso é que a tecnologia de produ-
ção e a natureza do bem ou serviço implicam grande poder de merca-
do para as empresas produtoras. Esse é o caso da produção e distribui-
ção de energia elétrica, do transporte público, dos serviços portuários,
etc. O excesso de poder de mercado, quando não contestável por po-
tenciais concorrentes, leva a preços relativamente altos e produção
relativamente baixa.
A regulamentação de atividades sob concessão pública pode ser
feita de várias maneiras. Uma é pela garantia da concorrência entre as
empresas privadas. Para isso foram criados no Brasil vários órgãos de
defesa da concorrência, como o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) e a Secretaria de Direito Econômico (SDE). Para
alguns setores, foram criadas as agências reguladoras setoriais. Exem-
plos são a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a Agência Nacional
de Energia Elétrica (ANEEL). Para que atinjam o objetivo de prote-
ção contra pressões das próprias empresas reguladas e de motivações
político-governamentais, essasagências, em geral, têm uma razoável
autonomia de decisão, e seus diretores têm mandatos que não coinci-
dem com os mandatos políticos.
Outra maneira de regular as utilidades públicas é pelo controle
dos preços do setor, na verdade pela definição de reajustes. A ideia é
considerar as variações de custos de produção, o que inclui os bens e
serviços, entre os quais o de mão de obra, utilizados na produção do
serviço. O ideal seria definir preços tais que cobrissem os custos de-
correntes de aumentos de produção, a partir do nível de produção em
que a empresa opera; isso é chamado de cobrança pelo custo margi-
42
Curso de Graduação em Administração a Distância
nal. Mas essa forma de cobrança não garante que os custos totais se-
jam cobertos, pois não cobre os custos que a empresa tem, indepen-
dentemente de produzir, podendo, assim, gerar prejuízos. Para evitar
isso, uma forma alternativa é dividir o custo total pelo número de uni-
dades produzidas e definir o preço por esse custo médio. O problema
com essa regulação é que as empresas têm incentivos para relaxar na
eficiência técnica. Outra forma ainda é definir preços tendo uma mar-
gem de lucro sobre o capital que seja aceitável para o setor.
Como você pode ver, há muitas alternativas para a regulação
de preços em áreas de utilidades públicas em que o Estado
queira estimular uma maior produção a bons preços para a
população.
Além da provisão e até da própria produção de bens e serviços,
o Estado também promove redistribuição de renda, cuida da estabi-
lidade de preços e combate grandes flutuações do nível de emprego.
Na realidade, em qualquer ação estatal com cobrança de tributos para
a provisão de serviços públicos é quase impossível ter um alinhamen-
to exato entre o que é cobrado de uma pessoa e o que ela recebe de
benefícios, considerado o pacote completo de benefícios públicos. Mas
o que chama mais atenção do ponto de vista político é a redistribuição
de renda na forma monetária. A redistribuição de renda pode ser tanto
um bem privado, quando as pessoas doam dinheiro diretamente a pes-
soas, especialmente a pessoas de baixo rendimento, quanto um bem
não-rival, quando o governo, com um mandato fundado em platafor-
ma redistributivista*, altera a própria distribuição de renda, entendi-
da em sentido estatístico, diminuindo a porcentagem de pessoas nas
faixas de renda mais baixas à custa da diminuição da renda de pessoas
em faixas mais altas.
 Uma forma de redistribuição de renda no Brasil é a inclusão de
pessoas idosas de baixa renda no sistema previdenciário mesmo que
elas nunca tenham contribuído para o sistema. Para que uma pessoa
possa se aposentar no Brasil, ela precisa ter contribuído por um certo
GLOSSÁRIO
* P l a t a f o r m a
redistributivista ou
política redistri-
butiva – busca asse-
gurar o atendimen-
to às necessidades
básicas da maioria
dos cidadãos de um
Estado. Ela se fun-
damenta no
paradigma adotado
por Robin Hood:
“tirar do rico para
dar ao pobre”. Fon-
te: Sanches (1997).
Módulo 8
43
número mínimo de anos ao sistema. São essas pessoas que geram a
receita que cobre as despesas com os aposentados e pensionistas. Quan-
do mais beneficiados são incluídos no sistema já como aposentados,
sem contribuição prévia, ocorre um aumento das despesas, que deve-
rão ser cobertas por aumentos das cobranças dos trabalhadores da ati-
va ou por outras fontes tributárias. Esse tipo de inclusão previdenciária
é, na verdade, parte dos programas de redistribuição de renda do país.
Por fim, a busca da estabilidade de preços e do combate ao
desemprego é também uma atividade essencial de governo. Num sis-
tema federal, composto por três níveis de governo, apenas a União
cuida da moeda do país, enquanto os estados e municípios se adaptam
às decisões de nível superior. Como todos os cidadãos são afetados
simultaneamente pela estabilidade da economia, temos aí um caso de
não-rivalidade. Como a exclusão desses benefícios é quase impossí-
vel, temos, na verdade, um bem público puro. O monopólio da União
sobre o controle da moeda evita a multiplicidade de moedas, algo que
a União Europeia eliminou ao adotar uma moeda única, o Euro, para
o comércio entre os países-membros.
Alterações na oferta de moeda do país podem ter implicações
sobre a evolução média dos preços. Por exemplo, quando as empre-
sas produzem em seus limites técnicos de produção e quando o nível
de produção está tão alto que começa a faltar trabalhadores
especializados, há aumentos de preços generalizados, caracterizan-
do um processo inflacionário. Numa situação dessas, uma redução
da oferta de moeda tem como primeiro efeito o aumento de juros,
pois diminui a disponibilidade de recursos para crédito. Juros maio-
res, por sua vez, diminuem o consumo e o investimento, reduzindo,
então, as pressões inflacionárias.
Para que você possa ter melhor compreensão do assunto,
nossos próximos passos serão, inicialmente, definir uma
medida do tamanho relativo do setor público e depois ex-
plicar sua crescente participação na economia ao longo de
muitas décadas. Para isso, veremos o conceito de carga
tributária e, em seguida, algumas explicações fundamenta-
44
Curso de Graduação em Administração a Distância
das na dinâmica da economia que leva à crescente deman-
da de serviços públicos.
O Estado produtor
Para a sociedade escolher entre produzir ou não um bem qual-
quer pelo setor público, há dois elementos a considerar. Primeiro,
a teoria dos bens públicos, com base nas características de rivali-
dade e exclusão, é uma explicação pelo lado da demanda e não da
produção ou oferta. É pela demanda que mencionamos a possível
não-rivalidade de certos bens ou serviços e o alto custo de exclu-
são de outros. Juntando tais características em um único bem é
que temos os bens públicos. Isso significa que a decisão sobre pro-
duzir ou não tais bens pelo setor público é explicável por outras
características.
Em geral, como já vimos, isso tem a ver com externalidades.
Há, portanto, uma diferença essencial entre produção e provi-
são. Por exemplo, os serviços de saúde que tenham efeitos gene-
ralizados, como no caso de combate a endemias, poderiam ser pa-
gos pelo Estado, mas sua produção seria feita por empresas priva-
das. A venda direta do serviço seria inviável pela dificuldade de
exclusão de beneficiários que se recusassem a pagar pelo mesmo.
Por exemplo, o trabalho de combate ao mosquito da dengue pode-
ria ser feito por empresas especializadas, com a contratação via
licitação pública. Nesse caso, a produção seria privada e a provi-
são seria pública. Essa produção poderia ser via empresas priva-
das tanto com fins lucrativos como sem fins lucrativos. Agora, se
o governo usa um corpo de funcionários públicos, adquire e admi-
nistra os bens de capital necessários para esse serviço, então ele
próprio produz e provê o serviço. As duas soluções seriam equi-
valentes na viabilização do serviço, na suposição de custos efeti-
vos similares.
Módulo 8
45
Na verdade, essa escolha de manter a produção no setor pú-
blico tem mais a ver com decisões de administração pública. De-
pende da eventual diferença de custos na produção de um dado
bem no setor público versus o setor privado. Da discussão de anos
recentes sobre a transição das economias socialistas para econo-
mias de mercado ficou claro que um elemento essencial para a efi-
ciência relativa entre empresas públicas e privadas é o grau de
concorrência que elas enfrentam. Por exemplo, a Petrobrás enfrenta
concorrência em suas operações internacionais, enquanto o Ban-
co do Brasil enfrenta um razoável grau de concorrência de outros
bancos no próprio país, embora a criação de novos bancos tenha
restrições legais, o que enfraquece um pouco esse efeito. Já uma
empresa privada que tenha alto poder de mercado, isto é, que en-
frente pouca concorrência, terá incentivos para se tornar ineficiente
e oferecer produtos mais caros e de pior qualidade. Colocado

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