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Professor João Rogério Sanson Finanças PúblicasFinanças Públicas Copyright 2009. Todos os direitos desta edição reservados ao Sistema Universidade Aberta do Brasil. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, do autores. PRESIDENTE DA REPÚBLICA Luiz Inácio Lula da Silva MINISTRO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Carlos Eduardo Bielschowsky DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Hélio Chaves Filho SISTEMA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL Celso Costa COMISSÃO EDITORIAL DO PROJETO PILOTO UAB/MEC Marina Isabel Mateus de Almeida (UFPR) Teresa Cristina Janes Carneiro (UFES) DESIGNER INSTRUCIONAL Denise Aparecida Bunn Fabiana Mendes de Carvalho Fábio Alexandre Silva Bezerra Patrícia Regina da Costa PROJETO GRÁFICO Annye Cristiny Tessaro Mariana Lorenzetti DIAGRAMAÇÃO Annye Cristiny Tessaro Victor Emmanuel Carlson REVISÃO DE PORTUGUÊS Fábio Alexandre Silva Bezerra ORGANIZAÇÃO DE CONTEÚDO João Rogério Sanson Sumário Apresentação.........................................................................07 UNIDADE 1 – O Estado na economia capitalista Introdução....................................................................................................11 A hegemonia à la Gramsci.................................................................12 A concorrência entre partidos políticos................................................16 Resumo......................................................................................25 Atividades de aprendizagem.........................................................................26 UNIDADE 2 – O tamanho do setor público A fronteira entre os setores público e privado.................................................31 Atividades econômicas estatais...........................................................40 O Estado produtor...............................................................................44 Carga tributária............................................................................47 Explicações sobre o tamanho do setor público....................................50 Resumo...................................................................................53 Atividades de aprendizagem.........................................................................54 UNIDADE 3 – Orçamento Público Planejamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .59 O Orçamento Público.................................................................62 Princípios orçamentários..................................................................65 O processo orçamentário...................................................................66 Resumo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .71 Atividades de aprendizagem.........................................................................71 UNIDADE 4 – Despesas pública e seu financiamento Despesas....................................................................................75 Receitas.......................................................................77 Incidência legal versus incidência econômica..........................80 Incidência econômica: algumas qualificações..........................86 Impostos, gastos públicos e renda real.....................................88 Resumo............................................................................93 Atividades de aprendizagem.............................................................93 UNIDADE 5 – Déficit público e dívida pública Déficit público e déficit privado...................................................97 Tipos de déficit. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .99 O Sistema Financeiro Nacional...........................................102 Déficit público e nível de atividade econômica.....................103 A evolução e a sustentabilidade da dívida pública..................105 Estabilização e crescimento econômico................................109 Resumo........................................................................................111 Atividades de aprendizagem.......................................................113 Referências.....................................................................................114 Minicurrículo.....................................................................................118 Apresentação Prezado estudante! O setor público é a parte da economia associada à prestação de serviços públicos pelo Estado aos cidadãos de um país. Como muitos participantes deste curso são funcionários públicos, incluindo funcioná- rios de empresas estatais, suas respectivas organizações prestam servi- ços públicos em nome do Estado brasileiro. Portanto, nesses casos, você é parte do Estado. Mas, como cidadão, você vê o Estado de outro ângu- lo. Um exemplo bem simples disso é quando você encontra um policial na rua. Esse policial é a personificação mais próxima do Estado. Na verdade, o Estado é um grande aparato social, ou instituição, organizado segundo princípios burocráticos para prestação de servi- ços à população. Princípios burocráticos incluem uma estrutura de cargos cujo exercício e ocupação têm regras nem sempre claramente definidas, mas pelo menos têm tradições e regras implícitas quanto a seu funcionamento. Não é exagero dizer que essa forma de trabalho em grupo foi uma das invenções fundamentais na evolução humana. Vale, ainda, ressaltar que princípios burocráticos não são exclusivos da máquina estatal. Qualquer organização*, empresarial ou não, é também estruturada dessa forma. Tal invenção, de fato, é uma busca por melhor qualidade de serviços também de estruturas burocráticas privadas. Do mesmo modo, você pode verificar que seu treinamento como administrador profissional busca tornar mais eficiente a estrutu- ra burocrática da organização da qual você faz ou fará parte. Se muitas vezes a burocracia pública é criticada, isso é feito mais por deficiências na qualidade dos serviços públicos do que pela forma como o setor público é organizado. A busca pela melhor organização e eficácia de empresas privadas* é também estruturada dessa forma e é, de fato, um elemento essencial na busca por melhor qualidade de seus serviços. Na disciplina de Finanças Públicas, a pergunta básica é como funciona o processo de decisões do setor público e como isso envolve GLOSSÁRIO *Organização – conjunto de relações de ordem estrutural (direção, planeja- mento, operação e controle) que man- tém uma empresa em funcionamento. Consiste num siste- ma por meio do qual os desempe- nhos pessoais são operacionalizados e coordenados. Fon- te: Sandroni (1999). *Empresa privada – organização perten- cente a indivíduos ou grupos, que produz e/ou comercializa bens ou serviços com o objetivo de lucro. Fonte: Sandroni (1999). toda a sociedade. Por isso, fazemos uma breve incursão em temas de ciência política. O orçamento público, de fato, reflete todos os gran- des interesses dos vários grupos que compõem a sociedade e a interação entre eles ocorre via o processo político. No restante do texto, em es- sência, as perguntas são sobre a definição das fontes de receita pública e suas consequências microeconômicas, os tipos de despesas e as consequências macroeconômicas do déficit e da dívida do setor público. Começamos, na Unidade 1, com explicações sobre o que é e como funciona o Estado. Na Unidade 2, vamos estudar conceitos úteis na definição dos tipos de bens e serviços típicos do setor público, es- tabelecendo, assim, uma espécie de fronteira com o setor privado. Na Unidade 3, vamos caracterizaro orçamento público, incluindo sua tramitação. Na Unidade 4, verificaremos como as despesas públicas são financiadas e como os impostos afetam a renda das pessoas. Por fim, na Unidade 5, discutiremos como o déficit público e, por consequência, a dívida pública estão ligados à estabilidade de preços e ao nível de atividades da economia. Gostaríamos de lembrar a importância dos conceitos estudados nas disciplinas de Ciência Política, Sociologia, Introdução à Econo- mia, Administração Financeira e Orçamentária e Economia (Micro e Macro). Esses conceitos serão fundamentais para os estudos desta disci- plina. Portanto, se você ainda tem alguma dúvida ou já esqueceu o que estudou, siga as orientações ao longo deste texto e reveja esse material. Desejamos a você muito sucesso nesta disciplina! Professor João Rogério Sanson O Estado na economia capitalista O Estado na economia capitalista UNIDADE 1 10 Curso de Graduação em Administração a Distância Objetivo Nesta Unidade, apresentamos duas explicações básicas sobre o que é um Estado e como ele funciona. Ao final da Unidade, você saberá: distinguir entre hegemonia e ideologia; verificar como um grupo dominante numa sociedade enfrenta uma crise hegemônica via uma revolução passiva; identificar como os partidos políticos concorrem entre si pelo voto via plataformas políticas; e verificar como a concorrência entre os partidos e grupos tende a diminuir vantagens excessivas do exercício do poder. Módulo 8 11 Releia Borba (2007, p. 65-66). A Unidade 7 de Mendes et al. (2007) situa o pensa- mento marxista na história das ideias econômicas. Introdução Caro estudante, seja bem-vindo! Convido-o a adentrar comigo nesse universo amplo, po- rém, desafiador e instigante, que é a discussão sobre as Finanças Públicas. A partir desta seção da Unidade 1, você verá explicações sobre como funciona politicamente o Es- tado e como os vários interesses de diferentes grupos soci- ais se refletem no orçamento público. A partir da leitura do material, podemos juntos construir e socializar olhares, articulando teoria e prática. Não esqueça que dúvidas e indagações são sempre perti- nentes, pois são condutoras do processo de aprendizado que estamos dispondo coletivamente nesta disciplina em forma similar ao que você já fez nas disciplinas anteriores. Sugerimos, ainda, que você pesquise em outras fontes de conhecimento, adicionalmente às indicações que estão pos- tas no Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais e nos LinksLinksLinksLinksLinks! Bons estudos! Os economistas e outros cientistas sociais têm várias formas de explicar o funcionamento do Estado. É claro que a abordagem marxista vem logo à mente como uma explicação bastante conhecida. Em termos elementares, para essa teoria, o Estado é um aparato políti- co de uma classe social para fins de dominação das demais, seja pela violência, seja pela ideologia*. A abordagem marxista que veremos, das várias que existem, é a de Antonio Gramsci, um intelectual e mili- tante comunista italiano que desenvolveu sua teoria como prisioneiro durante o período do regime fascista* italiano. Para Gramsci, a ideo- logia era mais uma visão de mundo específica a um grupo ou fração social, e não apenas a visão de mundo da classe capitalista, vista como classe dominante. Designaremos essa abordagem como teoria gramsciana. GLOSSÁRIO *Ideologia – conjun- to de ideias e crenças culturais, políticas ou religiosas. Tem a fun- ção de servir como uma espécie de liga- mento social entre as pessoas. Fonte: Lacombe (2004). *Fascismo – regime político totalitário que se caracteriza por do- mínio de um partido único, hipertrofia do aparelho policial, exaltação nacionalis- ta, pregação do antiliberalismo, do anticomunismo e de- fesa da ação do Es- tado como principal dirigente da econo- mia nacional. Surge na Itália e é depois adaptado em outros países, como Alema- nha, Espanha e Por- tugal. Fonte: Sandroni (1999). 12 Curso de Graduação em Administração a Distância Para uma ampla lista de exemplos de ideo- logia, releia a Unidade 2 de Borba (2007) e as p. 107-115 de Mendes et al. (2007). Uma outra teoria de Estado parte da ideia da concorrência entre grupos políticos que buscam o poder. É inspirada na teoria econômica da formação de preços em mercados. Segundo a teoria da concor- rência partidária, o político é membro de um partido, e o partido é como uma empresa que oferece serviços de representação dos cida- dãos nas decisões sobre os serviços fornecidos sem cobrança direta, sendo as despesas cobertas pelos impostos pagos por esses mesmos cidadãos. Os partidos concorrem entre si por esse serviço de represen- tação política do mesmo modo que as empresas concorrem na venda de seus produtos. A hegemonia à la Gramsci O ponto de vista de Gramsci, no contexto histórico em que ele escreveu, era o da busca da revolução proletária na Itália. Aqui, nosso ponto de vista é o de explicar o funcionamento do Estado. Para Gramsci, a sociedade civil é representada pelo “complexo das relações ideológicas e culturais, a vida espiritual e intelectual, e a expressão política dessas relações” (CARNOY, 1986, p. 93). É uma das partes da superestrutura institucional da sociedade. Note que, para Marx e Engels, a sociedade civil é parte da estrutura – onde se dá a acumulação de capital – e o Estado é parte da superestrutura. A soci- edade política, ou Estado, detém o monopólio do uso da força e é também parte da superestrutura. O controle social ocorre principal- mente pela hegemonia, mas também pela força. Quando um grupo, ou fração de classe, usa elementos da sociedade civil para conquistar e manter sua dominância sobre a sociedade civil ocorre a hegemonia desse grupo. Um dos instrumentos fundamentais para isso é a ideologia. A superestrutura ideológica é a visão de mundo embutida na superestrutura institucional que convence as pessoas a aceita- rem a moral, os costumes e as regras sociais até por consenso. Módulo 8 13 Uma das consequências da teoria gramsciana é que a superes- trutura ideológica pode ter supremacia sobre a estrutura econômica. Gramsci, apesar de aparentemente inverter um argumento essencial de muitos marxistas, – o de que a estrutura determina tudo o que ocorre na superestrutura –, apenas diminui a importância das relações de pro- dução na determinação da superestrutura. A fidelidade de Gramsci às ideias marxistas fica clara no argu- mento de que a classe dominante ao nível da produção é dominante ao nível intelectual, pois tem os meios materiais para controlar o modo de produção mental. Assim, o grupo dominante tentará influenciar o modo como a educação é conduzida para que sua visão de mundo seja ab- sorvida por toda a sociedade. Governos populistas* como os de Perón, na Argentina, e de Getúlio Vargas, no Brasil, cuidaram especialmente da questão ideológica via o controle quase total dos meios de comuni- cação e dos currículos escolares. São exemplos de governos conside- rados bastante independentes da classe capitalista. O conceito gramsciano de domínio intelectual ajuda também a entender a experi- ência soviética, em que o Estado, com seu monopólio estatal dos mei- os de produção, que era da essência daquela experiência social, mo- nopolizava totalmente a produção mental depois de ter eliminado a classe capitalista. Um ponto em que destaca a análise de Gramsci é que o Estado é moldado como parte da dominação hegemônica. Isso expande a ideia marxista de que os capitalistas controlam o Estado em função de suas necessidades. O grupo hegemônico influencia a criação de leis e, por- tanto, a própria evolução da forma do Estado. Contudo, só dominar o Estado não garante a hegemonia, como você verá mais adiante. A forma como a hegemonia é obtida depende crucialmente do intelectual orgânico*. Compreende religiosos, professores, jornalis- tas, líderes profissionais e sindicais, líderes estudantis e comunitários, além dos intelectuaisusuais, como filósofos, literatos e artistas. Os intelectuais orgânicos são produzidos principalmente dentro da classe hegemônica. No entanto, podem ser também recrutados entre as clas- ses dominadas, passando a ser aceitos como membros da classe hegemônica. Isso, numa linguagem sociológica, é chamado de ascen- são social. GLOSSÁRIO *Populismo – movi- mento ou forma de atuação política ca- racterístico da Áfri- ca, Ásia e América Latina, em que se enfatiza a relação direta entre a cúpula do Estado e as mas- sas populares, medi- ada pelo desempe- nho político de um líder carismático. Apresenta em geral uma ideologia difusa, sem espírito de classe manifesto. Na América Latina, Getúlio Vargas (1883- 1954) instala um go- verno populista no Brasil em 1930, se- guido, mais tarde, por Juan Domingo Perón (1895-1974), na Argentina. Fon- te: Sandroni (1999). *Intelectual orgâni- co – é todo tipo de pessoa que atue na divulgação de uma ideologia. Fonte: Sandroni (1999). 14 Curso de Graduação em Administração a Distância Embora as políticas públicas sejam enviesadas em favor do gru- po dominante, elas precisam ter benefícios para a sociedade como um todo. Na verdade, o grupo hegemônico buscará sempre caracterizar essas políticas como de interesse da sociedade como um todo. Isso garante a legitimidade* dessas políticas. Assim, uma política que bus- que gerar maiores ganhos para a classe capitalista pode aparecer como uma atividade geradora de emprego e renda para a sociedade como um todo. Em países periféricos, há aliança de interesses entre o grupo dominante nacional e os interesses do capital internacional de modo que as políticas públicas sejam do interesse de ambos. Contudo, o grupo hegemônico local faz alianças de seu próprio interesse. Seus objetivos políticos e econômicos estão à frente nessas políticas. Os membros desse grupo não são apenas “bonecos” comandados por grupos hegemônicos do exterior. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que os grupos dominados dos países centrais veem como de seu interesse as vantagens obtidas pelo capital internacional nos países periféricos*. Esse tipo de argumento gramsciano caracteriza a teoria da depen- dência de Cardoso e Faletto (1970). Como vimos acima, tomar o aparato estatal, por exemplo, via um golpe de Estado, não garante a hegemonia. Do mesmo modo, um elemento essencial da visão gramsciana é que uma crise econômica não equivale a uma crise hegemônica. É por isso que previsões de que uma depressão econômica viabilizaria a revolução socialista não se realizaram na maioria dos casos. Uma crise hegemônica, na verda- de, pode decorrer de erros de avaliação sobre as estratégias que enfra- quecem a liderança ou a legitimidade do grupo hegemônico. A crise hegemônica, no entanto, pode ser estimulada através da competição ideológica. O que Gramsci chama de guerra de posição é parte desse processo de competição ideológica. Em vez de um ata- que frontal ao Estado, como em algumas revoluções, ele achava que na Europa ocidental seria preciso um trabalho meticuloso de conquis- ta das mentes. Em analogia com o que ocorreu nos campos de batalha durante a I Guerra Mundial, essa conquista seria feita pelos intelectu- ais orgânicos em pequenos ataques locais, ao mesmo tempo em que GLOSSÁRIO *Legitimidade – ca- ráter, estado ou qua- lidade do que é le- gítimo, ou seja, que é conforme ao direi- to positivo, que está fundado e ampara- do em lei; legal. Fonte: Houaiss (2001). *Periferia – conjun- to das economias nacionais subdesen- volvidas que estão integradas aos gran- des centros do capi- talismo moderno. Por extensão, país periférico é o que está nesse conjunto. Nos últimos anos, surgiu uma nova ca- tegoria, a dos países emergentes, que in- clui o Brasil. São países periféricos que atingiram um nível de renda mé- dia acima dos países mais pobres e são grandes economias. Os quatro membros mais importantes são conhecidos pela sigla BRIC: Brasil, Rússia, Índia e Chi- na. Fonte: Sandroni (1999). Módulo 8 15 buscassem a proteção das regras sociais existentes naquele momento, como na guerra de trincheiras. O papel do intelectual orgânico agora é propagar uma ideologia concorrente àquela da fração de classe dominante. Já a revolução passiva é uma estratégia do grupo dominante para continuar hegemônico. Um exemplo interessante e contemporâ- neo foram as mudanças institucionais, com a liberação gradual para a formação de empresas privadas, feitas pelo Partido Comunista Chi- nês, para assim permanecer no comando da sociedade chinesa. Porém, quando a revolução passiva deixa de funcionar, o grupo dominante pode tentar o uso da força para permanecer no poder. Na disputa pela hegemonia, esse seria o momento para a guerra de mo- vimento, na forma como ocorreram várias revoluções, com o ataque aberto das forças revolucionárias. Nesse sentido, Gramsci era consis- tente com a visão marxista tradicional. Do ponto de vista de explicação do processo político, fica claro que a análise gramsciana implica que uma superestrutura ideológica dominante pode ser deslocada por outra. No fundo, a visão gramsciana inclui um processo competitivo entre frações de classe na busca da hegemonia sobre a sociedade civil. Há uma alternância de poder entre esses grupos num horizonte temporal de, pelo menos, várias décadas. Os intelectuais orgânicos são instrumentos essenciais nesse processo. Saiba mais... A teoria marxista de Estado tem muitas variantes e uma ampla literatura que cobre desde a interpretação do que Marx realmente quis dizer em seus escritos esparsos sobre isso, passando pela visão ortodoxa dos soviéticos e indo até desenvolvimentos posteriores de seus seguidores europeus e americanos. Um texto didático que cobre as diversas teorias marxistas de Estado é: CARNOY, Martin. Estado e teoria política. Campinas: Papirus, 1986. Um texto que permite um aprofundamento das ideias políticas gramscianas é: SIMIONATTO, Ivete. Gramsci. 3. ed. Florianópolis: Editora da UFSC; São Paulo: Cortez, 2004. 16 Curso de Graduação em Administração a Distância A concorrência entre partidos políticos Uma visão alternativa do processo po- lítico é a da concorrência entre partidos polí- ticos, desenvolvida a partir do trabalho dos economistas Joseph A. Schumpeter, que es- creveu um capítulo de seu livro Capitalismo, socialismo e democracia, de 1942, com as linhas gerais da teoria, e Anthony Downs, que escreveu uma tese doutoral sobre o tema e a publicou em 1957 com o título Uma teoria econômica da democracia, tornando-se um livro fundamental sobre o assunto. Ambos vi- ram o processo político pelas lentes da teoria econômica, inspirados no processo concorrencial dos mercados de bens e serviços. Segundo essa teoria da democracia, a sociedade é composta por indivíduos, e esses podem ser classificados em três tipos básicos: cidadãos, políticos e burocratas. Assim, os cidadãos financiam os serviços fornecidos pelo setor pú- blico e têm preferências definidas em relação à estrutura dos gastos públicos; os políticos, agindo em nome dos cidadãos, tomam as deci- sões sobre os serviços públicos; e os burocratas são os que executam as decisões dos políticos. Cidadãos Os cidadãos têm várias formas de manifestarem suas preferên- cias. O sonho dos políticos é conseguir que os cidadãos deem apoio incondicional ao governo, algumas vezes cegamente, como buscam os governos autoritários e líderes carismáticos eventuais em democra- cias, mas outras vezes um apoio consciente. Essa lealdade do cidadão Para saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber mais *Joseph Alois Schumpeter (1883 – 1950) – economista austríaco que chegou a Ministro das Finanças de seu país. Lecionou nas universida- des de Bonn e de Harvard. Em seus estudos so- bre a formação dos ciclos econômicos enfatiza as inovações tecnológicas introduzidas por em- preendedores. Fonte: Sandroni (1999). *Anthony Downs – é economista e estudioso das áreas de políticapública e administração pública. A premissa de Downs é a de que políti- cos e eleitores agem racionalmente. As motiva- ções dos políticos são desejos pessoais, tais como renda, prestígio e poder, obtidos via os cargos que ocupam. Fonte: <www.anthonydowns.com/ bio.htm>. Acesso em 6 abr. 2009. Módulo 8 17 ao governo pode, desse modo, ter muitos graus. Com um pouco de boa vontade, é possível também ver alguma semelhança com os con- ceitos gramscianos de ideologia e de hegemonia. Veja a famosa frase do presidente americano John F. Kennedy: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país”. Uma versão empresarial é: “Vista a camisa da empresa”. Você pode pensar em diferentes interpretações para essas frases, mas uma delas é a do apoio incondicional. Numa democracia, os cidadãos são expostos às plataformas po- líticas dos partidos políticos durante as campanhas eleitorais. As plata- formas e o perfil ideológico dos partidos políticos facilitam a escolha dos eleitores e reduzem os custos de busca de informação sobre as várias decisões que precisam ser tomadas pelo setor público. Por exem- plo, em vez de cada eleitor buscar informações sobre para quem o governo deve transferir renda nos programas sociais ou onde cons- truir estradas em regiões distantes da sua, ele apenas presta atenção nas proposições incluídas nas plataformas, conforme expressas pelos candidatos aos cargos públicos, e nas realizações efetivas dos partidos quando estão no poder. Mesmo aí, os custos de informação são altos e o eleitor tende a esquecer o que ocorreu no passado, lembrando ape- nas os fatos recentes. A manifestação dessas preferências pode ocorrer de diferentes formas. A mais frequente delas é pelo voto, mas é possível ter uma participação mais direta via manifestações públicas ou engajamento num partido, dedicando parte do tempo livre para isso, ou seja, a pes- soa participa com o próprio trabalho. Outra participação mais direta é a doação de recursos, financeiros ou materiais, a candidatos e parti- dos. O lobby*, que pode ser direto, com trabalho próprio, ou via a contratação de pessoas especializadas nessa atividade, é um tipo de participação em busca de interesses específicos, tanto pessoais como institucionais, em favor de empresas privadas, de corporações profis- sionais ou de grupos religiosos. Em todos esses casos, os cidadãos aceitam a sociedade como ela é com suas instituições. Quando as pes- soas não aceitam as regras de funcionamento da sociedade, elas têm GLOSSÁRIO *Lobby – atividade que visa influenciar atividades e deci- sões das autoridades públicas dos Pode- res Executivo, Legislativo ou Judi- ciário, mediante ar- gumentos, persua- são ou coação, de modo que as deci- sões favoreçam os interesses de deter- minado grupo eco- nômico ou organi- zação. Fonte: Lacombe (2004). 18 Curso de Graduação em Administração a Distância duas opções: a revolta ou a emigração. A emigração desse tipo é mais adequadamente descrita como exílio voluntário. Políticos Os políticos são vistos, na teoria da concorrência entre partidos, como profissionais que oferecem serviços de decisão sobre serviços públicos, tendo como motivação a maximização de sua própria renda real. Mas a renda real é vista de uma forma diferente da usual, que considera o poder de compra dos rendimentos que a pessoa recebe. Esse termo é usado para os políticos talvez por falta de um mais ade- quado. Um componente dessa renda real é a remuneração que os car- gos políticos podem proporcionar. Muitas vezes um nível educacional formal relativamente baixo pode ser compensado pela habilidade de atrair votos, gerando para o profissional uma renda monetária muito acima do que conseguiria em empregos regulares. O mesmo argumen- to pode ser feito em relação a habilidades para a atividade empresari- al, que podem ser exercidas independentemente da educação formal, embora a combinação da educação com a habilidade empresarial seja bastante útil. Para políticos que desenvolvem atividades econômicas parale- las, pessoalmente ou com ajuda de familiares e amigos próximos, muitas vezes o exercício da política dá acesso a informações sobre a máquina pública e sobre novas leis ainda em fase de negociação fora do Legislativo, que revertem em vantagens comerciais para o grupo, nem sempre consideradas moralmente inaceitáveis ou proibidas por lei. Além disso, há outros componentes nessa renda real, aos quais os economistas costumam associar equivalentes monetários mais como uma simplificação da análise. O exercício de cargos políticos também gera satisfação pelo fato de a pessoa estar em posição de comando, algo que qualquer pessoa em cargos administrativos também pode sen- tir. No entanto, esses cargos têm seu lado negativo, pois envolvem a solução de muitos conflitos entre pessoas e a obrigação de emitir or- dens que envolvem, muitas vezes, consequências desagradáveis para outras pessoas. Mas as disputas pelos cargos mostram que o resultado líquido deve ser positivo na maioria dos casos, mesmo que essas dis- Módulo 8 19 putas não ocorram apenas pela satisfação envolvida. Há ainda o as- pecto psicológico de os políticos serem, em muitos cargos, o centro das atenções e até de respeito e consideração. Na vida privada, muitas das festas e ritos de passagem são formas de as pessoas serem o centro das atenções por algumas horas. No caso de muitos políticos, os ga- nhos psicológicos pessoais do exercício do poder chegam a ser imen- sos. Além disso, tal atenção é acompanhada de benefícios que só pes- soas muito ricas podem ter. Um político, no entanto, não pode se lançar como candidato com uma plataforma em que declare tal busca de renda real. De fato, há uma cultura entranhada nas religiões e nos valores herdados de épo- cas em que os políticos não eram remunerados e, na verdade, nem eram escolhidos popularmente. Predomina a ideia de que a represen- tação pública é feita pela busca desinteressada do bem comum. É a ideia do político idealista, que salvaria a sociedade dos males de cau- sas diversas e da incompetência dos políticos do momento. Note que isso é diferente de existirem políticos guiados, por princípios éticos rígidos e por valores partidários. Por conta disso, os políticos procu- ram disfarçar ao máximo os interesses próprios ou dos grupos de inte- resse que os apoiam, normalmente com recursos financeiros para cus- tear campanhas eleitorais. Mesmo em regimes políticos não-democrá- ticos, há a necessidade de os ditadores passarem a imagem do desinte- resse pessoal. Essa necessidade de buscar o bem comum faz com que os interesses específicos, pessoais ou de grupos, sejam disfarçadamente apresentados como benefícios à sociedade como um todo. Nesse sen- tido, essa teoria tem isso em comum com a ideia da legitimidade vista anteriormente na teoria gramsciana. Os políticos tendem a ser generalistas, por conta do grande nú- mero de questões discutidas nos órgãos legislativos. Exatamente esse fato de terem que entender de tudo é que lhes dá uma imagem de que não entendem de nada, em comparação com todos os tipos de especi- alistas presentes na sociedade, principalmente aqueles com educação formal. Esse generalismo é que permite, muitas vezes, que um médico que tenha exercido vários cargos de representação política possa se tornar um competente Ministro da Fazenda, cargo que muitas pessoas 20 Curso de Graduação em Administração a Distância talvez imaginassem que apenas economistas estivessem aptos a exer- cer. Por outro lado, o fato de se informarem e entenderem de muitas questões, além de procurarem ser assessorados por especialistas em temas mais complexos, faz com que os políticos diminuam os custos de busca de informação para os eleitores. Em vez de gastar muito tem- po para se informar sobre todos os temas que são de interesse coletivo, o cidadão apenas escolhe seus representantes em função de suas posi- çõessobre as questões que o próprio eleitor considera importante. Os detalhes na hora das decisões ficam por conta desses representantes. Partidos Os políticos se agrupam em partidos, que equivalem a empre- sas privadas do ponto de vista de venda de serviços, embora as regras de pertencimento possam ser menos rígidas nos partidos políticos. Uma plataforma política de um partido reflete sua ideologia e resulta em pacotes de políticas governamentais. Por sua vez, a ideologia partidá- ria equivale às marcas das empresas privadas. A composição comple- xa das plataformas equivale à venda casada em que a empresa condiciona a venda de um produto à compra de outro. Um exemplo seria o eleitor que deseja um viaduto no seu bairro e, ao votar num candidato que o promete, pode ter que ajudar no pagamento de servi- ços de um novo posto de saúde em outra parte da cidade. Esse exem- plo ilustra o outro lado da moeda: junto com as promessas de benefíci- os via gastos públicos, há a conta de impostos. Os eleitores têm cons- ciência disso, embora saibam que o efeito individual é pequeno, pelo menos quando se trata de acréscimos de impostos em cima de uma conta já grande. Uma vez no poder, o partido e os respectivos políticos têm o monopólio da representação durante o mandato. Isso significa que podem agir de forma independente dos interesses do eleitor. Esse mo- nopólio só será contestado ao final do mandato e ele pode ter duração fixa, em democracias como a brasileira, ou variável, como no regime parlamentarista. O equivalente ao término de um mandato em regimes autoritários é a derrubada do grupo que está no poder por um grupo rival. Nesses casos, dependendo da legitimidade desse exercício de Módulo 8 21 Você pode comparar a presente discussão sobre burocracia com a apresentação vista na disciplina de Sociologia. poder, o mandato pode ter longa duração até que seja contestado. Como nos casos de duopólio* ou oligopólio*, a concorrência desses grupos pode envolver conflitos. Entre as empresas ocorrem guerras de pre- ços. Entre os grupos rivais que buscam o poder autoritário, monopolista, em geral, há conflitos armados. As vantagens do poder, monetárias ou não, são distribuídas, em geral, via coordenação dos partidos. Daí a usual distribuição dos car- gos de confiança em base política. Contudo, num ambiente de concor- rência política bem azeitada, essas vantagens tendem a diminuir, pois o exagero em seu uso pode ser utilizado pelos partidos de oposição como elementos de suas plataformas, na forma de críticas aos partidos da situação. Ao mesmo tempo, é exatamente esse processo competiti- vo que permite um melhor ajuste das ações político-partidárias às pre- ferências dos eleitores. Quanto melhor for esse ajuste, mais próximo do atendimento do bem-comum estará o processo político, agora defi- nido de baixo para cima. A ideia de a competição entre empresas reduzir os lucros muito altos é essencial em teoria econômica de mercados com alto grau de competição. Assim como as empresas não gostam de competição, os partidos políticos também criticam o grande número de partidos. Daí a criação de leis que restringem esse número. No Brasil, houve o estí- mulo ao surgimento de muitos partidos por conta de regras para o uso do tempo obrigatório na televisão e do acesso a fundos públicos para esses partidos. Por um lado, isso é saudável, pois aumenta a competi- ção política, mas, por outro, torna ineficiente o debate na televisão e até o funcionamento do Poder Legislativo. Burocratas Os burocratas, normalmente chamados de funcionários públi- cos, tocam a máquina governamental. Burocracia é uma estrutura de funções, em geral hierarquizadas, com rotinas pré-determinadas de serviços em que as pessoas são substituíveis. Como invenção, prece- deu a técnica de peças intercambiáveis da indústria, tendo aparecido na Antiguidade. É também a forma como as empresas são organiza- das, sendo os burocratas privados chamados de empregados ou funci- GLOSSÁRIO *Duopólio – situa- ção de mercado ca- racterizada pela existência de apenas dois vendedores de determinada merca- doria ou serviço. Fonte: Sandroni (1999). *Oligopólio – tipo de estrutura de mer- cado, nas economi- as capitalistas, em que poucas empre- sas detêm o contro- le da maior parcela do mercado. Fonte: Sandroni (1999). 22 Curso de Graduação em Administração a Distância onários. Técnicas administrativas de motivação levam a designações alternativas para esses burocratas, como a de colaborador, tendo caído de moda a de recursos humanos. Talvez por críticas a casos de ineficiência administrativa no se- tor público e pelo poder discricionário que os burocratas possuem so- bre os cidadãos em Estados autoritários, há uma imagem negativa as- sociada ao termo burocrata, surgida ao longo do Século XX. Nós mantemos o termo burocrata aqui por ter um sentido neutro na teoria econômica que agora discutimos. Por exemplo, nesse sentido, profes- sores universitários, são também burocratas. Podem sentir orgulho de saber que as estruturas burocráticas foram invenções que viabilizaram o crescente grau de complexidade das sociedades e civilizações desde a Antiguidade. Em nossa época, ocorre apenas o aperfeiçoamento des- sas estruturas organizacionais. O próprio curso que você faz neste momento é parte do treinamento de pessoas que poderão substituir outras. Em termos de objetivos pessoais, o burocrata maximiza sua ren- da real, que é composta pela remuneração em termos monetários, pe- las condições de trabalho e, eventualmente, pelo exercício do poder, quando em cargos de direção. Certos cargos públicos dão um bom conhecimento da máquina governamental, e isso possibilita o exercí- cio de funções em empresas privadas. Essa possibilidade de salários maiores posteriormente é também parte da renda real ao longo da car- reira desses funcionários, algumas vezes com salários abaixo do mer- cado para funções equivalentes. Mas para evitar vantagens considera- das indevidas a essas organizações, a passagem do funcionário público ao setor privado é frequentemente cercada de restrições, como é o caso de períodos de quarentena administrativa para altos funcionários do Ban- co Central. Como vimos, o poder de burocratas em cargos de direção de- pende, em essência, do tamanho do birô*, definido pelo tamanho de suas dotações orçamentárias anuais, dos ativos imobilizados que dis- põe e do número de funcionários que controla. Esses cargos são nor- malmente preenchidos por critérios políticos, exatamente pelas consequências políticas que têm. Mas o número desses cargos varia GLOSSÁRIO *Birô ou Bureau – lugar onde se reali- za um trabalho inte- lectual; escritório; gabinete. Fonte: Houaiss (2001). Módulo 8 23 de país a país e, aparentemente, depende do grau de maturidade dos regimes demo- cráticos. A própria concorrência política e a frequente alternância de partidos no po- der motiva a diminuição do número des- ses cargos no longo prazo, como forma de diminuir as vantagens eleitorais do parti- do de situação. Um tipo especial de burocrata é o tecnoburocrata. É um funcionário especi- alizado que, em geral, dirige importantes birôs. Comumente, tecnoburacratas são identificados com os economistas e enge- nheiros brasileiros que tiveram grande importância entre os anos 1950 e 1970. Ajudaram a criar o sistema financeiro bra- sileiro e as grandes empresas estatais, além de todo o sistema de planejamento gover- namental. Entre os exemplos mais conhe- cidos estão Roberto Campos, Celso Fur- tado e Ignácio Rangel. Poderes e níveis de governo Portanto, a questão fundamental que essa visão do processo político, baseada na concorrência entre partidos políticos, procura responder é como os interesses dos cidadãos são em última análise atendidos. Nas demo- cracias, os políticos precisam concorrer entre si para conseguir que os cidadãos digam sim a suas plataformas e ideologias. A ligação entre os políticose os burocratas tende a ser de forma hierárquica dentro de cada poder. Mas a divisão em poderes – Legislativo, Executivo e Judi- ciário – é uma forma de dividir trabalho na burocracia governamental e, ao mesmo tempo, de diminuir a concentração do poder político. A divisão em níveis de governo também pode ser vista como uma desconcentração de poder e de busca de maior competição entre os Para saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber mais *Roberto de Oliveira Campos (1917-2001) – diplomata; assumiu a Presidência do Banco Na- cional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) de 1958-1959; foi embaixador brasileiro nos EUA de 1961-1964; Ministro de Planejamento de 1964-1967. Fonte: <www.cpdoc.fgv.br/ dhbb/Verbetes_HTM/1023_1.asp>. Acesso em: 6 abr. 2009. *Celso Furtado (1920 - 2004) – economista brasileiro, primeiro superintendente e idealizador da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e Ministro do Planejamento no governo de João Goulart (1961-1964). Foi também um dos diretores do BNDE (1953). Em 1957, publicou Formação Econômica do Brasil, seu livro mais conhecido. Fonte: Sandroni (1999). *Ignácio de Moura Rangel (1914-1994) – formado em direito, mas reconhecido como eco- nomista, ingressou no serviço público federal em 1952, na assessoria do presidente Getúlio Vargas, e integrou o Conselho Nacional do Pe- tróleo, aposentando-se em 1975 pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Fon- te: Sandroni (1999). 24 Curso de Graduação em Administração a Distância políticos. Os grupos de interesse também concorrem entre si tanto em democracias como em regimes autoritários. Nos regimes autoritários, a concorrência pode passar por longos períodos de estabilidade, enquanto o monopólio é mantido, mas a con- testação do poder por novos concorrentes pode gerar instabilidade até que novo grupo consiga se legitimar. Mas isso, como nos mercados, também é competição. Assim, a resposta de como os interesses dos cidadãos são atendidos, embora com desvios eventuais, é pela compe- tição política, de forma parecida com o que ocorre entre empresas. Saiba mais... O texto original de Schumpeter inicialmente critica a visão clássica de ciência política em que se pressupõe que os políticos buscam o bem comum. Traduzida popularmente, é aquela visão de que é necessário um líder eticamente puro e carismático para resol- ver todos os problemas da sociedade. Você pode conferir como o próprio autor discutiu isso principalmente nos Capítulos 21 e 22 de: SCHUMPETER, Josef A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. Você encontra uma exposição didática da visão schumpeteriana da concorrência entre partidos, com ênfase nos tipos de agentes econômicos – cidadãos, políticos, burocratas e tecnoburocratas – no Capítulo 4 de: FILELLINI, Alfredo. Economia do setor público. São Paulo: Atlas, 1989. Para uma exposição breve sobre o papel da competição política no combate à corrupção, veja: SANSON, João R. O fiscal do fiscal e o combate à corrupção. Atualidade Econômica, ano 20, n. 53, p. 7-11, ago./dez. 2008. Disponível em: <www.cse.ufsc.br/gecon/boletim.htm>. Acesso em: 30 out. 2008. Módulo 8 25 RESUMO Nesta Unidade, você estudou duas teorias de Estado. A teoria gramsciana enfatiza a hegemonia de frações de clas- ses sociais, mantida por uma visão de mundo, a ideologia, acei- ta pelas classes dominadas. Esse domínio está sujeito a contes- tações por parte de outras frações de classe que apresentam ide- ologias alternativas, divulgadas por seus intelectuais orgânicos. No longo prazo, com a eventual crise da classe hegemônica, ocorre uma alternância de poder. Por sua vez, a teoria da con- corrência entre partidos explica o funcionamento do Estado a partir de comportamentos individuais. Num ambiente de alta concorrência entre os políticos, organizados em partidos políti- cos, as preferências dos eleitores são atendidas via decisões dos políticos e das ações de funcionários públicos, como parte da estrutura burocrática estatal. Há, porém, fatores que restringem a velocidade de ajuste a mudanças nessas preferências, como o poder que os políticos têm de agirem independentemente dos interesses de seus eleitores quando se preocupam apenas com o curto prazo de um mandato, como o fato de os eleitores terem memória curta em relação aos atos dos políticos e como o fato de grupos de políticos conseguirem poder de monopólio ou algo bastante próximo disso, o que é típico de governos autoritários. Em comparação com a teoria gramsciana, a teoria da con- corrência entre partidos preocupa-se mais com a explicação da dinâmica das democracias e, mais recentemente, com a alternância de poder pela força, como no caso de golpes de es- tado e ditaduras mais duradouras. Em contraste, a teoria gramsciana preocupa-se com a permanência no comando su- premo de uma sociedade por grupos específicos, olhando para 26 Curso de Graduação em Administração a Distância várias décadas à frente. Mas as duas teorias têm em comum as ideias da possível alternância no poder e de como o atendimen- to das necessidades públicas e da legitimidade dos governantes é mais efetivo com essa alternância. Atividades de aprendizagem Confira se você teve bom entendimento do que tratamos nesta Unidade respondendo às questões conforme os con- ceitos estudados. Para respondê-las, você deve revisar os textos correspondentes ao assunto até ter compreendido o que perguntamos. Você pode reler os textos quantas vezes forem necessárias para ter certeza de que entendeu o assunto. Quanto à extensão da resposta, o ideal é que seja breve, mais ou menos entre cinco e dez linhas de texto, escrita com suas próprias palavras. Você conseguirá uma redação própria mais facilmente se tiver atingido o objetivo proposto na Unidade. Caso não se lembre, releia também o objetivo. Então, bom trabalho! Se precisar de auxílio, não deixe de fazer contato com seu tutor pelo Ambiente Virtual de Ensino-Aprendizagem. Ele está à sua disposição para auxiliá-lo. 1. Qual é o papel da ideologia na hegemonia de um grupo sobre a sociedade civil? 2. Caracterize o conceito de hegemonia, relacionando-o à crise hegemônica e à revolução passiva. 3. Novas ideologias são usadas como instrumento de contestação ao grupo hegemônico. Como os conceitos de intelectual orgânico e de guerra de posição se encaixam nesse processo? Módulo 8 27 4. (Falso ou verdadeiro? Justifique.) Na teoria política inspirada na concorrência entre empresas, a) os cidadãos escolhem combinações de bens e serviços pú- blicos por meio de plataformas de partidos políticos; b) os burocratas são generalistas que tomam as decisões sobre as múltiplas questões que aparecem nas plataformas políti- cas; e c) plataformas políticas são um meio de reduzir custos de in- formação na hora de escolher entre diferentes combinações de bens e serviços públicos. O tamanho do setor públicoO tamanho do setor público UNIDADE 2 30 Curso de Graduação em Administração a Distância Objetivo Nesta Unidade, você estudará a divisão de tarefas entre o setor público e o setor privado. Ao final dela, você deverá ser capaz de: distinguir entre diferentes tipos de bens, classificados de acordo com a forma como são consumidos; identificar porque é muito caro cobrar por alguns tipos de benefícios ou conseguir indenização por sacrifícios sofridos; e analisar o tamanho do Estado em termos de quanto da renda total é apropriado via tributos. Módulo 8 31 A fronteira entre os setores público e privado Caro estudante! A questão do tamanho do setor público envolve uma classificação dos tipos de bens. Nesta seção, você verá, inicialmente, como classificar os bens e como isso ajuda a entender o conceito de externalidade. Nas seções seguin- tes, nossa preocupação é com os tipos de atividades do setor público. O Estado pode produzir bens e serviços diretamente e pode fazer parcerias com o setor privado. Além da atividade produtivadireta, que mais o Estado faz? Na verdade, regulamenta atividades privadas, estabiliza o nível de atividade e, consequentemente, o emprego e, mais importante, redistribui renda. Nas seções finais desta Unidade, nossa preocupação será com o tamanho relativo do setor público. O Estado moderno depende muito pouco de atividades produtivas próprias como fonte de renda, pois, em geral, essas atividades requerem novos investimentos públicos, sendo assim uma fonte adicional de despesas públicas. Na verdade, para suas várias ativida- des, o Estado tributa os cidadãos, como você já estudou na Unidade anterior. Assim, é possível perguntar qual é esse nível de tributação em comparação com o produto do país. Bons estudos! Tudo era setor público em algumas sociedades bastante anti- gas, como no Império Inca, e também nos experimentos socialis- tas do Século XX. As decisões eram totalmente centralizadas e tomadas por um corpo de funcionários públicos, tornando a socie- dade uma grande fazenda, como no Império Inca, ou uma grande fábrica, como no experimento soviético. Historicamente, ocorreu a gradual descentralização* das decisões de produção e de distri- Veja a indicação de leitura sobre a socieda- de inca no Saiba mais desta seção. GLOSSÁRIO *Descentralização – processo de descen- tralizar. Descen- tralização significa que a maioria das decisões relativas ao trabalho que está sendo executado é tomada pelos que o executam, ou com sua participação. Fonte: Lacombe (2004). 32 Curso de Graduação em Administração a Distância buição de bens com a ajuda de mercados institucionalizados desde milhares de anos atrás. Mas como podemos explicar essa descentralização? Por que nem toda a produção de bens e serviços é privatizável? Como explicar os casos em que o setor público apenas regu- lamenta a produção privada? Você verá, inicialmente, a grande diferença, do ponto de vis- ta econômico, entre degustar um delicioso prato de peixe, por exemplo, ou de camarões e ostras de Florianópolis, e um bom jogo de futebol, num dia inspirado da seleção brasileira, visto pelo si- nal da TV aberta. Pela caracterização de diferentes tipos de bens e serviços, você entenderá porque há uma divisão de trabalho entre o setor público e o setor privado. Em seguida, terá um rápido in- ventário dos tipos de atividades estatais e, ao final, de como se mede e explica a evolução do tamanho do setor público. Para essa discussão, classificamos bens e serviços com base em duas características: a rivalidade no consumo e a exclusão de consumo. A característica da rivalidade tem um sentido físico, de ocupação de espaço. Um bem ou serviço consumido por uma pes- soa é rival no sentido de que apenas ela pode fazer isso, pois no momento em que o consumo ocorre não há possibilidade de outra pessoa fazê-lo ao mesmo tempo. Exemplos de bens ou serviços com rivalidade: um delicioso prato de carne de sol, uma cerveja bem gelada, uma porção de água fresca ou um bom atendimento médico. Várias pessoas, às vezes, consomem juntas um prato de camarões, acompanhado de cerveja, mas as porções servidas a cada pessoa são consumidas apenas por elas. Veja, em contraste, alguns exemplos de serviços não-rivais: defesa nacional ou sinais da TV aberta. No caso de não-rivalidade, muitas pessoas se beneficiam simultaneamente do serviço. Essa classificação de bens e serviços segundo a rivalidade no consumo só admite duas opções: rival e não-rival. Módulo 8 33 Bens ou serviços não-rivais têm uma dimensão espacial, que pode torná-los locais. Um primeiro exemplo é a iluminação pública, em que o alcance do serviço tem uma área limitada pela potência das lâmpa- das. É apenas naquele perímetro que várias pessoas podem se benefi- ciar do serviço simultaneamente. Isso vale também para a proteção contra certas doenças via obras de saneamento. A característica da exclusão de consumo ocorre quando é possível impedir que alguém possa consumir um determinado bem ou serviço. Contudo, essa exclusão pode ser difícil e cara, crian- do, assim, diferentes graus de exclusão possíveis. Do ponto de vista dos custos, há muitas formas de exclusão. Uma forma institucional, que envolve convenções sociais, é a do reconheci- mento de direitos de propriedade. A propriedade pode ser privada ou coletiva. A propriedade coletiva envolve exclusão de quem não pertence àquele grupo social. Aliás, isso está implícito na defesa de territórios, pelas forças armadas. Já a propriedade privada envolve a exclusão de consumo dentro da própria sociedade. Assim, se você possui um livro e as demais pessoas reconhecem sua propriedade sobre ele, você pode impedir outras pessoas de o lerem. É por isso que você diz a seu amigo que poderá lhe emprestar o livro quando você não o estiver necessitando. Você também pode emprestar algum tipo de alimen- to com a expectativa de que terá de volta algo equivalente mais tarde. Se a devolução ocorrer, isso implica o reconhecimento de seu direito de propriedade sobre o alimento emprestado. Contudo, quando se trata de amigos, é mais realístico considerar isso como doação. Ele até reconhece seu direito de propriedade, mas a clás- sica resposta do “devo, não nego, mas pago quando puder” pode tornar inútil esse direito. Os diferentes graus de exclusão dependem da tecnologia uti- lizada e dos correspondentes custos. Por exemplo, excluir as pes- soas de assistirem a um jogo de futebol envolve os altos custos de construção de um estádio. O conforto dado às pessoas, que nem sempre é a contento, vem acompanhado da exclusão dos não- pagantes. Não incluímos aqui as entradas conseguidas gratuita- 34 Curso de Graduação em Administração a Distância Na verdade, o que viabiliza uma empresa de TV aberta é o serviço de propaganda para outras empresas. Quem assiste TV nessa forma recebe um pacote de diversões e propaganda. mente, que refletem outros fatores de conveniência dos clubes e donos de estádios. São exemplos de exclusão de baixo custo: co- midas de restaurantes, alimentos vendidos em feiras, remédios ou serviços médicos. Como exemplos de exclusão cara, podemos ci- tar: peixes num grande lago, espaço de estacionamento em áreas centrais de cidades ou espaço para os veículos rodarem numa es- trada. Os sinais da TV aberta são um exemplo em que se desiste da exclusão, embora TV a cabo e por satélite sejam exemplos de exclusão possível para um serviço não-rival, apesar dos altos cus- tos. Se alguém contratar os serviços de uma empresa privada para obras de saneamento na área de sua residência terá muitas dificul- dades em excluir os vizinhos desses benefícios. Logo, a classifi- cação dos bens pela possibilidade da exclusão de consumo envol- ve um número muito grande de tipos de bens possíveis. Combinando as duas formas de classificação de bens e ser- viços, ou seja, segundo a rivalidade ou a exclusão, podemos defi- nir vários tipos de bens. Num extremo da dupla classificação, se o bem é não-rival no consumo e se a exclusão é muito cara, então ele é chamado de bem público. Note que nessa definição não di- zemos que o bem tem que ser produzido pelo setor público para ser caracterizado como bem público. Por exemplo, em regiões de fronteira, onde os serviços de segurança pública ainda não chega- ram ou são ineficazes, as pessoas podem formar uma brigada de voluntários ou até de vigias particulares para se protegerem de la- drões de gado. Todos os agricultores e criadores de gado da área são protegidos simultaneamente. Isso também ocorre quando as pessoas pagam pelo serviço de vigias numa determinada rua. Em algumas regiões do Brasil, as pessoas fazem trabalho comunitário para a limpeza de riachos e de valetas de escoamento de água e esgoto, com benefício simultâneo para toda a localidade. A princi- pal consequência para os que não colaboram é, às vezes, serem alvo de um tratamento frio e do desprezo dado aos indivíduos que tiram proveito excessivo de seus pares. No outro extremo,se o bem envolve rivalidade e a exclusão é de baixo custo, então ele é um bem privado. Esse é o caso, por exem- Módulo 8 35 plo, da carne de sol e da cerveja. A linguagem da mídia tende a definir bens privados como aqueles com provisão de mercado e bens públi- cos como aqueles de provisão pública. Em geral, isso reflete um estu- do apressado desses conceitos, mas é possível que a influência da mídia seja maior do que a da academia no longo prazo. Um caso intermediário ocorre quando o bem é rival, mas a exclusão é cara. Esse é o caso dos bens de uso comum. Um exem- plo bastante relevante para nossa época é a camada de ozônio e a atmosfera como um todo. Quando alguém emite gases que destro- em uma parte da camada de ozônio, consome aquela parte da mes- ma. Como é difícil definir quem é o dono da camada, quem chegar primeiro é o dono e a consome ao se livrar de gases poluentes. Isso é ilustrado mais diretamente por áreas de pesca. Como é difí- cil definir a propriedade dos oceanos, especialmente as áreas de mares internacionais, os donos dos grandes peixes ameaçados de extinção são os que primeiro os capturarem. Contudo, se esses pescadores não os pescarem, outros podem pescá-los e o sacrifí- cio de não pescá-los terá sido em vão. O sacrifício é individual, mas o benefício de deixar os peixes atingirem a idade apropriada para não os ameaçar de extinção é dividida com todos os pescado- res. Logo, o sacrifício de deixar para pescar mais tarde é muito maior do que o beneficio de fazê-lo depois. Porém, há situações em que a exclusão é viável, seja por acerto comunitário ou inter- nacionalmente, como nos acordos para a preservação de várias es- pécies de baleias, seja por regulação estatal, dentro de países ou mares cercados por poucos países. No caso da pesca, é possível haver a exclusão quando se definem direitos de propriedade sobre pequenas lagoas, como no caso do sistema do “pesque e pague”, mas, então, a pesca deixa de funcionar em regime de recursos de uso comum para se tornar um bem privado. Podemos sistematizar essa classificação de bens com ajuda do Quadro 1. Para a combinação de rivalidade com baixos custos de exclusão, temos o caso dos bens privados puros. O outro caso extremo é de bens públicos puros, normalmente mencionados na literatura de finanças públicas apenas como bens públicos. A vari- 36 Curso de Graduação em Administração a Distância Como explicar a distribuição gratuita de remédios pelo setor público? Arrisque uma resposta e aguarde até o próximo parágrafo, onde chegaremos ao conceito de externalidade. abilidade dos custos de exclusão gera casos mistos, conforme ob- servamos no Quadro 1 a seguir. Fica fácil também localizar os bens de uso comum. Baixo Níveis intermediários Alto Não Público privatizável Misto Público puro Sim Privado puro Misto Uso comum Rivalidade Custo de exclusão Quadro 1: Tipos de bens, segundo o custo de exclusão e a rivalidade Fonte: adaptado de Jones (2000, p. 68) Na explicação da fronteira entre os setores público e privado, podemos concluir que os Estados poderiam liberar para a atividade privada aqueles bens em que a exclusão é barata, independente de o bem ser rival ou não no consumo. Por exemplo, a produção e até a provisão de remédios são, em geral, atividades do setor privado, dada a facilidade da exclusão. Já a provisão de serviços de segurança públi- ca, cuja exclusão é difícil, normalmente fica nas mãos do setor públi- co, embora a produção possa ocorrer via setor privado. Isso também ocorre com a infraestrutura de transporte. Por exemplo, o Estado pode prover esse tipo de infraestrutura, mas a produção é privada, com pa- gamento pelo Estado, que, na verdade, apenas repassa os tributos. O entendimento de por que a produção de bens e serviços clara- mente privados, assim como a de bens rivais de exclusão barata, é muitas vezes mantida publicamente necessita de mais um conceito importante, o de externalidades. No caso de bens privados puros, o preço pago pelos compradores reflete os benefícios proporcionados a eles por esses bens, enquanto que o mesmo preço, do ponto de vista dos vendedores, reflete os custos de produção. Mas há casos em que benefícios ou custos estão envolvidos sem que as instituições permi- tam a cobrança de tais benefícios ou o ressarcimento de custos. Não há, portanto, um mercado para tais benefícios ou custos. É uma falha institucional que impede o acerto entre as partes do negócio sobre o Módulo 8 37 que é a mercadoria ou de como cobrar adequadamente por ela. Do ponto de vista institucional, podemos dizer também que é uma falha do mercado, pois há benefícios ou sacrifícios envolvidos na transação que não são objetos de pagamento. Se há custos desconsiderados ou externos a uma transação de mercado, dizemos que ocorrem externalidades negativas. A produ- ção será superior à que seria obtida se todos os custos fossem conside- rados. Um exemplo importante é o de agroindústrias avícolas que po- luem um rio. Isso afeta o uso do mesmo como fonte de água potável ou de lazer para a população rio abaixo. Os compradores de frango nos supermercados pagam um preço inferior ao que pagariam se os custos de evitar a poluição fossem considerados e, assim, compram mais do que seria o nível de produção compatível com uma poluição menor. Um exemplo na área de saúde é o dos cuidados necessários para diminuir a população de mosquitos transmissores de doenças, como é o caso da dengue. Muitas pessoas desfrutam do conforto de não traba- lhar o suficiente para evitar focos da dengue em suas propriedades, mesmo tendo conhecimento dos mecanismos de propagação da doen- ça. Calculam que isso não fará muita diferença quanto à probabilidade de elas mesmas adquirirem a doença. Se muita gente fizer isso, o re- sultado será a proliferação do vetor da doença. Outro exemplo da área da saúde é o do consumo de drogas, incluindo aí o fumo e o álcool, além de narcóticos ilegais. Em princí- pio, drogas são bens privados. No entanto, seus efeitos psicológicos ocasionam comportamentos inadequados socialmente, muitas vezes resultando em violência contra terceiros, como no caso de acidentes de trânsito, ou em doenças altamente custosas para os usuários e para pessoas expostas indiretamente a seus efeitos, como é o caso dos derivados do tabaco. Numa sociedade com acesso universal à saúde, isso resulta em sobrecarga nas despesas do sistema. A solução para essas externalidades negativas tem sido a proibição pura e simples ou a restrição a seu consumo, o que ignora as preferências desses usuários. Uma solução frequente, que respeita as preferências de usuários, é a tributação bastante alta das drogas lícitas de forma a compensar a sociedade por esses custos. Mas nos casos de viciados, 38 Curso de Graduação em Administração a Distância A seguridade social brasileira está descrita no Art.194 da Consti- tuição Federal de 1988. cuja elasticidade-preço da demanda é extremamente baixa, de modo a levar a pequena queda de quantidade demandada por conta de gran- des variações de preços, a tributação tem o efeito indesejado de pio- rar a situação de pessoas de baixa renda. O efeito indireto é também um aumento de despesas públicas de saúde. Como parte da seguridade social no Brasil, que inclui o acesso universal à saúde, a assistência social e a previdência social, você já pensou que tipo de externalidade envolve a Previdência Social? A pre- vidência social envolve um tipo de externalidade diferente. Quando se é jovem, há incerteza quanto ao nível de renda que se terá na velhice. O ideal é que todos fizessem um seguro de garantia de renda para essa fase da vida, independente do que cada um conseguisse durante os anos de trabalho. O seguro seria apenas uma garantia de que não se passará necessidades. Contudo, na juventude, os anos da velhice ain- da estão muito longe e tais rendimentos valem muito pouco no presen- te. A tendência éque um grande número de pessoas deixe para fazer tal tipo de seguro muito mais tarde. É por isso que os planos de previ- dência privada cobram mensalidades bastante baixas de quem entra nesses planos ainda jovem. Como poucos fazem isso quando jovens, as mensalidades tendem a ficar muito altas para que a empresa de se- guros possa cobrir os altos custos de vender o seguro apenas para pes- soas mais velhas. Isso leva a mensalidades mais altas também para os jovens que entram cedo no sistema, afastando-os mais ainda. Essa é uma explicação para o fato de que a estatização desse tipo de seguro começou cedo na Europa, ao longo do Século XIX. Junto com a estatização veio a obrigatoriedade de se adquirir o servi- ço. No setor público, o Estado cobra uma fração dos salários de todos os que trabalham formalmente, que, no Brasil, são aqueles com regis- tro na carteira de trabalho, para cobrir as despesas daqueles que já estão aposentados ou de seus dependentes, na forma de pensões. Sem o sistema de previdência pública, haveria um número talvez muito alto de pessoas em situação de necessidade na velhice por conta dessa externalidade negativa associada à baixa entrada espontânea de jo- vens trabalhadores no sistema de seguro previdenciário. Mas há casos em que ocorrem externalidades positivas, por conta de benefícios que são desconsiderados numa dada transação. Releia o conceito de elasticidade-preço em Carvalho Jr. (2008, p. 30-35). Módulo 8 39 Esse fenômeno de o resultado depender do número de pessoas que aderem a esse comportamento é chamado também de externalidade em rede, e tem ajudado a enten- der a adoção de novas tecnologias no setor privado. Por exemplo, uma empresa privada investe em pesquisa e desenvolvi- mento de novos produtos (P&D), mas pode ter os resultados copiados por outras empresas que se beneficiarão sem ter todos os custos. Isso vale também para a autoria de trabalhos intelectuais. Como as empre- sas que efetivamente gastam em P&D só contabilizam seus próprios benefícios, investirão menos em P&D do que se pudessem cobrar por todos os benefícios gerados para a sociedade. Outro exemplo é o de um indivíduo que tem hábitos de limpeza e ordem ao redor da sua residência, embelezando-a com jardins, mas evitando os criadouros de insetos transmissores de doenças, gerando desse modo benefícios para os vizinhos. Como ele tem custos ao fazer isso, só levará em consideração os próprios benefícios, que têm talvez mais a ver com a própria satisfação de viver num ambiente bem orga- nizado do que com o combate a epidemias. O resultado é um menor investimento nesse tipo de atividade do que seria o nível ótimo para a sociedade. Mas se vários vizinhos tiverem preferências parecidas, pode ocorrer um efeito em rede, em que quanto mais pessoas fizerem o mesmo, maiores serão os benefícios para o grupo em termos puramen- te estéticos. Nesse caso, haveria um efeito adicional de combate à pro- liferação dos mosquitos. Esses benefícios ou sacrifícios extras podem envolver os dife- rentes tipos de bens, segundo a rivalidade e a exclusão. Em geral, os casos de não-rivalidade e de altos custos de exclusão são mantidos nas mãos do Estado. Contudo, se os custos de exclusão forem relativa- mente baixos, a externalidade pode ser solucionada via contratos mer- cantis. Por exemplo, um produtor de mel de abelha beneficiará plantadores de frutas das redondezas. Normalmente, esse serviço não é remunerado e o produtor de mel só leva em conta seus próprios be- nefícios. Dependendo dos tamanhos dessas atividades, pode ser viá- vel a alguém se especializar no serviço de polinização, deslocando as colmeias de acordo com a remuneração recebida de produtos que se beneficiem de uma polinização mais intensiva. Há casos em que mesmo se tratando de bens privados, o gover- no mantém a produção pública dos mesmos. Um exemplo importante disso foi a produção de aço pelo Brasil via uma empresa estatal, a Cia. Siderúrgica Nacional. Sua criação durante a Era Vargas para produzir 40 Curso de Graduação em Administração a Distância Você pode repassar Mendes et al. (2007, p. 107-118) agora focando na teoria da regulação. Note que a presente discussão de corte neoclássico seria considerada pela teoria da regulação como apenas um subitem. e comercializar um bem privado puro, na verdade envolvia externalidades ligadas à defesa nacional, segundo a avaliação políti- co-militar durante um período de grandes guerras mundiais. Em de- corrência disso, o governo federal considerou essencial, à época, que o controle total da produção fosse público. Portanto, a fronteira entre os setores público e privado é explicá- vel, em boa medida, pela existência de bens com possível rivalidade, diferentes graus de exclusividade e externalidades associadas a bens que, normalmente, ficariam nas mãos do setor privado. Nesses casos, dizemos que há falhas nas instituições de mercado, que mantêm ou levam à produção estatal. Saiba mais... A sociedade inca tinha uma economia totalmente centralizada, a ponto de nem ter dinheiro como meio de troca, embora fosse sofisti- cada produtora de objetos de ouro e prata. A produção de bens era administrada coletivamente nas próprias vilas e com trocas de bens também coordenadas coletivamente entre elas. O governo central cuidava principalmente da coordenação político-religiosa, do contro- le militar do império, da tributação e da infraestrutura de transporte. Sobre esse tema, sugiro a leitura do Capítulo 4 de: FREITAS, Luiz C. T. Tahuantinsuyo: o Estado Imperial Inca. Luzcom Multimakers, 1997. Disponível em: <www.luzcom.com.br/ inca/livro/html/>. Acesso em: 23 out. 2008. Atividades econômicas estatais Há uma área cinzenta na fronteira entre os setores público e pri- vado. Além das próprias empresas estatais, em que há a divisão do capital com o setor privado, mas sob controle estatal, há a regulamen- tação de atividades sob concessão pública e a criação recente das parcerias público-privadas. Essas parcerias são um arranjo em que Módulo 8 41 Para saber mais sobre o Conselho Adminis- trativo de Defesa Econômica (CADE), acesse: <www.cade.gov.br>. Para saber mais sobre o Secretaria de Direito Econômico (SDE), acesse: <www.mj.gov.br/ sde>. o Estado dá concessões para empresas privadas explorarem certas ati- vidades, como, por exemplo, a manutenção ou a construção de estra- das ou hospitais sob supervisão estatal. Se houver cobrança de tarifas de usuários, quando isso é possível e decidido politicamente, o setor público pode, eventualmente, cobrir insuficiência de receita. Essa par- ceria é uma forma de dar ao governo uma maior capacidade de provi- são de serviços públicos. Alguns serviços públicos, mesmo quando produzidos pelo setor privado, estão sujeitos a regulamentação espe- cial, em comparação com as atividades usuais de produção de bens privados puros. Uma das razões para isso é que a tecnologia de produ- ção e a natureza do bem ou serviço implicam grande poder de merca- do para as empresas produtoras. Esse é o caso da produção e distribui- ção de energia elétrica, do transporte público, dos serviços portuários, etc. O excesso de poder de mercado, quando não contestável por po- tenciais concorrentes, leva a preços relativamente altos e produção relativamente baixa. A regulamentação de atividades sob concessão pública pode ser feita de várias maneiras. Uma é pela garantia da concorrência entre as empresas privadas. Para isso foram criados no Brasil vários órgãos de defesa da concorrência, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e a Secretaria de Direito Econômico (SDE). Para alguns setores, foram criadas as agências reguladoras setoriais. Exem- plos são a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Para que atinjam o objetivo de prote- ção contra pressões das próprias empresas reguladas e de motivações político-governamentais, essasagências, em geral, têm uma razoável autonomia de decisão, e seus diretores têm mandatos que não coinci- dem com os mandatos políticos. Outra maneira de regular as utilidades públicas é pelo controle dos preços do setor, na verdade pela definição de reajustes. A ideia é considerar as variações de custos de produção, o que inclui os bens e serviços, entre os quais o de mão de obra, utilizados na produção do serviço. O ideal seria definir preços tais que cobrissem os custos de- correntes de aumentos de produção, a partir do nível de produção em que a empresa opera; isso é chamado de cobrança pelo custo margi- 42 Curso de Graduação em Administração a Distância nal. Mas essa forma de cobrança não garante que os custos totais se- jam cobertos, pois não cobre os custos que a empresa tem, indepen- dentemente de produzir, podendo, assim, gerar prejuízos. Para evitar isso, uma forma alternativa é dividir o custo total pelo número de uni- dades produzidas e definir o preço por esse custo médio. O problema com essa regulação é que as empresas têm incentivos para relaxar na eficiência técnica. Outra forma ainda é definir preços tendo uma mar- gem de lucro sobre o capital que seja aceitável para o setor. Como você pode ver, há muitas alternativas para a regulação de preços em áreas de utilidades públicas em que o Estado queira estimular uma maior produção a bons preços para a população. Além da provisão e até da própria produção de bens e serviços, o Estado também promove redistribuição de renda, cuida da estabi- lidade de preços e combate grandes flutuações do nível de emprego. Na realidade, em qualquer ação estatal com cobrança de tributos para a provisão de serviços públicos é quase impossível ter um alinhamen- to exato entre o que é cobrado de uma pessoa e o que ela recebe de benefícios, considerado o pacote completo de benefícios públicos. Mas o que chama mais atenção do ponto de vista político é a redistribuição de renda na forma monetária. A redistribuição de renda pode ser tanto um bem privado, quando as pessoas doam dinheiro diretamente a pes- soas, especialmente a pessoas de baixo rendimento, quanto um bem não-rival, quando o governo, com um mandato fundado em platafor- ma redistributivista*, altera a própria distribuição de renda, entendi- da em sentido estatístico, diminuindo a porcentagem de pessoas nas faixas de renda mais baixas à custa da diminuição da renda de pessoas em faixas mais altas. Uma forma de redistribuição de renda no Brasil é a inclusão de pessoas idosas de baixa renda no sistema previdenciário mesmo que elas nunca tenham contribuído para o sistema. Para que uma pessoa possa se aposentar no Brasil, ela precisa ter contribuído por um certo GLOSSÁRIO * P l a t a f o r m a redistributivista ou política redistri- butiva – busca asse- gurar o atendimen- to às necessidades básicas da maioria dos cidadãos de um Estado. Ela se fun- damenta no paradigma adotado por Robin Hood: “tirar do rico para dar ao pobre”. Fon- te: Sanches (1997). Módulo 8 43 número mínimo de anos ao sistema. São essas pessoas que geram a receita que cobre as despesas com os aposentados e pensionistas. Quan- do mais beneficiados são incluídos no sistema já como aposentados, sem contribuição prévia, ocorre um aumento das despesas, que deve- rão ser cobertas por aumentos das cobranças dos trabalhadores da ati- va ou por outras fontes tributárias. Esse tipo de inclusão previdenciária é, na verdade, parte dos programas de redistribuição de renda do país. Por fim, a busca da estabilidade de preços e do combate ao desemprego é também uma atividade essencial de governo. Num sis- tema federal, composto por três níveis de governo, apenas a União cuida da moeda do país, enquanto os estados e municípios se adaptam às decisões de nível superior. Como todos os cidadãos são afetados simultaneamente pela estabilidade da economia, temos aí um caso de não-rivalidade. Como a exclusão desses benefícios é quase impossí- vel, temos, na verdade, um bem público puro. O monopólio da União sobre o controle da moeda evita a multiplicidade de moedas, algo que a União Europeia eliminou ao adotar uma moeda única, o Euro, para o comércio entre os países-membros. Alterações na oferta de moeda do país podem ter implicações sobre a evolução média dos preços. Por exemplo, quando as empre- sas produzem em seus limites técnicos de produção e quando o nível de produção está tão alto que começa a faltar trabalhadores especializados, há aumentos de preços generalizados, caracterizan- do um processo inflacionário. Numa situação dessas, uma redução da oferta de moeda tem como primeiro efeito o aumento de juros, pois diminui a disponibilidade de recursos para crédito. Juros maio- res, por sua vez, diminuem o consumo e o investimento, reduzindo, então, as pressões inflacionárias. Para que você possa ter melhor compreensão do assunto, nossos próximos passos serão, inicialmente, definir uma medida do tamanho relativo do setor público e depois ex- plicar sua crescente participação na economia ao longo de muitas décadas. Para isso, veremos o conceito de carga tributária e, em seguida, algumas explicações fundamenta- 44 Curso de Graduação em Administração a Distância das na dinâmica da economia que leva à crescente deman- da de serviços públicos. O Estado produtor Para a sociedade escolher entre produzir ou não um bem qual- quer pelo setor público, há dois elementos a considerar. Primeiro, a teoria dos bens públicos, com base nas características de rivali- dade e exclusão, é uma explicação pelo lado da demanda e não da produção ou oferta. É pela demanda que mencionamos a possível não-rivalidade de certos bens ou serviços e o alto custo de exclu- são de outros. Juntando tais características em um único bem é que temos os bens públicos. Isso significa que a decisão sobre pro- duzir ou não tais bens pelo setor público é explicável por outras características. Em geral, como já vimos, isso tem a ver com externalidades. Há, portanto, uma diferença essencial entre produção e provi- são. Por exemplo, os serviços de saúde que tenham efeitos gene- ralizados, como no caso de combate a endemias, poderiam ser pa- gos pelo Estado, mas sua produção seria feita por empresas priva- das. A venda direta do serviço seria inviável pela dificuldade de exclusão de beneficiários que se recusassem a pagar pelo mesmo. Por exemplo, o trabalho de combate ao mosquito da dengue pode- ria ser feito por empresas especializadas, com a contratação via licitação pública. Nesse caso, a produção seria privada e a provi- são seria pública. Essa produção poderia ser via empresas priva- das tanto com fins lucrativos como sem fins lucrativos. Agora, se o governo usa um corpo de funcionários públicos, adquire e admi- nistra os bens de capital necessários para esse serviço, então ele próprio produz e provê o serviço. As duas soluções seriam equi- valentes na viabilização do serviço, na suposição de custos efeti- vos similares. Módulo 8 45 Na verdade, essa escolha de manter a produção no setor pú- blico tem mais a ver com decisões de administração pública. De- pende da eventual diferença de custos na produção de um dado bem no setor público versus o setor privado. Da discussão de anos recentes sobre a transição das economias socialistas para econo- mias de mercado ficou claro que um elemento essencial para a efi- ciência relativa entre empresas públicas e privadas é o grau de concorrência que elas enfrentam. Por exemplo, a Petrobrás enfrenta concorrência em suas operações internacionais, enquanto o Ban- co do Brasil enfrenta um razoável grau de concorrência de outros bancos no próprio país, embora a criação de novos bancos tenha restrições legais, o que enfraquece um pouco esse efeito. Já uma empresa privada que tenha alto poder de mercado, isto é, que en- frente pouca concorrência, terá incentivos para se tornar ineficiente e oferecer produtos mais caros e de pior qualidade. Colocado
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