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Revisão técnica: Caroline Bastos Capaverde Graduada em Psicologia Especialista em Psicoterapia Psicanalítica Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147 P974 Psicologia e criminologia [recurso eletrônico] / Eliane Dalla Coletta... [et al.] ; [revisão técnica: Caroline Bastos Capaverde]. – Porto Alegre : SAGAH, 2018. ISBN 978-85-9502-464-9 1. Psicologia. 2. Direito penal. I. Dalla Coletta, Eliane. CDU 159.9:343.1 Fatores determinantes do comportamento Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir noções de comportamento. � Identificar fatores que determinam diferentes comportamentos. � Descrever a relação entre comportamento criminal e psicopatia. Introdução O comportamento humano passou a ser estudado com métodos cien- tíficos a partir do século XIX, com base nas diferentes perspectivas teó- ricas surgidas nesse período. Estas perspectivas evidenciam diferentes paradigmas e apresentam métodos e modos próprios de interpretar os dados na pesquisa do comportamento humano. Neste capítulo você vai estudar as noções de comportamento a partir de quatro perspectivas teóricas: o behaviorismo, a psicanalítica, a teoria da aprendizagem social e a teoria cognitiva. Os fatores que influenciam o comportamento serão abordados pela perspectiva da psicologia cogni- tiva, em função de sua contribuição para a psicologia jurídica. Essa influ- ência se deve ao fato de que a psicologia cognitiva investiga e pesquisa os processos mentais para entender e compreender a cognição humana, por meio da observação do comportamento das pessoas enquanto executam diversas tarefas cognitivas. O comportamento violento também é tema de estudos, desenvolvidos especialmente pelos psicólogos forenses, que apontam relações entre a psicopatia e o comportamento criminal. Neste capítulo você também vai conhecer as possíveis relações entre o comportamento criminal e a psicopatia. Noções de comportamento A partir do estudo do comportamento por meio de métodos científicos, iniciado no século XIX, surgiram diferentes teorias de desenvolvimento humano que estudam e evidenciam paradigmas, métodos próprios e modos de interpretar os dados na pesquisa do comportamento. Com base em Papalia e Feldman (2013), vamos apresentar quatro perspectivas teóricas que amparam a maioria das teorias renomadas e suas pesquisas. Uma das primeiras escolas a estudar o comportamento foi o behaviorismo, que entende o comportamento como uma interação entre a ação do sujeito e o ambiente onde a sua ação acontece. O comportamento, para o behaviorismo, é uma reação ou resposta do “sujeito” observado (homem ou animal) a uma determinada situação. Ou seja, o comportamento é uma resposta do sujeito observado a um estímulo. O estudo do comportamento é possível a partir da variação do estímulo (S) e da observação de cada reação (R) do sujeito de acordo com o estímulo dado, conforme o esquema clássico S R. Skinner (1904 - 1990), um dos mais célebres representantes do behaviorismo, deu início a um amplo e diversifi- cado programa de investigações sobre o comportamento com base em suas consequências; um desses estudos é a teoria do reforço. Reforço é uma força que, se acontece após uma resposta, aumenta a probabilidade desta se repetir; ele pode ser positivo ou negativo. O reforço positivo aumenta a probabilidade futura de repetição da mesma resposta, e o reforço negativo remove ou atenua uma situação desagradável (aumentando, com isso, a probabilidade da repetição da resposta). O experimento clássico do behaviorismo, desenvolvido por Skinner, ocorreu com a utilização de ratos e pombos, cujos comportamentos eram condiciona- dos por meio de estímulos e reforços. Os animais eram colocados dentro das chamadas caixas de Skinner (Figura 1). A experiência tinha como objetivo fazer com que o rato apertasse uma alavanca para receber uma gota de água. A primeira ocorrência foi por acaso, durante a exploração que o rato estava fazendo na caixa; logo que a gota de água apareceu, o rato a consumiu rapi- damente. A expectativa de Skinner era que, se o rato continuasse com sede ou viesse a ter sede depois de um tempo, pressionaria a barra. Nesse experimento, acionar a alavanca era a resposta (R), e o estímulo reforçador (S) era a água. Na formulação da equação representativa R S, a flecha significava “levar a” e o estímulo (S) era o reforço. Fatores determinantes do comportamento2 Figura 1. Caixas de Skinner: artefatos mecânicos complexos que auxiliavam nas pesquisas com ratos e pombos. Registravam todos os movimentos, conforme os reforços recebidos. Fonte: Soares (2013). Foram realizadas inúmeras variações dessa experiência. Por exemplo, a água era disponibilizada depois de três apertos, depois com sete, doze, vinte e assim por diante, com variações sucessivas, medidas com cronometragem criteriosa e com o uso extenso de modelos estatísticos complexos em vários níveis. A partir desse rigor metodológico, nasceu a ciência do comportamento. A partir de outras variações nas quais o estímulo era dado aletoriamente, como a disponibilidade de água depois de trinta apertos, ou, por outro lado, a indisponibilidade de água, era esperado que essas recompensas aleatórias eliminassem o comportamento. No entanto, Skinner percebeu que esses hábitos baseados em recompensas irregulares são os mais difíceis de serem extintos e podem explicar o porquê de as pessoas perderem fortunas nas máquinas caça-níqueis, por exemplo. Ou seja, esses reforços/recompensas intermitentes podem se transformar em comportamento compulsivo (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001). Contemporaneamente, temos a perspectiva psicanalítica, que surgiu com Sigmund Freud (1856–1939). Para Freud, o desenvolvimento humano advém de forças inconscientes que motivam e controlam o comportamento humano. Segundo Papalia e Feldman (2013, p. 60), 3Fatores determinantes do comportamento [...] a psicanálise se concentrou no desenvolvimento da personalidade, na importância dos pensamentos, sentimentos e motivações inconscientes, nas experiências infantis na formação da personalidade, na ambivalência das respostas emocionais, no papel das representações mentais do eu e dos outros no estabelecimento das relações íntimas, e no curso do desenvolvimento normal partindo de um estado imaturo e dependente para um estado maduro e independente. Em 1924 surge a teoria da aprendizagem social, desenvolvida pelo psi- cólogo Albert Bandura, o qual fez contribuições para os campos da psicologia social e cognitiva, da psicoterapia e da pedagogia. Esta teoria propõe que o desenvolvimento humano é bidirecional – o que Bandura denomina determi- nismo recíproco. Isso significa que a pessoa age sobre o mundo à medida que o mundo age sobre a pessoa, em uma interação simultânea, em contraposição à teoria behaviorista que defendia a primazia da ação do ambiente sobre a pessoa como impulso significativo e determinante no seu desenvolvimento. Bandura defendeu a ideia de que a pessoa aprende o comportamento social por meio da admiração por outras pessoas, como os pais, os professores, os heróis esportivos, ou seja, os modelos que possuem notoriedade e que ganham recompensas pelos seus feitos. Segundo Papalia e Feldman (2013, p. 64), na teoria da aprendizagem social, “[...] a imitação de modelos é o elemento mais importante para a criança aprender uma língua, lidar com a agressão, desen- volver um senso moral e aprender os comportamentos apropriados de gênero”. A versão mais atualizada desta teoria, de 1989, é a teoria social cognitiva, com destaque para os processos cognitivos. A perspectiva cognitiva defende que o comportamento humano representa os estágios cognitivos do desenvolvimento humano. Na perspectiva cognitiva, destacaram-se estudiosos como Piaget e Vygotsky, entre outros. Para Piaget (1896–1980), o desenvolvimento humano ocorre por meio dos aspectos físico- -motor, intelectual, afetivo-emocionale social. Para o estudioso, somente por meio destes aspectos é possível entender como e por que o indivíduo se comporta de determinada maneira, em certa situação, em determinado momento de sua vida. Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2001, p. 129), [...] os estudos e pesquisas de Piaget demonstraram que existem formas de perceber, compreender e se comportar diante do mundo, próprias de cada faixa etária, isto é, existe uma assimilação progressiva do meio ambiente, que implica uma acomodação das estruturas mentais a este novo dado do mundo exterior. Fatores determinantes do comportamento4 Nessa teoria, para entendermos o comportamento, temos que conhecer as características comuns de cada faixa etária para que possamos diferenciar individualidades. Piaget propôs quatro estágios de desenvolvimento: de 01 a 02 anos (sensório-motor), de 2 a 7 anos (pré-operatório), de 7 a 12 anos (ope- rações concretas) e de 12 anos em diante (operações formais). Essa teoria foi amplamente utilizada na educação, possibilitando aos pais e professores uma maior compreensão da criança e do adolescente e embasando teoricamente o currículo escolar, apropriado a cada faixa de desenvolvimento. Segundo Papalia e Feldman (2013, p. 66), [...] a pesquisa com adultos indica que o foco de Piaget na lógica formal como o ápice do desenvolvimento cognitivo é por demais estreito. Não explica a emergência de habilidades maduras como a resolução de problemas práticos, a sabedoria e a capacidade de lidar com situações ambíguas. Vygotsky (1896–1934), por sua vez, tem por foco o desenvolvimento humano com base nos processos sociais e culturais do desenvolvimento cognitivo. O autor defende que o processo cognitivo ocorre por meio da interação social, com colaboração. Para ele, as pessoas adquirem as habilidades cognitivas por meio da linguagem, ao exercerem atividades compartilhadas. Os adultos devem ajudar a criança a transpor a zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que é o intervalo entre o que a criança já faz sozinha e o que ela pode realizar com a ajuda dos adultos (PAPALIA; FELDMAN, 2013). A corrente cognitiva mais atual é a do processamento da informação, a qual estuda o desenvolvimento cognitivo e os processos mentais envolvidos na percepção e no tratamento da informação, investigando os processos de compreensão da informação recebida e de desenvolvimento eficaz das tarefas, que envolvem atenção, memória, estratégias de planejamento, tomadas de decisão e estabelecimento de metas (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Nessa perspectiva, o desenvolvimento humano é constante e cumulativo, acontecendo conforme a idade, a prontidão, a complexidade e efetividade do processo mental, e a capacidade e diversidade do que pode ser armazenado na memória. A atenção e a memória são integradoras do comportamento, mantido pelos processos cerebrais centrais. Dessa forma, podemos entender como [...] psicologia cognitiva aquela que estuda os processos internos (atenção, percepção, aprendizagem, memória, linguagem resolução de problemas, raciocínio e pensamento) envolvidos em extrair sentido do ambiente e decidir 5Fatores determinantes do comportamento que ação deve ser apropriada. Visa a compreender a cognição humana por meio da observação do comportamento das pessoas enquanto executam várias tarefas cognitivas (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 01). Com o que foi exposto, você pode perceber que o comportamento é estudado há muito tempo por diferentes pesquisadores, originando várias abordagens que contribuem para o entendimento do comportamento humano. Cada abordagem apresenta subsídios para a atuação do psicólogo no enten- dimento da subjetividade dos indivíduos e das suas manifestações compor- tamentais, utilizando conhecimentos e técnicas da psicologia na promoção da saúde. A psicologia jurídica, dessa forma, também está alicerçada sobre esses conhecimentos e técnicas psicológicas para avaliação, diagnóstico e parecer técnico para auxiliar juízes, desembargadores e promotores na elucidação dos processos judiciais. Fatores determinantes no estudo do comportamento O comportamento humano é influenciado por diversos fatores que variam de acordo com o ângulo ou a especificidade pela qual queremos entendê-lo e abordá-lo. Por exemplo, os fatores que determinam o comportamento de um gerente administrativo não são necessariamente os mesmos que determinam o comportamento de um atleta de alto rendimento, de uma dona de casa, de um psicopata, de um criminoso ou de um delinquente juvenil. As condições do meio, da maturação neurofisiológica e da hereditariedade também fazem parte dos fatores que influenciam o comportamento das pessoas. Como vimos anteriormente, o comportamento humano é objeto de análise de diferentes perspectivas teóricas. Para Piaget, os aspectos que atuam no desenvolvimento humano, como o aspecto físico-motor, o intelectual, o afetivo-emocional e o social, se complementam, e somente a partir de uma análise que considera essa multiplicidade é possível entender como e por que o indivíduo se comporta de uma maneira em determinada situação da sua vida. Para o behaviorismo, o comportamento é uma reação ou resposta do “sujeito” observado (homem ou animal) a uma determinada situação. O ambiente in- fluencia (estimula) o comportamento de cada pessoa. Para a psicanálise, são as forças do inconsciente que motivam e controlam o comportamento. Para Bandura, as pessoas aprendem o comportamento social por meio da admiração por outras pessoas, como os pais, os professores, os heróis esportivos, ou Fatores determinantes do comportamento6 seja, os modelos que possuem notoriedade e que ganham recompensas pelos seus feitos. Para o cognitivismo, na perspectiva do processamento da infor- mação, o comportamento é influenciado pela percepção, atenção e memória, especificamente. No estudo da cognição humana, outras áreas também estão envolvidas, interdisciplinarmente, com aportes da psicologia cognitiva e experimental, das neurociências, da medicina, da biologia, da linguística, da educação, entre outras. Diversos saberes são mobilizados para o entendimento da cognição humana. Na área jurídica, observamos a contribuição substancial da psicologia, especialmente da psicologia cognitiva e da neuropsicologia (mais recentemente). Por esse motivo, neste capítulo abordaremos os fatores da cognição humana: a percepção, a memória, a linguagem, a aprendizagem e as emoções. Estes fatores são processos internos utilizados pelo indivíduo para captar os estímulos do ambiente, possibilitando a escolha da ação mais apropriada (expressão do comportamento). São também estes os fatores mais investigados nas avaliações psicológicas na área jurídica. Poderíamos acrescentar, ainda, segundo Papalia e Feldman (2013), o pensamento, o raciocínio, a inteligência, a motivação, a autoestima, a autoconfiança, a ansiedade, a agressividade, a sexualidade e a dinâmica familiar. Iniciaremos a abordagem da cognição humana pela percepção. Para Ey- senck e Keane (2017, p. 37) a “[...] percepção é a aquisição e o processamento da informação sensorial para ver, ouvir, provar ou sentir os objetos no mundo; também guia as ações de um organismo no que diz respeito a estes objetos”, em um entendimento da psicologia cognitiva mais voltada para o processamento da informação. A Gestalt fez uma importante contribuição para a psicologia com a des- coberta da influência da percepção no comportamento humano a partir dos estudos voltados para a relação entre o todo e a parte, revolucionando princí- pios fundamentais da ciência. Nesse ponto, o todo influencia a compreensão do objeto, demonstrando que o comportamento das pessoas é determinado por sua percepção da realidade e não da realidade em si, uma vez que duas pessoas olhando para o mesmo objeto ou para a mesma situação podem vê-los de diferentes formas. Disso decorre que a percepção é induzida por vários fatores que podem distorcê-la ou moldá-la; eles podem estarrelacionados a quem percebe, ao objeto percebido, a como ele é visto, ou à situação em que a percepção ocorre. Essa distorção, às vezes, pode ser patológica – como as ilusões ou alucinações, que são as distorções em seu nível extremo. 7Fatores determinantes do comportamento A memória tem sido estudada, pesquisada e investigada no campo das teorias do processamento de informação e da neurociência que tem como foco de estudo a aprendizagem (na resolução de problemas e no raciocínio). Para Reis (2014), a memória é uma das funções cognitivas mais imprescin- díveis e complexas do ser humano, por ser a base de toda a aprendizagem. Um dos mais importantes conceitos desenvolvidos pela teoria cognitiva é a subdivisão da memória em três processos (Figura 2): a codificação (per- cepção da informação), o armazenamento (manutenção desta informação) e a recuperação (recordação da informação previamente armazenada). A recuperação pode ser para uso imediato ou posterior, simultaneamente a mecanismos biológicos e psicológicos, com suporte externo diversificado e elementos culturais. A memória pode ser analisada pelos cientistas por meio de duas perspec- tivas: estrutural e processual. Na perspectiva estrutural, os componentes da memória são a memória de curto prazo (MCP) e a memória de longo prazo (MLP). A informação é, então, processada em cada componente, e os tipos de conhecimentos são armazenados. Já na perspectiva processual, a memória tem sido analisada em suas fases de codificação: retenção e recuperação de informação. As memórias não são armazenadas no cérebro de forma integral e, mesmo quando já definidas e estabelecidas, podem não ser permanentes. É o fenômeno do esquecimento, que é fisiológico e ocorre constantemente, debilitando o traço de memória que foi aprendido. Também existem os casos de amnésias e falsas memórias. Reis (2014, p. 50) faz a seguinte observação sobre a memória e sua complexidade: O cérebro é uma estrutura em permanente construção e a memória está, sem dúvida, entre as mais interessantes abordagens das neurociências. Assim, através das várias técnicas e conceitos neuropsicológicos, devemos não reduzir a memória a modelos sem referência a processos nervosos [...], assim como não devemos reduzi-la a fenômenos puramente celulares, sem referência a processos cognitivos ou comportamentais. Fatores determinantes do comportamento8 Figura 2. Segundo Feldman (2015, p. 205), os processos de codificação, armazenamento e recuperação podem ser pensados numa analogia aos computadores, na qual o teclado representaria o processo de codificação, o disco rígido seria o armazenamento, e o programa que acessa a informação para exibição na tela seria a recuperação. Fonte: Feldman (2015). Dois elementos da cognição humana de extrema complexidade são o pensamento e a linguagem. Vygotsky (2002) afirma que, nos primeiros anos do desenvolvimento da criança, há tanto um período pré-linguístico para a fala quanto um pré-intelectual para o pensamento. Assim, o pensamento e a fala não se encontram relacionados por uma conexão primária; a conexão entre eles é dinâmica, complexa e pode se desenvolver de diversas formas. A linguagem (verbal, gestual e escrita) é o mecanismo utilizado pelo ser humano para se relacionar com os outros, e é por meio dela que o ser humano aprende a pensar. A aptidão da fala pela criança é adquirida durante o seu desenvolvimento, sendo que, na sua evolução, o domínio das palavras, das frases e da gramática lhe possibilita uma comunicação cada vez mais apurada. É por meio de seus conhecimentos práticos, do seu fazer com os outros, que a criança adequa a sua fala ao ouvinte, envolvendo o aspecto social no desenvolvimento da linguagem. Um aspecto importante a ser sinalizado é que “[...] o desenvolvimento dos conceitos, ou dos significados das palavras, pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar” (VYGOTSKY, 2002, p. 112). A linguagem é o instrumento primordial para o psicólogo, pois a forma como as pessoas se comunicam envolverá a interação, os fatores sociais, culturais, afetivos e emocionais e o pensamento, que são os influenciadores principais do comportamento do indivíduo nas suas relações interpessoais. Na avaliação 9Fatores determinantes do comportamento psicológica e/ou neuropsicológica, os dados da linguagem podem ser coletados em observação direta, a partir de relatos do avaliado ou de familiares sobre habilidades ou inabilidade de comunicação, e por meio de testes padronizados (MIRANDA; SENRA, 2012). Outro fator que influencia significativamente o comportamento é a aprendizagem. O processo de aprendizagem é bastante complexo e pode ser desenvolvido a partir de diversas teorias e suas respectivas abordagens. O aprender está relacionado à ordenação e à reordenação de estruturas mentais e do meio ambiente. A teoria behaviorista abriu caminho para o desenvol- vimento do ensino programado, possibilitando o rápido aprendizado por meio de estímulos positivos, enfatizando o reforço, os feedbacks imediatos, os ambientes controlados por meio de simulações e o contato gradual com a disciplina a ser ministrada. A teoria cognitivista estabeleceu que o aprendizado é uma prática social, que perpassa o contexto da estruturação pedagógica e permeia o mundo social. Esta teoria enfatiza as questões de transformação sociocultural e as relações entre o mais experiente e o menos experiente no contexto de uma prática educacional mais eficiente. A aprendizagem realizada por meio da participação ativa e da colaboração são aspectos da prática social que envolvem a pessoa como um todo, propiciando não somente a interação em atividades específicas, mas também nas comunidades sociais (MIRANDA, 2009). As emoções auxiliam o ser humano a garantir a sobrevivência por meio do medo e da ousadia. A tomada de decisão é influenciada pelas emoções, que são uma parte indispensável da nossa vida racional. Assim, ao contrário do que propõe Descartes, e mesmo Kant, o raciocínio não pode ser realizado de forma pura, dissociada das emoções. Na verdade, são as emoções que permitem o equilíbrio das nossas decisões. Biologicamente, as emoções podem contribuir para a regulação dos mecanismos corporais; por exemplo, em uma fuga, as emoções podem direcionar o corpo a aumentar o fluxo sanguíneo nos membros inferiores. Se a emoção é uma resposta do corpo a um estímulo externo, o que são sentimentos? Sentimento pode ser a forma como o cérebro interpreta as emo- ções. É a experiência mental que será gerada após as reações do corpo a um incentivo externo. Essa distinção entre sentimento e emoção é defendida por Damásio (PIRES, 2017, documento on-line): [...] a emoção é um conjunto de todas as respostas motoras que o cérebro faz aparecer no corpo em resposta a algum evento. É um programa de movimen- Fatores determinantes do comportamento10 tos como a aceleração ou desaceleração do batimento do coração, tensão ou relaxamento dos músculos e assim por diante. Existe um programa para o medo, um para a raiva, outro para a compaixão, etc. Já o sentimento, é a forma como a mente vai interpretar todo esse conjunto de movimentos. Nesse caso, é a experiência mental. O autor complementa [...] alguns sentimentos não têm a ver com a emoção, mas sempre têm a ver com os movimentos do corpo. Por exemplo, quando você sente fome, isso é uma interpretação da mente de que o nível de glicose no sangue está baixando e você precisa se alimentar (PIRES, 2017, documento on-line). Esses fatores apresentados são significativos para a cognição humana – o processo que transforma o mundo em significados. Através da interação com o seu meio, o indivíduo capta o mundo (o cérebro percebe, aprende, recorda e pensa) e o converte para seu mundo interno. Assimilamos e processamos as informações que recebemos por meio de diferentes meios e processoscognitivos como a percepção, a memória, a linguagem, a aprendizagem e as emoções. Conforme Eysenck e Keane (2017, p. 1), “[...] a psicologia cognitiva investiga e pesquisa estes processos mentais para entender e compreender a cognição humana por meio da observação do comportamento das pessoas enquanto executam diversas tarefas cognitivas”. Relação entre o comportamento criminal e a psicopatia Ao pensarmos em comportamento criminal, a primeira imagem que nos vem à mente é a dos psicopatas que cometem crimes graves; porém, o compor- tamento psicopático é encontrado nas mais diversas situações do convívio em sociedade. Para os agentes forenses, principalmente os psicólogos, que se deparam diariamente com indivíduos com características psicopáticas, é fundamental o entendimento desse comportamento. A psicopatia não está listada oficialmente no DSM-IV (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais) e nem no CID-10 (Classificação Estatística Internacio- nal de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), que a reconhecem como um tipo de transtorno da personalidade antissocial (TPA), relativo a comportamentos objetivos (Figura 3). 11Fatores determinantes do comportamento Figura 3. Diagnóstico para o transtorno da personalidade antissocial, de acordo com o DSM-IV. Fonte: Huss (2010). Huss (2010, p. 89-95) aborda as escalas desenvolvidas por Robert Hare para medir a psicopatia: Robert Hare é frequentemente creditado como o responsável pela explosão das pesquisas durante as últimas décadas devido à sua criação da medida da psicopatia mais amplamente utilizada, o Psychopathy Checklist (PCL) e o atual Psychopathy Checklist-Revised (PCL-R), [...] frequentemente a medida padrão para avaliar a psicopatia [...]. [...] o PCL-R é, na verdade, uma lista de 20 sintomas, e requer o julgamento clínico de um especialista para pontuá- -lo por meio do exame de informações colaterais e de uma entrevista clínica estruturada, para fins clínicos e legais. Porém, o PCL-R não é válido para avaliar o risco de violência futuro. O PCL-R avalia as características listadas em duas categorias, denominadas fatores: o fator 1, relacionado ao comportamento interpessoal e à manifestação afetiva; e o fator 2, relacionado ao comportamento socialmente desviante/antissocial. Veja o quadro a seguir. Fatores determinantes do comportamento12 Fonte: adaptado de Huss (2010). Itens do PCL-R 1. Lábia/ charme superficial – Fator 1 2. Senso grandioso de autoestima – Fator 1 3. Mentira patológica – Fator 1 4. Ausência de remorso – Fator 1 5. Afeto superficial – Fator 1 6. Crueldade/falta de empatia – Fator 1 7. Comportamento sexual promíscuo – Fator 1 8. Falta de objetivos realistas de longo prazo – Fator 2 9. Impulsividade – Fator 2 10. Irresponsabilidade – Fator 2 11. Falha em aceitar responsabilidade pelas próprias ações – Fator 1 12. Versatilidade criminal – Fator 2 13. Necessidade de estimulação – Fator 2 14. Ludibriador/ manipulador – Fator 1 15. Estilo de vida parasita – Fator 1 16. Controle deficiente do comportamento – Fator 2 17. Problemas comportamentais precoces – Fator 2 18. Muitas relações conjugais de curta duração – Fator 2 19. Delinquência juvenil – Fator 2 20. Revogação da liberação condicional – Fator 2 Quadro 1. Itens do PCL-R Segundo Huss (2010, p. 95-96), [...] essas categorias de fatores de psicopatia não diferenciam os vários tipos de psicopatas; não existem psicopatas fator 1 e fator 2 [...] uma distinção comum entre diferentes tipos de psicopatia é a diferenciação entre psicopatia primária (prototípica – comete atos antissociais, é irresponsável, não tem empatia e é superficialmente charmoso devido a algum déficit inerente) e a psicopatia secundária (causada pela desvantagem social, inteligência baixa, ansiedade neurótica) [...] a principal diferença entre estas categorias é a presença de ansiedade no psicopata secundário, pois o psicopata secundário comete o comportamento antissocial a partir da impulsividade que é ocasionada pela ansiedade. A probabilidade maior de ocorrer violência por parte do psicopata é quando este está sob a influência de álcool ou drogas, por não conseguir manter o controle emocional. Os psicopatas apresentam déficits interpessoais e afe- 13Fatores determinantes do comportamento BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2001. EYSENCK, M. W.; KEANE, M. T. Manual de psicologia cognitiva. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. FELDMAN, R. S. Introdução à psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. HUSS, M. T. Psicologia forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Porto Alegre: Artmed, 2010. MIRANDA, G. L. Teorias da aprendizagem e aplicações educativas programáveis. In: MIRANDA, G. L. (Org.). Ensino online e aprendizagem multimédia. Lisboa: Relógio d’Água, 2009. p. 101-164. MIRANDA, J. B.; SENRA, L. X. Aquisição e desenvolvimento da linguagem: contribuições de Piaget, Vygotsky e Maturana. Psicologia, 2012. Disponível em: <http://www.psi- cologia.pt/artigos/textos/TL0306.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2018. PAPALIA, D. E.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013. PATTERSON, C. M.; NEWMAN, J. P. Reflectivity and learning from aversive events: toward a psychological mechanism for the syndromes of disinhibition. Psychological Review, v. 100, n. 4, p. 716-736, 1993. tivos que afetam a capacidade de interagir e manter relações, por isso não interagem a longo prazo com outras pessoas. Para camuflar e disfarçar estes déficits, o psicopata utiliza linguagem tecnicamente correta, no sentido literal, sem conseguir entender a importância emocional da palavra. Os indivíduos com psicopatia são incapazes de utilizar os significados semânticos. Eles podem, por exemplo, entender as definições do dicionário sobre desespero, excitação, medo e ansiedade, mas não possuem a vivência com essas emo- ções para entendê-las completamente; a raiva expressa pode ser considerada como uma pseudoemoção. Outros déficits apresentados pelos psicopatas são o cognitivo e o de aprendizagem. Conforme Patterson e Newman (1993), pesquisas verificaram uma limitação cognitiva em termos de aprendizagem bem específica, que é expressa por um problema com a aprendizagem pas- siva de evitação, isto é, a incapacidade de aprender com os comportamentos punitivos (HUSS, 2010). Fatores determinantes do comportamento14 PIRES, D. António Damásio: a diferença entre emoção e sentimento. YouTube, 26 fev. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2COAN5Y6S9U>. Acesso em: 13 mar. 2018. REIS, M. A. B. M. N. A memória do testemunho e a influência das emoções na recolha e preservação da prova. 2014. Tese (Doutorado) – Universidade de Lisboa, Lisboa, 2014. Disponível em: <http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/16155/1/ulsd070014_td_Ma- ria_Reis.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2018. SOARES, G. O. O comportamentalismo de Pavlov, Watson e Skinner. Psicologia da Edu- cação, 2013. Disponível em: <http://psicologiadaeducacao-portfolio.blogspot.com. br/2013/02/o-comportamentalismo-de-pavlov-watson-e.html>. Acesso em: 27 abr. 2018. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. Instituto Elo, 2002. Disponível em: <http:// www.institutoelo.org.br/site/files/publications/5157a7235ffccfd9ca905e359020c413. pdf>. Acesso em: 12 mar. 2018. Leituras recomendadas DAINEZ, D.; SMOLKA, A. L. B. O conceito de compensação no diálogo de Vigotski com Adler: desenvolvimento humano, educação e deficiência. Educação e Pesquisa, v. 40, n. 4, out./dez. 2014. DAMÁSIO, A. R. O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. SERBENA, C. A. Considerações sobre o inconsciente: mito, símbolo e arquétipo na psicologia analítica. Revista da Abordagem Gestáltica, v. 16, n. 1, p. 76-82, jan.-jul. 2010. Disponível em: <http://www.redalyc.org/html/3577/357735613010/>.Acesso em: 13 mar. 2018. 15Fatores determinantes do comportamento Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo:
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