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Texto Curso de Direito Constitucional Flavio_Martins (2)

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2. Direito Constitucional 
2.1. Origem do Direito Constitucional 
Sob a influência veemente das revoluções burguesas do final do século 
XVIII e das consequentes Constituições modernas, as primeiras cadeiras de 
Direito Constitucional foram criadas no norte da Itália, em Ferrara, em 1797, 
cujo primeiro titular foi Giuseppe Di Luzo e, posteriormente, no ano seguinte, 
surgiram também nas Universidades de Pádua e Bolonha1. Curiosamente, na 
França a disciplina surgiu tardiamente, em 1834, na Universidade de Paris, sob 
a titularidade do publicista italiano Pelegrino Rossi. No Brasil, o Direito 
Constitucional foi criado como disciplina autônoma, através do Decreto-lei n. 
2.639, de 27 de setembro de 1940. 
2.2. Conceito de Direito Constitucional 
O Direito Constitucional surgiu como sendo uma disciplina, ramo do Direito 
Público, com o objetivo de estudar as normas e a instituições fundamentais 
associadas às Constituições. Embora tal conceito tenha sido apropriado no 
início da Idade Moderna, não mais corresponde à realidade. Direito 
Constitucional não é apenas uma ciência que estuda a Constituição, embora 
esse também seja um importante objeto de seu estudo. 
O Direito Constitucional, como ciência, é formado por uma inter-relação com 
outros saberes e ciências, como Sociologia, Política e Filosofia. Em outras 
palavras, como afirmou Canotilho, “o direito constitucional é um intertexto 
aberto. Deve muito a experiências constitucionais, nacionais e estrangeiras; no 
seu ‘espírito’ transporta ideias de filósofos, pensadores e políticos” (...), não 
sendo “um singular movimento de rotação em torno de si mesmo, mas sim um 
gesto de translação perante outras galáxias do saber humano”2. 
Não obstante, embora haja várias definições do Direito Constitucional, 
preferimos conceituá-lo dessa maneira: é o ramo do Direito Público que 
investiga e sistematiza as instituições fundamentais do Estado, bem como 
estabelece a origem, a forma, o desenvolvimento e os limites da aquisição e do 
exercício do poder, tendo como elemento central a Constituição. Em outras 
palavras, Meirelles Teixeira definiu o Direito Constitucional como sendo “o 
conjunto de princípios e normas que regulam a própria existência do Estado 
moderno, na sua estrutura e no seu funcionamento, o modo de exercício e os 
limites de sua soberania, seus fins e interesses fundamentais”3. 
2.3. Natureza do Direito Constitucional 
Primeiramente, o Direito Constitucional é inegavelmente um ramo do Direito 
Público. Não obstante, como aponta a doutrina, “um dos mais árduos 
problemas da ciência jurídica contemporânea é o da distinção do direito objetivo 
em direito público e direito privado”4. Goffredo Telles Júnior adverte: “Holliger 
expôs cento e quatro doutrinas sobre esse assunto, e concluiu, afinal, que 
nenhuma é satisfatória”5. De fato, essa divisão é importante apenas para fins 
didáticos, para entender e diferenciar os diversos ramos da “árvore jurídica 
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normativa”. Parece-nos bastante apropriada a distinção feita por Maria Helena 
Diniz, utilizando-se da combinação de critérios diversos. Segundo ela, “o direito 
público seria aquele que regula as relações em que o Estado é parte, ou seja, 
rege a organização e atividade do Estado considerado em si mesmo (direito 
constitucional), em relação com outro Estado (direito internacional) e em suas 
relações com os particulares, quando procede em razão de seu poder soberano 
e atua na tutela do bem coletivo (direito administrativo e tributário). O direito 
privado é o que disciplina as relações entre particulares, nas quais predomina, 
de modo imediato, o interesse de ordem privada, como compra e venda, 
doação, usufruto, casamento, testamento, empréstimo etc.”6. Por fim, vale 
ressaltar que, por ter como objeto de estudo preceitos importantes que regem 
o direito privado, parte da doutrina o situa como uma espécie de “super-
Direito”7. 
2.4. Objeto do Direito Constitucional 
Como vimos nos itens anteriores, a grande maioria dos autores define o 
Direito Constitucional através do objeto de seu estudo, que não se reduz 
apenas e tão somente ao texto constitucional. O Direito Constitucional tem por 
objeto “o conhecimento científico e sistematizado da organização fundamental 
do Estado, através da investigação e estudo dos princípios e regras 
constitucionais atinentes à forma do Estado, à forma e ao sistema de Governo, 
ao modo de aquisição e exercício do poder, à composição e funcionamento de 
seus órgãos, aos limites de sua atuação e aos direitos e garantias 
fundamentais”8. 
2.5. Espécies ou Divisão do Direito Constitucional 
Segundo Paulo Bonavides, abrange o Direito Constitucional várias ciências 
jurídicas que, ao lado de outras matérias não jurídicas (como a Ciência Política 
e a Filosofia), compõe o elenco de matérias que se ocupam do ordenamento 
constitucional do Estado, integrantes do Direito Constitucional: a) Direito 
Constitucional Positivo, Particular ou Especial; b) Direito Constitucional 
Comparado; c) Direito Constitucional Geral9. 
a) Direito Constitucional Positivo, Particular ou Especial: é o Direito 
Constitucional especial de um Estado específico, a organização e o 
funcionamento dos poderes constitucionais. Tem como objeto o estudo de uma 
só Constituição, analisando os princípios e regras vigentes em um determinado 
Estado. Assim, temos o Direito Constitucional brasileiro, americano, alemão 
etc. 
b) Direito Constitucional Comparado: tem o escopo de analisar textos 
constitucionais diferentes, de países ou tempos diversos. Assim, é possível 
comparar as normas constitucionais de países diferentes, vigentes ou não, bem 
como Constituições de um mesmo país elaboradas em épocas diversas10. 
c) Direito Constitucional Geral: corresponde a uma “Teoria Geral do 
Direito Constitucional”, sem fazer análise específica de uma constituição 
específica. Tem o escopo identificar e sistematizar princípios, conceitos e 
instituições comuns a vários países. Manuel García-Pelajo distingue o Direito 
Constitucional Geral do Direito Constitucional Comparado, da seguinte forma: 
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“o que diferencia o Direito Constitucional Geral do Direito Constitucional 
Comparado é que, enquanto este se interessa pelos grupos jurídico-
constitucionais em sua singularidade e contraste frente a outros grupos, o 
primeiro se preocupa somente com as notas gerais e comuns a esses grupos”11. 
Além da classificação sobredita, tradicional, hodiernamente tem-se 
acrescido uma quarta modalidade de Direito Constitucional: o Direito 
Constitucional Internacional, Transnacional ou Supranacional. Nas palavras de 
Néstor Pedro Sagüés, “com esta expressão ultimamente se alude ao direito que 
devem organizar (ou “constitucionalizar”) entes internacionais ou 
transnacionais”12, como União Europeia, Organização das Nações Unidas etc. 
Kildare Gonçalves Carvalho13menciona uma outra classificação do Direito 
Constitucional, quanto à matéria: a) Direito Constitucional Material; b) Direito 
Constitucional Adjetivo. Segundo o mencionado autor, Direito Constitucional 
Material ou Substantivo cuida da organização do Estado, do seu modo de ser, 
de sua estrutura, variando de Estado para Estado. Já o Direito Constitucional 
Adjetivo envolve regras pertinentes à aplicabilidade da Constituição, assim 
consideradas o preâmbulo, o ato de promulgação, de publicação, de aplicação 
material propriamente dita (como o artigo 5o, § 1o, que trata da aplicabilidade 
das normas definidoras de direitos fundamentais), bem como o seu processo 
de modificação (como o artigo 60, que trata do procedimento da emenda 
constitucional). Essa distinção do Direito, em substantivo (que trata de normas 
de direito material) e adjetivo (que trata de normas de direito processual) vem 
sendo abandonada por grande parte da doutrina. 
2.7.Fontes do Direito Constitucional 
Largamente utilizada em inúmeros ramos do Direito, o estudo das fontes do 
Direito teve origem provavelmente em Savigny no início do século XIX, como 
afirma Tércio Sampaio Ferraz24. A expressão “fontes do direito” significa a 
origem do Direito, bem como os meios pelos quais ele se exterioriza. Em outras 
palavras, poderíamos dizer que as Fontes do Direito Constitucional 
correspondem ao local de onde surge o Direito Constitucional, à forma como 
ele se exterioriza, corporifica na sociedade. 
Um século depois de Savigny, o jurista francês Francois Geny passa a falar 
de duas espécies de fontes do direito: as fontes materiais e as fontes 
formais. Fontes materiais são os fatos, elementos e circunstâncias que fazem 
nascer o Direito. São portanto elementos materiais (biológicos, psicológicos, 
fisiológicos) que contribuem para a formação do direito, 
elementos históricos(representados pela conduta humana no tempo), 
elementos racionais(representados pela elaboração da razão humana sobre a 
própria experiência da vida, formulando princípios universais) e 
elementos ideias (representados pelas diferentes aspirações do ser humano, 
formuláveis em postulados valorativos de seus interesses. Por sua vez, 
as fontes formaiscorrespondem àquilo que foi construído, “significando a 
elaboração técnica do material por meio de formas solenes que se expressam 
em leis, normas consuetudinárias, decretos regulamentadores etc.”25. 
Diante desse cenário, podemos dizer que as fontes materiais do Direito 
Constitucional são os elementos materiais, racionais, ideais e culturais da 
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sociedade, dos quais emana o Direito Constitucional. Assim, a Constituição 
(que, como veremos adiante, é a principal fonte formal do Direito Constitucional) 
tem origem em todos esses elementos existentes na sociedade, mantendo com 
eles uma relação bilateral, como ressaltou Konrad Hesse, na sua obra clássica 
“A Força Normativa da Constituição”. Segundo ele, a realidade social dá origem 
à Constituição normativa, jurídica, que só terá sua força normativa reconhecida 
se de fato espelhar essa realidade. Se divorciada da realidade dos fatos, 
poucos terão o desejo de cumpri-la, o que o mestre alemão chamou de 
“vontade de constituição” (wille zur Verfassung). Segundo o autor, “pode-se 
afirmar: a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela 
não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de 
eficácia da Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essa 
realidade”26. 
Se fontes formais são as formas por meio das quais o Direito se exterioriza, 
a principal fonte formal do Direito Constitucional é a Constituição. Ela 
estabelece a organização política, social e jurídica do Estado, as limitações do 
exercício de seu poder, as formas de aquisição do poder, os direitos e garantias 
fundamentais etc. Todavia, embora seja a principal fonte formal do Direito 
Constitucional (e, por isso, fonte formal imediata), não é a única. Há outras 
fontes formais do Direito Constitucional, a saber: os costumes, a doutrina, os 
princípios gerais do Direito Constitucional e a jurisprudência. 
Os costumes são importantes na medida em que servem de orientação para 
o Constituinte e para o intérprete da Constituição e ganham maior destaque nos 
países de Constituição não escrita ou consuetudinária, onde os costumes 
constitucionais integram o Direito Constitucional. 
A doutrina constitucional tem o condão não de apenas interpretar o 
conteúdo das leis constitucionais, mas também de criar, inovar, estabelecer 
novos parâmetros constitucionais, transformando a realidade. Teses 
doutrinárias vistas no capítulo anterior, como o “constitucionalismo 
transnacional” e o “novo constitucionalismo latino-americano” tem o escopo e o 
condão de alterar a interpretação constitucional e a postura do 
constitucionalista. 
Muitos são os princípios gerais do Direito Constitucional que são utilizados 
não apenas pelo constituinte como também pelo intérprete e aplicador da 
Constituição. Ainda que não escritos, servem como norte do Direito 
Constitucional. Por exemplo, embora não escrito na Constituição brasileira, o 
princípio da proporcionalidade é um dos critérios mais importantes para solução 
do conflito entre direitos fundamentais e análise de normas restritivas desses 
direitos. 
Por fim, a jurisprudência constitucional vem ganhando em nosso país cada 
vez mais destaque, projeção e importância, máxime porque muitas das 
decisões do Supremo Tribunal Federal (que, embora não seja o único, é o 
principal intérprete da Constituição) têm efeito vinculante. Cada vez mais em 
nosso país, torna-se próxima a frase dita pelo juiz da Suprema Corte norte-
americana Hughes: “we are under a Constitution but the Constitution is what the 
judges say it is” (nós estamos sob uma Constituição, mas Constituição é aquilo 
que os juízes dizem que ela é). 
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3.8. Supremacia da Constituição 
Com o advento das revoluções burguesas e do constitucionalismo moderno 
do fim do século XVIII, surge a noção de supremacia da Constituição sobre as 
demais normas jurídicas. Segundo tal percepção, a Constituição é o 
pressuposto de validade de todas as normas jurídicas, estando 
hierarquicamente acima de todas as demais leis do país. Não obstante, como 
vimos no capítulo I dessa obra, a noção de supremacia da Constituição sobre 
as demais leis decorre mais do constitucionalismo norte-americano (e a 
Constituição de 1787) que do Constitucionalismo francês, cuja noção de 
supremacia da Constituição veio a se fortalecer muito tempo depois106. Como 
afirma Raul Machado Horta, a noção de supremacia da constituição ganhou 
“força de criação original e poderosa no controle judiciário da 
constitucionalidade das leis, obra da jurisprudência da Suprema Corte norte-
americana, que elaborou a universalmente famosa american doctrine of judicial 
supremacy”107. 
O princípio da supremacia da Constituição ganha maior projeção com a 
obra Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen. Segundo Kelsen, “a Constituição 
representa o escalão do Direito Positivo mais elevado”108. 
A supremacia da Constituição sobre as demais leis conduz a uma 
superioridade hierárquico-normativa e, segundo Canotilho, também tem como 
consequências: a) as normas constitucionais constituem uma lex superior que 
recolhe o fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa); b) as 
normas da Constituição são normas de normas (normae normarum), 
afirmando-se como uma fonte de produção jurídica de outras normas, e c) a 
superioridade normativa das normas constitucionais gera o princípio da 
conformidade de todos os atos dos poderes públicos com a Constituição109. 
Do princípio da Supremacia da Constituição decorre o fato de que todos os 
atos normativos devem ser compatíveis com a Constituição, material e 
formalmente, sob pena de serem inválidos. A compatibilidade deve ser material 
(o conteúdo dos atos deve ser harmonioso com o conteúdo constitucional) e 
formal (os atos devem ser elaborados conforme os procedimentos 
estabelecidos pela Lei Maior). 
Da Supremacia da Constituição decorre o controle de constitucionalidade. 
Nos países em que não se adota tal princípio, não se reconhecendo uma 
hierarquia formal da Constituição sobre as demais leis, não há como se fazer o 
controle de constitucionalidade. Nesses países, em vez da supremacia da 
constituição, pode vigorar a “supremacia do Parlamento”. Historicamente, na 
Europa, desde o surgimento do Parlamento na Idade Moderna, adotou-se como 
modelo principal da “supremacia do Parlamento”, no qual todos os atos 
emanados do Parlamento tinham a mesma hierarquia e a última palavra acerca 
da interpretação das normas era dada pelo próprio parlamento, que poderia 
revogar atos anteriores. Não obstante, a partir da década de 1950, esse modelo 
foi substituído na maioria dos paísespela “supremacia da Constituição”, com a 
previsão de Tribunais Constitucionais, responsáveis pelo controle de 
constitucionalidade (exceção feita ao Reino Unido e Holanda). 
No Brasil, desde a primeira Constituição republicana (de 1891) adotou-se o 
modelo norte-americano de “supremacia da Constituição”, cabendo ao Poder 
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Judiciário o poder de examinar a constitucionalidade das leis, através do 
controle difuso, pela via incidental. 
Importante destacar que a supremacia da Constituição, a hierarquia 
normativa da Constituição sobre as demais leis só se verifica em países 
de constituição rígida (que possui um procedimento de alteração mais rigoroso 
que o destinado às outras leis). Em países de constituição flexível, cujo 
procedimento de alteração é o mesmo que o destinado às outras leis, não se 
reconhece uma hierarquia normativa da Constituição sobre outras normas, 
inexistindo, por conseguinte, controle de constitucionalidade. Segundo Raul 
Machado Horta, “a aderência da rigidez ao conceito de Constituição formal 
acentua e robustece a distinção entre lei ordinária e lei constitucional, mediante 
disposição hierárquica, sob a égide suprema da Lei Magna. Para manter 
inalterável essa hierarquia, a Constituição rígida e formal reclama, doutrinária e 
praticamente, instrumento eficaz que a defenda”110. 
Segundo José Afonso da Silva, é possível distinguir a supremacia material e 
a supremacia formal da Constituição. Segundo ele, “reconhece a primeira até 
nas constituições costumeiras e nas flexíveis. Isso é certo do ponto de vista 
sociológico, tal como também se lhes admite rigidez sócio-política. Mas, do 
ponto de vista jurídico, só é concebível a supremacia formal, que se apoia na 
regra da rigidez, de que é o primeiro e principal corolário. O próprio Burdeau, 
que fala na supremacia material, realça que é somente no caso da rigidez 
constitucional que se pode falar em supremacia formal da constituição, 
acrescentando que a previsão de um modo especial de revisão constitucional 
dá nascimento à distinção de duas categorias de leis: as leis ordinárias e as leis 
constitucionais”111. 
Por fim, é oportuno destacar, como faz Dirley da Cunha Júnior, que “todas 
as normas constitucionais das constituições rígidas, independentemente de seu 
conteúdo, têm estrutura e natureza de normas jurídicas, ou seja, são providas 
de juridicidade, que encerram um imperativo, vale dizer, uma obrigatoriedade 
de comportamento”112. Assim, tanto as normas materialmente constitucionais, 
como as normas formalmente constitucionais (que, embora não tenham 
conteúdo constitucional, foram inseridas no texto constitucional), gozam de 
hierarquia formal sobre as demais leis. Uma lei ordinária que fere a separação 
dos poderes (art. 2º) ou fere a norma constitucional que regula o Colégio Pedro 
II, no Rio de Janeiro (art. 242, § 2o) é uma norma inconstitucional. 
3.9. Objeto e conteúdo das Constituições 
O objeto e conteúdo mínimo das Constituições sempre foi e será 
a organização fundamental do Estado. Exemplo é a Constituição norte-
americana, de 1787 que, embora não tenha previsto (no seu texto originário) 
um rol de direitos e garantias fundamentais, estabeleceu a Federação, o 
Presidencialismo, a República etc. Não obstante, esse objeto e conteúdo 
mínimos varia de acordo com o tempo e o espaço. Com o passar dos anos, os 
conteúdos constitucionais vem sendo ampliados, acompanhando a evolução 
social. Assim, as constituições contemporâneas tendem a constitucionalizar um 
maior número de matérias, o que faz gerar, a cada edição de uma nova 
constituição, uma espécie de constituição expansiva (tema que será abordado 
no capítulo seguinte). 
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Diante de tal questão, surgiu a seguinte classificação, bastante 
conhecida: constituição em sentido material e constituição em sentido formal. 
a) Constituição em sentido formal: segundo Gilmar Ferreira Mendes, “é 
o documento escrito e solene que positiva as normas jurídicas superiores da 
comunidade do Estado, elaboradas por um processo constituinte específico. 
São constitucionais, assim, as normas que aparecem no Texto Magno, que 
resultam das fontes do direito constitucional, independentemente do seu 
conteúdo. Em suma, participam do conceito da Constituição formal todas as 
normas que forem tidas pelo Poder Constituinte Originário ou de reforma como 
normas constitucionais, situadas no ápice da hierarquia das normas 
jurídicas”113. Dessa maneira, todos os dispositivos que estão no texto 
constitucional, independentemente do conteúdo, fazem parte da “constituição 
em sentido formal” (os artigos que tratam da separação dos poderes, do voto 
ou do Colégio Pedro II). 
b) Constituição em sentido material: segundo Gilmar Ferreira Mendes, é 
“o conjunto de normas que instituem e fixam as competências dos principais 
órgãos do Estado, estabelecendo como serão dirigidos e por quem, além de 
disciplinar as interações e controles recíprocos entre tais órgãos. Compõem a 
Constituição também, sob esse ponto de vista, as normas que limitam a ação 
dos órgãos estatais, em benefício da preservação da esfera da 
autodeterminação dos indivíduos e grupos que se encontram sob a regência 
desse Estatuto Político. Essa normas garantem às pessoas uma posição 
fundamental ante o poder público (direitos fundamentais)”. Assim, constituição 
em sentido material é um conjunto de normas que versam sobre o Direito 
Constitucional, que possuem matéria e conteúdo constitucional (organização 
do Estado, aquisição e exercício do poder, direitos e garantias fundamentais 
etc.). Essa normas (materialmente constitucionais) podem estar compiladas no 
próprio texto constitucional, mas também em outros atos normativos (como em 
tratados internacionais)114. Reforça a ideia de constituição material a teoria do 
“bloco de constitucionalidade”, criada na França e largamente adotada na 
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (tema que abordamos nesse 
capítulo, na concepção jurídica de Constituição). 
3.10. Elementos das Constituições 
Como vimos no item anterior, o conteúdo das constituições tem variado de 
acordo com o tempo e o espaço. Se o conteúdo mínimo é a estrutura e 
organização do Estado, com o passar do tempo, novos temas foram 
considerados essencialmente (materialmente) constitucionais. Atualmente, 
difícil imaginar uma Constituição que não preveja um rol mínimo de direitos e 
garantias fundamentais. Para identificar quais são os temas presentes em todas 
as Constituições, de maneira geral, a doutrina estabeleceu um rol de 
“elementos das Constituições”. Repetiremos a classificação de José Afonso da 
Silva, que consideramos a mais correta, identificando, ao todo, cinco 
elementos: 
a) elementos orgânicos: são os elementos que organizam a Estrutura do 
Estado. Na Constituição Brasileira, podemos mencionar o art. 2º (que trata da 
Separação dos Poderes), o art. 18 (que trata da Federação), o art. 92 (que 
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organiza o Poder Judiciário), o art. 144 (que organiza a Segurança Pública), 
dentre tantos outros. 
b) elementos limitativos: são os elementos que limitam o poder do Estado, 
fixando direitos à população. Nesse caso, temos um extenso rol, na 
Constituição de 1988, de Direitos e Garantias Fundamentais. Quando a 
Constituição, por exemplo, no art. 5º, XI, prevê a inviolabilidade do domicílio, 
no momento em que prevê um direito do indivíduo, está limitando a atuação do 
poder do Estado (que só poderá entrar nas casas, nas hipóteses previstas pela 
Constituição ou pela lei infraconstitucional, em razão do princípio da 
legalidade). 
c) elementos sócio-ideológicos: são os dispositivos de cunhos ideológicos, 
principiológicos previstos na Constituição. Revelam um compromisso de 
constituições modernas. Na Constituição de 1988, temos “os valores sociais do 
trabalho e da livre iniciativa” como fundamentos da República (art.1º), 
mostrando uma coexistência dos valores liberais e sociais do constituinte 
originário; bem como temos a “propriedade privada”, “a livre concorrência” e a 
“redução das desigualdades regionais e sociais” e a “busca do pleno emprego” 
como princípios que regem a ordem econômica (art. 170). 
d) elementos de estabilização constitucional: são os dispositivos que 
buscam uma estabilidade política e social, em caso de tumulto institucional. 
Temos como exemplo a intervenção federal, prevista no art. 34, da Constituição 
de 1988. Por exemplo, se um Estado-membro tenta se separar do Estado 
Brasileiro será punido com intervenção por parte da União115. Da mesma forma, 
o “estado de defesa” e o “estado de sítio”, previstos nos artigos 136 e seguintes 
da Constituição são importantes exemplos116. 
e) elementos formais de aplicabilidade: são os dispositivos constitucionais 
que auxiliam na aplicação de outras normas constitucionais. Em outras 
palavras, são dispositivos instrumentais: ajudam na aplicação de outros artigos. 
Exemplo mais importante é o artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal: “as 
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação 
imediata”. Ora, depois de prever um extenso rol de direitos e garantias 
individuais e coletivos, o constituinte estabeleceu a aplicação imediata dessas 
normas. Em outras palavras, não é necessária regulamentação, não é 
necessária a edição de uma lei posterior para aplicação dos direitos 
fundamentais. Inexistindo uma lei regulamentar, deverá o magistrado se utilizar 
dos meios supridores dessas lacunas (integração do direito), como a analogia, 
por determinação constitucional117. Parte da doutrina exemplifica também como 
elemento formal de aplicabilidade o Preâmbulo da Constituição (tema que será 
abordado mais profundamente no próximo item). Isso porque o preâmbulo, 
embora não seja reconhecido como sendo uma norma formalmente 
constitucional, possui um efeito interpretativo: auxilia na interpretação das 
normas constitucionais, sendo utilizado como parâmetro interpretativo. 
3. TEORIA DA CONSTITUIÇÃO 
3.1. Considerações acerca do vocábulo “Constituição” 
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A palavra “Constituição” tem origem no verbo latino constituere, que 
significa constituir, estabelecer, firmar, formar, organizar, delimitar. Na língua 
portuguesa, a palavra “Constituição” tem sentido plurívoco, podendo significar 
ato de constituir, organização, estabelecimento, modo de ser, ato de 
estabelecer ou fixar etc. Entre os estudiosos, identificam-se vários conceitos 
diversos de Constituição. O próprio STF, em decisão do Ministro Celso de 
Mello, já ressaltou a pluralidade de conceitos de Constituição: “cabe ter 
presente que a construção do significado de Constituição permite, na 
elaboração desse conceito, que sejam considerados não apenas os preceitos 
de índole positiva, expressamente proclamados em documento formal (que 
consubstancia o texto escrito da Constituição), mas, sobretudo, que sejam 
havidos, igualmente, por relevantes, em face de sua transcendência mesma, 
os valores de caráter suprapositivo, os princípios cujas raízes mergulham no 
direito natural e o próprio espírito que informa e dá sentido à Lei Fundamental 
do Estado. Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, certa vez, 
e para além de uma perspectiva meramente reducionista, veio a proclamar – 
distanciando-se, então, das exigências inerentes ao positivismo jurídico – que 
a Constituição da República, muito mais do que o conjunto de normas e 
princípios nela formalmente positivados, há de ser também entendida em 
função do próprio espírito que a anima, afastando-se, desse modo, de uma 
concepção impregnada de evidente minimalismo conceitual” (STF, ADI 595/ES, 
Rel. Min. Celso de Mello, 28/02/2002). 
José Afonso da Silva reafirma a pluralidade de conceitos de Constituição: 
“a palavra constituiçãoé empregada com vários significados, tais como: a) 
conjunto dos elementos essenciais de alguma coisa: a constituição do universo, 
a constituição dos corpos sólidos; b) temperamento, compleição do corpo 
humano: uma constituição psicológica explosiva, uma constituição robusta; c) 
organização, formação: a constituição de uma assembleia, a constituição de 
uma comissão; d) o ato de estabelecer juridicamente: a constituição de normas 
que regem uma corporação, uma instituição: a constituição da propriedade; e) 
a lei fundamental de um Estado”1. 
3.2. Origem 
A noção geral de Constituição já existia entre gregos e romanos, no domínio 
do pensamento jurídico, filosófico e político. Aristóteles, por exemplo, já 
distinguia as normas de organização (que organizavam e fixavam os 
fundamentos do Estado) e as normas comuns, elaboradas e interpretadas de 
acordo com as primeiras. 
Não obstante, somente com o advento do constitucionalismo moderno, no 
final do século XVIII, tal ideia ganhou projeção, com o intuito de limitar o poder 
do Estado. Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “tal distinção, porém, 
somente veio a ser valorizada no século XVIII, na Europa ocidental. E isto 
ocorreu com o propósito de limitar o poder, afirmando a existência de leis que 
seriam a ele anteriores e superiores. É daí em diante que o 
termo Constituição passou a ser empregado para designar o corpo de regras 
que definem a organização fundamental do Estado”2. 
3.3. Conceito 
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Como se viu, impossível identificar um único conceito de Constituição, que 
pode pender para uma visão mais positivista (largamente utilizada em todo 
mundo), definindo Constituição como “Lei Fundamental; a Lei das Leis; a Lei 
que define o modo concreto de ser e de existir do Estado; a Lei que ordena e 
disciplina os seus elementos essenciais”3 ou jusnaturalista, como sendo o 
conjunto de regras de Direito Natural que servem como base e fundamento à 
instituição do Estado e limitação de seus poderes. 
Segundo José Afonso da Silva, embora entenda ser uma visão parcial do 
conceito de Constituição, define-a como sendo “sua lei fundamental, (....) a 
organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, 
escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, 
o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, 
os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as suas 
respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que 
organiza os elementos constitutivos do Estado”4. 
Jorge Miranda5 sintetiza as correntes doutrinárias diversas acerca da 
Constituição: a) concepções jusnaturalistas:Constituição como expressão e 
reconhecimento no plano jurídico dos princípios e regras do Direito Natural; b) 
concepções positivas (prevalentes de meados do século XIX até a Segunda 
Guerra Mundial, tendo como representantes Laband, Jellinek, Carré de Malberg 
e Kelsen) tem a Constituição como lei, tendo sobre as outras leis uma relação 
lógica de supraordenação; c) concepções historicistas têm a Constituição como 
a expressão da estrutura histórica de cada povo, tendo como autores Burke, 
De Maistre, Gierke; d) concepções sociológicas, que têm a Constituição como 
consequência dos mutáveis fatores sociais que condicionam o exercício do 
poder, com expressão em Lassalle, Sismondi e Lorenz Von Stein; e) 
concepções marxistas, que têm a Constituição como superestrutura jurídica da 
organização econômica que prevalece em qualquer país, sendo um 
instrumento da ideologia da classe dominante; f) concepções institutionalistas, 
de Hauriou, Santi Romano, Burdeau e Mortari, têm a Constituição como 
expressão da organização social, seja como expressão das ideias duradouras 
na comunidade política, seja como ordenamento resultante das instituições, 
das forças e dos fins políticos; g) concepção decisionista, de Carl Schmitt, tem 
a Constituição como decisão política fundamental, válida só por força do ato do 
poder constituinte; dentre outras. 
3.4. Concepções principaissobre Constituição 
3.4.1. Sentido Sociológico (concepção 
sociológica) de Ferdinand Lassale 
Nascido em 11 de abril de 1825 em Breslau ou Breslávia (hoje Wroclaw ou 
Vratislávia, na Polônia), ingressou na Universidade de Breslau e mais tarde na 
Universidade de Berlim (hoje Universidade Humboldt, onde estudaram Einstein, 
Marx, dentre outros), onde estudou filosofia, tornando-se seguidor das ideias 
de Georg Hegel (que foi professor daquela universidade até sua morte, em 
1831). Foi um republicano comprometido e sempre defendeu as ideias 
democráticas publicamente, motivo pelo qual foi condenado a deixar Berlim, 
sendo perdoado posteriormente pelo rei, com a intercessão do professor 
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Alexander von Humboldt (que hoje dá nome à Universidade de Berlim). Teve 
contato com Karl Marx entre os anos de 1850 e 1860 e, embora formalmente 
membro da Liga Comunista, rompeu com Marx, que repudiou publicamente as 
ideias de Lassale de Estado e Constituição. 
Em 16 de abril de 1862, em uma associação liberal-progressista, Ferdinand 
Lassale foi convidado para proferir uma conferência em Berlim, sobre a 
essência da Constituição (Über das Verfassungswesen), cujas palavras iniciais 
foram: “Começo, pois, minha conferência com esta pergunta: O que é uma 
Constituição? Em que consiste a verdadeira essência de uma Constituição?”6 O 
referido discurso foi transformado em livro que, na língua portuguesa, foi 
publicado como “O que é uma Constituição?” “Essência da Constituição”7. 
Sua morte foi inusitada. Ele se envolveu romanticamente com uma mulher 
mais jovem, Helene von Dönniges e, no verão de 1864 decidiram se casar. 
Todavia, o pai da jovem opôs-se à relação, obrigando sua filha a se casar com 
um nobre chamado Bajor von Racowitza. Lassale desafiou o nobre para um 
duelo e perdeu a batalha, morrendo na manhã do dia 28 de agosto de 1864, 
sendo sepultado em sua terra natal. 
O que é Constituição para Ferdinand Lassale? Segundo Lassale, 
a constituição real é a soma dos fatores reais de poder (relações de poder que 
existem na sociedade: poder político, poder religioso, poder econômico, poder 
militar etc.). Diversa da constituição real está, segundo ele, a constituição 
jurídica, norma jurídica emanada do Estado, que ele denomina como sendo 
uma folha de papel (ein Stück Papier). 
Ferdinand Lassale começa seu discurso com uma interessante indagação: 
“Em que se distinguem uma Constituição e uma lei”, já que ambas 
necessitariam de promulgação legislativa? Por que as pessoas admitem as 
constantes e necessárias mudanças legislativas, enquanto gritam “Deixar estar 
a Constituição!”, quando o texto constitucional é alterado? Segundo ele, muitos 
dirão que a constituição escrita é uma lei fundamental, diferentemente das 
outras leis. Todavia, ele indaga: “quais ideias e noções são as que vão 
associadas a este nome de ‘lei fundamental’”? Segundo Lassale, em todo país, 
existe uma força ativa e informadora, que influencia de tal modo todas as leis 
promulgadas nesse país: “os fatores reais de poder que regem uma 
determinada sociedade. Os fatores reais de poder que regem cada sociedade 
são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições políticas 
da sociedade em questão, fazendo com que não possam ser, em substância, 
mais do que tal e como são”8. 
Depois dessa afirmação, Lassale, em seu discurso, dá importantes 
exemplos: se o legislador, em uma monarquia absoluta, dispusesse que o país 
passara a ser uma república democrática, ouviria do rei: “poderão estar 
destruídas as leis, mas a realidade é que o exército me obedece, obedece às 
minhas ordens; a realidade é que os comandantes dos arsenais e dos quartéis 
sairão à rua com os canhões e nas baionetas, não tolerarei que me atribuais 
mais posição nem prerrogativas do que as que eu queira”9. Portanto, o texto 
escrito, ainda que considerado solene, “sagrado”, fundante etc., será apenas 
uma folha de papel, distante da realidade. 
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De nada adianta o texto constitucional distanciar-se da realidade, 
dos fatores reais de poder. Lassale faz uma brilhante analogia: “Vocês podem 
colocar em sua horta uma maçã e pregar-lhe um papel dizendo: ‘Esta árvore é 
uma figueira’. Bastará isso para que vocês o digam e proclamem para que se 
torne figueira e deixasse de ser maçã? Não. E ainda que vocês congregassem 
todos os seus servos, todos os vizinhos da comarca, em várias léguas de 
distância, e lhes fizessem jurar todos solenemente que aquilo era uma figueira, 
a árvore continuaria sendo o que é, e na próxima colheita dirão bem alto de 
seus frutos que não serão figos, mas maçãs. O mesmo acontece com 
as Constituições. De nada serve o que se escreve numa folha de papel se não 
se ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos de poder”10. 
Segundo Lassale, o desejo, a necessidade de se elaborar uma 
nova constituição escrita ou constituição jurídica nasce da mudança 
significativa nos fatores reais de poder. Quando as relações sociais se alteram 
(quando um ditador assume o poder, quando o povo revoluciona-se contra o 
poder vigente etc.), tem-se a necessidade de registrar num documento esses 
novos “fatores reais de poder”11. 
Dessa maneira, se essa constituição jurídica for divorciada da realidade, 
da constituição real, será uma mera “folha de papel” (ein Stück Papier). Assim, 
a Constituição escrita, jurídica, não pode se divorciar da constituição real (os 
fatores reais de poder), sob pena de tornar-se ilegítima e ineficaz. 
Por essa razão, Lassale entende que todos os países têm e sempre tiveram 
uma Constituição, já que sempre existiram esses fatores reais de poder. Por 
sua vez, a necessidade de Constituições escritas surgiu efetivamente com as 
revoluções burguesas do final do século XVIII. Nas suas palavras: “Todos os 
países sempre têm e tiveram uma Constituição real e efetiva. (...) Do mesmo 
modo e pela mesma lei de necessidade que todo corpo tem de uma 
constituição, sua própria constituição, boa ou má, estruturada de um modo ou 
de outro, todo país tem, necessariamente uma Constituição, real e efetiva, pois 
não se concebe país algum em que não imperem determinados fatores reais 
de poder, quaisquer que sejam”12. 
Conclui seu discurso com uma indagação: “quando se pode dizer que uma 
Constituição escrita é boa e duradoura?”. Responde Lassale: “quando esta 
Constituição escrita corresponde à Constituição real, a qual tem suas raízes 
nos fatores de poder que regem no país. Onde a Constituição escrita não 
corresponde à real, estoura inevitavelmente um conflito que não há maneira de 
evitar e no qual, passado algum tempo, mais cedo ou mais tarde, a Constituição 
escrita, a folha de papel, terá necessariamente de sucumbir perante o empuxo 
da Constituição real, das verdadeiras forças vigentes no país. (...) Os problemas 
constitucionais não são, primordialmente, problemas de direito, mas de poder; 
a verdadeira Constituição de um país somente reside nos fatores reais e 
efetivos de poder que regem nesse país; e as Constituições escritas não têm 
valor e nem são duradouras mais do que quando dão expressão fiel aos fatores 
de poder vigentes na realidade social”13. 
No nosso entender, o discurso de Lassale é genial e destinado a um grupo 
de pessoas que, como a grande maioria, espera passivamente (e de forma até 
omissa e silenciosa) uma solução para os males, vinda de um rei, de um 
parlamento, de uma Assembleia Constituinte etc. O produto desse ato 
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legislativo (a constituição jurídica ou escrita) será realmente uma mera folha de 
papel se não espelhar a realidade social (ou, nas palavras de Lassale, 
os fatores reais de poder). De que adianta estar na Constituição que “todo poder 
emana do povo”, se no Brasil o povo não pode fazer propostas de Emenda 
Constitucional? O povo não pode mudar sua própria constituiçãoescrita! O 
povo não pode cancelar pelo voto direto o mandato de políticos com os quais 
estejam insatisfeitos. Para que isso se torne de fato constitucional, deve vir da 
realidade dos fatos para a lei, e não o contrário. Lassale, ao falar do poder 
preponderante, dá sempre como exemplo o Exército, por se tratar de um “poder 
organizado”, ainda que composto de um contingente menor que o da população 
em geral. A conclusão de Lassale é genial, no nosso entender: “Não se 
esqueçam vocês desta conferência, senhores, e quando voltarem a se ver 
alguma vez no momento crítico de ter que dar a si mesmos uma Constituição, 
espero que vocês já saberão como se fazem estas coisas, e que não se 
limitarão a assinar uma folha de papel, deixando intactas as forças reais que 
mandam no país”14. 
3.4.2. Sentido político (concepção política) de 
Carl Schmitt 
Carl Schmitt, jurista e filósofo alemão, nascido em 11 de julho de 1888 é um 
dos mais importantes e polêmicos juristas alemães, por conta de sua estreita 
ligação com o nazismo, dando base às ações de Adolf Hitler. Não à toa recebe 
a alcunha de “jurista maldito”. Nasceu na região da Vestfália, estudando Direito 
em Berlim, Munique e Estrasburgo. No ano de 1933, tornou-se professor da 
Universidade de Berlim, bem como ingressou no Partido Nazista, nunca se 
retratando de suas ideias e de tal filiação. 
A partir de 1936, perdeu o prestígio dentro do próprio Partido Nazista, 
recebendo crítica de seus pares, demitindo-se de vários cargos que ocupava, 
exceto na Universidade de Berlim. Tal fato não impediu que fosse preso pelos 
aliados, estando recluso por mais de um ano em campo de concentração, mas 
não foi levado a julgamento perante o Tribunal de Nuremberg15. Segundo o 
professor e biógrafo norte-americano Willian E. Scheuerman, “nenhum dos 
escritos pós-guerra de Schmitt sugere qualquer arrependimento ou senso de 
responsabilidade de sua parte para a catástrofe alemã. Pelo contrário, Schmitt 
claramente se considerava uma vítima não só do nazismo, mas também das 
tentativas de reeducar os alemães depois da guerra. Entre 1945 e 1947, ele 
passou mais de um ano em uma prisão militar norte-americana (os 
interrogadores americanos parecem ter destruído sua biblioteca pessoal) e, em 
seguida, Schmitt foi banido do ensino universitário após a guerra. Durante todo 
o restante de sua vida, ele claramente considera este castigo imerecido”16. 
Dentre sua obra, destacamos o livro “Teoria da Constituição”17, no qual 
estabelece o conhecido sentido político de Constituição. Assim como Ferdinand 
Lassale, Carl Schmitt não considera Constituição como sendo a Lei 
Constitucional. Para Schmitt, Constituição e Lei Constitucional são fenômenos 
distintos. 
Segundo Carl Schmitt, Constituição é uma decisão política fundamental, da 
qual pode ser feita uma norma jurídica ou não. Critica aqueles que consideram 
Constituição como sinônimo de Lei Constitucional: “as ideias e palavras que 
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falam de Constituição como uma ‘lei fundamental’, ou uma ‘norma fundamental’, 
são quase sempre obscuras e imprecisas. São uma série de normas das mais 
variadas classes, por exemplo, os 181 artigos da Constituição de Weimar, uma 
‘unidade’ sistemática, normativa e lógica. (...) A unidade do Reichalemão não 
descansa naqueles 181 artigos e em sua vigência, mas na existência política 
do povo alemão”18. 
Dessa maneira, afirma que “só é possível um conceito de Constituição 
quando se distinguem Constituição e Lei Constitucional”. (...) Toda lei, como 
regulação normativa, e também a lei constitucional, necessita para sua validez, 
em último termo, uma decisão política prévia, adotada por um poder ou 
autoridade politicamente existente”19. Bem, essa decisão tomada pela 
autoridade existente (que pode ser o povo ou alguém que diz representar o 
povo) é, segundo ele, a Constituição. 
Uma das mais importantes consequências de sua posição é a seguinte: o 
governante deve respeitar a “Constituição”, mas, em casos excepcionais, pode 
deixar de cumprir a “Lei Constitucional”: “A Constituição é intangível, enquanto 
que as leis constitucionais podem ser suspensas durante o estado de exceção, 
e violadas pelas medidas do estado de exceção. (...) Tudo isto não atenta 
contra a decisão política fundamental, nem à substância da Constituição, sem 
que precisamente se dá no serviço da manutenção e existência da mesma”. 
A teoria se fez prática na Alemanha nazista. Hitler foi nomeado chanceler 
em janeiro de 1933 e, em razão de um suspeito incêndio no Parlamento 
(Rechstag) alemão, creditado aos comunistas, convenceu o então presidente a 
decretar estado de sítio. Hitler convenceu o parlamento, no qual tinha maioria, 
a aprovar a “Lei de habilitação de grandes poderes” (Ermächtigungsgesetz), 
que autorizava o Chanceler a editar leis, no estado de sítio ou emergência, sem 
a participação do parlamento. Segundo Carl Schmitt, era possível até mesmo 
suspender a lei constitucional, que não era o mesmo que Constituição. 
Ainda decorre do pensamento de Carl Schmitt a ideia de que o Guardião da 
Constituição (Der Hüter der Verfassung) deve ser o líder do Reich, e não um 
Tribunal, opondo-se, pois, à teoria do judeu Hans Kelsen, que foi o maior 
defensor da existência de um Tribunal Constitucional20. 
Podemos dizer que a teoria de Carl Schmitt, que 
diferencia Constituição e Lei Constitucional, embora eivada de polêmicas e 
riscos, tem um corolário na doutrina constitucional brasileira contemporânea: a 
diferença entre normas materialmente constitucionais e normas formalmente 
constitucionais. De fato, o texto constitucional de 1988, por exemplo, foi 
elaborado por vários grupos políticos distintos, com ideologias diversas. A 
afirmação de ser um “todo harmônico, uno” é mais um desejo que uma 
realidade. Além disso, soma-se o fato de que o texto constitucional foi 
elaborado depois de um regime autoritário militar. Em casos semelhantes, o 
constituinte normalmente tenta ser mais detalhista em seu trabalho, sabedor de 
que o texto constitucional terá maiores dificuldades de ser formalmente 
alterado. Diante dessa conjuntura, temos uma lei constitucional que trata de 
assuntos relevantíssimos (como a forma de Estado, a forma de Governo, a 
forma de aquisição e exercício do poder), mas trata de assuntos nada 
relevantes, que poderiam ser tratados pela lei infraconstitucional. 
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As normas que tratam de temas essencialmente constitucionais (que Carl 
Schmitt chamaria de Constituição) hoje são chamadas de normas 
materialmente constitucionais, enquanto as normas que se encontram no texto 
constitucional, mas que não tratam dos temas essenciais do Estado são 
chamados de normas formalmente constitucionais. Exemplo mais citado 
de norma formalmente constitucionalna Constituição de 1988 é o artigo 242, § 
2º: “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido 
na órbita federal”. Obviamente, não se trata de matéria constitucional a 
administração de um colégio, mas, por opção do constituinte originário, foi 
colocado no texto constitucional. Não é materialmente, mas é formalmente 
constitucional. Na prática, sendo uma norma constitucional (formalmente ou 
materialmente), necessita de um procedimento mais rigoroso de alteração. Em 
resumo, alterar substancialmente o Poder Judiciário, como foi feito em 2004, 
ou alterar o Colégio Pedro II, são temas que demandam Emenda 
Constitucional. 
3.4.3. Sentido jurídico (concepção jurídica) de 
Hans Kelsen 
Hans Kelsen nasceu em 11 de outubro de 1881 na cidade de Praga, atual 
capital da República Tcheca, que naquela época era pertencente ao então 
Império Austro-Húngaro, de lá saindo com 3 anos, mudando-se para Viena. Na 
capital austríaca teve início sua formação jurídica, tendo também 
posteriormente estudado em Heildelberg e Berlim. Iniciou seus estudos de 
Direito em Viena, em 1900, concluindo o curso em 1906.Teve a oportunidade 
de ter como professor Georg Jellinek, um dos maiores publicistas de seu tempo. 
A partir de 1911, aos 30 anos de idade, Kelsen passou a lecionar na Faculdade 
de Direito de Viena, publicando no mesmo ano o livro Problemas Capitais da 
Teoria do Direito Estatal. 
O fato de ser judeu mudou os destinos da vida profissional e pessoal de 
Kelsen. Em 1917 foi convocado para servir como assessor jurídico no Ministério 
da Guerra, o que lhe deu oportunidade para, a partir de 1918, colaborar na 
redação da nova Constituição da Áustria. Nessa Constituição, foi criada a Corte 
Constitucional para exercer o controle de constitucionalidade dos atos do 
Legislativo e do Executivo. Como vimos no item anterior, tal teoria foi 
ferozmente criticada pelo nazista Carl Schmitt, que defendia que a análise da 
constitucionalidade deveria ficar a cargo do chefe do Poder Executivo, o líder 
do Reich, o Füher. 
Em 1920, é aprovado o projeto de Constituição austríaca e neste mesmo 
ano Kelsen passa a ser membro e conselheiro permanente da Suprema Corte 
Constitucional da Áustria. Nos anos seguintes, entre 1921 e 1930, atuou como 
juiz da Corte Constitucional austríaca. De 1930 a 1933, leciona na Universidade 
de Colônia. Em 1933, por determinação do governo nacional socialista de Hitler, 
deixa a universidade e muda-se para sua cidade natal, Praga. Por volta de 
1940, tendo sido anexada a Áustria pelo III Reich, e em razão de sua origem 
judaica, viu-se forçado a emigrar para os Estados Unidos, deixando a Europa, 
que sucumbe ao jugo nacional-socialista. Em 1941, ingressou na Universidade 
de Harvard. Em 1943, tornou-se professor de Ciência Política da Universidade 
de Berkeley, onde permaneceu até sua morte, em 1973, aos 91 anos de idade. 
Sua principal obra certamente é o Teoria Pura do Direito, cuja primeira 
edição foi publicada em 1933, em Madrid. 
Na sua Teoria Pura do Direito, Kelsen pretendeu isolar o Direito das demais 
ciências, como a Política, a Filosofia, a Sociologia etc., criando pressupostos 
específicos das ciências jurídicas. Segundo ele, sua obra se propõe a “garantir 
um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir desse conhecimento tudo 
quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, 
determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência 
jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos”21. 
Para Kelsen, o Direito é um sistema hierárquico de normas jurídicas 
emanadas do Estado. Essa hierarquia se dá na medida em que a norma jurídica 
inferior obtém sua validade na norma jurídica superior. Nas palavras de Kelsen, 
“o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma 
outra norma. Uma norma que representa o fundamento de validade de uma 
outra norma é designada como norma superior, por confronto com uma norma 
que é, em relação a ela, a norma inferior”22. 
A hierarquia das normas é, pois, o cerne da teoria kelseniana. Para Kelsen, 
“a ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo 
plano, situadas uma ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de 
diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas”23. Nessa hierarquia das 
normas, em que a validade da norma inferior é obtida na norma superior, a 
Constituição é a lei mais importante do ordenamento jurídico de um país. 
Assim, se para Lassale, a Constituição real é formada pelos fatores reais de 
poder e se para Schmitt Constituição é uma decisão política fundamental, para 
Kelsen Constituição é uma LEI: a lei mais importante do ordenamento jurídico 
e o pressuposto de validade de todas as leis24. 
Exemplo simples e elucidativo da hierarquia das normas nos é dado por 
Michel Temer: “o Chefe de Seção de uma repartição pública indefere 
requerimento por mim formulado. Expediu ele comando individual. Sendo 
assim, devo verificar se tal preceito firmado por aquele agente público é 
consoante com normas superiores. Devo compatibilizar aquela ordem com a 
Portaria do Diretor de Divisão; esta com a Resolução do Secretário de Estado; 
a Resolução com o Decreto do Governador; este com a Lei Estadual; a Lei 
Estadual com a Constituição do Estado (se se tratar de Federação); esta com 
a Constituição Nacional. Tudo para verificar se os comandos expedidos pelas 
várias autoridades, sejam executivas ou legislativas, encontram verticalmente 
suporte para a sua validade”25. 
Assim, segundo Kelsen, Constituição é a LEI mais importante do 
ordenamento jurídico de um país, sendo o pressuposto de validade de todas as 
leis. Dessa maneira, para que uma lei seja válida, precisa ser compatível com 
a Constituição. Caso não seja compatível, será inválida, inconstitucional. 
Importante: essa definição de Constituição enquanto lei dá-se o nome 
de sentido jurídico positivo, mais difundido e conhecido aspecto da concepção 
kelseniana. Todavia, resta uma indagação: se todas as leis e atos normativos 
retiram sua validade da Constituição, de onde a Constituição retira sua 
validade? 
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3.4.3.1. A norma fundamental hipotética de 
Kelsen (Grundnorm) 
Segundo Kelsen, acima da Constituição há uma outra norma, uma norma 
fundamental (grundnorm), chamada norma fundamental hipotética, cujo único 
mandamento é “obedeça a Constituição”. A essa percepção, dá-se o nome 
de sentido lógico-jurídico. Nas palavras de Kelsen, “a norma que representa o 
fundamento de validade de uma outra norma é, em face desta, uma norma 
superior. Mas a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode, 
tal como a investigação da causa de um determinado efeito, perder-se no 
interminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e 
a mais elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto 
que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se 
fundar numa norma ainda mais elevada. A sua validade já não pode ser 
derivada de uma norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não 
pode ser posto em questão. Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, 
será aqui designada como norma fundamental (grundnorm)”26. 
Dessa maneira, dois são os sentidos de Constituição, segundo Kelsen: a) 
sentido jurídico-positivo: Constituição é a lei mais importante do ordenamento 
jurídico de um país, sendo o pressuposto de validade de todas as leis; b) sentido 
lógico-jurídico: uma norma supraconstitucional, pré-constituída, não escrita e 
cujo único mandamento é “obedeça a Constituição”. 
Por conta dessa visão que restringe a Constituição a uma lei e o Direito a 
um conjunto de leis, Kelsen foi acusado de nazista, ou de ter uma teoria nazista. 
Bem, evidentemente, como vimos acima, Kelsen não era nazista, mas 
exatamente o contrário: era judeu e, por isso, foi perseguido e exilou-se na 
América. Não obstante, não há como negar que sua teoria, sua percepção do 
Direito veio bem a calhar aos regimes ditatoriais do século XX, como o nacional 
socialismo de Adolf Hitler27. Na sua Teoria Pura do Direito, Kelsen afirmava: 
“Segundo o Direito dos Estados totalitários, o governo tem o poder para 
encerrar em campos de concentração, forçar a quaisquer trabalhos e até matar 
os indivíduos de opinião, religião ou raça indesejável. Podemos condenar com 
a maior veemência tais medidas, mas o que não podemos é considerá-las como 
situando-se fora da ordem jurídica desses Estados”28. 
Apesar das críticas feitas a sua teoria, inegavelmente o sentido jurídico de 
Constituição é o mais utilizado pelos juristas ao longo do último século. No 
Brasil, quando se pergunta a um estudante de Direito o que é Constituição, logo 
ele se refere à lei constitucional. 
3.5. Hierarquia das normas no Brasil 
No Brasil, indaga-se: como se dá a hierarquia das normas? Qual a 
hierarquia que há entre as leis brasileiras? 
Primeiramente, é comum se utilizar da teoria de Kelsen para representar o 
ordenamento jurídico de um país através de uma figura geométrica:uma 
pirâmide29. Trata-se de uma “pirâmide” por conta de razões numéricas: em um 
país, comumente há uma só Constituição nacional, enquanto há poucas leis 
imediatamente abaixo dela, tendo, mais abaixo, um número cada vez maior de 
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atos normativos. A ideia é que todos os atos normativos nascem da 
Constituição e, a cada “degrau” ou “escala” da pirâmide, o número se torna 
cada vez mais numeroso. Cada país tem uma pirâmide diferente, com 
“degraus” diferentes, como lembra Norberto Bobbio: “embora todos os 
ordenamentos tenham a forma de pirâmide, nem todas as pirâmides têm o 
mesmo número de andares”. 
No Brasil, no “topo de nossa pirâmide” encontramos a Constituição de 1988. 
Atualmente, o conceito de Constituição, tem sido interpretado, ainda que 
positivamente, de maneira mais ampla que no passado. Hoje em dia, 
Constituição não se resume ao texto constitucional aprovado em 1988 pelo 
Poder Constituinte originário, com as sucessivas reformas constitucionais. 
Constituição não é apenas o texto.

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