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INTELIGÊNCIA E APRENDIZAGEM: ENFOQUES PARADIGMÁTICOS1 Júlia Eugênia Gonçalves INTRODUÇÃO Inteligência e aprendizagem são conceitos com os quais os profissionais das áreas da educação e saúde trabalham em suas formulações teóricas. Os resultados práticos destes estudos são aplicados nas propostas educacionais, utilizados nos diagnósticos clínicos e na produção de materiais pedagógicos. De acordo com o momento histórico e o paradigma científico dominante, tais conceitos sofreram alterações significativas com repercussões sobre a forma de se apresentar o fenômeno humano. Por isso, é necessária uma análise que leve em consideração os conceitos e os paradigmas paralelamente, a fim de que se possa compreender a evolução dos métodos e das técnicas aplicadas por professores, psicólogos, psicopedagogos e demais profissionais envolvidos na tarefa educativa. Serão enfocados aqui os dois modelos de pensamento que dominaram o século XX e que ainda influenciam as posturas pedagógicas da atualidade, assim como a maneira como os conceitos de inteligência e aprendizagem foram trabalhados em ambos. O termo “modelo" é utilizado no sentido de expressar uma teoria sobre um determinado domínio factual. Não deve ser considerado simplesmente como analogia ou metáfora da realidade, mas como uma representação que cumpre uma função heurística na construção do conhecimento. A teoria de modelos é um recurso interpretativo do método utilizado neste trabalho, já que a intenção é a de apresentar os conceitos de inteligência e aprendizagem de acordo com determinados modelos de ciência. Sempre que houver referência a uma corrente filosófica, será como um “modelo” de pensamento ou paradigma, configurado a partir de uma visão científico- cultural, acompanhado por um conjunto de valores que exercem forte influência na sociedade e que permitem apreender a realidade da época. O PARADIGMA MODERNO: “O paradigma da modernidade é um projeto ambicioso e revolucionário, mas é também um projeto com contradições internas. Por um lado, a envergadura das suas propostas abre um vasto horizonte à inovação social e cultural; por outro, a complexidade dos seus elementos constitutivos torna praticamente impossível evitar 1 Capítulo do livro Mente e Corp: integração multidisciplinar em neurologia. Luiza Elena Ribeiro do Valle( org) Rio de janeiro, editora Wak, 2007 que o cumprimento das promessas seja nuns casos excessivo e noutros insuficiente.” 2 O conceito de modernidade pode ser analisado como um marco histórico- temporal, como o advento de um novo modo de produção ou como uma mentalidade, uma visão de mundo e um modelo de ciência. Modernidade ou modernismo é um fenômeno ocidental. Situa-se no contexto histórico das civilizações que se expandiram da Península Balcânica para a Itálica e Ibérica atingindo todo o continente europeu e, dali, a América. “Modernidade é aqui entendida como modernidade ocidental. Não se trata de um paradigma sócio-cultural global ou universal, mas sim, de um paradigma local que se globalizou com êxito, um localismo globalizado”. 3 A modernidade se apóia nos pressupostos renascentistas de racionalidade científica e de poder laico como forças que pretendem subtrair o homem das tutelas da fé, da autoridade e do poder, trazendo consigo as promessas de universalidade e felicidade do liberalismo econômico. Serviu de terreno para o homem criar coletivamente um grande empreendimento que, a partir do século XVI, viria a responder a seus anseios convertendo a ciência na principal instância legitimadora de suas crenças. Tal ciência busca a exatidão: pretende encontrar a verdade que deve estar contida nos fenômenos naturais. Por isso, aspira ao domínio da natureza. A partir desta época, as coisas são ou não são. Não há meio termo! O mundo é concebido como passível de ser conhecido através de leis simples e imutáveis. O saber da modernidade é totalmente dicotômico e excludente, produzindo sempre a marginalidade seja entre o conhecimento científico e o senso comum, entre homem e natureza ou entre o capitalista e o proletário. Alicerçada nestas premissas a realidade é concebida como algo estático, constituída de regularidades e regida por leis matemáticas e independentes do sujeito que as conhece e as descobre. A natureza, por sua vez, é vista como um conjunto de mecanismos revelados por meio de leis. Este paradigma irá imperar durante séculos e ainda hoje subsiste, apesar de já serem sentidos os impactos de uma nova transição paradigmática. Suas características permitem definir toda a produção científica a partir dos séculos XIV e XV como “moderna”, e configuram um novo modelo de pensamento. “A partir dos séculos XVI e XVII, a modernidade ocidental emergiu como um ambicioso e revolucionário paradigma sócio-cultural...” 4 O Modelo Positivista Clássico: 2 SANTOS, 2000.p.50 3 SANTOS, 2000.p.18. 4 SANTOS, 2000.p.15. O Positivismo é considerado um “modelo” de pensamento da modernidade porque, por intermédio da análise de suas teorias, é possível compreender a realidade daquele momento histórico. Tem em Augusto Comte seu destaque e vai influenciar o pensamento e a vida nos séculos XIX e XX. Comte elegeu a palavra “Positivismo” considerando que ela assinalava a realidade e a tendência construtiva que pretendeu imprimir ao aspecto teórico de sua doutrina. De maneira geral, interessou-se em estudar como a vida social se reorganizou para o bem da humanidade por intermédio do desenvolvimento do conhecimento científico, permitindo o controle das forças da natureza. Tentando justificar o avanço científico e o progresso advindo da revolução industrial, evoca o passado e divide a evolução do pensamento humano em três etapas: Teológica, Metafísica e Científica. Na primeira, de acordo com sua ótica, a humanidade utiliza recursos sobrenaturais para explicar os fenômenos naturais; o estado tem uma referência teológica e militar, característico das sociedades antigas, cujo senso de unidade social era dado pela família. Na segunda, as explicações são de natureza mais abstrata, o estado já tem referência legal, característico das sociedades medievais, tendo no coletivo sua força de coesão; na terceira, a humanidade teria atingido seu estado mais evoluído – sociedades modernas – pois as explicações têm um cunho científico e as leis naturais explicam por si só os fenômenos observados, por isso, o universalismo é sua marca. Tal atitude de busca da lei com o esclarecimento das causas como condição absoluta de conhecimento é o fundamento sobre o qual vai repousar a modernidade, que encontra na causalidade lógica e no empirismo suas expressões mais significativas. Os princípios fundamentais do positivismo clássico podem ser assim resumidos: Desprezo pela metafísica e por toda proposta não vinculada a fatos constatados; Desprezo pelos juízos de valor que não estejam apoiados em leis científicas; Reconhecimento do empirismo como o único meio capaz de concluir investigações sistemáticas e verdadeiras, das quais é possível a dedução de conclusões válidas; O fenomenalismo, que somente aceita a experiência obtida pela observação dos fenômenos; O positivismo torna-se uma postura frente ao problema do conhecimento humano e a expressão mais abrangente do espírito científico do século XIX. A realidade empírica passa a ser a verdade e o único objeto digno de ser conhecido. Necessita ser explicada com o auxílio do método científico porque engloba a totalidade dos fenômenos, sejam de ordem natural ou espiritual. Aquilo que não pode ser submetido a tais premissas e condições perde completamente o valor. Tudo o que se encontra além da relação causa/efeito, pertence à fantasia. A CONCEPÇÃO QUANTITATIVA DE INTELIGÊNCIA E APRENDIZAGEM: A concepção filosófica positivista vai influenciar os estudos sobre a inteligência humana porque, para explicar,necessita compreender, o que diz respeito à intuição do psíquico. A palavra inteligência5 está associada a funções intelectuais, significando a faculdade mental de apreender ou compreender. Expressa atributos de sagacidade, discernimento. O termo está enraizado nas matrizes filosóficas gregas e no pensamento ocidental como síntese de várias funções do conhecimento ou como “faculdade” distinta das outras tais como afetividade, vontade ou sensibilidade. Foi tratado de forma científica pela Psicologia, disciplina que ganha status de ciência no início do século XIX, período em que predominava o pensamento positivista e no qual a sociedade industrial capitalista em expansão demarcava claramente a diferença entre trabalho mental e trabalho físico. As necessidades de recrutamento e seleção de mão-de-obra para as indústrias, com demandas de classificação e predição de desempenhos, concorreram para o desenvolvimento da psicometria e dos estudos quantitativos relacionados com a inteligência. Em 1905, surge a primeira escala métrica individual de inteligência: a de Binet-Simon, definindo o que se chamaria idade mental e QI (quociente intelectual), expressando a relação entre idade mental e idade cronológica. Parece fácil estabelecer relações entre estas proposições e o pensamento positivista, na medida em que, como já foi dito, esta corrente filosófica sustentava um pensamento científico que considerava verdadeiro o que pudesse ser medido e expresso por meio de linguagem matemática. A concepção de inteligência característica do pensamento positivista separa as pessoas em grupos dicotômicos a partir de seu QI, acreditando que esta faculdade é fixa e determinada por fatores genéticos e hereditários. Sustenta a percepção de que os indivíduos dotados de maior quociente de inteligência estão mais aptos para a aprendizagem do que aqueles menos dotados e influenciando sobremaneira o sistema escolar. Considera que a inteligência é um componente inato, porém distinto, e por isso mesmo diferenciador entre os seres humanos e que isso é uma lei natural. A avaliação crítica denuncia a focalização da capacidade mental humana como um atributo ou traço fixo, associado enfaticamente ao potencial genético 5 BREGUNCI, 1997, p76-81 passim. Compreender a inteligência e a aprendizagem desta maneira teria concorrido, portanto, para aguçar as superstições, os preconceitos, reduzindo o biológico ao genético e convertendo a hereditariedade “genética” em hereditariedade “social”, bem de acordo com o “darwinismo social”, proposto e defendido por Durkheim6. É sabido que o funcionalismo expressa o pensamento positivista no âmbito da sociologia. Há uma ordem linear e causal que sustenta a visão científica moderna: todo fenômeno é efeito de uma causa. Do encadeamento entre causas e efeitos progride o pensamento humano na busca da verdade. O termo linear origina-se de “linha”, cuja definição básica é a de ser “distância entre dois pontos.” Pressupõe um espaço no qual os pontos estão situados e um tempo que decorre em seu traçado. Esse conceito traz em si a ideia de continuidade, presente nas paralelas e na espiral. O que se denomina de pensamento linear é, portanto, uma forma de encarar a realidade como fenômeno situado entre dois pontos. Isto fica patente na sistematização histórica, dividida em períodos cronológicos a partir de eventos significativos, formando uma série expressa em uma “linha de tempo”. O pensamento linear implica num espaço contíguo e num tempo imediato. A linearidade se expressa pela ideia de que há sempre um sujeito que pratica uma ação da qual deriva uma consequência que mobiliza o sujeito para outra ação, levando ao progresso e à evolução sucessiva. O conceito de linearidade implica em que a cada causa corresponda uma consequência, numa série infinita. Implica também numa visão sempre dicotômica, posto que separe sujeito de objeto e ação de reação. Traz como consequência o afastamento entre a teoria e a prática, o que vai servir para justificar os sistemas de exploração colonial que se formam na modernidade, baseados na dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho manual. A ciência moderna realizou a tarefa de criar teorias para fundamentar as práticas existentes, o que é absolutamente novo na história da humanidade. Ainda hoje se vive sob a influência desta visão, expressa em tendências presentes na sociedade ocidental. Os sistemas de ensino são seriados, registros os mais diversos também o são; a sociedade é dividida em classes e os partidos políticos em facções. A concepção de aprendizagem sofre os efeitos da visão linear, pois é compreendida como resultado de esforço, atenção e repetição por parte do aluno e de trabalho e dedicação da parte do professor. Os conhecimentos, para serem aprendidos, necessitam estar separados em disciplinas estanques, que não se comunicam entre si e as dificuldades organizadas em séries ascendentes, por pré-requisitos. A relação pedagógica é pautada na diferença de papéis entre professor e aluno, na medida em que o primeiro é considerado sujeito da ação e o segundo, o objeto desta. 6 Cfr. GOMES, 1994. p 31-44 passim. O positivismo clássico e a ciência moderna incentivaram a causalidade na investigação da realidade e elegeram o pensamento linear como a forma pela qual as relações entre os fatos e os fenômenos se apresentam. Isso se encontra de tal maneira impregnado no pensamento do homem ocidental que tem caráter de dogma, impedindo que novas formas de pensar possam ser aceitas e difundidas e colocando o homem contemporâneo em situação de perplexidade diante da dificuldade em determinar os agentes, as ações e as consequências delas advindas. O PARADIGMA PÓS-MODERNO: O que se chama de pós-modernidade ou pós-modernismo é um movimento sociocultural que ganhou impulso a partir da segunda metade do século XX. “Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900-1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação, nos anos 60, cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência + tecnologia invadindo o cotidiano com, desde alimentos processados até microcomputadores) sem que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural.” 7 Este movimento caracteriza-se por uma severa crítica aos padrões éticos e estéticos que vigoraram no século passado e é típico das sociedades pós- industriais baseadas na informação. Passou a incorporar uma visão de mundo relacionada ao fim dos conflitos mundiais e à superação da “guerra-fria”. Além de um movimento filosófico o pós-modernismo é um paradigma sociocultural, baseado em novas premissas para a vida e a sociedade humanas: a conquista do espaço extraterrestre; os avanços da biologia molecular, com a descoberta do DNA; o aumento desenfreado do consumo nas sociedades capitalistas e sua consequência mais imediata, o individualismo exacerbado; a liberação feminina; a música eletrônica; o niilismo nas artes em geral. Em termos históricos o pós-modernismo acompanha a crise do pós-guerra e a extinção dos modelos comunista-socialistas no mundo contemporâneo, assim como o avanço desenfreado do capitalismo em sua feição globalizada e neoliberal; testemunha o aumento da densidade populacional nos grandes e médios centros urbanos e a crise de valores que se sucede. Passa a expressar e ao mesmo tempo a criticar toda a lógica cultural do capitalismo avançado, estabelecendo a união entre arte, cultura e mercado. O prefixo “pós” indica o que vem depois, o que sucede à modernidade, significando um corte não apenas no âmbito da política e da economia, mas, 7 SANTOS, 1986. p. 7-8 sobretudo no pensamento das pessoas,as quais compreendem que estão vivendo uma fase de grandes transformações que afetam a todos direta ou indiretamente e que é necessário compreender seu significado no contexto da sociedade como um todo. Tem sido comum caracterizar a pós-modernidade como um movimento de oposição à modernidade, a partir da leitura de seus filósofos. Isso traz algumas dificuldades, que podem ser exemplificadas pelo prefixo “pós”, já referido: ele significa o que vem depois, o que sucede e, portanto, traz em si a idéia de linearidade, aspecto negado pelo próprio movimento. O que se verifica é que a pós-modernidade muda o enfoque sobre o sujeito definido pelo iluminismo: um ser superior e localizado, com um perfil eurocêntrico, branco, machista e colonizador. A relação sujeito/objeto, dirigida pelo primeiro, privilegiava o segundo e acabava “objetivando“ o convívio humano. O movimento pós-moderno passa a considerar o par sujeito/objeto sob uma ótica humanista e ecológica, pautando suas ações pela cooperação e pela solidariedade e não mais pelo domínio e competição. Esta mudança de perspectiva traz profundas alterações no entendimento do conhecimento científico, que vai se comprometer com promessas baseadas em novos pressupostos, os quais, a priori, não podem garantir verdade e felicidade. “fica abalada até mesmo a máxima Kantiana do “caminho seguro da Ciência”. Como veremos, esse desaguadouro – na medida em que se pretende um campo desdogmatizado – implica uma postura de humildade frente ao conhecimento em geral, e frente, especialmente, ao conhecimento científico.”8 Houve um deslocamento do foco das investigações científicas, que deixaram de lado a busca das bases racionais sólidas sobre as quais se poderia erigir um conhecimento seguro, para a busca da compreensão das próprias práticas, seus produtos e suas relações com a sociedade. Passou-se da reflexão metafísica e da investigação lógica para a investigação histórica, hermenêutica, compreensiva. Como conseqüência desta mudança a ciência não foi mais submetida ao tribunal da razão e passou a se comprometer com o futuro da humanidade, com seus efeitos morais e com a construção de uma sociedade mais cooperativa.Na modernidade a ciência privilegiava a quantidade sobre a qualidade. Hoje, existe a tendência marcante de retorno ao marco da qualidade, o que caracteriza o período atual como de transição paradigmática. O MODELO DA COMPLEXIDADE: Para definir os contornos deste modelo, característico do paradigma pós- moderno, é necessário que se defina o termo “complexidade” para que se 8 VEIGA NETO, 1997. p. 3. possa compreender a visão de mundo da atualidade, em oposição à “racionalidade“ da época moderna. “Complexidade” expressa uma nova maneira de ver e entender o mundo, diametralmente oposta à visão mecanicista moderna. Suas raízes emanam de pesquisas na Biologia que vão culminar com a ”Teoria dos Sistemas Vivos“ de Maturana e Varela9,os quais concluem que o ambiente vivo é complexo porque o processo vital é uma atividade contínua que tem o poder de produzir e reproduzir-se continuamente a si mesmo. Caracterizado por uma “organização autopoiética”10 que implica um constante interagir, os seres vivos evoluem num estado de operacionalidade que não comporta limites e se sustenta nas trocas, nas conexões entre unidades autônomas, formando uma grande ”rede” de relações. É um conceito que também está ligado a uma visão sistêmica da realidade, cujas raízes estão na física. Na concepção dos físicos pós-modernos o universo é constituído por fenômenos determinados pela mútua consistência, por conexões de partículas que interagem no cosmo por forças de atração e retração recíprocas. Isto torna impossível a busca do “elementar”, da partícula última, sólida, independente e isolada, perseguida pela física clássica na construção do conceito de matéria. Os fenômenos físicos eram reduzidos ao movimento das partículas que acontecia em razão das forças gravitacionais, as quais eram expressas sob a forma de leis descritas em linguagem matemática bem de acordo com a visão de mundo da modernidade. O conceito de complexidade também está relacionado com a teoria da informação e com as ciências cognitivas desenvolvidas nas últimas décadas do século XX. O cérebro e seus neurônios em movimentos expansivos a partir das conexões mantidas entre si alimentam a metáfora da rede, assim como o processamento da informação que ali ocorre possibilita a compreensão de um sistema que é sempre retroalimentado a partir das relações que estabelece com outros sistemas com os quais interage. A complexidade considera a ambiguidade, a diversidade, a diferença, os limites, não como obstáculos, mas como oportunidades de criação de novos e múltiplos sentidos e conceitos para a aventura de ser humano. A metáfora rizomática se torna uma das bases desta nova epistemologia e vai encontrar no conceito de transdisciplinaridade seu contraponto ideal. 9 Cf. MATURANA E VARELA, 2002. pp. 70-77. 10 O conceito de “autopoiese” foi construído por Maturana e Varela, e hoje é fundamental na Biologia, com repercussões em vários campos do conhecimento humano. Expressa o processo de constituição da identidade dos seres vivos, definida como circular: Uma rede de produções metabólicas que, entre outras coisas, produzem uma membrana que torna possível a existência mesma da rede. Esta circularidade fundamental é, portanto, na opinião destes autores, uma autoprodução única da unidade vivente em nível celular. O termo autopoiese designa esta organização mínima do vivo. O conhecimento humano passa a ser visto com o auxílio de outros vetores, os quais evoluem de posturas disciplinares para atitudes transdisciplinares. Para se compreender tal evolução de pontos de vista, é mister que se faça uma apreciação destes termos. A atitude disciplinar frente ao conhecimento humano, como já se viu, é fruto da visão cartesiana moderna que tinha no processo mental da análise sua base interpretativa, seguindo a suposição de que para conhecer o todo é preciso compreender as partes. No início do século XX esta visão foi substituída por duas outras, que coexistiram durante várias décadas: a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade ou pluridisciplinaridade. A primeira diz respeito a uma transferência de método de uma disciplina para outra, abrindo espaços, algumas vezes, para o aparecimento de novas contribuições no campo das ciências, mas seus objetivos permanecem afeitos ao âmbito das disciplinas. A transdisciplinaridade constitui uma visão sistêmica que representa a superação da visão dicotômica e dualista dos tempos modernos e se opõe à separação rígida dos saberes. Neste sentido, o conceito de “transdisciplinaridade” tem sido aceito no ambiente universitário porque se coaduna com o espírito da Universidade. Apesar da adoção da “abordagem transdisciplinar” nas Universidades, sobretudo nos cursos de formação em novos campos do conhecimento humano tais como a mecatrônica, a bioquímica, a biomedicina ou a psicopedagogia, existe nos meios acadêmicos alguma reserva ao conceito de transdisciplinaridade, já que sua adoção importa numa revisão das estratégias de conhecimento desenvolvida na modernidade e que ainda não caíram em desuso. INTELIGÊNCIA E APRENDIZAGEM SEGUNDO O MODELO DA COMPLEXIDADE: O que se verifica nos tempos pós-modernos é a superação das perspectivas inatistas e ambientalistas em termos de concepção de inteligência e aprendizagem. Propostas sócio construtivistas imperam a partir da década de setenta do século passado, com as teorias de Piaget, Vygotsky e Wallon, os quais, mesmo se identificando com os modelos positivistas de pensamento, inauguram nova visão acerca destas questões. Estes autores, apesar de muitas vezes serem considerados antagônicos, podem ser analisados numa perspectiva de coautoria, trazendo um novo enfoque a respeito da inteligênciae aprendizagem humanas. 11 11 VASCONCELOS, 1995. p. 19. A perspectiva co-construtivista redimensiona os vínculos presentes entre as perspectivas construtivistas e sociogenética, preservando o papel Na abordagem co-construtivista são expostos dois modelos vinculados às ideias da psicologia do desenvolvimento e aprendizagem: o unidirecional, que considera o sujeito em processo de socialização como um ser passivo que recebe a informação e só pode aceita-la ou rejeitá-la, nunca transformá-la; e o bidirecional, que explica a transmissão cultural por meio de um fluxo constante de construções ativas das gerações anteriores, pertinentes ao processo de formação das novas gerações. No primeiro, impera uma modalidade de transmissão cultural centrada na emissão/recepção de mensagens, que sustentou as práticas pedagógicas na concepção moderna de educação. A aprendizagem é compreendida de forma unilateral, a partir de um professor que ensina para um aluno que deve aprender. A informação é fixa e a forma de transmiti-la é unificada para toda a classe. Seja numa perspectiva inatista – tudo está definido pela natureza –, ou numa perspectiva ambientalista – tudo será definido pelo ambiente –, o desenvolvimento e a aprendizagem obedecem a uma direção que acontece unidirecional mente e a cultura é vista como algo a ser apreendido e nunca recriado. No segundo, o processo de desenvolvimento e aprendizagem é entendido como sistema aberto, no qual a novidade será sempre uma possibilidade esperada de maneira constante e vista de forma positiva. “O modelo de transmissão cultural bidirecional assume de início que: (I) todos os outros sociais, presentes no convívio diário do sujeito, participam do processo de transmissão cultural; (II) todo participante de um processo de transmissão cultural é um participante ativo, o que o torna um modificador ativo da cultura; (III) todo processo de transmissão cultural envolve, incondicionalmente, mudanças no sujeito (receptor), na mensagem (informação cultural) e no transmissor (agente cultural); (IV) toda mensagem carrega com ela um pouco das características de quem a passou e (V) a mensagem será recebida de acordo com as características do receptor.” 12 Os autores co-construtivistas já mencionados trazem à discussão aspectos progressistas e vão influenciar o pensamento pós-moderno sobre o desenvolvimento e o funcionamento cognitivo da espécie. Piaget compreende a inteligência como uma forma de os seres humanos se adaptarem à realidade, num processo evolutivo que se organiza de forma progressiva em busca do equilíbrio com o ambiente externo (equilibração majorante)13. Para ele a ação humana advém de alguma necessidade que central do sujeito ativo e subjetivo, que constrói seu próprio mundo psicológico, em constante relação e confronto com o mundo psicológico dos outros e o meio externo em geral. 12 VASCONCELOS, 1995. p. 21. 13 Cf. GARCÍA, 2000. p 104. Este autor apresenta uma análise do modelo geral de equilibração como uma necessidade no âmbito da epistemologia construtivista de encontrar um esquema explicativo dos processos que geram o desenvolvimento do conhecimento em oposição ao modelo empirista, segundo o qual se trataria, em definitivo, da sucessiva aplicação deve ser satisfeita, de algum problema a ser resolvido. Nela dois processos mentais entram em cena: assimilação e acomodação. Por intermédio do primeiro o homem capta da realidade, com o auxílio de seus sentidos, as características que ela possui e estabelece relações com as informações armazenadas em seu cérebro; por intermédio do segundo é capaz de utilizar o que assimilou em situações novas, apresentando um comportamento adequado e eficiente, adaptando-se às mudanças. Vygotsky compreende a inteligência como o resultado de funções psicológicas superiores que o cérebro humano adquire, potencializadas no decorrer do desenvolvimento da espécie em função de sua organização social. Segundo esse autor a linguagem estruturada em signos teria sido o fator mais importante para o progresso da humanidade na medida em que possibilitou a construção histórica. Sob este ponto de vista a interação social desenvolve a inteligência, a qual, por sua vez, é condição de evolução das sociedades. Wallon acrescenta que a inteligência humana é mobilizada para a ação transformadora sobre a realidade, de acordo com as emoções suscitadas pelos problemas a serem solucionados. Acredita que a emoção tem o poder de desenvolver ou atrasar o funcionamento cognitivo e que não é possível separar no homem os aspectos objetivos dos subjetivos. Dentre estes três autores14, Piaget foi aquele cujo pensamento mais interferiu na formação das novas visões sobre inteligência e aprendizagem. Em seu último livro publicado, quando ainda vivia (1980) 15, ele apresenta contribuições acerca dos processos de desenvolvimento do conhecimento humano, incluindo neles a dialética em sua tríplice dimensão: interiorizável (perspectiva do sujeito), exteriorizável (perspectiva do objeto) e sintetizante (modelos). A partir destes três enfoques, novos porque não destacam apenas aspectos de natureza orgânica, ganha contorno uma visão da inteligência humana que acabará por influenciar toda a concepção sobre a própria natureza do homem como um ser distinto dos demais animais, porque não nasce dotado de todas as habilidades e conhecimentos necessários à sua sobrevivência. Um ser que precisa aprender a ser e a viver como os demais de sua espécie e que tem uma natureza cultural tão importante quanto à física; um ser que se constrói diariamente em face dos problemas que enfrenta, tendo sempre uma resposta de explicações ad hoc ou de modelos teóricos aos dados empíricos obtidos pela observação e experimentação. Considera que o esquema de equilibração de Piaget resolve o problema da relação sujeito/objeto de conhecimento na construção do desenvolvimento humano sem, contudo, abandonar os princípios mecanicistas modernos. 14 As ideias destes três autores foram apresentadas em suas diversas obras. Nesta Tese não se pretendeu apresentá-las em profundidade, apenas registrar aquelas mais gerais, expostas, por exemplo, em: PIAGET, J. (1967). Seis Estudos de Psicologia . Rio de Janeiro: Forense; VYGOTSKY, L. S. (1994) A Formação Social da Mente . São Paulo: Martins Fontes; WALLON, H. (1941). L'évolution psychologique de L’Enfant. Paris, A. Colin. 15 Cf. Piaget, J. (1996). As formas Elementares da Dialética. diferente para oferecer; um ser que tem na capacidade de mudar, criar, inovar, a sua característica mais marcante. “Refiro-me, quando menciono uma possível habilidade particular dos seres humanos, tal qual ocorre com os demais vivos, a um recurso particular de adaptação, aquele recurso que garante as interações com o meio ambiente. Ora, todos sabemos que não há, para o ser humano, um ambiente particular a relacionar-se com a habilidade particular. Os humanos habitam um meio ambiente cultural e não natural. Portanto, nosso ambiente não possui as características um tanto inflexíveis que caracterizam os meios naturais: sendo cultural, esse meio caracteriza-se pela plasticidade típica das coisas sujeitas à criação permanente do homem." 16 Toma forma uma perspectiva inovadora para o conceito de inteligência na pós- modernidade, priorizando os processos de aprendizagem sobre os processos de transmissão cultural, seja num modelo unidirecional ou bidirecional, afastando- se de critérios de medição expressos por meio de dados quantitativos e adquirindo bases mais qualitativas. Freire relaciona tais progressos a Piaget, estabelecendo um paralelismo entre seus últimos estudos e os de Monod acerca das mutações genéticas. Lembra que em seu texto O possível e o Necessário (1985) ele falava de mutações cognitivas que ocorrem em função do contato dos seres humanos com o novo, que está sempre presente no contexto social e cultural.“Creio que se pode dizer que Piaget falou de verdadeiras mutações cognitivas e da diversidade que se seguia a isso. A diferença básica é que, enquanto os genes sofrem perturbações de várias ordens, provocando mutações que se acumulam, as estruturas cognitivas sofreriam perturbações incessantes acarretadas pela novidade, isto é, o sujeito do conhecimento depara-se a cada instante com situações originais, ao menos parcialmente; novas, portanto, provocando transformações internas no sistema cognitivo, chamadas por Piaget de possíveis, porque, perante essas situações, antes de agir o sujeito torna suas ações possíveis. Ora, um novo possível na pessoa não se forma do nada; a partir das interações de possíveis existentes com a novidade, um ou alguns deles, certamente os que mais se aproximam do problema, atuam no sentido de, tanto conservarem-se como são, como diferenciarem-se em tantos outros assemelhados, porém diferentes o suficiente para aumentar as chances de darem conta da nova situação.” 17 Por isso é que se pode considerar Piaget como um dos pensadores que, apesar de expressar um pensamento moderno, abre possibilidades para que as ideias pós-modernas acerca de sistema, rede, complexidade cheguem até a 16 FREIRE, 2002 p. 21. 17 FREIRE, 2002. p.102. psicologia e interfiram nas novas postulações acerca da inteligência e da aprendizagem humanas. Detterman18 será dos primeiros a incorporar uma visão sistêmica da inteligência. Esse autor a considera como uma qualidade da mente humana, um sistema complexo integrado por numerosos processos cognitivos independentes, os quais contribuem para o que ele denomina fator geral, ou fator g. Para ele, a inteligência é uma qualidade geral e, como tal, emerge de muitos elementos inter-relacionados que atuam independentemente ou em conjunto e que, portanto, não pode ser expressa em termos de um coeficiente porque este não é capaz de expressar suas bases formadoras. Defende a necessidade de se desenvolver medidas mais precisas, moleculares e independentes, sobre as distintas funções do sistema de inteligência; medidas complexas, que reflitam as atividades de todas as demais partes inter- relacionadas. Fonseca assim resume as características do conceito de inteligência proposto por Detterman: “Cada parte do sistema relaciona-se com todas as outras”. O funcionamento de cada parte do sistema indica a eficácia das outras partes do mesmo. As partes do sistema estão inter-relacionadas, mas são funcionalmente independentes na sua atividade específica. Os produtos funcionais das partes diferentes correlacionam-se entre si, uma vez que esses resultados estão conjuntamente determinados por partes comuns do sistema. Cada parte influencia, numa dada proporção, o resultado final do sistema." 19 Utilizando a metáfora da Universidade, Detterman diz que, além de armazenar conhecimentos, a inteligência humana está sempre criando novos conhecimentos. Outro autor de suma importância para a concepção pós-moderna de inteligência é Sternberg20. Ele desenvolve o conceito de inteligência estabelecendo um paralelismo com as funções de governo de um país: a inteligência seria um autogoverno mental. 21 Em sua opinião, a inteligência fornece meios de o homem se autogovernar, organizando de forma coerente e intencional os pensamentos e as ações, tendo em vista as suas necessidades internas e as do meio ambiente. 18 DETTERMAN, D. K. (1994). ”A System theory of intelligence”. D. K. Detterman (Ed) Curvet Topics in human intelligence, 4 vols. Theories of Intelligence (págs 85-115). Nowood, NJ, Ablex Publishing Corporation. 19 FONSECA, 1998.p 27. 20 STEMBERG, R. (1988) The Triarchic Mind. New York: Viking Press. 21 FONSECA,1998. p. 28. Sua teoria, segundo Fonseca22, é pautada no ponto de vista de que as anteriores foram insuficientes para explicar o funcionamento da mente. Esboça uma concepção triárquica, segundo a qual os componentes, as experiências e os contextos são distintos da própria inteligência aplicada às situações práticas. “La teoría triárquica parte de la premisa de que el `locus` de la inteligencia debe buscarse simultáneamente en el individuo, en el comportamiento y en los contextos del comportamiento, y no en alguno de ellos por separado. Desde estas premisas, la inteligencia se estructura en tres partes o subteorías denominadas componencial, experiencial y contextual.” 23 TEORIA TRIÁRQUICA DA INTELIGÊNCIA DE STERNBERG: Subteoria componencial Relaciona a inteligência ao mundo interior; Baseia-se no processamento da informação: input sensorial – representação conceitual – output motor; Metacomponentes, componentes de performance e componentes de aquisição de conhecimentos; Interação entre os componentes. Subteoria experimental A psicometria (QI) centra-se mais no produto final do que nos processos mentais, sem ter em conta a familiarização e a automatização; A familiarização (experiência) interfere com a performance; A automatização (prática) dá lugar a uma maior capacidade de processamento; Subteoria contextual Relaciona a inteligência ao mundo exterior; A inteligência acadêmica é inadequada para a adaptação ao meio; O QI como preditor da idade mental não explica o comportamento diário; A inteligência se refere a uma adaptação ao contexto; A seleção do envolvimento alternativo ou desejável aumenta o desempenho TABELA 4 - TEORIA TRIÁRQUICA DA INTELIGÊNCIA DE STERNBERG FONTE: FONSECA, 1998.p.31 Sternberg introduz o conceito de estilos intelectuais, que seriam as formas prediletas das pessoas pensarem ou a maneira como elas podem utilizar suas habilidades intelectuais. Em sua teoria do autogoverno mental, ser inteligente é mais do que dispor das habilidades de análise, criatividade e prática, é ser capaz de aplicar tais habilidades a diversas tarefas. 22 FONSECA, 1998. p. 31. 23 PIENDA, NÚNEZ Y ROCES, 2000. p. 19. O enfoque tradicional encarava inteligência como potencial relacionado com as estruturas neurofisiológicas ou como conjunto de conhecimentos, de acordo com as concepções do ensino formal. Na atualidade inteligência é vista como estratégia e os estudos procuram ir além das capacidades cognitivas propriamente ditas, para centrar-se nos estilos cognitivos. “Fierro (1990) define los estilos cognitivos como”patrones diferenciales de reacción ante la estimulación recibida de procesamiento cognitivo de la información y, en definitiva, de aprendizaje y de afrontamiento cognitivo de la realidad, los estilos se relacionan más con la estructura del pensamiento, antes que con su contenido o con su eficacia; y se refieren a cualidades o modos de conocimiento y no a algo así como la cantidad de capacidad o aptitud.” 24 Gardner25 é outro autor que traz uma contribuição pós-moderna ao conceito. Segundo sua teoria os seres humanos seriam dotados de múltiplas inteligências, numa relação direta com a complexidade que caracteriza este modelo de pensamento. Ele dá ênfase aos sistemas simbólicos como aqueles que estimulam determinados tipos de inteligência em detrimento de outros. Porém, salienta que todos têm a multiplicidade como característica cognitiva e a simultaneidade como condição operativa. Sua concepção é a de que inteligência é a capacidade humana de resolver problemas e criar produtos que são válidos e úteis para os contextos culturais. “Gardner sugere, através de sua teoria das inteligências múltiplas, que a aquisição e a expressão da informação, se espalha por trajetórias evolutivas particulares pelos sete tipos de inteligência, que consubstanciam, no seu todo holístico e sistêmico, os processos e as estruturas cognitivas humanas por meio dos quais se manifesta”. 26 O que se pode concluir a respeito do conceito de inteligência na pós- modernidade é que ela é vista como um sistema total, composto por vários subsistemas integrados einter-relacionados num âmbito complexo. Tal totalidade sistêmica se apresenta como a síntese das funções mentais humanas, um mix cognitivo composto por funções e operações mentais O foco se desloca naturalmente da inteligência para a aprendizagem. Se o homem se constrói em sua humanidade ele o faz porque é capaz de aprender. A aprendizagem assim compreendida passa a ser processo vital, fundamental para a manutenção da vida. Processos cognitivos tornam-se relevantes para a sobrevivência da espécie e a biologia ganha o centro das discussões científicas. 24 PIENDA, NÚNEZ Y ROCES, 2000. p. 20. 25 GARDNER, 1994. Estruturas da Mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto alegre: Artes Médicas. 26 FONSECA, 1998.p. 32. “Transladam-se, cada vez mais explicitamente, também às relações sociais em geral, aquelas características notórias dos processos vivos no nível bio-orgânicos: a vida só consegue ser e continuar sendo vida na medida em que é aprendizagem adaptativa”. 27 “O ponto de partida fundante de toda uma nova visão do conhecimento consiste em entender a profunda identidade entre processos vitais e processos de conhecimento. Aconteceu uma redefinição significativa do conceito de vida nas biociências e na informática avançada, onde surgiu o conceito de vida artificial. Muito se pode discutir, evidentemente, sobre a validez e os limites das analogias que os cientistas enxergam entre vida natural e vida artificial. Mas o aspecto fundamental, que precisamos entender, é que toda vida só é vida enquanto é uma cadeia ininterrupta de aprendizagem”. 28 O progresso tecnológico conduz a uma nova configuração do conceito de aprendizagem que inclui os sistemas técnicos materiais, as máquinas pensantes e a inteligência artificial. “Quanto aos processos cognitivos, estamos hoje certamente diante de uma acelerada mudança do que se deve entender por aprendizagem, porque os novos e variados tipos de ativação cognitiva de sistemas técnicos externos (computadores que imitam redes neurais) nos leva a uma nova forma de interação com eles, que inclui obviamente níveis de relativa autonomia das máquinas”. 29 A chamada inteligência artificial é uma revolução na maneira de se encarar a aprendizagem. Os computadores mais avançados são verdadeiras máquinas cognitivas ou máquinas aprendentes, pois além de acumular e processar informação, são capazes de produzir emergências imprevistas pelos próprios programadores, levando a uma revisão crítica do que se entende por aprender e conhecer. Demo, referindo-se ao fenômeno da aprendizagem, chama a atenção para a discussão acerca do predomínio de fatores emocionais ou cognitivos a ela relacionados, concluindo que em toda situação de aprendizagem ambos estão presentes. Sendo assim, questiona o conceito de máquinas aprendentes, pois só pode relacionar aprendizagem com humanidade. “De qualquer maneira, emoção faz parte da aprendizagem mais qualitativa, admitindo-se já que o computador somente poderá aprender, quando puder manejar emoção de modo adequado, como supõem, entre outros, Picard e Kurzweil, bem como todos os autores que correlacionam inteligência com a corporeidade humana”. 30 27 ASSMANN, 1998.p. 25. 28 ASSMANN,1998.p. 27. 29 ASSMANN,1998.p. 84. 30 DEMO, 2000. p. 32. “O computador tem cara da lebre: processa tudo com velocidade cada vez mais estonteante, mas não tem organicidade complexa, hermenêutica, sensível, da relação humana”. 31 Como a vida humana é social, o conceito de aprendizagem se amplia, transcendendo os indivíduos e alcançando as comunidades e todos os segmentos da sociedade. Surgem os conceitos de comunidades aprendentes ou sociedades de aprendizagem e inteligência coletiva como metáforas produzidas pelos filósofos pós-modernos. Pierre Lévy traz uma abordagem inovadora sobre a construção de conhecimento na sociedade. Analisa o surgimento de redes de informação e de inovação no mundo globalizado e aponta para a necessidade do exercício móvel e cooperativo das competências humanas na construção do que denomina inteligência coletiva. Sua filosofia indica novos caminhos para a compreensão do humano e do social no tempo histórico do capitalismo tecnológico. “É uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências”. 32 Em sua opinião, esta inteligência coletiva é a consequência natural da constatação de que toda atividade social, toda comunicação humana, toda relação com o outro, implica sempre em aprendizagem. Isso o leva a considerar a existência de um sujeito coletivo, múltiplo, disperso, heterogêneo, compondo as “massas”. Porém, este sujeito, em sua visão, não é impessoal como se pretendia, mas pleno de desejo, afetividade, símbolos e imagens, extremamente competente e cooperativo, buscando firmar-se em novos espaços, tais como o virtual, por meio das redes de comunicação – internet. “Dar a uma coletividade o meio de proferir um discurso plural, sem passar por representantes, é o que está em jogo, do ponto de vista tecnopolítico, na democracia do ciberespaço. Essa fala coletiva poderia, por exemplo, apresentar-se como uma imagem complexa ou um espaço dinâmico, um mapa móvel das práticas e idéias do grupo. Cada um poderia se situar em um mundo virtual para cujo enriquecimento e modelagem todos contribuiriam por meio de seus atos de comunicação. Coletivo não é necessariamente sinônimo de maciço e uniforme. O desenvolvimento do ciberespaço nos fornece a ocasião para experimentar modos de organização e de regulação coletivos, exaltando a multiplicidade e a variedade.” 33 Pródiga em novas definições sobre aprendizagem, a pós-modernidade tende a superar os modelos modernos baseados em transmissão de conhecimento, enfatizando aspectos criativos e reconstrutivos da competência humana em busca de espaços políticos solidários e democráticos. 31 DEMO, 2000. p. 34. 32 LÉVY,1998.p. 28. 33 LÉVY,1998.p. 66. De acordo com o pensamento pós-moderno aprender é fundamental para a manutenção da vida e a aprendizagem ganha âmbitos abrangentes como aqueles delineados pela UNESCO ao definir os quatro pilares nos quais devem se basear a educação no século XXI: aprender a aprender; aprender a fazer; aprender a viver junto e aprender a ser. Sendo assim, a aprendizagem não é vista mais como evento circunscrito num espaço/tempo definido institucionalmente. A escola deixa de ser a instância social que organiza os procedimentos de transmissão de conhecimentos, para se transformar na geradora e propiciadora de “ambientes de aprendizagem”. A pós-modernidade, enquanto modelo de pensamento, apresenta pelo menos três eixos de problematização na área de relação entre conhecimento, aprendizagem e inteligência: 1- Nova maneira de encarar a aprendizagem, colocando em relação indissociável processos cognitivos e processos vitais e fundando novas hipóteses sobre a morfogênese do conhecimento tendo como referência teórica as biociências; 2- Novos espaços organizados de aprendizagem possibilitados pelo uso de recursos tecnológicos que configuram o campo da inteligência artificial, vida artificial e cibernética; 3- Nova cultura de aprendizagem, numa sociedade que privilegia o conhecimento, inaugurando a chamada ecologia cognitiva que integra aprendizagens individuais e coletivas. “Em qualquer ser vivo verifica-se uma unidade entre processos vitais e processos de aprendizagem. Nos animais simbolizadores, as próprias bases biológicas da vida ficaram impregnadas e entrelaçadas com os processos cognitivos. Não há mais como separar o viver do aprender, que se desenvolvem em processo unificado. Por isso, para o ser humano, não aprender significa não poder sobreviver. Isso é verdade no plano biofísico da corporeidade; mas torna-se inteiramente crucial no plano da convivialidade social da espécie, que hoje atingiuum nível de trocas simbólicas e informativas sumamente intensas, compactada, pluriforme. A evolução dos seres aprendentes humanos chegou a uma fase evolutiva em que eles estão literalmente imersos em sistemas aprendentes de avançada tecnologia”. 34 CONCLUSÃO: O registro destas concepções mostra que elas contribuem para a compreensão da grande mudança conceitual a respeito da inteligência e aprendizagem humana que, segundo se compreende neste trabalho, estão relacionados com a mudança do modelo epistemológico. 34 ASSMANN,1998.p. 130. Todo profissional que está inserido no mercado, atuando nas áreas da educação e da saúde, é confrontado com práticas tradicionais e teorias vanguardistas sobre inteligência e aprendizagem, levando-o muitas vezes a assumir atitudes incoerentes. È necessário que o estudo aprofundado das vertentes teóricas sobre estes assuntos chegue aos cursos de formação, contribuindo para o esclarecimento das dúvidas que surgem nas situações práticas do dia a dia, quando cada um se depara com a necessidade de tomar decisões que influenciam o futuro de outras pessoas Muitas concepções são construídas de forma inconsciente, pela impregnação das ideias presentes no ambiente social. Desta maneira, o paradigma científico- cultural dominante exerce uma influência considerável na mente humanas determinando, muitas vezes, suas ações. Compreender este fato e poder discernir quais teorias embasam tais ações, permite ao profissional agir de maneira consciente na escolha dos procedimentos utilizados em seu trabalho. Em termos de educação e saúde, não há dúvidas de que esta atitude garante menos discriminação e colabora para a construção de situações de maior equidade social. Referências Bibliográficas: ASSMANN, Hugo. Reencantar a Educação: rumo à sociedade aprendente.Petrópolis, Vozes, 2000. . Metáforas Novas Para Reencantar a Educação. São Paulo, UNESP, 1998. BREGUNCI, M. G.C. Inteligência. Presença Pedagógica. São Paulo, v. três nº 15. Maio/junho 1997. p 76 -81. DEMO,P. Educação e Conhecimento: relação necessária e controversa.Petrópolis:Vozes,2000. FREIRE, João Batista.O Jogo entre o Riso e o Choro. São Paulo: Editora Autores Associados,2002. FONSECA, V. Aprender a Aprender: a educabilidade cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas,1998. 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Conferência apresentada no II Simpósio “Teoria e História da Ciência: Intercâmbio Latino-Americano, 30 anos da Universidade de Caxias do Sul”, em 2 de setembro de 1997. UCS, Caxias do Sul, RS. SANTOS. Boaventura Sousa. A Crítica da Razão Indolente. Contra o desperdício da experiência. Para um novo senso comum. A ciência , o direito e a política na transição paradigmática Vol. 1. São Paulo, Cortez, 2000. VASCONCELOS, V. & VERSIANI.Perspectiva Co-Construtivista na Psicologia e na Educação. Porto Alegre: Artes Médicas,1995. View publication stats https://www.researchgate.net/publication/321978022 INTELIGÊNCIA E APRENDIZAGEM: ENFOQUES PARADIGMÁTICOS1 INTRODUÇÃO O PARADIGMA MODERNO: O Modelo Positivista Clássico: A CONCEPÇÃO QUANTITATIVA DE INTELIGÊNCIA E APRENDIZAGEM: O PARADIGMA PÓS-MODERNO: O MODELO DA COMPLEXIDADE: INTELIGÊNCIA E APRENDIZAGEM SEGUNDO O MODELO DA COMPLEXIDADE: CONCLUSÃO: Referências Bibliográficas:
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