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Pó s- gr ad ua çã o em E du ca çã o DEFICIÊNCIA AUDITIVA/SURDEZ: FUNDAMENTOS E ADEQUAÇÕES METODOLÓGICAS E CURRICULARES Silvana Elisa de Morais Schubert Wladia Felix Espírito Santo Diretores Diretoria Executiva Luiz Borges da Silveira Filho Diretoria Operacional Marcelo Antonio Aguilar Diretoria Acadêmica Francisco Carlos Sardo Editora Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Projeto Gráfico Evelyn Caroline dos Santos Betim Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. Silvana Elisa de Morais Schubert1 Wladia Felix Espírito Santo2 RESUMO O presente trabalho aborda a questão do ensino-aprendizagem para estudantes surdos. Trata do modo como professores podem adaptar materiais e trabalhar com surdos em sala de aula, valorizando a proposta bilíngue de ensino para além de uma compreensão desta unicamente como uso de duas línguas ou modalidades linguísticas no ambiente de aprendizagem. Embora traga inúmeras ideias, a pesquisa não aborda mediações fechadas em si, mas apresenta materiais e estratégias produzidos por professores, em atividades e intervenções reais, elaborações para estudantes no processo de aprendizes de L2 (segunda língua), e muitas vezes, ainda em apropriação de L1 (primeira língua). Não pode ser entendido como um trabalho de propriedade linguística, nem se intentou fazê- -lo, pois somos autores e atores da sala de aula, que têm uma atuação direta com o ensino, portanto, aborda-se o processo de planejamento e organização do ambiente educacional como espaço de ensino-aprendizagem para a emancipação humana. As estratégias apresentadas são experiências de sala de aula, podendo servir de norte para elaboração de mais profundas e organizadas ideias. Convidamos os professores a participarem dessa construção teórico-prática e a contribuir com elaborações ainda mais significativas. Nosso intento é auxiliar, abordando temas referentes a materiais e contribuir com a formação continuada de professores que compreendam que o homem é capaz de transformar e superar a si mesmo por intermédio da educação. Palavras-chave: Surdo. Libras. Intervenções Pedagógicas. Adaptações Curriculares. Bilinguismo. 1 Doutoranda e Mestra em educação pela Universidade Tuiuti do Paraná, Especialista em Educação Especial, Educação Infantil e Educação Bilíngue para Surdos: Libras/ Língua Portuguesa, graduada em Pedagogia-Orientação. Intérprete de Libras e Professora da Educação Especial. 2 Especialista em Educação Especial-Gestão Pedagógica e Políticas para uma educação inclusiva e em Educação Bilíngue para surdos: Libras/Língua Portuguesa; Graduada em Fonoaudiologia e Letras/ Português. Intérprete de Libras na FAEL e professora na Escola Bilíngue para Surdos no Estado do Paraná e na prefeitura do município de Araucária/PR. Deficiência Auditiva/Surdez: Fundamentos e Adequações Metodológicas e Curriculares Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 4 INTRODUÇÃO A educação para surdos vem sendo apresentada ao longo dos anos por meio de diferentes abordagens, filosofias, metodologias e compreensões a respeito do sujeito com surdez. Durante a antiguidade, as pessoas com deficiência eram entendidas como seres castiga- dos pelos deuses, portanto, era comum a prática do extermínio, não somente de surdos, mas de toda pes- soa considerada imperfeita ou deficiente. Por isso, até o século XV, não se pensava os sujeitos surdos como capazes de aprender ou com algum direito à cidada- nia. No século XVI, o médico e matemático Girolamo Cardano, por meio de pesquisas, passa a destacar que os surdos teriam condições para a aprendizagem, que- brando o mito de que eram ineducáveis. Os estudos desenvolvidos por Cardano apontam para o marco histórico, mas também, para que possamos compreen- der a relação de poderes e saberes que engendram todo modelo educacional. Ainda que intentemos abordar com maior profundidade a questão educacional do surdo durante diferentes períodos históricos, aqui des- tacamos que a história sobre a surdez, na maior parte do tempo foi narrada a partir de construções de perso- nalidades ouvintes, portanto, com interesses subordi- nados ao que Skliar (2005), chama de práticas ouvin- tistas3. No decorrer dos séculos, passamos pelos mais diversos modos de olhar e narrar a surdez e a educação de surdos, pela oralização, medicalização, imposições de tecnologias, do reconhecimento da língua de sinais e da ascensão dos surdos socialmente. Mas de que modo essa história foi e vem sendo escrita? 1 HISTÓRIA: CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE SURDA EM ESPAÇOS COMPARTILHADOS Schubert (2012), em suas pesquisas, destaca que os surdos, como sujeitos incapazes de ouvir, eram considerados estúpidos ou mudos, nem mesmo eram compreendidos como cidadãos. Mesmo no ambiente familiar, ficavam confinados ao uso de poucos gestos isolados e rudimentares. Privados de instrução, na maioria das vezes, eram forçados a fazer trabalhos ser- vis, levando uma vida miserável, de exclusão e margi- nalização social. Apenas com os estudos de Cardano4, 3 Termo utilizado por Carlos Skliar, para o processo pelo qual o surdo é obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte. Imposições da sociedade não-surda, sobre o sujeito surdo, uma prática sobretudo de normalização. 4 Cardano (médico e matemático) teve uma história de vida extremamente com- plexa, mas ao ter seu primeiro filho com perda auditiva, dedicou-se a um novo conceito de surdez. No início de sua pesquisa, classificou a deficiência por níveis, a história começa a modificar-se paulatinamente, mas pouco ultrapassou a ideia do sujeito deficiente, embora os movimentos surdos e a produção intensa de surdos especialistas, mestres e doutores venham mostrando a capacidade surda para modificação da visão social sobre os sujeitos. Com a comprovação da capacidade para a apren- dizagem, no século XVI, Cardano apresenta uma nova compreensão do sujeito. No entanto, Strobel (2008), aponta que a intenção do médico italiano era a de garantir que seu filho primogênito, que houvera nascido com surdez, tivesse direito à herança fami- liar. A história não apresenta com clareza esse fator, mas trata-se de um inegável marco para a cidadania dessas pessoas. É importante compreender que entre os séculos XVI e XVIII, o colégio era considerado um instru- mento da obra religiosa, suporte da fé, como destacam Aranha (2006) e Stephanou (2004, p.84). A confissão dos fiéis era de extrema importância para a vida social e a pauta da ação educativa eram os bons costumes; a escola respeitava os interesses da igreja e esses eram compreendidos como interesses de toda a sociedade. Strobel (2008), nos instiga a refletir os folclores na educação de surdos, já que Cardano realmente teria na família um caso de surdez negada (seu primeiro filho), independente disso o médico foi apontado como um dos primeiros educadores de surdos, como ressalta Schubert (2015, p.96), Cardano abriu possibilidades de educação para os surdos, desenvolveu investigações para verificar o aproveitamento da condutibilidade óssea e através dos estudos afirmou publicamente que os surdos eram capazes de adquirir conhecimento atra- vés da escrita, considerava que a escrita poderia repre- sentar os sons da fala, ideias e pensamentos. Assim, a surdez já não poderia ser vista como empecilho para segundo destaca Soares (1999) e Schubert (2015). Posteriormente, identificou nos surdos possibilidades de aprendizagem, mas nunca escreveu nada a respeito do que deveriam aprender de fato, nem como deveriam ser ensinados, se propondo apenas a estudar as suas próprias classificações: os que nasceram surdos; os que adquiriram a surdez após aprenderem a falar (pós-lingual); os que adquiriram antes de aprender a falar (surdez pré-lingual) e os que adquiriram a condição após apren- derem a falar e escrever. Combase nisso, estabeleceu categorizações por meio do nível de aprendizagem apresentada. A partir dos resultados, afirmou que a surdez não era fator impeditivo da aprendizagem, pois de nada interferia na inteligência. No âmbito educacional, esclareceu que os surdos poderiam aprender a desenvolver a leitura e escrita. Cardano apresentou notável dedicação e influência clínica, tanto que até hoje os níveis ou graus são utilizados para referenciar e classificar a surdez em: leve, moderada, severa e profunda. No entanto, queremos esclarecer que na educação, o nível de surdez que o estudante apresenta não deve interferir no modo de compreender o sujeito. Como surdo, ele precisa do interesse quanto as suas singularidades para a organização das ações educacionais. Sendo assim, faz-se necessária a compreensão das características gerais dos surdos, assunto que será tratado posteriormente. 5Faculdade Educacional da Lapa - FAEL Deficiência Auditiva/Surdez: Fundamentos e Adequações Metodológicas e Curriculares aquisição da aprendizagem e nem levaria Cardano a exclusão social5. Ainda no século XVI, outro importante persona- gem é o monge beneditino espanhol, Pedro Ponce de León, que trabalhou com os surdos nobres em Oña, pelo regime de preceptorado. O primeiro professor de surdos, Sacks (1990), destaca que os filhos de nobres e ricos eram ensinados a ler e escrever a fim de receber heranças. Guarinello (2007, p.21), destaca que não se tem muitas informações sobre o método que Ponce utilizava. Sabe-se, porém, que empregava uma forma de alfabeto manual, no qual cada letra correspondia a uma configuração de mão, tal qual utilizamos na atua- lidade, embora não seja o mesmo alfabeto. O objetivo de Ponce de León era ensinar seus alunos a falar e, para isso, fazia uso dos sentidos, como o tato e a visão. Além da leitura e escrita, seu método teve sucessores, mas, no momento, não nos deteremos a apontá-los, apenas destacaremos Juan Pablo Bonet, que ficou conhecido como um dos precursores do oralismo. Em 1620, publicou o livro que trata da invenção do alfa- beto digital6 para ensinar a falar por meio da leitura do alfabeto manual e da gramática, e também a mani- pular os órgãos fonoarticulatórios. Bonet acreditava que os surdos deveriam primeiro dominar a leitura, a escrita e o alfabeto manual e só depois, estariam pron- tos para falar. Na segunda metade do século XVII, George Dal- garno7, um professor de gramática, escocês, declarou que o surdo tem o mesmo potencial que o ouvinte nas questões de aprendizagem, e que uma educação adequada possibilitaria que atingisse iguais níveis de desenvolvimento. Dalgarno apontou que as crianças com perda de audição deveriam ser expostas precoce- mente a datilologia, para que desenvolvessem a lingua- gem de maneira similar a das crianças ouvintes. Em XVIII, conhecido como o século das luzes, havia grande preocupação em difundir-se o conheci- mento, as luzes e as pessoas. Guarinello (2007, p.23), destaca ue, por volta de 1704, o alemão Wilhelm Keger defendeu a educação obrigatória para os sur- dos, por meio da escrita, fala e gestos, durante as aulas, 5 Época em que a comprovação de deficiência na família levava a exclusão social por se pensar a deficiência enquanto fator hereditário. 6 Destaca-se que o alfabeto manual já era utilizado para o ensino por Pedro Ponce de León. 7 George Dalgarno (1626 – 1687) declarou que os surdos tinham o mesmo potencial que os ouvintes para aprender, e, para que isso acontecesse, precisavam receber uma educação adequada às suas potencialidades. Em 1680, o educador Dalgarno descreveu um sistema do alfabeto manual para que os surdos fossem ensinados, denominado sistema de datilologia, no qual as letras eram apresentadas com as mãos. para ensiná-los. Já o espanhol Jacob Rodrigues Pereire, seguidor de Bonet, priorizava a linguagem oral e proi- bia os gestos. Mesmo sendo fluente na língua de sinais, Pereire utilizava a oralidade para dar instruções, expli- cações lexicais e praticar a conversação. Seu objetivo era tal qual o do mestre Bonet: a comunicação oral e a aquisição da escrita. No mesmo século, Schubert (2015), Sacks (1990), Lane (1992) e Strobel (2009) esclarecem que registros históricos indicam a França como o berço da educação institucional e pública de pessoas surdas. Como não havia antecedentes da lín- gua de sinais, o abade francês Charles Michel de L’Epée (1712-1789), precisou buscar meios para entendê-la: organizou um método, a partir da língua de sinais, que aprendeu com os surdos, conhecido como sinais metódicos. Seu método teve grande relevância por conside- rar, pela primeira vez, que o surdo tinha uma língua própria e, por meio dela, poderia aprender a desen- volver-se. Com essa técnica, os surdos foram capazes de ler e escrever, enfim, de serem instruídos. Após a comprovação do sucesso de seu método, L’Epée fun- dou, em 1760, a primeira escola pública para surdos: o Instituto Para Jovens Surdos e Mudos de Paris, onde todos os surdos, independente do nível social, tinham direito à educação. Strobel (2009, p. 22), revela que todo trabalho do abade com os surdos dependia dos recursos financeiros de suas famílias e da ajuda carita- tiva da sociedade. Guarinello (2007, p.24-25) apresenta Samuel Heinicke como fundador, na Alemanha, da primeira escola pública para surdos, baseada no método oral. Heinicke levantou críticas ao método criado e uti- lizado por L’Epée, no entanto, seu julgamento foi controverso, visto que o abade L’Epée apresentava o sucesso de sua técnica em praça pública, nos idiomas latim, francês e italiano. Seus alunos deveriam ser capazes de responder a 200 perguntas sobre religião e sinalizar 200 verbos, enquanto Heinicke mantinha seus métodos em segredo. Heinicke e L’Epée, chega- ram a trocar algumas correspondências em defesa das ideias que colocavam em prática para o ensino. Em 1872, Heinicke enviou uma carta para L’Epée, com a seguinte afirmação: “Nenhum outro método pode ser comparado ao que eu inventei e pratico, porque esse se baseia totalmente na articulação da linguagem oral” (SKLIAR, 1997, P.30). Trata-se do início da polêmica entre os sistemas que iremos conhecer: o oralismo e a língua de sinais, ressaltando o fato de que esse debate persiste até os dias atuais. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 6 No século XVIII houve um significativo aumento de instituições para pessoas com perda auditiva; a for- mação de professores de surdos e professores surdos, e a ascensão política e social dos surdos por meio da lín- gua de sinais. No entanto, as imposições oralistas que também ascendiam, aos poucos faziam seu trabalho, começando o período de subordinação dos surdos a recursos da língua majoritária dos ouvintes e a desa- provação sistemática da língua de sinais nas escolas. L’Epée, morre em 1789, deixando como legado a fundação de vinte e uma escolas para surdos, na França e na Europa. No século XIX, os métodos de aprendizagem não se restringiam apenas aos educadores. O médico fran- cês Jean Marc Gaspard Itard, ficou conhecido pelo tra- balho desenvolvido com o garoto selvagem Victor de Aveyron8, pelos seus métodos de educação, pela fala e 8 Trata-se de um dos casos mais conhecidos de seres humanos criados em ambiente selvagem. Victor foi provavelmente abandonado na floresta entre seus 4 ou 5 anos, sendo objeto de estudo e curiosidade, alvo de debates, principalmente na França, onde foi encontrado. A história oficial data de 1797, quando foi visto pela primeira vez, na floresta de Lacaune, em um moinho localizado em Saint- Sernein, distrito de Aveyron. Estava praticamente nu (restos de uma camisa velha cobriam uma parte mínima de seu corpo) e fugia do contato com as pessoas. Tinha aproximadamente 12 anos de idade, media 1,36 m, sua pele era branca e fina, olhos negros e fundos, rosto redondo, cabelos castanhos e nariz comprido e fino. Sorria involuntariamente e seu corpo estava coberto de cicatrizes.Não pronunciava nem entendia as palavras, não fazia mais do que emitir grunhidos e sons estranhos, não reagia às interpelações nem a fortes ruídos, cheirava tudo que levava às mãos. Sua locomoção era mais próxima do galope, andando também de quatro, quando alcançava grande velocidade. Era período de inverno na Europa, mas Victor rejeitava roupas e não dormia na cama, ajeitava-se no chão dispensando o uso de colchão. Tentava fugir apoiado nas mãos e nos pés, como fazem os animais quadrúpedes. Ao ser capturado definitivamente, foi levado para o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, instituição criada pelo Abbé-de-l’Epée (1712 -1789) e dirigida, na ocasião, por Sicard (1742-1822). Médicos, como os franceses Esquirol (1772-1840) e Pinel (1745-1826), diagnosticaram Victor como um idiota. Sicard tentou, sem sucesso, ensiná-lo no início da sua chegada ao Instituto, com métodos para surdos-mu- dos(terminologia utilizada na época), inclusive por meio da língua de sinais, mas acabou concordando com Pinel que ele era um idiota (ou deficiente mental). O médico psiquiatra Jean Marc Gaspard Itard, que era diretor de um instituto de sur- dos-mudos, não compartilhava da opinião dos colegas e acreditava que a situação de completo abandono e afastamento da civilização explicava o comportamento diferente do menino, contrapondo-se ao diagnóstico de deficiência mental. Em seu livro “A educação de um homem selvagem”, o qual foi publicado em 1801, Itard apresenta seu trabalho com o menino selvagem de Aveyron, descrevendo as etapas de sua educação. Cinco anos após o início do acompanhamento, Aveyron já fabri- cava pequenos objetos e podava plantas. Itard reforçou sua tese de que os hábitos selvagens e a aparente deficiência mental eram resultado da ausência da vida e sociedade, junto aos seus “iguais”. Após alguns anos de trabalho, o psiquiatra diz que a maior parte das deficiências intelectuais e sociais têm sua origem na ausência da socialização e da comunicação. Aproximando-se da visão sociológica dos fatos, o pesquisador concluiu que o isolamento prejudica a sociabilidade do indivíduo (base da vida em sociedade). No entanto, há que se destacar que Victor não desenvolveu adequadamente a linguagem, com o passar do tempo, e o limitado sucesso do trat- amento realizado por Itard, fez o médico abandonar seu objeto de pesquisa, embora não totalmente, pois Victor passou a ser custeado pelo governo. Destacamos que já em 1806, o médico havia demonstrado, em um de seus relatórios, seu desinter- esse pelo caso de Victor, que servia de motivo de graça para outras pessoas. Aos vinte anos, Victor passa a morar com sua governanta (Madame Guérin), numa casa próxima do Instituto, falecendo em 1828, com aproximadamente quarenta anos. restauração da audição. Embora Itard seja conhecido na literatura como uma personalidade importante na área clínica, retomamos que a história foi escrita pelo viés do ouvinte. Quando voltamos nosso olhar e aten- ção para a compreensão e análise dos surdos, Itard é visto como um carrasco, como pontua Lane (1992), já que suas experiências eram invasivas, praticava pro- cedimentos como: descarga elétrica nos ouvidos dos surdos; sanguessugas no pescoço dos surdos para que o sangramento ajudasse de alguma forma e cortes na tuba auditiva de crianças surdas. Após várias tentati- vas sem sucesso, concluiu que o ouvido do surdo se tratava de um órgão morto e a medicina nada poderia fazer por eles. Importa ressaltar que, nos Estados Unidos, até o século XVIII, não havia escolas para surdos e os filhos dos nobres eram mandados para estudar na Europa. Thomas Hopkins Gallaudet, em 1815, ao trabalhar como tutor de uma vizinha surda, passou a usar o livro de Sicard (sucessor de L’Epée no Instituto de Surdos em Paris). A história de Gallaudet e a menina surda, cha- mada Alice Gogswell, é voltada ao romance9, quando Itard passa a dedicar-se à educação de surdos por quase quatro décadas, como um defensor do oralismo. Victor influenciou sobremaneira as pesquisas de Itard sobre a educação de surdos. O psiquiatra ainda é conhecido no campo de Otorrinolaringo- logia. Disponível em: < http://www.leonarde.pro.br/victoroselvagem.pdf > Acesso em 30 de set. 2015. Em: < https://www.fe.unicamp.br/br2000/trabs/1750.doc >. Acesso em 30 de set. 2015 e em: < http://www.sapientia.pucsp.br/tde_arqui- vos/3/TDE-2007-05-28T11:49:18Z-3326/Publico/Aliciene%20F%20M%20 Cordeiro.pdf > Acesso em 30 de set. 2015. 9 Alice Cogswell nasceu em 21 de agosto de 1805 em Connecticut. É um dos símbolos mais importantes da história Surdos. A menina perdeu a audição aos dois anos devido a uma doença (escarlatina). Era uma menina muito inteligente e gostava de costurar e dançar. Tinha irmãos e irmãs, mas vivia sozinha sem que ninguém se comunicasse com ela. Seu pai foi o Dr. Mason Cogswell, conhecido como o primeiro cirurgião nos Estados Unidos a remover uma catarata dos olhos de alguém. A lenda conta que quando Alice tinha 9 anos, conheceu um homem que mudaria tudo. Ele era vizinho de Alice e seu nome era Thomas Hopkins Gal- laudet. Quando Alice sentou-se do lado de fora da casa, apenas observava outras crianças brincando no jardim e Gallaudet ficou observando-a sozinha pois ninguém se relacionava com ela porque ela era surda. Ele saiu de sua casa, foi até o jardim e perguntou o nome da menina e por que ela não brincava com as demais crianças e Alice lhe disse seu nome e que não podia ouvir, Gallaudet ficou comovido, brincou com ela e buscava animá-la, desenharam juntos, escreveram no chão, então Gallau- det também expressou ao pai de Alice que queria ensiná-la, pois percebera que a menina era muito inteligente. Levou muitos anos para Alice aprender a ler e escre- ver. Alice foi o primeiro aluno surdo que Gallaudet ensinou. Quando Gallaudet estava na Europa, Alice estava aprendendo e praticando leitura e escrita, ela aprendeu a ler e escrever tão bem que foi capaz de ir para uma escola normal. Alice foi uma das melhores alunas, escreveu muitos artigos sobre temas religiosos, sua comunicação e relacionamento com outras pessoas melhorou significativamente com outras pes- soas surdas e seus professores, era fascinado pela música pois gostava de dançar . Formou-se em 1824. Depois de se formar, viajou para muitos lugares. Seu pai faleceu quando Alice estava com 25 anos e depois da morte de seu pai, Alice sofria de delírios e veio a falecer 20 dias após a morte de seu pai. Será lembrada pelas gerações como a menina surda que brincava solitária no jardim e ao ser observada, o homem que a observava ficou comovido e ofereceu-se para ajudar, vale lembrar que recebeu um financiamento do pai renomado de Alice para viagens e ainda abriu a primeira escola para surdos também com financiamento do pai de Alice e posteriormente seu filho segue seu legado com a Universidade Gallaudet para 7Faculdade Educacional da Lapa - FAEL Deficiência Auditiva/Surdez: Fundamentos e Adequações Metodológicas e Curriculares na verdade, Gallaudet, foi custeado para que fosse aprender métodos de ensino para surdos fora do seu país, para então ensinar Alice. Seu objetivo era fundar uma escola para surdos na América. Na Inglaterra, não conseguiu acesso aos métodos, pois eram mantidos em sigilo, sendo apenas informado de que o método era oralista. Já na França, as técnicas eram publicamente divulgadas. Como houve acolhimento, Gallaudet aca- bou por aprender e desenvolver o método utilizado por Sicard, fazendo uso da Língua de Sinais, sob ins- trução de Laurente Clerc. Clerc seguiu com Gallaudet para os Estados Uni- dos. Strobel (2009, p.23-24) revela que a viagem de volta dos Estados Unidos teve duração de cinquenta e dois dias. Durante o trajeto, Clerc ensinou a Gallaudet a língua de sinais francesa e aprendeu com ele a língua inglesa. Em 15 de abril de 1817, fundaram a primeira escola pública para surdos no país. Na instituição, os professores aprendiam primeiro a língua de sinais fran-cesa, que foi paulatinamente sendo organizada segundo a cultura do país e, modificando-se, deu origem à lín- gua de sinais americana, também chamada ASL (Ame- rican Sign Language). Os professores possuíam fluência em língua de sinais e muitos deles também eram sur- dos. Em 1821, todas as escolas americanas passaram a fazer uso da ASL, elevando significativamente o nível de escolaridade dos surdos. Em 1894, uma escola para surdos, em Washington, foi transformada no Colégio Gallaudet, em homenagem a Thomas. Posteriormente, essa escola passou a ser conhecida como Universidade Gallaudet (Guarinello, 2007). Clerc é uma referência, pois já naquela época, afirmava que o bilinguismo deveria ser o objetivo dos surdos. Porém, após a sua morte, em 1869, muitos profissionais começam a colocar em dúvida o sucesso do método por meio da língua de sinais, descons- truindo o trabalho de um século. A história começa a se modificar, a partir de 1860, segundo Guarinello (2007, p.27), quando o método oral começa a ganhar força, principalmente por causa dos avanços tecnoló- gicos, fator que corrobora junto a morte de Clerc. A partir disso, inicia-se o debate sobre a eficácia da lín- gua de sinais, principalmente, se o seu auxílio era pre- judicial à aprendizagem e desenvolvimento do surdo. Strobel (2009), ressalta que, em 1846, o escocês Alexander Melville Bell, (pai de Alexander Grahan surdos. Na Escola Americana de Surdos há uma estátua de Alice e seu professor Thomas Gallaudet. Informações disponíveis em: < http://www.gallaudet.edu/dpn- home/thomas-hopkins-gallaudet.html > e < http://www.start-american-sign-lan- guage.com/alice-cogswell.html > Acesso em 30 de set. 2015 Bell), professor de surdos, inventou um código de símbolos conhecido como “fala visível”, que se base- ava no uso de desenhos e treinos orofaciais para que os surdos pudessem repetir movimentos e sons indi- cados nas gravuras e nas orientações do professor. Já Grahan Bell, foi o mais importante representante do oralismo no século XIX, e uma personalidade desta- cada pela surdez negada. Isso porque o célebre inven- tor do telefone, tinha na família esposa e mãe surdas. Segundo Guarinello (2007, p.27), Bell temia que a comunicação gestual usada pelos surdos os isolassem em pequenos grupos, permitindo que os mesmos adquirissem muito poder. Assim com a desculpa de que intencionava inserir os surdos na sociedade majo- ritária ouvinte, obrigava-os a aprender pela fala. Bell era apontado pela Associação Nacional de Surdos da América como um temido inimigo. A influência de Grahan Bell favoreceu a escolha pelo oralismo como o melhor método para a educação de surdos. Isso se deu em 1880, em Milão, no II Con- gresso Internacional sobre Instrução de Surdos. Neste, a representatividade era de ouvintes, ou seja, a entrada de surdos não era permitida. Houve assembleia geral, mas os professores surdos não tiveram direito ao voto e nem decisão sobre o rumo da própria história. Schu- bert (2015, p.111), aponta, em suas pesquisas, que o congresso celebrou a vitória do oralismo: apenas cinco representantes dos Estados Unidos votaram contra o oralismo puro. O interesse era a manutenção do poder de comunicação por meio da língua falada, limitando e proibindo aos surdos o uso de sua língua. Lane (1992), Sacks (1990) e Strobel (2008), desta- cam que muitos professores surdos foram expulsos das escolas e dos cargos que ocupavam. A língua de sinais passou a ser proibida nas instituições e migrou-se para um modelo de reabilitação da fala, de prática terapêutica, ou seja, de medicalização da surdez, onde a real aprendi- zagem e escolarização ficaram delegadas a segundo plano. Esse fato ocasionou o insucesso escolar dos surdos, oprimidos e reprimidos pelo sistema vigente, excluí- dos do processo de ensino. Schubert (2015), Sánchez (1990), Skliar (1997), Quadros (2006), apontam que o Congresso de Milão contribuiu para o retrocesso e exclusão, devolvendo ao surdo o estereótipo de defi- ciente, objeto de curiosidade e pesquisa científica, por- tador de anomalias; patologia sujeita a tratamento e tentativas de cura. Apenas em 1960, Willian Stokoe comprovou que as línguas de sinais têm gramática própria e atingem os mesmos níveis que as línguas orais, o que daremos maior destaque ao falar das abor- Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 8 dagens, filosofias ou metodologias que envolveram a educação dos surdos. 2 ENQUANTO NO BRASIL No Brasil, a educação de surdos teve seu início no século XIX. É importante salientar que, embora na França, a primeira escola pública para surdos tenha sido fundada em 1760, pelo trabalho de L’Epée, nesse tempo, o Brasil ainda não tinha uma educação institu- cionalizada e forte. Segundo Schubert (2015, p.100), no Brasil, no período de 1540 a 1759, a vivência religiosa e educa- tiva estava sob os cuidados dos jesuítas, com intenções de divulgarem a fé numa sociedade monárquica. Paiva (2004) destaca que o clero pensou na organização do ensino que mais interessava à República, surgindo assim, as escolas e o ensino/aprendizagem formal com conhecimentos necessários para o novo modo de ser da sociedade. O maior objetivo era ensinar bons cos- tumes e a fé católica e não ler e escrever. Nesse pano- rama, os jesuítas trouxeram para viver no meio dos indígenas e filhos de colonos, as crianças órfãs de Lis- boa, mas isso se deu enquanto estratégia de catequiza- ção. A educação de surdos e demais deficientes ainda não era foco de debates no Brasil, mas já alcançava os marginalizados na França, pelo trabalho de L’Epée. Os séculos XIX e XX, foram marcantes na histó- ria dos surdos e da própria modificação social, onde a luta pela universalização do ensino básico já atingia seus objetivos nos países desenvolvidos. Quando a família real chegou ao Brasil, existiam aulas régias10, que segundo Stephanou e Bastos (2005): 10 As aulas régias compreendiam o estudo das humanidades, sendo perten- centes ao Estado e não mais restritas à Igreja, sendo a primeira forma do sistema de ensino público no Brasil. Apesar da novidade imposta pela Reforma de Estudos realizada pelo Marquês de Pombal, em 1759, o Brasil teve seu primeiro concurso para professor somente em 1760 e as primeiras aulas efetivamente implantadas em 1774, de Filosofia Racional e Moral. Em 1772 foi criado o chamado Subsídio Literário, que tratava-se de um imposto que incidia sobre a produção do vinho e da carne. Esse imposto deveria ser destinado à manutenção dessas aulas régias, ou aulas isoladas. Esse sistema de Aulas Régias pouco auterou, na prática a reali- dade educacional do Brasil, nem ampliou a oferta de educação escolar, mas con- tinuou restrita a poucos e elitizados cidadãos das elites locais. O rei é que nomeava professores e criava as aulas isoladas, e os professores ficavam por vezes, mais de um ano arcando com as despesas e manutenção das aulas e sem receber salário. Segundo Azevedo (1943, p. 315), a permanência praticamente inalterada do sistema das Aulas Régias no Brasil da virada do século XVIII para o seguinte, estendendo-se ainda durante o primeiro reinado, deveu-se à continuidade dos modelos de pensamento em nossa elite cultural. Houve um descompasso entre o pretendido pelo governo monárquico após a independência e as condições sociais e econômicas reais do país que vivia dentro de um modelo produtivo excludente, escravista e com uma mentalidade elitista. (CARDOSO, 2004, p. 190). Informações também disponíveis em: < http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/ verb_c_aulas_regias.htm > . Acesso em jul.2015. As Aulas Régias abrangeram um período importante, durante o qual a política do reformismo ilus- trado se firmou em Portugual. [...] A alteração do sistema caracterís- tico do ensino público, implan- tado com as Aulas Régias, ocor- reu em 1834 com a Lei de 12 de agosto, que substituiu por outro sistema de ensino, caracterizado pela descentralização, uma vez que tanto o ensinofundamental de ler, escrever e contar, quanto o ensino médio das humanidades ficaram a cargo das Assembleias Legislativas provinciais. Dessa forma, o poder central limitava-se a promover a educação no Município Neutro e a educação superior [...] escola era uma unidade de ensino com um professor e o termo escola era utilizado com o mesmo sentido de cadeira, ou seja, uma Aula Régia de Gramática Latina, ou uma Aula de Primeiras Letras, correspondia cada uma, a uma cadeira específica, o que representava uma unidade escolar, uma escola. Cada aluno frequentava as Aulas que quisesse, não havendo articulação entre as mesmas. De modo geral, chama- vam-se mestres aos que ensinavam as primeiras letras e professores aos de todas as demais cadeiras. As aulas eram dadas na casa do próprio professor e apenas eventu- almente aproveitou-se um prédio anteriormente ocupado pelos jesuí- tas ou outro tipo de convento, para local de ensino. (2005, p.187-188) Como podemos observar, era uma época onde não era necessário haver um prédio para que a escola existisse. Apenas na década de 1870 os primeiros prédios escola- res foram construídos para funcionarem como escolas públicas no país. Aranha (2006, p.208-221) explica que o fato de existir no Brasil apenas Aulas Régias é que obrigou o rei a criar escolas, sobretudo superiores, a fim de atender às necessidades do momento histórico. Apenas em 1855, o Brasil dá início efetivamente ao ensino de surdos. Conforme publicação do INES, Eduard Huet11 um professor surdo, francês, veio ao Brasil a convite de D. Pedro II, para fundar uma 11 Em algumas literaturas encontramos o nome desse professor surdo como Ernest Huet, pois durante muito tempo deduziu-se que pela assinatura que deixou em documentos apenas com a inicial do primeiro nome e seu sobrenome, esse fosse o nome dele, no entanto, após pesquisas a respeito, encontrou-se no México para onde Huet havia se mudado, o nome inicial dele como Edward, ou Eduardo. 9Faculdade Educacional da Lapa - FAEL Deficiência Auditiva/Surdez: Fundamentos e Adequações Metodológicas e Curriculares escola para surdos. Tudo indica que D. Pedro II o trouxe com interesses políticos e pessoais. Segundo Strobel (2008), o Imperador tinha na família um caso de surdez negada: seu genro Conde D’Eu, marido de sua segunda filha, a princesa Isabel, era parcialmente surdo. Intentava-se a partir da educação a aceitação social, cidadania, permanência do poder e da manu- tenção da herança no seio familiar, numa terra de cultura eugenista, mas onde os que detinham o poder influenciavam na manutenção do controle social. Eduard Huet chegou ao Brasil em 1855 e conse- guiu funcionamento provisório do INES, que no iní- cio, teve nome de Instituto Imperial dos Surdos-Mu- dos. Huet utilizava a língua de sinais e a ofertava aos surdos, no entanto, no ano de 1915, o INES, seguindo a tendência mundial, acabou por adotar o método oral para o ensino. Guarinello (idem, p. 34), ressalta que quando foi adotado o método oral pelo INES, houve baixa significativa do aproveitamento dos alunos. Por esse motivo, o método passou a ser indicado apenas para as crianças que poderiam se beneficiar da fala. Mas isso não durou muito tempo, pois em 1957, Ana Rimola de Faria, então diretora do INES, proibiu ofi- cialmente a língua de sinais em sala de aula, mas não conseguiu impedir que na comunicação cotidiana, em horários de intervalos e fora do ambiente de sala de aula, os alunos se comunicassem por meio dos sinais. Até aqui, fizemos uma mescla de tudo o que os surdos passaram, com ênfase em acontecimento rele- vantes, como o reconhecimento de que a surdez não seria fator impeditivo na aprendizagem do surdo; a abordagem histórica do assunto na Alemanha, França e nos Estados Unidos; a importância da linguagem nos debates clínicos e educacionais a respeito da sur- dez e os marcos específicos da conjuntura histórica, até a vinda de Eduard Huet para o Brasil; a abertura do INES; a importância das terminologias: oralismo e bilinguismo e a língua de sinais, ou língua sinali- zada. Para esclarecer melhor, buscaremos, ainda que brevemente, abordar as filosofias e metodologias, bem como, a importância da língua de sinais para a apren- dizagem do surdo nas diferentes conjunturas. 3 EDUCAÇÃO DE SURDOS PARA ALÉM DO FOLCLORE DO ENSINO E APRENDIZAGEM DA LIBRAS É inevitável pensar na Libras quando o assunto é educação de surdos e compreender que dificilmente as pessoas mostram-se preocupadas com o tipo de orga- nização mental do sujeito, ou no nível linguístico que ele tem, quando o debate está centrado normalmente em dois aspectos, por vezes contraditórios, mas que na verdade dialeticamente se completam: Libras e Língua nacional. E com isso a questão da alfabetização e letra- mento para surdos. O maior problema não está na questão do nível em que o sujeito aprendeu ou desenvolveu as línguas envolvidas, mas no fato de que, na maioria das vezes, o professor que trabalha com o surdo sinalizante tem apenas um conhecimento: o da oralidade. A partir disso, nota-se o processo em via única - a alfabetiza- ção e as metodologias de ensino são centradas na rela- ção linear (que envolve fonema e grafema, grafema e fonema) - tudo o que foge a essa norma é inaceitável ou de difícil e impensado acesso. Uma hipótese é a de que muitos professores só conseguem fazer aquilo que aprenderam e tudo que precisa ser modificado, lhes parece impossível, mas se assim fosse, como justificar que L’Épée, Gallaudet, e até mesmo Huet, apresenta- ram sucesso com seus métodos por meio da língua de sinais? Que língua é essa? 3.1 Libras, o que é? Foi oficializada por meio da Lei 10.436 de 24 de abril de 2002 (BRASIL, 2002), e regulamentada pelo Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005), como língua dos surdos brasileiros. A sigla Libras pode ser compreendida por meio dos docu- mentos como Língua brasileira de sinais, no entanto, Sassaki (201112) explica: [...] o nome correto é “Língua de Sinais Brasileira” (ou “língua de sinais brasileira”), pois Língua Brasileira não existe. O termo “língua de sinais” constitui uma unidade vocabular, ou seja, fun- ciona como se as três palavras (lín- gua, de e sinais) fossem uma só. Então, adjetivamos cada “língua de sinais” existente no mundo, grafando-se o nome dessas lín- guas com todas as letras iniciais em maiúsculo (quando o consi- deramos nome próprio) ou com todas as letras iniciais em minús- culo (quando o consideramos uma palavra comum). Exemplos: Lín- gua de Sinais Brasileira (língua de 12 Texto de Romeu Kazumi Sassaki, encaminhado para o e-mail pessoal da autora, escrito em 2006 e atualizado em 2011. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 10 sinais brasileira), Língua de Sinais Americana (língua de sinais ameri- cana), Língua de Sinais Mexicana (língua de sinais mexicana) etc. O critério é o mesmo em relação às disciplinas acadêmicas [...] Con- forme Fernando Capovilla, “Lín- gua de Sinais é uma unidade, que se refere a uma modalidade lin- guística quiroarticulatória-visual e não oroarticulatória-auditiva. Assim, há Língua de Sinais Brasi- leira (porque é a Língua de Sinais desenvolvida e empregada pela comunidade surda brasileira, há Língua de Sinais Americana, Fran- cesa, Inglesa, e assim por diante. Não existe uma Língua Brasileira (de sinais ou falada). (2011, s/p) Como podemos perceber, não há erro em chamá- -la de língua brasileira de sinais ou língua de sinais brasileira, no entanto, Sassaki, nos leva a compreen- der que não há ‘uma’ língua brasileira, seja ela oral ou falada. Portanto, o mais correto a ser utilizado seria Língua de sinais brasileira, já que a mesma foi e ainda está em desenvolvimento no Brasil. Faz-se também uso do termo que os documentos nos permitem: Língua Brasileira de Sinais. Semanticamente correto ou não, sabemos que podemos aceitar tanto um termo como o outro, desde que não a chamemos de linguagem.Não se pode confundir os termos e o significado de linguagem e de língua. A linguagem é algo que está acoplado, desde o nascimento, na mente humana, e precisa ser acionado pelos dispositivos do cérebro para desenvolvimento da língua. Para Vigotski (1996), a linguagem é uma função psicológica superior, sua natureza é mais individual, enquanto a língua não está instalada no cérebro humano, mas na sociedade, nas interações dialógicas. Conforme nos diz Bakhtin (1988), a língua precisa ser aprendida, mostrando que ela é externa a nós, precisa de elementos para sua aprendizagem e desenvolvimento. Chamá-la de Lin- guagem dos sinais, demonstra desconhecimento, ou pior do que isso: preconceito. Sassaki (2006) ressalta ainda, que as siglas são representações de nomes próprios e de termos técnicos e, no que se refere à Libras, ressalta que a sigla correta é Libras (ou libras) e não LIBRAS: quando foi divulgado o uso da sigla LIBRAS, explicava-se esta sigla da seguinte forma: LI de Língua, BRA de Brasileira, e S de Sinais. Com a grafia Libras (ou libras), a sigla significa: Li de Língua de Sinais, e bras de Brasileira. Outra corrente defende a sigla LSB, quando a gra- fia do termo for “Língua de Sinais Brasileira” e não “língua de sinais brasileira”. (SASSAKI, 2006, s/p) Conforme já havíamos abordado na questão da escrita politicamente e semanticamente correta da sigla, apontamos para Capovilla & Raphael (2001). Fernando Capovilla adota a norma da língua portu- guesa que se pauta na pronúncia: se a sigla é escrita como se fala (na oralidade), como por exemplo: “ Libras”, ela deve ser escrita apenas com a inicial mai- úscula; se isso não acontece e ela é formada por letras, como por exemplo: CNPq, FMI, deve ser escrita com letras maiúsculas. Podemos encontrar no dicionário de Libras desses autores, as siglas Feneis e Libras, já na norma culta. Sassaki (2006), nos informa que, a partir do Decreto n° 5.626 (BRASIL, 2005), “a sigla passou a ser grafada Libras, e não mais LIBRAS, como estava na Lei n° 10.436, de 24/4/02 [...], embora mantendo, infelizmente, o nome Língua Brasileira de Sinais”. (SASSAKI, 2006, s/p). Não nos deteremos muito a tratar da Libras, pois esse assunto é extenso e precisa de outro espaço deter- minado, mas não podemos mudar de tema sem antes mencionar que há mitos a serem vencidos, entre eles, o que destacam Quadros e Karnopp (2004): a Libras não é universal, pois cada língua de sinais traz consigo traços culturais, identitários, enfim, características do país na qual foi desenvolvida. Por esse motivo, não podemos correr o risco de achar que em todo lugar do mundo os sinais são compreendidos igualmente, pois tal como já tratamos, é uma língua, e deve ser apren- dida e desenvolvida. Não pode ser compreendida como pantomimas ou gestos produzidos a partir da deficiência ou da comunicação espontânea e cotidiana dos ouvintes, pois se assim fosse, qualquer pessoa seria considerada um sinalizador, e isso não acontece. A língua de sinais tem gramática própria tão complexa quanto à das línguas orais, portanto, não é superficial e nem subordinada as línguas orais. As autoras também destacam importantes con- siderações verdades sobre a Libras, entre elas, a de que ela pode e vai se modificar ao longo dos tempos, porque trata-se de uma língua e está em movimento dialético entre o falante e o ouvinte, ou o locutor e o interlocutor. Bakhtin (1988) aponta que o discurso a ser produzido já não tem mais um ‘dono’, mas está no social, portanto pode modificar os sujeitos. É 11Faculdade Educacional da Lapa - FAEL Deficiência Auditiva/Surdez: Fundamentos e Adequações Metodológicas e Curriculares possível que qualquer pessoa, independente de sua idade, aprenda Libras, ou outra língua sinalizada, já que requer procedimentos e mediações formais para o ensino e a aprendizagem. Não há data predefinida para aprender, nem para desenvolver o conheci- mento, mas o processo é facilitado pelo acesso, por interações e pela inserção na cultura dos sujeitos sur- dos, que é multifacetada. Agora que falamos sobre a Língua de sinais e a Libras, buscaremos abordar as filosofias ou aborda- gens, bem como, metodologias de ensino para surdos no tempo histórico. 4 ENSINO PARA SURDOS: A DIALÉTICA DA CIÊNCIA AO ENSINO, DO ENSINO À OPRESSÃO E O RETORNO AO “POLITICAMENTE” CORRETO Já compreendemos que, no século XVI, os sur- dos passaram a ser objetos de curiosidade com relação à aprendizagem. Em período anterior, eles não eram entendidos como educáveis: os grandes filósofos com- preendiam que a inteligência só poderia ser medida pela fala, a arguição com competência é que expressa o nível de notabilidade que o sujeito tem. Pela condição de não ouvir, é comum que o surdo fale com muitas diferenças de tonalidade e timbre. Você já ouviu um surdo falando? Para quem trabalha com a surdez, é comum ouvir os sujeitos falando discursos inteiros, frases, pala- vras ou sons audíveis, para chamar a atenção e para a comunicação de modo geral. A maior parte deles não costuma se expressar no meio social por compreender que a diferença de entonação, timbre ou outros fatores referentes à voz os torna foco de espanto, atenção ou curiosidade dos demais, então, eles mantêm o silêncio, e, ainda que não falem oralmente, utilizam as mãos para se comunicar. Esse fator fez e ainda faz com que as pessoas utilizassem ou utilizem o termo pejorativo e equivocado “Surdo-Mudo”. Quando decidir fazer algum comentário, referir-se ou chamar o sujeito, faça uso do termo certo: “surdo”. As imagens abaixo nos fazem perceber claramente como pensam e sentem os sujeitos sobre o termo: Figura 1 Figura 2 Fonte: www.libras.com.br Fonte: http://blogsagaztico. blogspot.com.br Com a regulamentação do Decreto 5.626/05 (BRASIL, 2005), o modo de referir-se ao sujeito é pensado por um viés socioantropológico, assim como a educação dos sujeitos, já que anterior a isso, a partir do Congresso de Milão, todo ensino dos surdos até então vinha sendo pensado por meio de uma pers- pectiva ou modelo clínico-terapêutico, respeitando a medicalização da surdez e não a pessoa surda. Segundo o Decreto 5.626: Art. 2o Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, com- preende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura princi- palmente pelo uso da Língua Bra- sileira de Sinais - Libras. Parágrafo único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilate- ral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz. (BRASIL, 2005). A legislação manifesta em partes os anseios dos surdos em ver respeitado o direito de ser, o direito à singularidade, mesmo diante da diversidade, e princi- palmente, deixa registrado a terminologia que melhor lhes representa. Como vimos nas manifestações apre- sentadas nas figuras 1 e 2. Mas como declaramos no início do tópico, ao longo dos tempos os surdos passaram por diferentes abordagens e metodologias no ensino: o oralismo, a tentativa de um ensino bilíngue mesmo que bimo- dal, a comunicação total e a tão promulgada educa- ção bilíngue, que serão apresentadas de forma breve, mas intencionando que os leitores devem se aprofun- Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 12 dar nos estudos, já que os pilares da universidade são ensino, extensão e pesquisa. 5 O QUE É O ORALISMO? Figura 3 Fonte: Shutterstock.com/Lordn Para Goldfield (1997), a filosofia oralista, tam- bém conhecida como oralismo, intenciona a integra- ção da criança surda na comunidade ouvinte, dando condições para que ela desenvolva a língua oral do seu país. O autor destaca que para a perspectiva oral, a surdez é compreendida como uma deficiência, e esta deve ser minimizada por meio da reabilitação auditiva e treinamento da fala. O oralismo tende para a ideia de que é necessário normalizar, ouaproximar da norma. Se a criança surda não for treinada para falar e ouvir, ela será de fato, um deficiente. Essa abordagem requer o envolvimento da criança, da família e da escola. Os defensores acreditam que para ter resultados positivos é preciso intensificar os estímulos orais continuamente, em todos os espaços e momentos. Também compreendem que a criança precisa ser inserida precocemente a essa reabilitação; que todo tipo de comunicação e de interação que não sejam orais deve ser evitado e, com isso, acreditam que o uso das línguas de sinais tornará impossível o desen- volvimento de hábitos orais corretos. A metodologia oralista requer participação de profissionais especializados, como fonoaudiólogo e pedagogo especializado para atender sistematicamente o aluno e sua família. Também se faz necessária a uti- lização de aparelhos de amplificação sonora e outros que estimulem a audição. Essa filosofia faz uso de diversos instrumentos a fim de alcançar seu intento. Para tanto, usa meto- dologias de oralização, como: o método acupédico13, método Perdoncini14, método verbotonal15, e outros, que se baseiam em práticas e pressupostos teóricos diferentes, mas que se tornam comuns pela defesa da comunicação e desenvolvimento da língua oral como a única forma, e a mais correta, de comunicação, em contraposição às línguas sinalizadas. Fazem intenso trabalho de leitura labial, ou orofacial, treinamento e reabilitação dos resíduos auditivos e a expressão unica- 13 Também conhecido como método unissensorial ou abordagem aural, a abor- dagem acupédica, refere-se a um programa de reabilitação para a criança surda e envolve a família. Também enfatiza o treinamento auditivo sem nenhum ensino formal de leitura orofacial. Essa abordagem depende de diagnóstico, orientação familiar, aparelhos e outros recursos de adaptação de amplificação sonora precoce- mente, exposição à estimulação de linguagem. O objetivo é a integração da pessoa surda no mundo ouvinte. Oralistas acreditam que todo surdo tem resíduo auditivo e que esse pode e deve ser aproveitado. O surdo é entendido pela falta de audição e não pelas capacidades, e precisa ser corrigido para chegar-se ao mais próximo da normalidade ouvinte. É inegável que muitos surdos que passaram por abordagens oralistas conseguiram desenvolver fala e linguagem inteligível, mas são poucos, e importa enfatizar que a surdez nunca é anulada. Apesar dos esforços, tanto pelos estudantes, como pelos profissionais, a surdez continua existindo no sujeito. Fonte: História e Educação_o surdo, a oralidade e o uso de sinais. Disponível em: < http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfjk8AD/historia-educacao-surdo-a- -oralidade-uso-sinais?part=2 >. Acesso em 21 de set.2015. 14 O método Perdoncini foi criado pelo linguista francês, doutor e professor Guy Perdoncini, na década de sessenta. Ao ser trazido para o Brasil, foi adaptado à Língua Portuguesa pela professora linguista Alpia Couto, presidente da Associa- ção Internacional Guy Perdoncini para o Estudo e Pesquisa da Deficiência Auditiva (AIPEDA). Trata-se de uma abordagem unissensorial, buscando trabalhar, por meio da audição, a aquisição da linguagem. Tem por objetivo a utilização do resíduo auditivo para o desenvolvimento da fala oral. Portanto, suas características básicas são: desenvolver a percepção auditiva, que deve ter apoio visual, de acordo com a necessidade individual de cada criança; desenvolver a linguagem, partindo da com- preensão para chegar à emissão, que deve ser inicialmente livre; emitir boa melodia e articulação, para a boa inteligibilidade da fala; desenvolver um trabalho fonético, a partir da emissão espontânea, para correção articulatória de forma natural, par- tindo sempre que possível da percepção auditiva. Acredita-se que a criança que nasce com perda auditiva não está prejudicada em sua capacidade de discriminar os sons e que há sempre uma gama de audição a ser educada ou reeducada. Por isso, a criança precisa aprender a descobrir como usar os resíduos auditivos. Fonte: PORTAL EDUCAÇÃO. Método Perdoncini: O que é? <http://www.portale- ducacao.com.br/fonoaudiologia/artigos/33855/metodo-perdoncini-o-que-e#ixz- z3oOGLjHPu > Acesso em: 21 de set.2015. e Método Perdoncini. Disponível em: < http://www.005.xmldesign.net/2014/06/o-metodo-perdoncini-de-educacao. html >. acesso em 21 de set.2015. 15 Segundo pesquisas, o método verbotonal foi concebido para ensinar a falar, independente do grau de surdez da criança. A técnica foi desenvolvida pelo fono e linguista Iugoslavo Peter Guberina, em 1954. Trata-se de educação da audição e linguagem pela reabilitação de crianças surdas, que explora todos os canais sen- soriais, inclusive o da audição (lesado), visando criar condições para que a criança se expresse oralmente, aprenda a usar sua audição, e que essa fala seja o mais natural possível. Faz uso de cinco técnicas diferentes, mas que se completam: a) a audiovisual, que trabalha a estrutura da língua (nível morfossintárico); b) Conjunto, que trabalha com a compreensão e ampliação do universo linguístico (nível semân- tico cognitivo); c) a Corporal; que o nome já indica, trabalha com o corpo para emissão dos sons da fala; d) a rítmica musical, que trabalha o corpo para estimular a fala ( nível suprassegmentar: ritmo / entonação / tensão / intensidade / pausa); e) Individual: audição, fala e compreensão. As quatro primeiras técnicas citadas são desenvolvidas em grupo de crianças surdas. Fontes: Método verbotonal: Disponível em: < http://www.arpef.org.br/metodo.asp > acesso em 20 de set.2015 e POR- TAL EDUCAÇÃO. Método Verbotonal: O que é?. Artigo Portal Educação. 2013. Dis- ponível em: < http://www.portaleducacao.com.br/fonoaudiologia/artigos/33856/ metodo-verbotonal-o-que-e#ixzz3oOAYiWnX >. Acesso em 20 set.2015. 13Faculdade Educacional da Lapa - FAEL Deficiência Auditiva/Surdez: Fundamentos e Adequações Metodológicas e Curriculares mente por meio da fala. Já os recursos do bilinguismo, como: gestos, língua de sinais, datilologia (alfabeto manual) e outros, são (normalmente) proibidos, para não prejudicarem a oralização. Guarinello (2007, p.27-28), como já discutimos anteriormente, nos diz que o método oral começou a ganhar força em 1860 e, com a morte do instrutor surdo Laurent Clerc, em 1869, teve ainda mais adep- tos, sendo um deles e o mais influente, o inventor do telefone, Alexander Grahan Bell. O célebre inventor tinha medo de que a língua de sinais isolasse os sur- dos em pequenos grupos e, com isso, eles adquirissem muito poder, então buscava formas de obrigá-los a falar. O maior e principal objetivo de Grahan Bell era eliminar as línguas de sinais, impedir casamentos entre surdos, e impor a língua majoritária na modalidade oral a todas as pessoas surdas. De 1880 até aproxima- damente 1970, o método oral tomou conta de toda Europa. Skliar (1997), aponta para o fato como uma medicalização da surdez, onde as práticas de reabili- tação e a ideia de que é preciso corrigir, tornar nor- mal, exigem recursos que prendem o sujeito a uma vida dentro das clínicas de reabilitação da fala e até mesmo, a escola perde sua função, a fim de tornar-se um centro de atendimento clínico para a surdez. Entre os recursos estão o treinamento para a leitura labial e a articulação da fala, ressaltando que o uso da língua de sinais passa a ser impedido. A comunicação em sala deveria ser apenas por meio da oralidade, portanto, muitos métodos impe- ditivos e coercitivos foram adotados: amarravam as mãos dos surdos; os expulsaram das escolas (professo- res); separavam os pares surdos, para que não houvesse comunicação. Havia diversos modelos de contenção e punição para quem fizesse uso de sinalização, no entanto, isso não impediu os surdos de manterem e desenvolverem sua língua, mas o fato de não ser utili- zada como língua de instrução causou insucesso esco- lar e uma visão deficiente e equivocada do sujeito até a atualidade. Guarinello(2009), ressalta que no Brasil a educa- ção de surdos teve seu início em 1857, com a língua de sinais, porém, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), no ano de 1911, acabou por seguir a tendência mundial de oralização, adotando o método oral puro. O insucesso foi extremo e o método pas- sou a ser indicado apenas aos surdos que poderiam se beneficiar com a fala, o que não durou muito, e, em 1957, novamente se impôs o método oral e proibiu-se o uso de sinais. Quando tudo começou a se modificar? Por volta de 1960, quando Willian Stokoe, um jovem linguista, comprovou que as línguas de sinais são tão complexas quanto as orais, mas isso é uma longa história. Vamos contá-la falando um pouco sobre a Comunicação Total e o Bimodalismo. 6 COMUNICAÇÃO TOTAL E BIMODALISMO Figura 4 Fonte: Shutterstock.com/Vladimir Mucibabic Até 1960 o oralismo dominou fortemente as ações educacionais com intervenções clínicas na surdez, em todo mundo, no entanto, nessa década, o jovem lin- guista americano, Willian Stokoe, publicou um artigo sobre a estrutura das línguas de sinais, comprovando que a mesma era tão completa e complexa quanto as línguas orais. Nos Estados Unidos isso fez grande diferença, pois teve início um movimento pelo direito de ser surdo e vem à tona denúncias de discriminação a que os surdos vinham sendo expostos, juntando-se a eles outras minorias (latinos, negros, indígenas e também, pessoas com necessidades especiais). Por volta de 1968 a 1970, já havia insatisfação com os resultados trazidos pelo oralismo: muitas pes- quisas surgiam na área e um novo olhar sobre a edu- cação de surdos começa a se abrir. Assim, no final de 1970, uma nova abordagem, ou filosofia, passa a ser adotada, a ‘Comunicação Total’. Como o nome já remete à visão dessa filosofia, a Comunicação Total utilizava todas as formas de comunicação possíveis na educação dos surdos, acre- ditando-se que a comunicação e não apenas a língua, deveria ser privilegiada. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 14 Os profissionais começam a repensar as estruturas e instrumentos usados para o ensino e compreendem que apenas o método oral e suas imposições não eram suficientes. Passam a fazer uso de todas as possibilida- des para o ensino, propondo: o uso dos gestos naturais e também da língua de sinais historicamente cons- truída; o uso do alfabeto datilológico16 e aparelhos de amplificação sonora. Guarinello (2009), ressalta que: Apesar de essa filosofia usar alguns elementos da língua de sinais, seu objetivo principal continuava sendo a fala e a integração do surdo à sociedade ouvinte. Sua premissa básica era a utilização de toda e qualquer forma de comunicação com a criança surda. A comuni- cação total começou a se espalhar rapidamente pela grande maioria das escolas em vários países do mundo e teve mais repercussão que outros métodos americanos (2009, p.31) Muitas escolas adotaram, em todo o mundo, a Comunicação Total, mas, ao contrário da passividade esperada, começam os movimentos de resistência, visto que a oralidade continua a ser o objetivo princi- pal de trabalho. Os estudantes continuam expostos a muitas ses- sões de terapias e reabilitações, a ação dos profissionais ainda está ligada fortemente aos recursos da oralidade e os pais seguem ainda a compreensão de que a parte clínica é a que compreende de fato as necessidades da pessoa surda, estabelecendo as regras e formas de trabalho. Diante dessa visão, a educação se submete (sempre), sem grandes resistências. Nesse método, a fala e os sinais são simultanea- mente utilizados, juntamente com todo recurso que normalize ou aproxime o sujeito da norma, mas não se percebe modificações no currículo escolar para o ensino. A Comunicação Total teve efeitos muito fra- cos, pois o uso simultâneo de duas modalidades lin- guísticas ou mais, entre outros recursos para comuni- cação, não foram e não serão suficientes. Com o uso desse método, o professor, comumente ouvinte, tende sempre a sujeitar a língua de sinais e a própria cultura do sujeito à sua língua oral majoritária, que no caso do Brasil, é o português falado, omitindo assim, a morfo- logia da língua de sinais: Omitindo a rica morfologia da lín- gua de sinais e trocando a ordem dos sinais, tornando consequen- 16 Também conhecido como alfabeto digital ou manual. temente, a mensagem sinalizada quase imperceptível às crianças surdas e sem nenhuma ordem gra- matical. Além disso, a língua majo- ritária também é alterada e o ritmo da fala é diminuído em virtude do duplo desempenho. (GUARI- NELLO, 2009, p.32) A Comunicação Total faz uso do Bimodalismo, que é o uso simultâneo das duas modalidades lin- guísticas: oral auditiva e sinalizada. A medida que faz essa amálgama, acaba por deformá-las nos senti- dos e, por vezes, no significado, produzindo um pid- gin17. Quando estão em contato social, o pidgin surge do intercâmbio de uma língua com outra. Segundo Owen Wrigley (1996): A Comunicação Total veio signifi- car a mistura da fala e língua dos sinais mais convenientes a cada professor [...]. O uso da língua dos sinais nesses ambientes mostrou-se ser, na melhor das hipóteses, ape- nas ‘fala apoiada pelos sinais’, que é inadequada para ser compreen- dida por uma criança surda como uma mensagem completa [...]. A ‘Comunicação Total’ é qualquer coisa, menos total, e raramente comunica” (1996, p. 15). Como observamos no pensamento do autor, a Comunicação Total e o Bimodalismo podem tornar mais fácil a ação do professor diante das dificulda- des metodológicas que ele mesmo encontra em seu planejamento e na sua prática, mas isso não é o sufi- ciente para que o surdo alcance o máximo de desen- volvimento, pois o que parece total, também segrega e impõe ao outro a mesma lógica que impõe ao geral, sem que se considere as singularidades. No Brasil, a comunicação total passa a ser usada na década de 1970, e na década de 1980, os linguistas começam a estudá-la no país. Os primeiros trabalhos brasileiros foram de Lucinda Ferreira Brito. Para concluir nossa exposição da Comunicação Total, ressaltamos o que nos diz Sá (1999), e que con- cordamos plenamente: qualquer abordagem que não considere a língua de sinais como primeira língua, e a língua utilizada por surdos como referencial, como língua de instrução, é uma mera conveniência para com os profissionais ouvintes que trabalham na área da surdez. 17 Surge da comunicação entre falantes de línguas diferentes, em busca de uma interação emergencial, uso de uma língua muitas vezes na estrutura da outra. 15Faculdade Educacional da Lapa - FAEL Deficiência Auditiva/Surdez: Fundamentos e Adequações Metodológicas e Curriculares Portanto, discutiremos agora, o que compre- endemos como o melhor para a aprendizagem e tam- bém para as interações sociais do surdo. 7 BILINGUISMO: É POSSÍVEL DESENVOLVER UMA PROPOSTA BILÍNGUE DE FATO E DIREITO? Figura 5 Fonte:Shutterstock.com/wckiw No final da década de 1970, tem início, nos Esta- dos Unidos, um forte movimento de reivindicações pela língua e cultura das minorias, onde os surdos pas- sam a reclamar para si o direito à singularidade linguís- tica e identitária. As reivindicações visavam o direito de usar a lín- gua de sinais como a primeira língua, e de aprender a língua majoritária como segunda língua, mas em momentos diferentes. De acordo com Brito (1993), no bilinguismo, a língua de sinais é considerada importante via para o desenvolvimento do surdo e propicia não somente a comunicação entre pares surdos, mas também, como elucida Vigotski (1996), atua como um importante suporte do pensamento e do desenvolvimento cogni- tivo e social do surdo. Existem duas vertentes bilíngues: uma defende que a criança surda deve adquirir a língua de sinais e a modalidade oral da língua, o mais precocemente possível e separadamente; depois a criança deve pas- sar pelo processo de alfabetização na língua do país. A outra defende que se deveprimeiro colocá-la em contato com a língua de sinais e apenas num próximo momento, com a modalidade escrita da língua de seu país, desconsiderando a língua oral nas intervenções. Quadros (1997), apresenta o bilinguismo enquanto proposta de ensino que pressupõe tornar acessível aos surdos, e principalmente à criança surda, as duas línguas no contexto. Para Skliar (1997b, p.145), a proposta se sobressai como a mais adequada para o ensino das crianças surdas, tendo em vista que considera a língua de sinais como língua natural e parte desse pressuposto para o ensino da língua escrita. Para o autor, essa experiência com a língua de sinais como L118 precocemente, contribui para que a criança surda seja capaz de adquirir a segunda língua, pois o desenvolvimento da primeira língua oferece à criança as ferramentas heurísticas necessárias para sua organi- zação dos dados linguísticos e do conhecimento, tanto o conhecimento geral como o específico, e também da linguagem. Assim como Vigotski (1996 e 1998) des- tacou, Skliar (1997), também explica que a mediação é essencial. Por isso, é necessário adultos surdos e o uso da língua de sinais com propriedade por esses, para que haja desenvolvimento. Torna-se indispensável a presença de adultos surdos e da língua de sinais no cotidiano da criança e na escola, principalmente, para que a educação tenha sucesso e seja de fato eficiente. A preocupação da filosofia, abordagem ou pers- pectiva19 bilíngue está no respeito à autonomia das línguas de sinais. Para tanto, a escola precisa organizar sua metodologia e seu plano educacional, respeitando a experiência linguística e psicossocial das crianças sur- das; é preciso ter clareza de que o professor que traba- lha com essas crianças surdas deve ser proficiente na língua de sinais, conhecedor da singularidade e neces- sidades surdas, ainda que tenha um intérprete consigo em sala. A introdução da Língua de Sinais no currículo de escolas para surdos é um indício de respeito a sua singularidade, mas não é tudo. Isso porque a edu- cação bilíngue exige da escola muito mais do que o conhecimento e o domínio de duas línguas no mesmo ambiente, requer cumprimento das políticas públicas que regulamentam de fato e direito para o surdo: que a língua de sinais seja sua língua de instrução, oportu- nizando ao sujeito a aprendizagem qualitativa e igua- litária dos conhecimentos escolares por meio da sua língua maternam, como base para o desenvolvimento e aprendizagem da língua portuguesa na sua moda- lidade escrita. Requer ainda que o professor tenha conhecimento pleno da língua de sinais e das singu- laridades surdas; que o currículo seja reestruturado, reconstruído e não somente adaptado, valorizando o 18 L1 significa Primeira Língua e L2 significa Segunda Língua. 19 Por diversas vezes citamos: abordagem, filosofia ou perspectiva, porque nas literaturas os termos aparecem para designar a abordagem utilizada, mas equivalem quando relacionados à educação de surdos. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 16 modo como os surdos aprendem e não somente uma utópica indicação de bilinguismo em meio a segrega- ção que pode ser vista nos dias atuais. Isso tudo vem sendo citado e aparentemente garantido. A LDB 9.394/96 (BRASIL, 1996), defende que o ensino é direito público subjetivo e destaca que a educação deve atender a diversidade. Com isso, vem garantindo o empoderamento dos surdos quanto as suas necessidades linguísticas, bem como ao índio, ao quilombola. No entanto, fora dos documentos, a realidade observada é neoliberal e funciona com mais trabalho e menos recursos. Compreende-se que a nossa Lei de Diretrizes vem buscando garantir, por meio das letras, não somente o acesso, mas a perma- nência e a qualidade da educação para todos. Para isso, como ressalta Saviani (2014), é preciso conside- rar a unidade na diversidade. A Constituição Federal (BRASIL, 1988), no artigo 208, esclarece que a educação deve visar o pleno desenvolvimento da pessoa e preparar para o exercício da cidadania e do trabalho. O artigo 209 expõe que todo ensino deve ser ministrado dentro dos princí- pios de igualdade, liberdade para aprender, pluralismo de ideias, gratuidade no ensino e garantia, principal- mente, da qualidade. Ainda que intentássemos garan- tir por outros meios, como por exemplo os culturais, a nossa Constituição, nos artigos 215 e 216, aponta para a valorização das culturas que compõe nosso país e liberdade em toda forma expressão, da diversidade ética e regional. Então, podemos compreender que a educação bilíngue vem caminhando invisivelmente na constru- ção da lei pela garantia da expressão e do direito de aprender o máximo, por meio da forma de comuni- cação que melhor organiza o pensamento. No caso dos surdos: para o aprendizado, é a educação bilíngue e a língua de sinais, sem descartar as singularidades daqueles que se autodenominam, ou seja, se identifi- cam com a deficiência auditiva, mas têm os mesmos direitos dos demais pela perda auditiva, conforme anuncia e regulamenta o Decreto 5626/05: Art. 2o Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, com- preende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura princi- palmente pelo uso da Língua Bra- sileira de Sinais - Libras.(BRA- SIL, 2005) Somente respeitando e considerando as suas necessidades educacionais, é que será possível propor- cionar o pleno desenvolvimento emocional e cogni- tivo e a efetiva inclusão e participação do estudante ao meio educacional e social. Os surdos não precisam de um currículo diferenciado, mas de um currículo que respeite sua primeira língua para a instrução, que valo- rize sua essência visual para a aprendizagem e planeja- mento geral das aulas, que o tempo não seja motivo de aceleração de conteúdos, mas sobretudo, que seja condizente com suas necessidades e potencialidades diante das experiências vividas. Concluímos sobre a educação bilíngue, sem na verdade finalizar, pois precisamos compreender que hoje o Decreto 5626/05 no seu capítulo IV a VI res- salta os direitos dos surdos e deficientes auditivos em receber uma educação bilíngue, a difusão da Libras e o ensino da língua portuguesa como segunda língua, de modo que: Art. 22. As instituições fede- rais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de: I - escolas e classes de educação bilíngüe, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngües, na educação infantil e nos anos ini- ciais do ensino fundamental; II - escolas bilíngües ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fun- damental, ensino médio ou educa- ção profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade lingüística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpre- tes de Libras - Língua Portuguesa. (BRASIL, 2005) A importância não é apenas de impor ou propor uma metodologia, mas, de dar suporte, onde profes- sores possam realmente contribuir para o ensino e os alunos possam se beneficiar com desenvolvimento e aprendizagem. De nada adianta propor metodolo- gias salvadoras, se não forem capazes de contribuir com a emancipação do sujeito. Pinto (2000), diz que a educação é existência humana, e, por meio dela, o homem pode transformar e ser transformado. Quanto mais educado for, mais educação exigirá, 17Faculdade Educacional da Lapa - FAEL Deficiência Auditiva/Surdez: Fundamentos e Adequações Metodológicas e Curriculares portanto, pode alcançar níveis mais elevados na sua própria existência humana. 8 QUE TIPO DE EDUCAÇÃO OS SURDOS RECEBEM, HOJE? E COMO ESTÁ DEFINIDO O CURRÍCULO? Os surdos aparentemente recebem no Brasil, um ensino bilíngue, com compromisso legal em manter a língua de sinais comolíngua de instrução. A partir de então, os governos, entre eles o brasileiro, comprometeram-se desde Salamanca (UNESCO, 1994) com a política de inclusão. Inseriu- -se o termo diversidade, visando alcançar não somente sujeitos com deficiência, mas todos que se encontrem em situação de precariedade, minoria, diferença, exclu- são por gênero, sexo, raça e língua. Enfim, o conceito de diversidade é uma contradição à singularidade, busca significar uma inclusão muitas vezes excludente, como é o caso dos surdos. Quadros (2012), ressalta que a inclusão depende de como se projetam e aplicam as práticas políticas na educação, mas sobretudo, deve contribuir para uma educação de qualidade na língua de sinais e privilegiar a experiência ou essência visual com pares surdos e, de preferência na escola pública, enquanto garantia por direito. Não somente inserindo o estudante na escola de seu bairro, mas atendendo e garantindo as questões linguísticas impostas. A autora aponta para a distância entre o prescrito na lei e o executado na prática, pois na maior parte das vezes, não é uma educação bilíngue que vem sendo oferecida, mas sim a inserção do intér- prete de Libras no espaço educacional para minimizar as barreiras comunicativas. Em que pese a necessidade e importância do pro- fissional intérprete que teve sua profissão e função regulamentada recentemente em 2010, por meio da Lei 12.319/10 (BRASIL, 2010), as questões metodo- lógicas, nas instituições escolares e nas salas de aulas inclusivas continuam a ignorar as necessidades dos surdos. Os aspectos sociais e culturais que deveriam compor o currículo e as ações de ensino, que na maior parte das vezes podem manter à margem da escola, a criança surda. Dentre esses fatores Schubert (2015) destaca o intérprete. O intérprete educacional tem sido utilizado como principal, se não o único meio de acessibilidade da pessoa surda (na educação), na escola inclusiva. Há pouco tempo, os surdos eram matriculados em escolas especiais para surdos, onde passavam por todo pro- cesso de aprendizagem e mesmo em meio as defasa- gens e dificuldades históricas apontadas no processo de ensino e de aprendizagem, estavam entre pares e desenvolviam-se em precárias condições acadêmicas, mas em contato significativo com usuários da mesma língua. Com o passar dos anos e a medida que a Libras passa a ser inserida nas escolas como instrumento de ensino propriamente dito, principalmente após indi- cações de uma proposta inclusiva, a inclusão do surdo vem se dando novamente de modo perverso. Perverso no sentido, que a escola que deve garantir o máximo em aprendizagem e desenvolvimento para o estudante delega ao intérprete, na maior parte das vezes, o mérito e o desmérito pelos sucessos e fracassos do surdo na escola. Isso porque os professores nem sem- pre são conhecedores da língua do estudante e muito menos das características e singularidades dos surdos. Como grande parte dos alunos com surdez ou deficiência auditiva estão matriculados na educação inclusiva, o que lhe é fornecido como acessibilidade comunicativa é a presença do intérprete educacional, nem sempre formado em licenciaturas, nem sempre conhecedor de metodologias ou didáticas, mas conhe- cedor da língua de sinais. Será que é um recurso que favorece o surdo nas interações e na própria aprendizagem? Vamos conver- sar um pouco a respeito dele. 8.1 O intérprete na educação do surdo Figura 6 Fonte: Shutterstock.com/Monika Wisniewska No trabalho de Schubert (2015), aparecem as relações estabelecidas entre intérpretes e surdos, o que abre espaço para debates sérios a respeito do tra- balho do profissional. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 18 O intérprete, assim como o surdo, sempre existiu, mas os contextos situacionais é que se diferenciam. Até a década de 80, o intérprete era representado na informalidade, sendo ele um amigo, companheiro, familiar do surdo ou até mesmo um catequizador. Nos trabalhos de pesquisa até uma década atrás, registra-se que 95% dos intérpretes eram provindos do contexto religioso. Por meio desse modo formativo, esse profis- sional apresentava forte tendência ao assistencialismo e a uma visão caritativa, tudo que fazia era declarada- mente por “amor” ao surdo. Dedicado ao surdo e afirmando sempre amor, esse fator solidário tem sido foco de debates, pois até mesmo na Lei que regulamenta a profissão do intér- prete, chamam-lhe a solidariedade onde os recursos não forem possíveis: Art. 7º O intérprete deve exercer sua profissão com rigor técnico, zelando pelos valores éticos a ela inerentes, pelo respeito à pessoa humana e à cultura do surdo e, em especial: V - pela solidariedade e consciên- cia de que o direito de expressão é um direito social, independente- mente da condição social e econô- mica daqueles que dele necessitem; (BRASIL, 2010) Questiona-se as interpretações, pois de qual pro- fissional com formação e profissão regulamentada é cobrada a solidariedade? Desde a formulação do código de ética, elaborado pela Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (Feneis), a qual pas- sou a ofertar formação a partir da década de 80, para os ILS20, apesar das exigências de formação, pelo menos em nível médio e contato com surdos, o código de ética foi praticamente transcrito na lei de regulamen- tação do profissional, chamando-lhe a solidariedade e causando conflitos de ordem geral, pois os intérpretes se encontram em muitas dificuldades de significação e visibilidade, já que são cobrados por atribuições que não lhes são próprias, e a assistência, pelo amor que historicamente construiu. Essa ideia vem acompanhando a formação dos ILS. Schubert (2015), destaca a necessidade de abon- dono do ponto de partida caritativo, assistencialista, religioso, para chegar ao intérprete de língua de sinais realmente profissional, ainda mais quando a educação entra no cenário. 20 Intérprete de Língua de Sinais. Com a proposta inclusiva que aparece na década de 90, alguns Estados, como o Paraná, efetivaram a oficialização da Libras como língua de instrução e, com isso, a necessidade de o profissional ser incluído nas instituições. A superação do modelo que surgiu nos contextos informais passa a ser ainda mais neces- sária. A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), já reflete a necessidade do profissional, mas a oficiali- zação da Libras por meio da Lei 10.436/02 (BRASIL, 2002), regulamentada pelo Decreto 5626/05 (BRA- SIL, 2005), impõem para seu cumprimento que o intérprete seja um profissional que atua em diferentes contextos e abre as portas das instituições educacionais para exercício da profissão. A educação recebe o intérprete sem conhecer quem ele é e sem ter clareza de suas atribuições. Nesse panorama, os conflitos são inúmeros, pois ao ser inse- rido no contexto educacional, não há quem o avalie qualitativamente, nem acompanhe seu trabalho com eficácia. Muitos adentram na educação pelo simples conhecimento linguístico, sem formação necessária, devido à urgência do cumprimento da legislação. Surge a figura do IE21, identificado primariamente como o terceiro elemento na educação. Ressalta-se que até o final do século XX, início do século XXI, o espaço de pertencimento do professor e aluno passa a receber mais um elemento: o intérprete educacional. Apresentamos um breve histórico, porque hoje, a educação inclusiva não funciona sem esse profis- sional22. Quadros (2004), dizia que o intérprete seria confundido em suas atribuições e, para trabalhar nesse contexto, onde as oportunidades de trabalho se abri- riam intensamente, seria necessário que tivesse perfil para intermediar e até mesmo, mediar situações. Qua- dros ainda aborda que haveria urgentemente de se pensar num código de ética próprio para o contexto educacional, pois o profissional poderia ser chamado a atribuições, a tarefas que não são suas e isso é uma rea- lidade para quem desenvolve o trabalho educacional. Schubert
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