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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente REVISTA IGUALDADE TEMÁTICA: MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO VOLUME I Curitiba Março / 2008 Revista Igualdade - Livro 42 Igualdade - Ano XIV - nº XLII - edição especial PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA Milton Riquelme de Macedo CORREGEDOR-GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO Edison do Rêgo Monteiro Rocha IGUALDADE - Temática: Medidas Socioeducativas - Livro 42 Publicação do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente COORDENAÇÃO EDITORIAL Luiz Francisco Fontoura Cibele Cristina Freitas de Resende Marcela Marinho Rodrigues Angela Mendonça - Pedagoga EDITORAÇÃO, CRIAÇÃO DE E-BOOK (PDF) Régis Sant’Ana Júnior - Informática MPPR Os artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta publicação, desde que seja citada a fonte. Ministério Público do Estado do Paraná Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente (Sub-sede Marechal) Av. Marechal Floriano Peixoto, nº 1.251 Rebouças - Curitiba - Paraná CEP 80230-110 Fones (41) 3250-4701 / 4702 / 4725 caopca@pr.gov.br mailto:caopca@pr.gov.br EDITORIAL “Qualquer que seja a posição filosófica ou mesmo teológica de alguém, uma sociedade não é o templo dos valores-ídolos que figuram na frente de seus monumentos ou em seus documentos constitucionais; o valor de uma sociedade é o valor que ela confere às relações humanas (...). Para compreender e julgar uma sociedade, é preciso penetrar na sua estrutura básica até o elo humano sobre o qual está construída; isso inegavelmente depende das relações legais, mas também de formas de trabalho, modos de amar, viver e morrer.” Maurice Merleau-Ponty Nesta edição temática da Revista Igualdade, o Centro de Apoio Operacional da Criança e do Adolescente põe em destaque as “Medidas Socioeducativas em Meio Aberto”, na perspectiva de contribuir com os operadores do direito, especialmente, a partir do papel do Ministério Público, com textos de outras áreas de conhecimento, onde seus autores procuram refletir sobre a dinâmica social e o adolescente que pratica um ato infracional, com o intuito de estimular o debate sobre os caminhos possíveis na efetivação da política de atendimento à população adolescente em situação de vulnerabilidade. Acreditamos que a visão de outras ciências e a atuação sistêmica e intersetorial são perspectivas imprescindíveis para o trabalho do Ministério Público (e outros integrantes do Sistema de Garantias), para que não reste o adolescente em conflito com a lei reduzido ao seu comportamento exterior, seja pela prática de um ato anti-social, seja por “delinqüir”, por “drogar-se”, cujas atitudes refletem situações complexas e multifatoriais, que necessitam ser contextualizadas na perspectiva histórica, psíquica e social daquele indivíduo em formação, a quem nos cabe orientar positivamente. i E a importância desse agir, rápida e eficazmente, é cientificamente captada pela médica pediatra Júlia Valéria Ferreira Cordellini, especializada em Adolescência, Violência Doméstica e Educação em Saúde, no texto de abertura “Adolescência e a Saúde Física e Mental”, ao esclarecer que: “O (a) adolescente tem que aprender a caminhar com as próprias pernas, pensar por si mesmo(a) e tomar decisões que definirão o presente e grande parte da vida adulta. É o último momento da vida para aprender e incorporar hábitos, valores e comportamentos, que definirão seu código de ser e estar no mundo.” Lembra a autora também Coutecuisse, quando diz com muita propriedade que a adolescência é um conceito, enquanto o adolescente é uma pessoa. Na seqüência, o texto da promotora de justiça Mônica Louise de Azevedo, nessa mesma linha de pensamento, contextualiza o papel do Ministério Público na execução das medidas socioeducativas, fazendo uma reflexão crítica sobre a necessidade de celeridade processual e a atuação em rede entre o sistema de justiça e os demais atores do sistema de garantia, de forma a alcançar a efetividade das medidas aplicadas, dando ênfase à necessidade de fortalecimento das medidas em meio aberto, como instrumento de inclusão social. O sociólogo Pedro Rodolfo Bodê de Moraes e a psicóloga Joyce Kelly Pescarolo, por sua vez, apresentam uma abordagem sociológica sobre o olhar do mundo adulto em relação à infância e juventude brasileira, enquanto o professor Lindomar Wessler Boneti nos auxilia a compreender a relação entre políticas públicas e violência no Brasil. O texto da professora Araci Asinelli-Luz enfatiza os direitos fundamentais - educação, cultura, esporte e lazer - relacionando-os às políticas prioritárias e ao papel da educação para formação da cidadania, trazendo a experiência positiva de inclusão educacional dos adolescentes-cidadãos abrigados na Chácara Quatro Pinheiros, em Mandirituba/PR, por meio do trabalho realizado em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. A professora Ana Maria Eyng apresenta o Observatório de Violência nas Escolas, o Diagnóstico do Perfil do Adolescente em Conflito com a Lei em Curitiba e a pesquisa de Representações de Professores e Alunos da Escola Pública sobre o Fenômeno das Violências nas Escolas. Ela propõe, também, um esboço de ações futuras de atividades de pesquisa e intervenção no sistema educacional na busca da efetivação do direito fundamental à educação. ii O filósofo e educador Deodato Rivera faz uma reflexão sobre socioeducação a partir do paradigma da educação biocêntrica, adotada por Humberto Maturana, fundada na biologia do amor, comprometida com a evolução da vida e orientada para o restabelecimento das funções originais do ser humano: amor, socialização e cooperação. A escolha dos três textos seguintes deu-se em função da necessidade de compartilhar com os leitores a preocupação do CAOPCA sobre a ausência de atendimento terapêutico aos adolescentes e suas famílias, eis que são poucos os programas socioeducativos que contam com este suporte. Pela impossibilidade de trazer, neste trabalho, o conhecimento de todas as linhas de atendimento terapêutico, colacionamos algumas experiências que tiveram êxito, sobre as quais tomamos conhecimento durante a pesquisa de campo realizada pelo CAOPCA no biênio de 2006/2007: A psicóloga Rosamary Damasco Padilha realizou atendimento de adolescentes encaminhados pela Vara do Adolescente Infrator de Curitiba e pela Rede de Ensino, aplicando a técnica de mediação sistêmico-integrativa no processo de resolução pacífica de conflitos; A psicóloga Maria Clara Jost, que realiza atendimentos de adolescentes em conflito com a lei e em situação de vulnerabilidade nos estados de Minas Gerais e São Paulo, brinda-nos com um texto reflexivo sobre a possibilidade de modificação ser humano adolescente por meio do despertar das suas potencialidades na sua dimensão humanística, considerando que o ser humano é um todo integrado composto por três dimensões: corpórea, psíquica e humanística; A terapeuta de família Maria Eneida Fabian Holzmann apresenta a proposta de jogos espontâneo-criativos nos processos de desenvolvimento da comunicação, autonomia e integração familiar, fundamentada na Abordagem Sistêmica na pós-modernidade (Esteves, 2002). Ela, através de projeto de pesquisa, no ano de 2003, realizou atendimento de adolescentes e seus familiares em unidade de internação no Paraná. O último artigo desta edição, escrito a quatro mãos por Marcela Marinho Rodrigues, promotora de justiça, e Angela Mendonça, pedagoga,ambas lotadas no Centro de Apoio Operacional às Promotorias da Criança e do Adolescente, aborda a necessidade de se implementar nos programas socioeducativos uma proposta pedagógica capaz de formar o adolescente, circunstancialmente em conflito com a lei, para o exercício da cidadania, tendo como substrato a educação humanística e a compreensão do ser humano adolescente em sua totalidade, que tem direito ao desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social. iii Agradecemos a todos os autores dos artigos aqui publicados, que gentilmente aceitaram fazer parte deste projeto. No segundo volume da mesma temática e no material de apoio constante do CD-ROM “Drogadição - Medidas Socioeducativas”, apresentamos alguns caminhos possíveis no sentido de se efetivar o princípio da eficiência nas políticas públicas destinadas ao adolescentes em conflito com a lei. Por fim, lembramos que um dos papéis deste Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente é estar ao lado desses vários “heróis invisíveis do cotidiano”, oferecendo o suporte técnico necessário e adequado a cada contexto de atuação funcional. Esperamos que as concepções ideológicas e filosóficas apresentadas nesta revista possam inspirar novas percepções e formas de agir, significando mudanças conjuntas, para fazer sempre melhor o que já fizemos antes. iv ÍNDICE EDITORIAL ÍNDICE ÍNDICE POR AUTOR ADOLESCÊNCIA E A SAÚDE FÍSICA E MENTAL (Júlia Valéria Ferreira Cordellini) UM POUCO DE HISTÓRIA ALGUNS CONCEITOS Adolescência... Juventude... Puberdade A Puberdade Feminina A Puberdade Masculina ÉTICA NA CONSULTA DO ADOLESCENTE ATENÇÃO INTEGRAL PARA UMA SAÚDE INTEGRAL REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS O MINISTÉRIO PÚBLICO E A EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS (Mônica Louise de Azevedo) 1. INTRODUÇÃO 2. DIRETRIZES PARA A ATUAÇÃO NA EFETIVAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO 2.1 Atuação integrada do Ministério Público com os órgãos executores das medidas: as equipes multidisciplinares, os Centros de Referência e os Conselhos Tutelares. 2.2 Garantia da participação da família, da comunidade escolar e do mundo do trabalho na execução das medidas socioeducativas 2.3 Atuação integrada do Ministério Público com a rede de atendimento às crianças e adolescentes, bem como a articulação com os diversos conselhos de defesa de direitos, nas três esferas de governo 3. CONCLUSÕES v QUEM TEM MEDO DOS JOVENS? (Pedro Rodolfo Bodê de Moraes e Joyce Kelly Pescarolo) INTRODUÇÃO DEFININDO JUVENTUDE A NEGAÇÃO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: O MENOR AUTORIDADE, AUTORITARISMO E LIMITES PRECARIZAÇÃO, ESVAZIAMENTO INSTITUCIONAL ECRISES DE AUTORIDADE CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXO - TABELA 1 POLÍTICAS PÚBLICAS E VIOLÊNCIA NO BRASIL (Lindomar Wessler Boneti) INTRODUÇÃO ESTADO, CLASSES SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS A GÊNESE E OS PRINCÍPIOS E DETERMINANTESQUE FUNDAMENTAM A AÇÃO PÚBLICA OS AGENTES DETERMINANTES NA ELABORAÇÃO EIMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ENFIM, COMO DEFINIR UMA POLÍTICA PÚBLICA? AS POLÍTICAS SOCIAIS E VIOLÊNCIA NO BRASIL POLÍTICAS SOCIAIS E VIOLÊNCIA NO BRASIL CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO DIREITO À EDUCAÇÃO, À CULTURA, AO ESPORTE E AO LAZER (Araci Asinelli-Luz) INTRODUÇÃO Tabela 1: Política de atendimentoda criança e do adolescente CONTEXTUALIZANDO O DIREITO À EDUCAÇÃO, À CULTURA,AO ESPORTE E AO LAZER Tabela 2: Artigos relacionados ao Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer presentes na legislação. VIOLAÇÃO DE DIREITOS RELATIVOS À EDUCAÇÃO,À CULTURA, AO ESPORTE E AO LAZER UMA EXPERIÊNCIA CONCRETA DO DIREITO EDUCAÇÃO,À CULTURA, AO ESPORTE E AO LAZER:A CHÁCARA DOS MENINOS DE QUATRO PINHEIROS CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS vi OBSERVATÓRIO DAS VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS PUCPR: PESQUISA E INTERVENÇÃO (Ana Maria Eyng) 1. CONTEXTUALIZAÇÃO 2. PROJETOS DESENVOLVIDOS PELO OBSERVATÓRIO DAS VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS PUCPR 2.1 Considerações iniciais sobre o tema em estudo 2.2 O perfil do adolescente em conflito com a lei Caracterização dos Adolescentes em conflito com a lei Caracterização do Ato Infracional Adolescentes em conflito com a lei e a Escola Inclusão social dos Adolescentes em conflito com a lei Questões que merecem destaque 2.3 Representações de professores e alunos da escola pública sobre o fenômeno das violências nas escolas Dados da pesquisa sobre representações Significado de escola Significado de professor Significado de aluno Significado de adolescente Significado de violência nas escolas Apontamentos para continuar a reflexão 3. ESBOÇO DAS AÇÕES FUTURAS 4. OBSERVATÓRIO DE VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS- BRASIL / PUCPR - PARANÁ Por que Observatório de Violências nas Escolas- Brasil e Estado do Paraná? Funcionamento do Observatório das Violências nas Escolas- Brasil / PUCPR - Paraná Público-Alvo Objetivo geral do observatório REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS O ERRO DE ARISTÓTELES (Deodato Rivera) INTRODUÇÃO PARTE I O PARADIGMA BIOCÊNTRICO 1. POR QUE MATURANA? 2. POR UMA EDUCAÇÃO BIOCÊNTRICA 3. O OLHAR BIOCÊNTRICO NA SOCIOEDUCAÇÃO vii 4. O ERRO DE ARISTÓTELES:“ZOON POLITIKON” É... O CHIMPANZÉ! 5. A BIOLOGIA DO AMOR DE HUMBERTO MATURANA 6. A SOCIOEDUCAÇÃO COMO EDUCAÇÃO PARA A PAZ 7. A BIOLOGIA DO AMOR NA EDUCAÇÃO ESCOLAR CHILENA PARTE II A RELEVÂNCIA SOCIAL DOS SOCIOEDUCADORES 8. ESPECIALISTAS EM RECUPERABILIDADE HUMANA 9. SETE PERGUNTAS PARA OS SOCIOEDUCADORES 10. CONCLUSÃO Concluindo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PARTE III ANEXOS A -REPERTÓRIO A.1 - UMA SÍNTESE DA BIOLOGIA DO AMOR DE MATURANA,SOB A ÓTICA DO CUIDADO, POR LEONARDO BOFF Ressonâncias do cuidado O amor como fenômeno biológico A.2 - 67 PROPOSIÇÕES DE HUMBERTO MATURANASOBRE A BIOLOGIA DO AMOR B -TESTEMUNHOS B.1 -REFLEXÃO E PROPOSTA DE AÇÃO+ COMENTÁRIOS DOS ORGANIZADORES Reflexão e proposta de ação Comentários Testemunho n. 1 Testemunho n. 2 Testemunho n. 3 Testemunho n. 4 Testemunho n. 5 Testemunho n. 6 A MEDIAÇÃO SISTÊMICO-INTEGRATIVANA EDUCAÇÃO E NO JUDICIÁRIO (Rosemary Damaso Padilha) 1. INTRODUÇÃO 2. ATENDIMENTOS 3. METODOLOGIA 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS viii ADOLESCÊNCIAS EM CONFLITO (Maria Clara Jost) COMO DESENVOLVER FAMÍLIAS (Maria Eneida Fabian Holzmann) CICLO VITAL DA FAMÍLIA O QUE SE PODE FAZER? FAMÍLIA NUCLEAR, FAMÍLIA EXTENSA E FAMÍLIA SUBSTITUTA JOGOS ESPONTÂNEO-CRIATIVOS NOS PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO DA COMUNICAÇÃO, AUTONOMIA E INTEGRAÇÃO Proposta de intervenção sistêmica para famílias de risco Pressupostos Eixos da proposta 1. Eixo Norteador 2. Eixo Dialógico 3. Eixo Histórico IDÉIAS PARA O PLANEJAMENTO Algumas Estratégias (ação-reflexão) no caminhar do processo Tempos dos encontros Possíveis Jogos-tema ou jogos dinamizadores de desenvolvimento Postura do coordenador (facilitador, potencializador) e equipe Avaliação - Acompanhamento (refletir sobre) Uma proposta possível CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DA SOCIOEDUCAÇÃO (Marcela Marinho Rodrigues e Angela Mendonça) 1. EDUCAÇÃO HUMANÍSTICA 2. PARTICIPAÇÃO POLÍTICA 3. EDUCAÇÃO PELOS SENTIDOS 4. DIREITO AO DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL 5. COMUNICAÇÃO 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ix ÍNDICE POR AUTOR ANA MARIA EYNG (Pedagoga) Observatório das violências nas escolas PUCPR: pesquisa e intervenção ANGELA MENDONÇA (Pedagoga) Algumas reflexões acerca da socioeducação ARACI ASINELLI-LUZ (Doutora em Educação) Do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer DEODATO RIVERA (Filósofo) O erro de Aristóteles JOYCE KELLY PESCAROLO (Psicóloga) Quem tem medo dos jovens? JÚLIA VALÉRIA FERREIRA CORDELLINI (Médica Pediatra) Adolescência e a saúde física e mental LINDOMAR WESSLER BONETI (Sociólogo) Políticas públicas e violência no Brasil MARCELA MARINHO RODRIGUES (Promotora de Justiça) Algumas reflexões acerca da socioeducação MARIA CLARA JOST (Psicóloga) Adolescências em conflitoMARIA ENEIDA FABIAN HOLZMANN (Pedagoga) Como desenvolver famílias MÔNICA LOUISE DE AZEVEDO (Promotora de Justiça) O Ministério Público e a execução das medidas socioeducativas PEDRO RODOLFO BODÊ DE MORAES (Sociólogo) Quem tem medo dos jovens? ROSEMARY DAMASO PADILHA (Psicóloga) A mediação sistêmico-integrativa na Educação e no Judiciário x ADOLESCÊNCIA E A SAÚDE FÍSICA E MENTAL Júlia Valéria Ferreira Cordellini* UM POUCO DE HISTÓRIA O conceito da adolescência como categoria social, é recente na história das sociedades ocidentais, apesar de haver relatos seculares sobre a juventude, como o de Hesíodo, poeta épico da Grécia, no século VIII a.C. que encarava a juventude com ironia e severidade: “Não vejo esperança para o futuro de nosso povo se ele depender da frívola mocidade de hoje, pois todos os jovens são indizivelmente frívolos... Quando eu era menino, ensinavam-nos a ser discretos e a respeitar os mais velhos, mas os moços de hoje são excessivamente sabidos e não toleram restrições.” Na Idade Média e Renascimento não houve qualquer contribuição aos problemas da adolescência e juventude. No período romântico, Jean- Jacques Rousseau (1712-1778), afirma em Emílio que a adolescência seria o segundo nascimento e, em 1904, StanleyHall escreve livro em dois volumes sob o título: Adolescência - sua psicologia e relações com a fisiologia, antropologia, sociologia, sexo, crime, religião e educação. Foi * Médica Pediatra com especialização em Adolescência, Violência Doméstica e Educação em Saúde. Coordenadora Municipal do Programa Adolescente Saudável da Secretaria Municipal da Saúde - SMS, de Curitiba. Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba: Rua Francisco Torres, nº 830 - 7º andar - Ed. Laucas Centro - Curitiba - PR - CEP 80060-130 e-mail: adolescente@sms.curitiba.pr.gov.br Fones: (41) 3350-9436 Fax: (41) 3350-9498 1 ele quem empregou pela primeira vez o termo adolescência com conotação médica. A primeira referência a um serviço de adolescência data de 1918, na Faculdade de Medicina de Stafford, em que já se esboçava a preocupação com o aspecto multiprofissional do tema. Na América Latina o serviço pioneiro foi fundado em 1958, na cidade de Buenos Aires (Argentina). No Brasil, desde 1960, muitos pediatras já atendiam adolescentes em seus consultórios e, em 1962, surge no Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) o primeiro serviço multidisciplinar, com a proposta curativa, mas também visando à promoção de saúde e a prevenção de agravos. Quase que simultaneamente surgem mais dois serviços, no Rio de Janeiro e outro na Santa Casa de São Paulo. Na atualidade, o atendimento ao adolescente vem ganhando cada vez mais adeptos, em várias especialidades médicas, e também em outras áreas, como na psicologia, educação, sociologia, assistência social, direito, odontologia e outras. ALGUNS CONCEITOS Adolescência... A palavra “adolescente” vem do latim adulescere, que significa crescer, desenvolver, aumentar, tornar-se maior. O conceito de adolescência engloba não só as transformações físicas, mas também o processo de mudança e adaptação psicológica, familiar e social a essas transformações. Nenhuma definição é totalmente satisfatória, e os critérios mais conhecidos são os seguintes: ● Critério Cronológico : período da vida humana que se estende dos 10 aos 20 anos. (Hurlock, 1961) ● Critério de Desenvolvimento Físico : adolescência começa com a primeira manifestação da puberdade e termina no momento em que o desenvolvimento físico está quase concluído. (English, 1958) ● Critério Sociológico : é o período da vida em que a sociedade deixa de encarar o indivíduo como criança, mas não lhe confere plenamente o status de adulto, nem em seus papéis e nem em suas funções. (Hollingshead,1963) 2 ● Critério Psicológico : é o período de extensa reorganização da personalidade que resulta de mudanças no status biossocial entre a infância e a idade adulta. (Ausubel,1954) Há também outras definições que englobam mais de um critério e, entre os autores brasileiros, cito: ● Colli que define esse importante período da vida como sendo de transição entre a infância e a idade adulta, caracterizando- se por intenso crescimento e desenvolvimento que se manifesta por marcantes transformações anatômicas, fisiológicas, mentais e sociais. ● Mielnik que caracteriza a adolescência como fase crítica e tormentosa, agitada e frenética, ao mesmo tempo terna e melancólica, solitária e intensamente social, excitada e deprimida e que se situa entre infância e meninice que se abandona e o ponto longínquo, inseguro e mal visualizado da idade adulta que se almeja como objetivo. Do ponto de vista cronológico, a Organização Mundial da Saúde (1977), define adolescência como sendo a faixa etária de 10 a 19 anos completos. Esta também é a faixa etária que o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria consideram como adolescentes. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente delimita entre 12 e 18 anos. Costuma-se também subdividir a adolescência em três grupos: adolescência inicial (de 10 a 14 anos), adolescência média (de 15 a 17 anos) e adolescência final ou plena (de 17 a 20 anos incompletos). Em cada um desses grupos há tarefas a serem vencidas e incorporadas para que o desenvolvimento psicossocial do adolescente aconteça, tais como: formação gradativa da independência, da imagem corporal, da vivência em grupo e formação da identidade. A adolescência inicial é marcada pelo rápido crescimento e pela entrada na puberdade; a adolescência média caracteriza-se pelo desenvolvimento intelectual e pela maior valorização do grupo e na adolescência final consolidam-se as etapas anteriores e o adolescente prepara-se para assumir o mundo adulto. Se todas as transformações tiverem ocorrido conforme previsto na fase inicial e média, incluindo a presença de um suporte familiar e do grupo de iguais, o adolescente estará pronto para as responsabilidades da idade adulta. Caso as tarefas de cada fase não tenham sido completadas, problemas como depressão e outras desordens emocionais poderão desenvolver-se. 3 DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL DO ADOLESCENTE Tarefas Adolescência Inicial Adolescência Média Adolescência Final Independência Diminui interesse pelas atividades com os pais. Conflito com os pais. Reaceitação dos valores parentais. Imagem corporal Preocupação consigo e com as mudanças puberais. Insegurança acerca da aparência. Aceitação do corpo. Preocupação em torná-lo mais atraente. Aceitação das mudanças puberais. Grupo Relação intensa com amigos do mesmo sexo. Comportamento conforme valores do grupo. Atividade sexual e experimentação. Valores dos pares menos importantes. Mais tempo em relações íntimas. Identidade Desenvolvimento da inteligência. Aumenta o mundo da fantasia. Vocação idealizada. Aumenta a necessidade de privacidade. Impulsividade. Desenvolvimento da habilidade intelectual. Onipotência. Comportamentos de risco. Vocação realista e prática. Refinamento dos valores sexuais, religiosos e morais. Habilidades para assumir compromisso e para aceitar limites. Fonte: Neinstein L.S. Adolescent Health Care. A pratical guide. Third Edition, 1996 A tarefa mais importante a ser construída, pelo adolescente, ao longo desse ciclo da vida, é a formação da identidade pessoal, sexual e profissional, que dará a cada um a possibilidade de ser único (a). É necessário aprender a se conhecer dentro deste novo corpo e cabeça, valorizar suas qualidades e respeitar seus limites, para melhor se cuidar e fazer escolhas. As escolhas são feitas baseadas nos valores de cada pessoa, mas sofre influência do ambiente em que se vive, dos amigos,da mídia e até de como está a auto-estima e a auto-imagem naquele momento. O (a) adolescente tem que aprender a caminhar com as próprias pernas, pensar por si mesmo(a) e tomar decisões que definirão o presente e grande parte da vida adulta. É o último momento da vida para aprender e incorporar hábitos, valores e comportamentos, que definirão seu código de ser e estar no mundo. 4 No início deste período é comum certa dificuldade de relacionamento com os adultos próximos e até consigo mesmo, pois ambos precisam deixar para trás algumas coisas da fase infantil, se conhecerem de novo e aprenderem a dialogar sem agressões, flexibilizar, negociar novas regras e limites de funcionamento do que for possível, para lidar com os desafios cotidianos dessa década de vida. É normal que o adolescente tenha flutuações do humor, fique inseguro, triste sem saber bem por que, tenha dúvidas, medos, e se sinta diferente ou mal-compreendido, até por seus amigos e familiares. Também é normal ficar alegre de repente e achar que pode dar conta de tudo. A delimitação final da adolescência, tanto na teoria como na prática, não permite critérios rígidos. Segundo Osório (1989), há alguns indícios que assinalam o término da adolescência: “(1) Estabelecimento de uma identidade sexual e possibilidade de estabelecer relações afetivas estáveis; (2) capacidade de assumir compromissos profissionais e de se manter (“independência econômica”); (3) aquisição de um sistema de valores pessoais (“moral própria”) e (4) relação de reciprocidade com a geração precedente (sobre tudo com os pais)”. Enfim, a adolescência termina quando o indivíduo mostra-se capaz de assumir, no seu grupo social, os papéis reconhecidos como próprios dos adultos. Essas mudanças e adaptações acontecem de maneira diferenciada para cada pessoa, de acordo com a herança genética, sexo, condições alimentares, ambientais educacionais e culturais. Por isso, é importante lembrar o que diz Courtecuisse: a adolescência é um conceito, enquanto o adolescente é uma pessoa. Juventude... O conceito de juventude também é relativo. O relatório da Organização das Nações Unidas, “Relatório sobre a Juventude”, de 1973, considera como jovens as pessoas entre 15 e 25 anos. Deve-se levar em conta que as modificações da puberdade, embora ocorram em idades variáveis, estão sujeitas a determinismos biológicos, pouco modificáveis. Entretanto, durante a adolescência, e em menor escala na juventude e maturidade, o indivíduo estará sujeito a fatores sociais, psicológicos, afetivos, econômicos, culturais, étnicos, religiosos, etc., que agirão em menor ou maior intensidade sobre a formação de sua autonomia econômica, social e a independência familiar, que o levarão para a vida e identidade adulta. 5 Puberdade As modificações do corpo constituem a parte da adolescência denominada puberdade. Etimologicamente, está relacionada à pilosidade e o termo puberdade se origina do latim pubertas - idade fértil, caracterizada pela capacidade reprodutiva, aspecto importante do processo adolescente. Há dois grandes grupos de fatores que atuam no crescimento e desenvolvimento físico: fatores endógenos, que incluem os componentes genéticos e neuroendócrinos e os fatores exógenos, que incluem fatores ambientais e nutricionais. A puberdade inicia na grande maioria dos casos entre 8 e 12 anos na menina e entre 10 e 14 anos no menino. Há duas situações que merecem cuidados e intervenção especializada. São elas: a Puberdade Precoce, que é definida pelo aparecimento dos caracteres sexuais secundários antes dos 8 anos no sexo feminino e antes dos 10 anos no sexo masculino; e o Retardo Puberal, quando não houver qualquer sinal de puberdade até os 15 anos na menina e até os 16 anos no rapaz. As principais manifestações da puberdade, segundo Marshall & Tanner são: crescimento rápido, desenvolvimento das gônadas, desenvolvimento dos órgãos reprodutivos e aparecimento dos caracteres sexuais secundários; mudanças na composição corporal e desenvolvimento dos sistemas circulatório e respiratório. Entretanto, existem variações entre os adolescentes em relação à duração e a época em que estas mudanças ocorrem, afinal as pessoas são diferentes, sendo normais as variações até dentro de uma mesma família. De um modo geral, as meninas levam em torno de 2 a 3 anos para terminar as mudanças físicas e os meninos por volta de 5 anos. Na puberdade, os adolescentes ganham cerca de 20% de sua estatura final e 50% de seu peso adulto. Ao rápido crescimento em estatura, característico desta fase, dá-se o nome de estirão puberal. O crânio também participa do estirão puberal. Cresce o globo ocular e ocorre com freqüência o aparecimento de miopia. Aspecto importante a ser monitorado no adolescente escolar. No sexo masculino é mais marcante o crescimento da fronte, do nariz, da mandíbula e do maxilar superior, assim a má oclusão dentária pode se acentuar nesta fase, facilitando o aparecimento ou acentuando uma queixa de cefaléia (dor de cabeça). O crescimento do tronco, embora ocorra depois do crescimento dos membros, contribui com a maior parcela da altura, aumentando a 6 relação tronco/membro. Na prática, é neste momento que se estabelecem e/ou se agravam os desvios da coluna (escoliose do adolescente, cifose juvenil, lordose), devendo este crescimento e postura serem monitorados, pois uma intervenção precoce, permite resultados de cura mais rápido e eficaz. O pico de velocidade de crescimento nas meninas ocorre por volta dos 11 a 12 anos e entre 13 e 14 anos nos meninos, momento importante para observação das questões alimentares, postura, adequações das práticas esportivas, entre outras. Ao final da puberdade, que varia de acordo com o sexo, genética e condições ambientais, o crescimento esquelético está concluído, o que se constata pela soldadura das cartilagens de conjugação dos ossos longos. O amadurecimento gonadal também está completo possibilitando o exercício da função reprodutiva. A Puberdade Feminina A primeira manifestação visível de puberdade na maioria das meninas é o surgimento do broto mamário, em média aos 9,7 anos. Este fenômeno é chamado de telarca. O broto mamário pode de início ser doloroso e unilateral, demorando cerca de 6 meses para o crescimento da outra mama. É importante que a menina aprenda e acostume-se a examinar seus seios mensalmente, sendo um bom período para este auto-exame, 7 dias após a menstruação. Geralmente cerca de 6 meses após a telarca surge a pubarca ou adrenarca que é o aparecimento dos pêlos pubianos. Os pêlos axilares se iniciam em média aos 10,4 anos, acompanhados pelo desenvolvimento das glândulas sudoríparas que trazem o odor característico do adulto. Momento importante para orientações gerais de higiene pessoal. É freqüente corrimento vaginal claro nos 6 a 12 meses que antecedem a primeira menstruação, conhecida como menarca, fato marcante da puberdade feminina. A idade média da menarca em nosso meio é de 12,2 anos, mas pode ocorrer entre 9 e 16 anos. Se ocorrer antes dos 9 anos, ou se aos 14 anos ainda não tiver iniciado o crescimento dos seios e de penugens embaixo dos braços e no púbis, é indicado que se procure um médico para uma consulta. Os primeiros ciclos menstruais são geralmente anovulatórios e irregulares, podendo esta irregularidade permanecer por até 2 ou 3 anos. O ciclo menstrual normal tem um intervalo que varia de 21 a 36 dias, e uma 7 duração entre 3 a 7 dias. As adolescentes ainda crescem em média 4 a 6 cm nos 2 ou 3 anos pós-menarca. A pele fica mais oleosa, facilitando o aparecimento de espinhas, que não devem ser espremidas.Se a adolescente se sentir incomodada com isso ou as espinhas forem muitas, deve procurar uma consulta médica. A Puberdade Masculina A primeira manifestação da puberdade no sexo masculino é o aumento do volume testicular em média aos 10,9 anos. O saco escrotal torna-se mais baixo e alongado, mais solto e enrugado. O crescimento peniano começa em geral, um ano após o crescimento dos testículos. Primeiro o pênis cresce em tamanho e depois em diâmetro. Quando o adolescente termina sua fase de crescimento seu pênis atinge em média 15 cm, quando ereto. Este tamanho pode variar de 2 a 3 cm para mais ou para menos. Quando se encontra flácido, as variações são maiores. Os pêlos pubianos aparecem em torno dos 11,3 anos; os pêlos axilares, em média aos 12,9 anos; e os pêlos faciais e do restante do corpo ocorrem em média aos 14,5 anos. A idade da primeira ejaculação, conhecido como semenarca ou espermarca, ocorre em média aos 12,8 anos. Geralmente ocorre também a polução noturna, ou seja, a ejaculação involuntária de sêmen quando o adolescente está dormindo, decorrente de um estímulo cerebral para sonhos eróticos que levam ao orgasmo. É um evento fisiológico normal, mas às vezes causa constrangimentos e dúvidas aos adolescentes e seus familiares, que devem ser orientados e tranqüilizados pelo profissional de saúde. A mudança da voz, ora afina ora engrossa, ocorre tardiamente. A ginecomastia puberal (aumento do tecido mamário) ocorre em grande parte dos adolescentes masculinos. É freqüentemente bilateral, em consistência firme e móvel e, às vezes dolorosa. De acordo com o diâmetro, classifica-se em: grau I de 1 a 2 cm; grau II de 2 a 4 cm, e grau III de 5 cm em diante. Inicia-se geralmente entre 13 e 14 anos. Regride espontaneamente em cerca de 6 a 8 meses. Quando não involui em 24 meses, deverá ser avaliado pelo cirurgião plástico. Em geral são casos de macroginecosmatia (grau III), ou aquelas persistentes e que podem está interferindo com a auto-estima do adolescente. 8 A ginecomastia de causa patológica (por drogas, endocrinopatias, tumores ou doenças crônicas), embora rara, deve ser pensada se ocorrer antes ou ao término da maturação sexual, devendo ser cuidadosamente avaliada e/ou encaminhada para especialista. A pele fica mais oleosa, facilitando o aparecimento de espinhas, que não devem ser espremidas. Se o adolescente se sentir incomodado com isso, ou as espinhas forem muitas, deve procurar uma consulta médica. É importante relatar que os profissionais de saúde contam com uma ferramenta, conhecida por Tabela de Tanner, que permite classificar e acompanhar o desenvolvimento da maturação sexual dos adolescentes de ambos os sexos. Na prática, por que é importante conhecer os estágios puberais? ● Porque é um instrumento para acompanhamento do desenvolvimento sexual do adolescente. ● Devido à grande variação da idade de início e da velocidade de progressão da maturação sexual, a idade cronológica tem pouca importância como parâmetro isolado na avaliação do crescimento e desenvolvimento do adolescente. ● Observa-se relação direta entre os estágios de maturação sexual e o momento de crescimento e desenvolvimento físico. ● O acompanhamento sistemático da maturação sexual cria oportunidades para esclarecer as dúvidas do adolescente quanto às mudanças ocorridas e de orientá-lo sobre sua saúde sexual e reprodutiva. Quando os adolescentes conhecem bem o seu corpo, passam a entender melhor como acontece a reprodução humana, a beleza e o prazer de uma relação sexual saudável e responsável. Destaforma, vai ficando mais fácil realizar um auto-cuidado mais adequado, em relação a sua saúde física e mental, e conseqüentemente, diminuindo os riscos e agravos na vida diária. ÉTICA NA CONSULTA DO ADOLESCENTE Os Princípios Fundamentais na Atenção a Adolescentes são: Ética - a relação profissional de saúde com os adolescentes e jovens deve ser pautada pelos princípios de respeito, autonomia e liberdade, prescritos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelos 9 Códigos de Ética das diferentes categorias. Ética não é sinônimo de moral ou valores religiosos mas de ethos - costumes - comportamentos que se tornam normativos para determinado grupo social, procurando conferir-lhe um caráter nacional e universal que ultrapassa a arbitrariedade individual. Privacidade - adolescentes e jovens podem ser atendidos sozinhos, caso desejem, independente da idade, em um espaço privado de consulta, em que são reconhecidas sua autonomia e individualidade, e será estimulada sua responsabilidade crescente com a sua saúde integral. Privacidade, no entanto, não significa diminuição da responsabilidade familiar ou sonegação do direito dos pais de participar das vivências do adolescente. É importante que se estabeleça, num momento adequado, uma relação pactuada e esclarecida entre o médico, enfermeiro, a família e o adolescente. Devem ser consideradas as situações de exceção como déficit intelectual importante, falta de crítica (alguns distúrbios psiquiátricos, toxicomania, etc), desejo do adolescente de não ficar só, entre outras. A privacidade não está, obrigatoriamente, ligada à confidencialidade. Confidencialidade e Sigilo - adolescentes e jovens devem ter garantido o direito ao sigilo das informações obtidas durante atendimento de saúde. A quebra do sigilo deve ser feita sempre que houver risco de vida ou outros riscos relevantes tanto para o cliente quanto para terceiros, a exemplo de situações como abuso ou exploração sexual, risco ou tentativa de suicídio, risco ou tentativa de aborto, informações de homicídios, dependência de drogas, gravidez e outros. Nestes casos, a necessidade da quebra de sigilo deverá ser comunicada ao adolescente e a maneira e o momento de tal revelação aos pais ou responsáveis legais deverão ser individualizados a cada situação. O Artigo 102 do Código de Ética Médica (CEM) informa que “é vedado ao médico revelar fato que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente”. O princípio da confidencialidade é relativo ao nível de maturidade, autonomia e risco do adolescente e estes aspectos devem ser avaliados em conjunto com o adolescente. Tanto a aderência cega à confidencialidade como a ausência total da mesma são comportamentos indesejáveis para a ética e para a lei. 10 “Garantir o acesso do adolescente à consulta é um ato de acolhimento e humanização das equipes de saúde e de respeito aos princípios do Sistema Único de Saúde.” Júlia V. F. Cordellini, 2006 ATENÇÃO INTEGRAL PARA UMA SAÚDE INTEGRAL O resgate da responsabilidade das diversas instituições, governamentais e não-governamentais, da família e do próprio adolescente são recursos de estratégias indispensáveis na promoção da saúde e prevenção de agravos, possibilitando uma assistência integral. Há que se trabalhar cada vez mais na construção de redes de prevenção e parceria que diminuam as vulnerabilidades dos nossos adolescentes e jovens, nos seus diferentes espaços de convivência. É necessária a criação de diferentes intervenções em saúde, educação, esporte e lazer, cultura, oficinas profissionalizantes, estágios em empresas, entre outras, que propiciem ao adolescente espaço para um aprendizado reflexivo, onde ele comece a se perceber como um cidadão de direitos e deveres, fazendo parte da solução dos problemas pessoais, do seu grupo de amigos, da escola e da comunidade. É necessário sensibilizar e capacitar os adultos próximos (profissionais da saúde, educação, assistência social, do direito, familiares e outros) para que conhecendo as especificidades dos adolescentese jovens, haja uma parceria dinâmica e solidária, com respeito às diferenças e de crescimento para todos. É necessário reaprendermos a escutar, dialogar, termos atitudes de não-exclusão, não-omissão, e não-indiferença, principalmente perante os mais vulneráveis. É preciso ter uma imagem positiva do adolescente/jovem a começar pelas nossas casas. É necessário uma inclusão real e ampla de adolescentes e jovens, a começar pela família, nos diferentes níveis sociais. Há que se firmar uma política de inclusão educacional, econômica, social e digital voltada principalmente aos menos escolarizados, de poder socioeconômico menos privilegiado, aos institucionalizados, aos em conflito com a lei, aos moradores de rua, da periferia das grandes cidades e às pessoas com deficiência. 11 A atenção integral ao adolescente será efetiva e eficaz se forem praticados dois cuidados fundamentais: Acolher o adolescente e sua demanda. Avaliar cada demanda dentro do cenário em que ela ocorre. Referências Bibliográficas CONSENSO CURITIBANO. Secretaria Municipal da Saúde, 2006. CRESPIN, J.; REATO, L.F.N. Hebiatria Medicina do Adolescente. São Paulo: Roca, 2007. FRANÇOSO, L.A.; GEJER, D.; REATO, L.F.N. Sexualidade e Saúde Reprodutiva na Adolescência. São Paulo: Atheneu, 2001. SAITO, MI; Silva LEV. Adolescência: Prevenção e Risco. 1ª ed. São Paulo, Ed. Atheneu, 2001 12 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS Mônica Louise de Azevedo* 1. INTRODUÇÃO A experiência histórica demonstra que a privação da liberdade não é a única nem é o melhor instrumento de repressão e prevenção do desvio, em especial quando o autor do fato reprovado é um ser humano em desenvolvimento. A privação da liberdade corrompe, estigmatiza e isola o jovem do seu meio social e, da forma que é executada na grande maioria das vezes, ao invés de proporcionar as condições de recuperação e inserção social do indivíduo punido, tão-somente o torna ainda mais vulnerável ao desvio e à exclusão social. Nesta perspectiva, deve-se privilegiar a aplicação das medidas em meio aberto como resposta ao ato infracional, desde que efetivamente executadas a partir de diretrizes comprometidas com a inserção social, escolar e familiar do jovem em conflito com a lei. Com esta proposta de trabalho, o tema aqui exposto pretende inscrever-se como uma contribuição ao debate em torno da execução das medidas socioeducativas, apresentando algumas idéias em torno de diretrizes construídas a partir da prática cotidiana na Promotoria de Justiça de Proteção à Infância e Juventude de Maringá, somada à anterior experiência na Central de Execução de Penas Alternativas da Comarca de Curitiba e no Juizado Especial Criminal de Curitiba. * Promotora de justiça da Infância e Juventude da comarca de Maringá, graduada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre em direito penal pela FUNDINOP (Faculdade de Direito do Norte Pioneiro), atuou como membro do Conselho Nacional de Penas Alternativas do Ministério da Justiça (CONAPA), membro do Conselho editorial da revista do Movimento do Ministério Público Democrático. 13 2. DIRETRIZES PARA A ATUAÇÃO NA EFETIVAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO 2.1 Atuação integrada do Ministério Público com os órgãos executores das medidas: as equipes multidisciplinares, os Centros de Referência e os Conselhos Tutelares. A experiência demonstra que é possível ganhar agilidade e celeridade processual, bem como qualidade de atendimento aos adolescentes a partir da integração do Ministério Público com os órgãos encarregados da execução das medidas socioeducativas, de acordo com a realidade de cada comarca. O ideal seria a integração não apenas física dos diversos órgãos, o que já ocorre em alguns locais, onde o adolescente é atendido desde o momento em que é entregue pela autoridade policial e apresentado ao Promotor de Justiça (artigo 174 do ECA), evitando o estigma policial e carcerário, mas especialmente a integração dos ideais que devem nortear todos os envolvidos no atendimento ao jovem, dentro da proteção integral preconizada pelo ECA e em respeito aos princípios constitucionais de primazia, prioridade e preferência nas políticas públicas. Assim, tão logo recebido o autor do ato infracional e realizada a oitiva informal, em sendo o caso de aplicar a remissão, seu imediato encaminhamento para o órgão executor da medida em meio aberto é imprescindível para a efetividade do caráter socioeducativo da medida. Para tanto, requer-se o concurso de equipes multidisciplinares aptas a conceber, implantar, operacionalizar, fiscalizar e avaliar os programas necessários para a execução das medidas em meio aberto, em propostas individualizadas, sejam socioeducativas, sejam de proteção, em complemento àquelas, numa ótica interdisciplinar, em que os profissionais colocam à disposição de outras áreas o seu saber específico, para uma prática que promova a integração social do jovem em conflito com a lei, atendendo assim aos interesses de toda a coletividade, que reside sem dúvida na constituição de uma sociedade mais justa e igualitária. Por outro lado, essa atuação deve ser coerente com a realidade de cada município e comarca, seja a partir da rede de atendimento psicossocial existente, seja através dos Conselhos Tutelares ou equipes 14 especialmente destacadas para este fim1, acolhendo e integrando os jovens em suas dinâmicas institucionais, na condição de prestadores de serviços ou em liberdade assistida, através de programas individualizados de inserção escolar e capacitação profissional2, etc... Os órgãos encarregados da execução das medidas socioeducativas devem prever, de início, critérios para o credenciamento das entidades que deverão atender os jovens, prevendo mecanismos que permitam a verificação da idoneidade da entidade, a adequação à legislação que regula o setor onde atua, bem como a disposição para assumir suas responsabilidades e investir na qualificação do jovem e sua capacitação ao mercado de trabalho e ao mundo adulto. Da mesma forma devem ser fomentadas estratégias que visem à capacitação dos dirigentes, funcionários e corpo técnico de tais órgãos, de maneira que estes possam aumentar sua compreensão acerca das medidas socioeducativas, ampliando também a consciência da importância de seu papel nesse processo, bem como o aprimoramento dos procedimentos a serem adotados em seu trato com os adolescentes em conflito com a lei e com a comunidade. Também importante a fiscalização da execução das medidas socioeducativas, condição sine qua non para que estas atinjam plenamente seu potencial educativo e socializador, além de pô-las à salvo dos críticos que as associam à impunidade. De fato, sem uma fiscalização sistemática, contínua e rigorosa do seu cumprimento, corre- se o risco de que as medidas socioeducativas sejam deslegitimadas, quer pela demora na resposta adequada aqueles que as descumprem, quer pela lentidão na proposição de soluções para as possíveis dificuldades de sua execução. Desse modo, i.e., verificando-se que o ato infracional é conseqüência da dependência química do adolescente, que também está em situação de evasão escolar e em conflito familiar, deve ser desde logo garantido o encaminhamento para período de desintoxicação, para posterior submissão a tratamento médico e psicológico, reinserção familiar e, somente após período de acompanhamento, o início da execução da medida socioeducativa aplicada, seja em sede de remissão, seja em decorrência de sentença condenatória, tudo com a ciência e participação do Ministério Público. 1 Em Maringá existe o Centro de ReferênciaSócio Educativo que executa as medidas socioeducativas em meio aberto, que atual com ligação direta com o Ministério Público, dando efetividade às medidas. 2 Vale destacar o Programa Adolescente Aprendiz, do governo estadual do Paraná, através da Secretaria de Estado da Criança e executado em parceria com o município de Maringá. 15 2.2 Garantia da participação da família, da comunidade escolar e do mundo do trabalho na execução das medidas socioeducativas A participação da comunidade é fator fundamental para que a execução das medidas socioeducativas atinja plenamente seus objetivos. Tanto a família, como a comunidade escolar, o mundo do trabalho, os órgãos de atendimento à saúde e assistência social, todos devem estar envolvidos na execução das medidas socioeducativas, pois a participação da comunidade aumenta a confiança e assegura o comprometimento do jovem com o cumprimento das medidas. Para o sucesso das medidas socioeducativas em meio aberto é indispensável o apoio e a participação ativa dos grupos e indivíduos envolvidos com o jovem e interessados no seu desenvolvimento saudável na comunidade. Se as ações necessárias à correta execução das medidas socioeducativas forem construídas e discutidas conjuntamente - numa relação horizontal entre os corpos técnicos dos órgãos executores, as famílias dos jovens em conflito com a lei ou entidades que os abrigam, as entidades receptoras do trabalho dos jovens, a comunidade escolar, as instâncias de saúde física e mental, entre outras, com a participação do Ministério Público da área da Infância e Juventude - o sistema de justiça juvenil se apresentará como adequado como resposta à prática do ato infracional. 2.3 Atuação integrada do Ministério Público com a rede de atendimento às crianças e adolescentes, bem como a articulação com os diversos conselhos de defesa de direitos, nas três esferas de governo Visando a atingir o potencial das medidas socioeducativas em meio aberto, faz-se necessário a atuação em rede tanto por parte dos órgãos encarregados de sua execução quanto o seu reconhecimento pelos conselhos de direitos e demais instâncias que dão efetividade aos direitos abstratamente previstos pelo ECA (saúde, alimentação, educação, capacitação profissional, entre outros), nas três esferas de governo, debatendo soluções para os problemas de comunicação, sobreposição de ações existentes e pontos de estrangulamento do sistema. Merece destaque a articulação entre os órgãos encarregados da execução das penas e medidas alternativas com os movimentos sociais e as entidades da sociedade civil interessados na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes e na valorização das soluções alternativas aos conflitos. 16 Também importante é a produção de conhecimento em torno das medidas socioeducativas, com a participação do mundo acadêmico, com a função de realimentar teoricamente os envolvidos no atendimento ao jovem em conflito com a lei (agregando qualidade às práticas desenvolvidas e possibilitando a superação dos obstáculos encontrados) e tornar visível à sociedade as vantagens do sistema socioeducativo em comparação com o sistema penal, sem negar seus problemas e limitações. Nestas ações devem estar previstos seminários, audiências públicas, debates, participação nas diversas conferências setoriais, bem como outras atividades que estimulem a construção de um saber crítico, com a participação da sociedade, que passa a participar da reflexão sobre as medidas em meio aberto, sua potencialidade, suas vantagens em relação à privação de liberdade, bem como os desafios que ainda devem ser enfrentados, superando o estigma da impunidade e a sempre presente proposta da redução da idade de imputabilidade penal. Esta atuação articulada torna visível a todos a existência da rede de atendimento, suas conexões e novas possibilidades, com o objetivo de construir práticas mais justas, adequadas e racionais que possam enfrentar a complexa questão da criminalidade infanto-juvenil. 17 3. CONCLUSÕES Na esteira do que foi exposto, registram-se as seguintes conclusões prepositivas para a atuação do Ministério Público na área da execução das medidas socioeducativas em meio aberto: 3.1 O Ministério Público deve promover a atuação integrada dos órgãos de atendimento dos adolescentes em conflito com a lei e dos órgãos executores das medidas socioeducativas, de acordo com a realidade social de cada comarca; 3.2 O Ministério Público deve fomentar a atuação de equipes multidisciplinares na execução das medidas socioeducativas, dando efetividade ao seu caráter educativo e socializador; 3.3 O Ministério Público deve fiscalizar de forma rigorosa a imediata execução das medidas socioeducativas em meio aberto após sua aplicação em sede de remissão ou sentença condenatória, de maneira que seja dado efetividade ao seu potencial preventivo; 3.4 O Ministério Público deve promover a participação da sociedade, em suas diversas instâncias de controle social - escola, família, mundo do trabalho, conselho de direitos, bem como os movimentos sociais, na execução das medidas socioeducativas; 3.5 O Ministério Público deve promover a atuação coordenada da rede de atendimento às crianças e adolescentes, com articulação nos diversos conselhos de defesa de direitos e nas três esferas de governo; 3.6 O Ministério Público deve investir na produção de conhecimento e divulgação das medidas socioeducativas e de proteção. 18 QUEM TEM MEDO DOS JOVENS? Pedro Rodolfo Bodê de Moraes* Joyce Kelly Pescarolo* A compreensão que o ato anti-social é uma expressão de esperança é vital (...). D. Winnicott INTRODUÇÃO Quem tem medo dos jovens ou da juventude? Por que os jovens aparecem ora como ameaça ora como absolutamente vulneráveis ou influenciáveis? Por vezes as duas coisas ao mesmo tempo? Tentaremos, neste texto, apresentar alguns argumentos que problematizam a maneira como, na maioria das vezes, representamos os jovens. Ou seja, não o que os jovens são, mas o que achamos que eles sejam, e os possíveis motivos disto. Como dissemos, cremos que parte dessa representação oscila fortemente entre ver o jovem como uma ameaça e, por outro lado, o tomar quase como um incapaz e, por isso, vulnerável. Tais percepções, assim como as suas conseqüências derivam, é claro, dos contextos sócio-históricos nos quais se processaram. Este trabalho privilegiará um recorte observando os elementos acima referidos e outros que passamos a definir. * Pedro Rodolfo Bodê de Moraes é Professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais/UFPR; Doutor em Sociologia; Coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos/UFPR; Membro da Comissão da Criança e Adolescente da OAB – Seção PR. Joyce Kelly Pescarolo é Psicóloga; Especialista em Sociologia Política; Mestre em Sociologia; Membro do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos/UFPR. 18 Existem algumas premissas ou constatações que guiam a nossa análise e que gostaríamos de deixar, desde já, enunciadas. A primeira, e talvez a mais importante delas, é o fato de que os jovens são a imagem e semelhança da sociedade em que vivem e das instituições que freqüentam, vale dizer, dos processos de socialização e sociabilidade que juntos formam e atualizam os seres sociais (Durkheim, 1977 [1895]; Berger & Lukmann, 1985). Sendo mais objetivo, o(s) comportamento(s) dos jovens, seja lá qual for ou como o interpretamos, é resultado da socialização a que eles foram submetidos. Seus defeitos e virtudes espelham, portanto, o mundo dos adultos que os formaram. O segundo elemento, que se encontra inextricavelmente ligado ao primeiro, esta relacionado à responsabilidade pela formaçãodos jovens. Parte da resposta já foi dada, a formação dos jovens seria responsabilidade de toda a sociedade. De forma mais precisa do conjunto de instituições que compõe a sociedade: família, escola, trabalho, etc. Talvez não precisássemos lembrar que a família ocuparia um lugar de destaque neste processo, motivo pelos quais sociólogos e psicólogos consideram-na um espaço de socialização primária. De qualquer forma, a instituição familiar não é, para o bem ou para mal, a única responsável. Queremos com isto, problematizar a idéia de que, o suposto fracasso na formação dos jovens deve ser atribuído única e exclusivamente a uma destas instituições e não, ainda que com pesos diferentes, ao conjunto de instituições que os jovens freqüentam. Em terceiro lugar, queremos salientar que, a formação dos jovens depende da capacidade da sociedade na qual ele vive de orientá-lo para o que é entendido como seus valores, sejam eles positivos ou negativos. Para tanto, são necessárias instituições e figuras apropriadas para este fim. A primeira qualidade que instituições e pessoas precisam ter é aquilo que conhecemos como autoridade que teria o papel de orientar e organizar os indivíduos e os grupos (Sennett, 2001). Curiosamente, principalmente nas sociedades contemporâneas, as figuras de autoridade serão alvos de constantes questionamentos por parte dos jovens. Segundo nosso entendimento, ao questionarem a autoridade, os jovens não estão fazendo mais do que testar a consistência da suposta autoridade. Esse tema será outro importante eixo da nossa discussão. Postas as balizas da nossa argumentação passemos a aprofundá-las e analisá-las tomando por base casos concretos. Destacamos que é difícil, pelo menos para os fins a que nos propomos, manter separada a análise sobre a juventude e adolescência de questões relativas à infância, até mesmo pelas dificuldades em estabelecer os limites estritamente etários-biológicos, questão que, diga-se de passagem, procuraremos relativizar. Dito de outra maneira, não 19 acreditamos que seja suficiente para fins da análise em curso, a classificação das idades segundo exclusivamente critérios biológicos. Desta forma estaremos tratando de crianças e adolescentes, assim como aqueles indivíduos que já ingressaram na maioridade, demarcando quando necessário, as diferenças entre estas categorias. DEFININDO JUVENTUDE Como nos ensina Bourdieu (1983), juventude é uma daquelas palavras cuja definição se presta a todo tipo de manipulação, entre outras coisas, porque é uma categoria que tende a ser percebida e definida biologicamente, ignorando-se que “as divisões entre idades são arbitrárias” e “objeto de disputas em todas as sociedades” (Bourdieu, 1983, p. 112). Ou seja, muito para além do aspecto biológico, a juventude e seus atributos seriam uma categoria socialmente construída e estruturada segundo condição de classe, proximidade do poder, gênero ou raça e que, por sua vez, “acabam sempre por impor limites e produzir uma ordem onde cada um deve se manter, em relação à qual cada um deve se manter em seu lugar” (Bourdieu, 1983, p. 112). Vejamos, a título de exemplo e comparação, algumas formas de classificação etária. Comecemos por Crouzet-Pavan (1996, pág. 192) que explica que na Antiguidade, “a infantia termina aos sete anos quando começa a pueritia. A mesma escansão delimita, entre 14 e 21 anos, a adolescentia. É então que a juventude começa”. A autora explica ainda que, “nenhum limite teórico marca seu término. Na prática, o vocabulário flutua, como flutuam um pouco estes limites”. (Crouzet-Pavan, 1996, pág. 192) Ariès (1973, pág. 36) relata que na França do século XVI, (...) as idades correspondem aos planetas, em número de 7:3‘A primeira idade é a infância (...) [que] começa quando a criança nasce e dura até os sete anos (...). Após (...), vem a segunda idade... chama-se pueritia (...) e essa idade dura até os 14 anos. (...) Depois segue a terceira idade, que é chamada de adolescência, que termina, segundo Constantino em seu viático, no vigésimo primeiro ano, mas, segundo Isidoro, dura até 28 anos... e pode estender-se até 30 ou 35 anos. (...) Depois segue-se a 3 Daqui para frente, Ariès está citando o Le Grand Propriétaire de toutes choses. Segundo esse autor, “tratava-se de uma compilação latina do século XIII, que retomava todos os dados dos escritores do Império Bizantino” (1973, pág. 34). A edição utilizada por Ariès datava de 1556. 20 juventude, que está no meio das idades, embora a pessoa aí esteja na plenitude de sua forças, e essa idade dura até 45 anos, segundo Isidoro, ou até 50, segundo os outros. (...) Depois segue-se a senectude (...). Após esta idade segue-se a velhice, que dura, segundo alguns, até 70 e segundo outros, não tem fim até a morte. Já na sociedade camponesa francesa do séc. XIX, as faixas etárias estavam assim divididas: “1) primeira infância (da concepção ao fim do aleitamento); 2) as crianças; 3) a) os jovens, b) as jovens; 4) os recém-casados; 5) os pais e mães de família; 6) os viúvos e as viúvas; 7) os velhos; 8) os falecidos” (Varagnac, 1968, pág. 18 e 19). No caso do Brasil Colônia, Gilberto Freyre (1987 [1933], pág. 411), partindo da descrição de viajantes e outros documentos, fala-nos dos “homenzinhos à força desde de os nove ou dez anos”. Aliás, o texto de Freyre é rico ao relatar a violência que marcou, e de certo modo ainda marca, a sociedade brasileira fundada no binômio latifúndio - escravidão, que por sua vez, produziu uma tradição conservadora que “sempre se tem sustentado no sadismo do mando disfarçado em ‘princípio de Autoridade’ ou ‘defesa da Ordem’” (Freyre, 1987 [1933], pág. 52). Esse autor demonstra como tais relações violentas compunham o cotidiano das relações sociais nos primórdios da civilização brasileira. O primeiro grande alvo desta violência era, claro, o negro, que sequer era visto como humano, mas escravo, propriedade do senhor e objeto de toda sorte de sadismo por parte deste. Violência que, por vezes, era igualmente ou mais intensa com as crianças, jovens e mulheres negras. Em níveis diferentes, as mulheres, crianças e jovens brancos também sofriam as conseqüências daquela violência assentada na perversidade das relações escravocratas. Socializados nesta sociedade: Transforma-se o sadismo do menino e do adolescente no gosto de mandar dar surra, de mandar arrancar dente de negro ladrão de cana, de mandar brigar na sua presença capoeiras, galos e canários - tantas vezes manifestado pelo senhor de engenho quando homem feito; no gosto de mando violento ou perverso que explodia nele ou no filho bacharel quando no exercício de posição elevada, política ou de administração pública (...). (Freyre, 1987 [1933], pág. 52). Este cenário é fundamental para que entendamos a sociedade brasileira contemporânea e a sua relação com os jovens e com todos aqueles em posição de inferioridade social. Não são mera coincidência as semelhanças observadas, ou melhor, a continuidade de padrões de 21 sociabilidade violenta4 entre a sociedade escravocrata e a sociedade brasileira atual. A construção do jovem e da juventude no mundo ocidental contemporâneo foi igualmente, e não poderia ser diferente, fortemente marcada pela dinâmica da industrialização e de especialização da mão- de-obra. Essa por sua vez, foi acompanhada por processos de disciplinarização e normatização, que terão na escola, um de seus principais pilares. A adequação ou não dos trabalhadores em geral, e dos jovens em particular, será fundamental na atribuição de sentido para esse período da vida caracterizado como juventude. Por fim, destaquemos que tudo leva a crerque, de maneira geral e pelo menos no mundo ocidental contemporâneo, há uma percepção de que “a juventude se caracteriza por seu marcado caráter de limite”, situada que está “no interior das margens móveis entre a dependência infantil e a autonomia da vida adulta” (Levi & Schmitt, 1996, p. 8)5. Tal processo remeteria à construção da identidade, cuja dinâmica constituiria, em muitos casos, uma identidade mesma que teria como marca distintiva a provisoriedade. Parecendo ser exatamente esta característica que remeteria à juventude, e mais particularmente à adolescência nas sociedades ocidentais modernas, para um espaço de “irresponsabilidade provisória”, uma vez que “estão numa espécie de no man’s land social” conforme a definição de Bourdieu (1983, p. 114). A NEGAÇÃO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: O MENOR Talvez poucos exemplos históricos sobre a maneira como no Brasil tratamos os jovens sejam tão esclarecedores como aqueles que levaram à emergência do termo menor, que, como explicaremos, muito diferentemente do que possamos imaginar, tem por função negar a infância e a juventude, na medida mesma em que cria uma categoria de jovem que, todavia, não possui o mesmo status que indivíduos da mesma faixa etária originários, porém, de outra classe e/ou população étnico- 4 Sobre esta discussão cf. Machado da Silva, 1999. 5 Para que não se tenha qualquer dúvida em relação à determinação social do fenômeno, Levi & Schmitt (1996, p. 8) destacam que “nenhum limite fisiológico basta para identificar analiticamente uma fase da vida que se pode explicar melhor pela determinação cultural das sociedades humanas, segundo o modo pelo qual tratam de identificar, de atribuir ordem e sentido a algo que parece tipicamente transitório, vale dizer caótico e desordenado”. 22 racial. A análise da categoria menor é da máxima pertinência inclusive porque ele tem sido utilizado de forma intensa pelos operadores jurídicos e por todo um conjunto de profissionais responsáveis pela melhoria da qualidade de vida das crianças e adolescentes6. Podemos começar pensando por que não chamamos as crianças e jovens que fazem parte dos nossos círculos familiares de menores. Esta terminologia aplica-se exclusivamente às crianças e jovens tomados, na prática e não nas intenções, como problemas. Não problemas quaisquer, mas aqueles derivados da pobreza ou de aspectos étnico-raciais devidamente estigmatizados por intermédio de processos e dinâmicas criminalizadoras. Expliquemos melhor. Ao que tudo indica, o processo que leva à emergência do termo menor foi enormemente influenciado por idéias que “circulavam na Europa e na América do Norte” em fins do século XIX, como explica Rizzini (1997, pág.214). Esta autora, ao comentar o processo de implantação da justiça de menores no Brasil, ressalta que ela foi: Concebida com um escopo de abrangência bastante amplo, seu alvo era a infância pobre que não era contida por uma família considerada habilitada a educar seus filhos, de acordo com os padrões de moralidades vigentes. Os filhos dos pobres que se encaixavam nesta definição, portanto passíveis de intervenção judiciária, passaram a ser identificados como “menores” (Rizzini, 1997, pág.214). Sem que ficasse devidamente explicitado no discurso dos teóricos e juristas que participaram deste processo, podemos observar que eles estabeleciam uma colagem, ou melhor, uma relação de causalidade ente déficit material e déficit moral: “ser menor era carecer de assistência, era sinônimo de pobreza, baixa moralidade e periculosidade” (Rizzini, 1997, pág. 223). Esta relação é facilmente observável nas reflexões de um dos mais importantes teóricos europeus que muito influenciou a discussão brasileira. Referimo-nos ao criminalista italiano Césare Lombroso e a sua noção de “infância moralmente abandonada” (Rizzini, 1997, pág. 198). Tal raciocínio encontra-se, por sua vez, perfeitamente encaixado nas formulações mais gerais de Lombroso, entre as quais destaca-se a teoria do criminoso nato. É neste contexto que surge um conjunto de leis e instituições que serão responsáveis por tutelar as crianças e os jovens pobres portadores de um suposto déficit material e moral. No vocabulário daquelas 6 Cf. Gadelha, 1998. 23 instituições as crianças e jovens até dezessete anos são denominados menores como uma derivação da expressão menor de idade, ou seja, menor de dezoito anos. A palavra menor, no entanto, passa a ser utilizada de forma isolada, supondo que quem a utilize estaria fazendo-o no sentido anteriormente sinalizado. Eis que o termo não somente se autonomizou como foi re-signifcado e, neste processo, estigmatizado, passando agora, efetivamente, a associar pobreza com o perigo e o crime. Assim, o menor passa a figurar como um pequeno adulto capaz de cometer crimes como adultos e podendo ou devendo ser tratado como tal. Na lista de instituições que passam a utilizar o termo menor destacam-se: em 1923, aparece na Justiça do Distrito Federal o Juiz de Menores; em 1924, é instituído o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores; em 1926 o decreto de criação do Código de Menores. Deixemos claro que estamos de acordo que a função do Estado é, ou deveria ser, proteger por meio de regulamentações diversas, os mais vulneráveis, criando condições de acesso a bens como trabalho, educação, saúde e justiça, processo este que tem sido chamado de Bem- estar Social. Entendemos, ainda, que a diminuição das desigualdades sociais é um passo decisivo na consecução dos ideais de justiça social. Isso, no entanto, é muito diferente do projeto que estava sendo elaborado e que acreditamos, encontra-se fortemente enraizado na sociedade atual. O que vemos como correto é que a proteção social é fundamental à manutenção do equilíbrio social, porque a falta dela sim é indicativa da falta de moralidade do sistema. O que, no entanto, acreditamos, tenha sido posto em andamento foi um processo de tutela por parte do Estado daqueles que eram e são visto como incapazes, mas principalmente como ameaças potenciais, portando graus diferenciados de periculosidade. Um conjunto de leis e instituições incorporou uma percepção negativa da infância e juventude pobres e os colocou em operação. Este elemento é o ingrediente mais importante e decisivo na tomada de posição daqueles que acreditavam estarem protegendo os menores e os pobres em geral, enquanto, na verdade, davam continuidade ao processo de exclusão. A prática daqueles e dos atuais operadores e profissionais que herdaram aquela visão, na verdade, no máximo reside naquilo que Szasz (1994) chamou de cruel compaixão7. Não pretendiam, efetivamente, 7 Szasz (1994, pág. 32) argumenta que a “compaixão nem sempre, ou necessariamente, é uma virtude”, principalmente quando partindo do que ele chama de “altruísmo coercitivo”. Para ele, neste tipo de comportamento o indivíduo “precisa convencer-se de que está agindo 24 proteger ninguém além de si mesmo e do sistema do qual eram parte ou representavam, da suposta ameaça que os marginalizados significavam. O discurso da proteção advindo do mesmo sistema que marginalizava a pobreza, sua criatura mais temida, entre meio culpado e meio bem- intencionado, continuava, agora por outros meios, a fazer o que sempre fez: excluir pela criminalização. Mesmo porque, o deve ser da proteção era e é muito diferente da realidade no interior das instituições de tratamento dos menores. A maior parte delas eram depósitos de crianças que davam continuidade à experiência do abandono, algumas outras, verdadeiros circos de horrores, como aquelas exemplificadas pela famigeradae de triste lembrança, Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor. Parece que a nossa sociedade somente consegue olhar para os jovens pobres e negros em uma atitude máxima de benevolência, traduzindo o que primeiro vem à cabeça, a saber, o menor, por jovem ou coisa parecida. Em geral, ainda se olha para o jovem sem se conseguir ver outra coisa que o menor. Em outra ocasião (Moraes, 2005) tivemos a oportunidade de desenvolver um pouco mais sobre como o medo dos jovens, assim como o medo do crime e do sobrenatural processa, ou melhor, serve para objetivar medos difusos que no atual momento histórico estão ligados a incertezas em relação ao futuro em função da precarização do trabalho e da previdência social (Castel, 1998; Sennett, 1999). Mas o que queremos ressaltar é que uma política fundada no medo dos jovens, na visão deles como ameaça, porque membro das classes perigosas8, parece não ter em benefício do outro”. Mas como ele pode fazer isto considerando que um dos efeitos de sua ação poderia ser um sofrimento maior ainda para aquele que é objeto de sua compaixão? Szazs argumenta que o “altruísta coercitivo” precisa “fechar os olhos para o sofrimento que ele causa. A melhor forma de fazer isto é deixar de respeitar o seu beneficiário-alvo como pessoa e, ao invés disto, tratá-lo como um membro de um grupo específico”. No caso concreto por ele investigado, o paciente mental, mas que creio podemos generalizar para o grupo analisado neste artigo, o procedimento básico “estimula a compaixão abstrata para como ele com paciente e a indiferença concreta para com ele como pessoa” (Szazs, 1994, pág. 24). 8 Guimarães (1981, p. 01 e 02) explica que o termo “classes perigosas (dangerous classes)” indicava “um conjunto social formado à margem da sociedade civil, surgiu na primeira metade do século XIX”. Seu uso foi registrado no Oxford English Dictionary, na edição de 1859, mas o termo já havia sido utilizado no título de uma obra sobre um 25 outro destino que não o das soluções repressivas ou permeadas por uma cruel compaixão. Pensamos que os efeitos das percepções e das políticas públicas derivadas da visão do jovem como ameaça podem ser observados por intermédio do exame das taxas de homicídios e do encarceramento dos jovens, os quais passamos a analisar. Dados da Unesco (cf. tabela 1)9 indicam que, se a taxa total de homicídio manteve-se basicamente a mesma entre 1993 e 2002, houve, em contrapartida, um enorme incremento de mortes entre jovens de 15 a 25 anos. Como explica Waiselfisz (2004), “os avanços da violência homicida das últimas décadas no Brasil são explicados, exclusivamente, pelos incrementos dos homicídios contra a juventude”. Em dados estatísticos, isto significa que se para a população total, entre os anos 1993 e 2002, a taxa de homicídios por cem mil habitantes variou de 21,3 para 21,7, em relação ao grupo etário entre 15 e 25 anos, nota-se um aumento de 30,0 (por cem mil jovens), em 1993, para 54,5 (por cem mil jovens), em 2002. E ainda, se os homicídios são responsáveis por 62,3% dos óbitos na população total, correspondem, por sua vez, a 88,6% da causa da morte entre jovens. Se considerarmos o item raça separadamente, nota-se que os homicídios de jovens pardos e negros são 65,3% maiores que os homicídios de jovens brancos. Destaque-se, finalmente, que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o número de homicídios, somado aos de acidentes de trânsito envolvendo jovens, impactam nossa expectativa de vida em até três anos. Ou seja, não fossem estes índices escandalosos, os brasileiros teriam sua expectativa de vida aumentada de 71,3 anos para 74,3 anos. reformatório para jovens em 1849. Uma importante autora de “trabalhos sobre matéria criminal”, a saber, Mary Carpenter, utilizava este conceito para denominar os grupos formados “pelas pessoas que houvessem passado pela prisão ou as que (...) já vivessem notoriamente da pilhagem”, convencidos de que poderiam “ganhar mais praticando furtos do que trabalhando”. 9 Nota do editor: a Tabela 1 que se encontra em Anexos, na página 53, foi alterada para o formato e tamanho do livro. 26 Em relação ao encarceramento de jovens10, constatamos que a grande maioria encontra-se nesta condição por ter cometido furtos e pequenos roubos e apenas um pequeno grupo, por homicídio. No caso dos internos na Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor de São Paulo, roubos e furtos somam a maioria dos crimes, a saber, 70,6%. Por sua vez, os homicídios perfazem 8,0%11. Aquelas taxas alarmantes de homicídios de jovens refletem vários componentes, no entanto, é impossível não relacioná-los a uma certa indiferença ou naturalização daqueles homicídios, que nos levam a pensar que na sociedade brasileira atual, os jovens poderiam ser incluídos na categoria do homo sacer, como sugerido por G. Agambem (2004, pág. 79), ou seja, aqueles “que qualquer um podia matar impunemente”, vale dizer, aqueles cuja morte não tinha qualquer conseqüência jurídica12. Outro importante indicativo da visão do jovem como ameaça é maneira como boa parte da população brasileira, inclusive muitos dos responsáveis em lidar com os jovens, concebe o Estatuto da Criança e do Adolescente (doravante ECA). Primeiro devemos destacar que o referido estatuto é, como tantas outras leis, desconhecido da maioria das pessoas e de muitos profissionais que trabalham com jovens. Os professores talvez sejam o caso mais comum. O desconhecimento objetivo daquele estatuto é, no entanto, substituído por interpretações do mais absoluto senso comum e má vontade. Para muitos, o ECA é um dos maiores responsáveis pelo suposto aumento da indisciplina e da delinqüência 10 O Estatuto da Criança e do Adolescente denomina as punições aplicadas aos jovens como medidas socioeducativas, e o encarceramento deles uma medida socioeducativa que implica na internação do delinqüente (Art. 90, inciso VII do ECA). Acreditamos, outrossim, que o que está posto é a mesma lógica punitiva imposta aos adultos, configurando, na expressão de Sérgio Adorno, uma “experiência precoce de punição” e, completaríamos, de encarceramento. 11 Onde 100% = 21.146. Levantamento feito pela FEBEM/SP em 2000. Não conseguimos dados mais recentes e de uma amplitude maior. Cremos, no entanto, que não haveria diferenças expressivas para a realidade nacional. 12 O extermínio de crianças e adolescentes não se constitui novidade alguma no cenário brasileiro, muito pelo contrário, é um fenômeno recorrente como atestam, além da já citada pesquisa de Waiselfisz, Pinto, 1991; Minayo, 1991; Alvim, 1992; OAB, 1993; Cedeca, 1999. 27 juvenil. Esta ignorância, repetimos, é certamente um dos resultados daquela percepção satanizada da juventude, pois como é possível que pessoas que não estudaram ou sequer folhearam o referido estatuto podem concebê-lo como um instrumento facilitador da indisciplina e delinqüência, senão por meio daquela predisposição sociocultural que percebe os jovens como uma ameaça? Longe desta leitura, o ECA, tenta sim proteger, no melhor sentido do termo, os jovens dos perigos a que estão submetidos. O ECA é ainda um instrumento rigoroso instrumento no que diz respeito à punição dos delitos cometidos pelos jovens. AUTORIDADE, AUTORITARISMO E LIMITES O que entendemos por autoridade? Gostaríamos de iniciar salientando que em países, assim como o nosso, cuja tradição autoritária viceja, tende-se, com freqüência, a confundir autoridade com autoritarismo, enquanto na verdade, o autoritarismo é o oposto da noção de autoridade. Passemos a definir o sentido do termo a partir da construção do conceito no interior da reflexão
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