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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ARYANNY THAYS DA SILVA Prática Fotográfica e Experiência Social: A Trajetória do Fotógrafo Alcir Lacerda Niterói 2015 Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá S586 Silva, Aryanny Thays da. Prática fotográfica e experiência social : a trajetória do fotógrafo Alcir Lacerda / Aryanny Thays da Silva. – 2015. 203 f.; il. Orientadora: Ana Maria Mauad. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2015. Bibliografia: f. 197-203. 1. Fotografia; aspecto social. 2. Fotografia; aspecto histórico. 3. Prática profissional. 4. Lacerda, Alcir, 1927-2012. I. Mauad, Ana Maria. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. III. Título. CDD 770 ARYANNY THAYS DA SILVA Prática Fotográfica e Experiência Social: A Trajetória do Fotógrafo Alcir Lacerda Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal Fluminense (PPGH-UFF), como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: História Contemporânea II. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Maria Mauad Niterói 2015 ARYANNY THAYS DA SILVA Prática Fotográfica e Experiência Social: A Trajetória do Fotógrafo Alcir Lacerda Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal Fluminense (PPGH-UFF), como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: História Contemporânea II. Banca examinadora: Prof.ª Dr.ª Ana Maria Mauad (orientadora) Universidade Federal Fluminense Prof.ª Dr.ª Silvana Louzada Universidade Federal Fluminense Prof.ª Dr.ª Helouise Costa Universidade de São Paulo Para Seu Alcir (*1927 †2012) In memorian Pela sua generosidade na profissão de fotógrafo. Agradecimentos Com algum desassossego e bastante alegria chegamos ao fim. Queria agradecer imensamente a algumas pessoas que estiveram comigo nesses últimos anos ou sempre. Agradeço a Ana Mauad, minha orientadora e mãe amiga. Por me acolher alguns anos atrás quando eu ainda era uma menina com a pretensão de estudar a fotografia como fonte na pesquisa histórica. Seus textos me inspiraram naquele tempo e continuam a apontar caminhos ainda hoje. Obrigado por aturar os meus “aperreios”! Você falou certa vez que estaríamos sempre juntas, pois bem, que os nossos encontros acadêmicos e de vida não cessem! A Silvana Louzada, que tem me acompanhado há algum tempo, por todo carinho, dicas preciosas e pela leitura deste trabalho. A Lúcia Grinberg, também pela leitura atenta, que na qualificação apontou caminhos que enriqueceram a escrita. E a Helouise Costa, pela participação na banca de defesa. À CAPES, pela bolsa de estudos que contribuiu para a realização dessa pesquisa. Aos funcionários da sessão de periódicos da Fundação da Biblioteca Nacional-RJ, em especial a “seu Jorge”, pela orientação na pesquisa do acervo da revista Manchete. Meu terno agradecimento a Betty Lacerda, filha e guardiã do acervo particular de “seu Alcir”, que desde o nosso primeiro encontro abriu as portas de sua casa e vida me deixando conhecer e me apaixonar pelas fotografias de seu pai. Sem a sua interlocução este trabalho não teria sido possível. Aos amigos que fiz na Fundação Joaquim Nabuco - Teresa, Estelita, Quesiah, Hannah, Severino, Lúcio, Lula e Lino. Agradeço especialmente a minha mãe que aprendeu a bordar para distrair a saudade enquanto estive no Rio. Sem o seu amor e cuidado eu nem sei. E a painho para quem estudar sempre foi precioso. Obrigado por inspirar desejos de vida e por respeitar e apoiar meus sonhos. À Carol e Vivi minhas irmãs preferidas! Carol, que sempre esteve a me lembrar de “ser forte e corajosa”. Vivi que leu meu projeto de mestrado quando tinha apenas 11 anos de idade. Para vocês eu canto: “tudo fica mais bonito quando vocês estão por perto”. Ao Pedrinho, meu irmão, pequena estrela que trouxe alegria e união ao nosso convívio. E a Luciana pelo carinho! À vovó Marta, pelas suas cocadas deliciosas e todos os verões em Ponta de Pedra. Você merece todas as flores em vida, como canta o samba do Nelson Cavaquinho. Obrigado Catarina, que é minha prima, vizinha e irmã de coração. E a minha família paterna de quem sempre tenho a torcida! Obrigado Thali, Raíssa, Jen, Bia, Letícia, Karyne, Jan, Bela, Nise, Lidi, Drica, Vanessa, Paulo, Tigo, Joey, Luiz, Jota, César, Gabriel e Theco (e também meu príncipe Arthurzinho). Carrego o afeto de vocês onde for. Agradeço por estarem comigo, nas minhas loucuras e ausências, nos risos e lágrimas, em orações e cuidado. A minha turma do “fundão do ônibus de Naza”: Mila, Tali, Amanda, Vânia, Liz, Riciene, Amandinha, Dedis, Renanzinho, Pavito, Charles, Ivan. Vocês fizeram dos quatro anos de faculdade uma experiência leve, alegre e saudável. Obrigado pela força e carinho, que ainda hoje é vital. Agradeço também a Analy, querida, sempre presente não importa a distância. Aos amigos que o curso de História me presenteou: Léa, Lorena, Adriele, Poliana, Juliane, Giovane, Arthur, Luiz, Marcos. Por toda alegria compartilhada e cumplicidade construída. Em especial, a Lorena, que ler tudo que escrevo. Sempre paciente nas correções e generosa nas sugestões. Obrigado pela presença constante em minha vida! E a Giovane, pelas nossas infinitas e incansáveis conversas nessa vida de pós-graduandos. Ainda na turma da História, agradeço a Amanda pelo carinho e amizade. Agradeço especialmente ao Prof.º José Maria Neto e a Prof.ª Kalina Vanderlei pelas disciplinas ministradas na Universidade de Pernambuco (UPE), fundamentais na minha formação de historiadora. A família que encontrei no Rio de Janeiro, hoje espalhada desde o Maranhão, Piauí, São Paulo, até o Rio. Rosangela, Kate, Bruna, Flávia, Elizabeth, Carol (Elio e Angelo), meu carinho e saudades sempre presentes por vocês. Muito obrigado por terem amenizado a saudades de casa e por terem sido o meu lar, lugar de afeto e cuidado. Agradeço também ao meu conterrâneo querido, Diego, pela amizade! E a Josimar, que com sua fala apressada e seu sotaque mineiro, se tornou um bom amigo! À Monique, com quem estive em todas as disciplinas do mestrado e desde então não larguei mais. Obrigado carioca que me ensinou a gostar de pipoca com bacon. E a Fernandinha, não por acaso, amiga da Monique, pela sua alegria e leveza! Ao Renato, obrigado pelas indicações de leitura, paciência e disponibilidade. E para além das trocas intelectuais, agradeço pelo compartilhar de afeto e cuidado. Em alguma medida soubemos encurtar a distância entre Recife-Fortaleza. Agradeço a Juliana, que bom tê-la encontrado lá em 2012 e pela nossa amizade desde então. Obrigado também Lívia pelas dicas preciosas para a prova de mestrado e pelo carinho. Ao Nacif, companhia constante nas minhas idas ao Rio em 2012, e por me apresentar o Pink Floyd. E a todos os outros amigos que fiz no Rio de Janeiro, minhas saudades e muito obrigado! A Wanessa e a Fabiana Bruce, que pensam a fotografia nas suas pesquisas enquanto historiadoras. Nós ainda somos poucos em Recife, por isso encontrá-las foi tão bom. Fabi, obrigado pela leitura generosa do meu texto. Carpina, Pernambuco, 2015, durante um intenso verão. ResumoO trabalho a seguir tem como objeto a análise da fotografia como elemento da experiência histórica contemporânea, com base no estudo da trajetória do fotógrafo pernambucano Alcir Lacerda. Opera-se com as noções de experiência social e prática fotográfica para se pensar o percurso social desse sujeito histórico. Procurou-se assim traçar um esboço biográfico da inserção de Lacerda na fotografia, de modo a dimensionar os espaços de sociabilidade e lugares de distinção social em torno de sua produção fotográfica. A pesquisa apresenta documentação visual produzida em esferas distintas da prática fotográfica, tais como o fotojornalismo e fotodocumentarismo. O escopo de análise dessas fontes avalia a pluralidade de contextos sociais que envolvem a trajetória de um fotógrafo, com destaque para os projetos efetivados dentro do campo de possibilidades apresentado por sua vivência. Busca-se assim, estudar a prática fotográfica contemporânea segundo circuitos, usos e funções. Palavras-chave: Experiência social. Prática fotográfica. Trajetória. Fotografia. Experiência Histórica. Abstract The following work is dedicated to analyze photography as element of contemporary historical experience based on the study of Alcir Lacerda's trajectory as a Brazilian photographer from Pernambuco. Notions such as "social experience" and "photographic practice" were employed in order to investigate this historic figure's social path. Therefore, this text intends to trace a biographical outline on Lacerda's integration in the photographic field, as means to measure the spaces of sociability and social distinction amongst his work. The present research introduces visual documents produced by different forms of photographic practices such as photojournalism and photodocumentarism. The scope of investigation of these visual sources shows the plurality of social contexts involved in a photographer's trajectory, highlighting the projects carried out within the range of possibilities presented by their social backgrounds. On that account, this work attempts to address photography and its practices including circuits, usages and functions. Keywords: Social experience. Photographic practices. Trajectory. Photography. Historical experience. Índice de ilustrações Figura 1 – Alcir Lacerda no laboratório da Faculdade de Medicina do Recife, s/d, sem autor identificado: 26 Figura 2 – “E o amanhã?” de Alcir Lacerda na campanha natalina do Ítalo Bianchi Publicitários Associados, 1977. Do lado direito, reprodução da imagem original, s/d: 32 Figura 3 – Alcir Lacerda e Clodomir Bezerra entre os fotógrafos da Acê Filmes, s/d, autor não identificado: 34 Figura 4 – No lado esquerdo primeira proposta para sócio de Alcir Lacerda, realizada por Alcêdo Lacerda, seu irmão. À direita, segunda inscrição de Alcir Lacerda ao FCCR, onde vemos como proponente Alexandre Berzin: 45 Figura 5 – Areia molhada, ca. 1970, Alcir Lacerda: 46 Figura 6 – Telhados de Olinda, 1985, Alcir Lacerda: 46 Figura 7 – Av. Conde da Boa Vista, Recife, ca. 1970, Alcir Lacerda: 48 Figura 8 – Teatro de Santa Isabel, Recife, ca. 1970, Alcir Lacerda: 49 Figura 9 – Detalhes da arquitetura do Teatro de Santa Isabel, Recife, ca. 1970, Alcir Lacerda: 49 Figura 10 – Trabalhadores a caminho da roça – Usina Cucaú, de Lula Cardoso Ayres. Acervo Fundação Joaquim Nabuco, c.1940-1944: 51 Figura 11 – Carreiro e bois, Vitória de Santo Antão, Pernambucano, de Alcir Lacerda, ca. 1960: 52 Figura 12 - Duas épocas, Recife, 1975, de Alcir Lacerda; 54 Figura 13 - Amor em ruínas, Forte de Santo Inácio, Tamandaré, Pernambuco, 1974, de Alcir Lacerda: 55 Figura 14 - Folder da exposição “Tamandaré dos pescadores: de almas e de peixes”: 58 Figura 15 – Igreja do Salvador do Mundo (Sé de Olinda), 1985, Alcir Lacerda. Acervo Masp| Coleção Pirelli: 60 Figura 16 – Petrolina, Pernambuco, ca. 1960, Alcir Lacerda. Acervo Masp| Coleção Pirelli: 61 Figura 17 – Corrida de Jangadas, Ceará, ca.1960, Alcir Lacerda. Acervo Masp| Coleção Pirelli: 62 Figura 18 - Juazeiro da Bahia, ca.1970, Alcir Lacerda. Acervo Masp| Coleção Pirelli: 63 Figura 19 – Recife, ca. 1960, Alcir Lacerda: 64 Figura 20 - díptico do fotógrafo Gilvan Barreto, 2012: 69 Figura 21 – Folder da exposição Olinda em preto e branco, fotografias de Alcir Lacerda: 71 Figura 22- Folder da Exposição Recife e Olinda - cidades que amo, com fotografias de Alcir Lacerda, 2014: 72 Figura 23 – Fotografia de Beto Figueiroa. Rua do centro histórico de Recife, carnaval 2013: 73 Figura 24 – Marco da Nascente do Rio São Francisco, São Roque de Minas – MG, 2004, Alcir Lacerda: 83 Figura 25 - Rio São Francisco, 2004, Alcir Lacerda: 84 Figura 26 - Rio São Francisco, 2004, Alcir Lacerda: 86 Figura 27 – Pescador no Rio São Francisco, 2004, Alcir Lacerda: 87 Figura 28 – Artesão trabalhando. Rio São Francisco, 2004, Alcir Lacerda: 88 Figura 29 – Rio São Francisco, cidade não identificada, 2004, Alcir Lacerda: 89 Figura 30 – Capa da Revista Manchete, n° 627, 25 de abril de 1964: 102 Figura 31 - Sumário da Revista Manchete, n° 627, 25 de abril de 1964? 102 Figura 32 - A prisão de Arrais [sic] em Pernambuco, Revista Manchete, n°626, 18 de abril de 1964: 115 Figura 33 - Terror e morte no Recife, n° 746, 6 de agosto de 1966, p.6-7: 118 Figura 34 - Terror e morte no Recife, n° 746, 6 de agosto de 1966, p.8-9: 119 Figura 35 - Terror e morte no Recife, n° 746, 6 de agosto de 1966, p.10-11: 120 Figura 36 - “Pernambuco festeja a vitória”, Revista Manchete, n°627, 25 de abril de 1964, p.36-37: 122 Figura 37 - “Pernambuco festeja a vitória”, Revista Manchete, n°627, 25 de abril de 1964, p.38: 123 Figura 38 - José Ermírio entrevista a Fernando Cascudo, Revista Manchete, n°638, 11 de julho de 1964, p.104-105: 124 Figura 39 – Costa e Silva, Revista Manchete, n°661, 19 de dezembro de 1964 ,p.18-19: 124 Figura 40 – Pernambuco: o despertar de um povo, Revista Manchete, n°662, p.76-77: 125 Figura 41 - Pernambuco: o despertar de um povo, Revista Manchete, n°662, p.78-79: 126 Figura 42 - Pernambuco: o despertar de um povo, Revista Manchete, n°662, p.80-81: 126 Figura 43 – Uma antevisão de 1967, Revista Manchete, n°772, 4 de fevereiro, p.92-93: 127 Figura 44 – Uma antevisão de 1967, Revista Manchete, n°772, 4 de fevereiro, p.92-93: 127 Figura 45 – O comportamento sexual de João José. Revista Manchete, n°751, 10 de setembro de 1966, p.22-23: 132 Figura 46 - O comportamento sexual de João José. Revista Manchete, n°751, 10 de setembro de 1966, p.24-25: 133 Figura 47 – Quem diz açúcar diz nordeste. Revista Manchete, n° 728, 2 de abril de 1966, p.104-106: 137 Figura 48 - Nordeste – o flagelo das águas. Revista Manchete, n° 640, 25 de julho de 1964, p. 98-99: 139 Figura 49 – Taipú: a grande barragem. Revista Manchete, n°704, 16 de outubro de 1965, p.100-103: 140 Figura 50 - Ondas III, Tamandaré, 1983, Alcir Lacerda: 151 Figura 51 – Seu Cabloco, pescador de Tamandaré, ca. 1970, Alcir Lacerda: 152 Figura 52 – Seu Caboclo, ao fundo Praia de Tamandaré, Pernambuco, ca. 1970, Alcir Lacerda: 152 Figura 53 – Pescador com apetrechos de pesca, Tamandaré, ca.1970, Alcir Lacerda: 153 Figura 54 – Pescador com vara de peixe, Tamandaré, ca. 1970, Alcir Lacerda: 153 Figura 55 – Tamandaré, Pernambuco, ca.1970: rede e agulha de costura, Alcir Lacerda: 154 Figura 56 – Praia de Tamandaré, Pernambuco, 1972, Alcir Lacerda: 155 Figura 57 – Tamandaré, Pernambuco, ca. 1970: samburá e peixes, Alcir Lacerda: 156 Figura 58 - Tamandaré, Pernambuco, ca. 1970: pescador, samburá e peixes, Alcir Lacerda: 157 Figura 59 – Tamandaré, Pernambuco, ca. 1970: covo para peixe, Alcir Lacerda: 159 Figura 60 – Bicheiro, Tamandaré, ca. 1970, Alcir Lacerda: 160 Figura 61 – Aviamentosde pesca, Tamandaré, ca. 1970, Alcir Lacerda: 160 Figura 62 – Tauaçu (âncora), Tamandaré, ca. 1970, Alcir Lacerda: 161 Figura 63 - Carnaval, Recife, ca.1960, Alcir Lacerda: 166 Figura 64 – Av. Recife, Conjunto Habitacional do Ipsep, Recife, ca.1970, Alcir Lacerda: 173 Figura 65 – Recife, ca. 1975, Alcir Lacerda: 175 Figura 66 – Praça da Independência, confluência das avenidas Dantas Barreto e Guararapes, Recife, ca.1970. 176 Figura 67 – Abertura da Av. Dantas Barreto, conjunto arquitetônico do Carmo, Igreja de São Pedro dos Clérigos, Igreja dos Martírios, ainda de pé no meio da avenida, 1973, Alcir Lacerda: 180 Figura 68 – Igreja do Bom Senhor dos Martírios, já sem sua torre, Recife, 1973, Alcir Lacerda: 181 Figura 69 – Praia de Boa Viagem, Recife, ca.1970, Alcir Lacerda: 184 Figura 70 – Rio Capibaribe, Rua do Sol, Recife, ca. 1970, Alcir Lacerda: 185 Figura 71 – Aeroporto Guararapes, Praça Salgado Filho, Recife, 1965, Alcir Lacerda: 187 Sumário Uma introdução ou os bastidores da pesquisa 13 Capítulo 1 – Alcir Lacerda, um esboço biográfico 21 1.1 Cartografia de uma experiência 23 1.2 Prática fotográfica e sociabilidades: convivências e circuitos 43 1.2.1 O fotógrafo atuante: prêmios, exposições e o engajamento profissional 53 1.3 Inventário do olhar, construções da memória 64 Capítulo 2 - Agências de produção de imagem: demandas do Estado e da imprensa - registros fotográficos de Alcir Lacerda 76 2.1 Alcir Lacerda e a Acê Filmes: panorama de uma documentação fotográfica 77 2.1.1 A série fotográfica do Rio São Francisco 83 2.2 O fotojornalismo na trajetória de Alcir Lacerda: experiência na Revista Manchete 92 2.2.1 A inserção de Alcir Lacerda na Manchete e o lócus de produção do fotojornalismo 104 2.3 Chaves temáticas 113 2.3.1 O acontecimento jornalístico 113 2.3.2 Registros do panorama político 121 2.3.3 Os sujeitos como notícia 131 2.3.4 Visualidades sobre o Nordeste 133 Capítulo 3 - Reflexões e experiências com a fotografia documental de Alcir Lacerda 144 3.1 Notas de pesquisa: encontros, subjetividade e a escrita da História 144 3.2 Tamandaré, comunidade afetiva e fotografias 147 3.3 O fotógrafo e a cidade 162 3.3.1 Circunscrever a cidade: o Recife fotografado por Alcir Lacerda 163 3.3.2 A fotografia como exercício de documentar e rememorar 186 Considerações Finais 193 Referências 196 13 Uma introdução ou os bastidores da pesquisa O espetáculo da investigação, com seus revezes e seus sucessos, raramente entedia. A coisa passada é que provoca frieza. Marc Bloch, Introdução a História. 1 O texto abaixo contempla como se chegou ao objeto de estudo, as escolhas e o percurso do trabalho. É um convite aos bastidores da pesquisa. A fotografia há alguns anos se tornou objeto de afeto na minha trajetória de vida. Certamente, quando aos quinze anos ganhei minha primeira câmera fotográfica digital, da qual hoje quase não há mais registros. No aniversário de dezoito anos fui novamente presenteada com uma máquina de fotografar, mais moderna e eficiente, o que resultou numa aproximação e curiosidade cada vez maior com o exercício de fotografar “o mundo”. Esse período marcou também meu primeiro ano na universidade, como estudante do curso de História, bem como as primeiras leituras sobre a renovação das fontes historiográficas e as possibilidades de escrita da História. Decidi então que procuraria aliar a fotografia como fonte para pensar a disciplina histórica, a partir da escolha do objeto de pesquisa. Foi em meados de 2009, quando procurava entre museus e na web o trabalho de algum fotógrafo pernambucano, que encontrei pela primeira vez a referência a Alcir Lacerda (1927- 2012). Havia na época um site intitulado Retrato em Preto e Branco 2 , no qual a trajetória do fotógrafo era apresentada junto a trechos de entrevistas e imagens. Deste encontro virtual resultou uma série de outros encontros. Primeiramente, com o próprio Alcir Lacerda e a Acê Filmes, sua agência de fotografias. E algum tempo depois, com Albertina Lacerda, filha do fotógrafo e guardiã do seu acervo. Pude então conhecer de forma mais ampla as fotografias produzidas por seu pai ao longo de sessenta anos dedicados à profissão de fotógrafo. Logo após o primeiro encontro com Alcir Lacerda, dado a sua receptividade, realizei duas entrevistas orais, que tinham por principal objetivo demarcar a sua experiência enquanto 1 BLOCH, MARC. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p.83. 2 A página hospedava uma série de informações, imagens e entrevistas que cobriam parte da trajetória de Alcir Lacerda. Atualmente por causa de problemas técnicos a página encontra-se fora do ar. O site era resultado do Trabalho de Conclusão de Curso de Comunicação Social, apresentado na Universidade Federal de Pernambuco, em 2002, pelos alunos Felipe Malta, neto do fotógrafo, e Inês Calado. 14 fotojornalista, considerando na época que as leituras realizadas direcionavam a pesquisa para esse campo de atuação. Encontrei algumas dificuldades próprias ao exercício de rememorar, posto que a memória não seja um dado fixo e sim sujeito a ressignificações e esquecimentos, sejam eles propositais ou devido a questões patológicas. A partir das entrevistas, iniciei uma pesquisa sobre a produção deste fotógrafo no fotojornalismo para a revista Manchete. Excursões a Biblioteca Pública Castelo Branco, em Recife, permitiram a pesquisa sobre tais revistas. Esta abordagem se constituiu o motivo das primeiras reflexões com a trajetória do “seu Alcir” Quando em 2012 surgiu o convite para catalogar o acervo da Acê Filmes, que na época fechava as suas portas, o exercício de organizar os negativos fotográficos trouxe outra dimensão à pesquisa que se realizava. A aproximação com estas imagens e outras, encontradas no acervo pessoal de Lacerda, colocaram questões que ampliavam o tema estudado. A série fotográfica sobre o Rio São Francisco, produzida pelo fotógrafo para a Chesf em 2004, somou-se à sua experiência com o fotojornalismo. Nesse intervalo de tempo, procurei enfocar a sobre a trajetória de Lacerda e a série mencionada acima oferecia possibilidades de incursionar por outra perspectiva da prática fotográfica desse sujeito histórico. Aos poucos os objetivos da pesquisa foram redimensionados, principalmente após a minha entrada no mestrado, e a possibilidade de acrescentar ao trabalho perspectivas que apenas a investigação no fotojornalismo não proporcionaria. A trajetória de Alcir Lacerda se mostrava diversificada e muito mais rica, quando pensada no campo ampliado da prática fotográfica. Nesse contexto, as noções de experiência social e prática fotográfica tornaram-se importantes para pensar a trajetória desse fotógrafo, na medida em que desvelavam questões sobre uma experiência histórica mediada por imagens. Assim, incorporou-se a discussão novas fontes visuais que esgarçavam o percurso de Alcir Lacerda na profissão de fotógrafo. As fontes que tratavam da prática fotojornalística somaram-se àquelas vivenciadas no fotodocumentarismo e também a fotografia produzida na Acê Filmes e agenciada para órgãos institucionais do governo, que constituem excelentes exemplos para pensar a noção de fotografia pública. 3 3 MAUAD, Ana Maria. Fotografia pública e cultura visual, em perspectiva histórica. Revista Brasileira de História da Mídia, v.02, n.2, jul.2013/dez.2013. Disponível em: http://www.unicentro.br/rbhm/ed04/dossie/01.pdf. http://www.unicentro.br/rbhm/ed04/dossie/01.pdf 15 Em perspectiva, desde 2009, pensar a trajetória fotográfica de Alcir Lacerda mobilizou uma série de leiturase incursões sobre fontes variadas, com o objetivo de compreender a fotografia como elemento da experiência histórica contemporânea. Para tal, seria preciso pesquisar sobre as diferentes práticas fotográficas que atravessaram sua vivência profissional. Alcir Lacerda iniciou sua carreira na década de 1940, fotografando aniversários de amigos e peladas no bairro onde residia. Desta época até os primeiros anos do século XXI esteve registrando a vida social, política e cultural do Recife, marcadamente. Contudo, seu trabalho ampliou-se para além da capital pernambucana e do próprio Estado, de modo que sua fotografia tornou-se referência no contexto nacional. Em sua trajetória profissional se incluem a fotografia de reportagem social, publicitária, fotodocumentarismo, fotojornalismo e ainda a fotografia científica. Espaços múltiplos de atuação em que se inscrevem também variados contextos de produção da imagem na tessitura social. Tal percurso destaca a fotografia enquanto mediadora de relações sociais e fornece espessura a experiência do sujeito histórico, que é ele mesmo um mediador no processo de produção de sentido. Para encaminhar a pesquisa tomamos emprestadas algumas noções que fornecem embasamento para problematizar a trajetória de Lacerda no contexto de uma experiência histórica visual. As noções de projeto e campo de possibilidades 4 são fundamentais na abordagem de trajetórias individuais. Para compreender os projetos elaborados pelos sujeitos e as alternativas apresentadas a estes no processo sócio histórico. Partindo dos estudos elaborados por Gilberto Velho (1994), o campo de possibilidades trata do que é dado com as alternativas construídas do processo sócio-histórico e com o potencial interpretativo do mundo simbólico da cultura. O projeto no nível individual lida com a performance, as explorações, o desempenho e as opções, ancoradas as avaliações e definições da realidade.5 Estes conceitos auxiliam na análise da trajetória de vida do fotógrafo, na medida em que configuram um quadro sócio histórico, que não esvazia as singularidades e peculiaridades dos percursos individuais. O campo de possibilidades enquanto dimensão sociocultural é um espaço para formulação de projetos que permitem aos sujeitos alcançar finalidades específicas. Importante à compreensão que a noção de campo de possibilidades se faz a partir de relações sociais dinâmicas, esgarçadas a partir de mudanças em contextos onde atuam os sujeitos. 4 VELHO, Gilberto. PROJETO E METAMORFOSE. Antropologia das Sociedades Complexas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. MAUAD, Ana Maria. Poses e Flagrantes: Ensaios sobre História e Fotografia. Niterói: Editora da UFF, 2008. 5 Idem, p. 28. 16 Recorremos também à análise micro-histórica, repensando a abordagem da História Social, a partir de um redimensionamento da escala de observação dos objetos e questões na pesquisa histórica. Ao privilegiar as experiências dos atores agindo como sujeitos e suas relações sociais, a microanálise amplia o campo de possibilidades e permite reconstruir a multiplicidade das ações humanas. Tal análise propõe “constituir a pluralidade dos contextos que são necessários à compreensão dos comportamentos observados”. 6 Assim, ao invés de deter-se na elaboração de um contexto global que procuraria enquadrar o problema histórico num quadro unificado e homogêneo, procura-se privilegiar os encontros, vivências e representações sociais construídas pelos sujeitos na vida cotidiana. A experiência social de Alcir Lacerda não é sugerida enquanto excepcional, mas inserida numa comunidade de experiências em que o itinerário de vida do fotógrafo aponta a pluralidade de contextos de referência, dos espaços e do tempo, onde se inscrevem as relações sociais. Essa análise permite então reconstituir, a partir do estudo de trajetórias, o espaço de manobra dos atores sociais e os sentidos nela esboçados. A noção de experiência social, formulada por E. P. Thompson, igualmente orienta nossas análises da trajetória de Lacerda ao oferecer escopo conceitual para pensar a condição de mudança na existência dos indivíduos comuns enredados nas redes de sociabilidade no processo histórico. Segundo o autor, “há um sem número de contextos e situações em que homens e mulheres, ao se confrontar com as necessidades de sua existência, formulam os próprios valores, e criam sua própria cultura, intrínsecos ao seu modo de vida.” 7 Para Thompson, compreender o processo histórico se viabiliza em apreender como os sujeitos agem e formulam pensamentos dentro de determinadas condições sociais. A experiência é constituída quando homens e mulheres definem e redefinem suas práticas e concepções. Na reflexão empreendida por este trabalho, esta noção permite perceber como a experiência do fotógrafo constrói sentidos e modifica de modo sutil ou mais radicalmente sua própria trajetória de vida. Em relação à prática fotográfica vale ressaltar que, segundo Mauad (2011), essa se torna fundadora da experiência visual moderna. Desde os oitocentos a fotografia se colocou como uma nova possibilidade de narrar e conhecer o mundo, instituindo modos de olhar e apreender 6 REVEL, Jacques (org). Jogos de Escalas: a experiência da microanálise. Tradução Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998. 7 THOMPSON, E. P. “Folclore, antropologia e história social”. In As Peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Unicamp, 2001, p.261. 17 o visível. No século XX, a fotografia de imprensa também estabeleceu novos parâmetros visuais, que poderiam ser ressaltados pelo papel que esta assumiu em elaborar uma imagem para a nação brasileira que se modernizava. Por outro lado, a imagem fotográfica atuou no registro dos movimentos sociais, lutas políticas e na construção de politicas de identidade. Em projetos de documentação social variados, notabilizados por engajamentos sociais que articulam a prática fotográfica a experiências sensíveis do sujeito fotógrafo. Esse quadro evidencia assim a relação entre fotografia e experiência histórica, essencial para se refletir sobre a imagem fotográfica e seus usos e funções. 8 Aproximações com a antropologia podem ser extremamente proveitosas para aprofundar a apreensão das imagens. Elizabeth Edwards comentava em artigo dos anos 1990, que “historiadores com espírito antropológico e antropólogos com espírito de historiadores” 9 eram uma lacuna que havia sido preenchida há poucos anos. Atualmente, o relacionamento entre as duas disciplinas tem-se mostrado muito enriquecedor e viabilizado diversas pesquisas. Edwards aponta ainda que a análise visual se caracteriza mais pela capacidade de se ponderar sobre as possibilidades contextuais da imagem, do que apenas se esboçar uma mera interpretação. Desse modo, o estudo ao longo dos capítulos procurou estabelecer relações de proximidade com a reflexão antropológica sobre as narrativas inscritas nas imagens. Como método para desenvolver este trabalho, recorremos à metodologia da história oral e também aos estudos apoiados na visualidade, que oferecem consistência à análise ao dimensioná-la como plataforma de observação social das experiências históricas. Aborda-se a história oral como método de pesquisa que se constitui a partir dos processos de rememoração para problematizar a trajetória estudada. A fonte oral resulta de uma construção dialógica entre pesquisador e entrevistado, que permite a construção de um conhecimento sobre o passado vivido como experiência. Nesse sentido, o exercício de rememorar proposto pelas entrevistas de história oral constrói narrativas resignificadas sobre o passado e põe em destaque processos coletivos a partir da dinâmica da vida individual.10 Para a pesquisa aqui apresentada, além dos depoimentos iniciais recolhidos junto a Alcir Lacerda, realizaram-se mais três entrevistas com 8 MAUAD, Ana Maria. Prática Fotográfica e a Experiência Histórica – Um Balanço de Tendências e Posições em Debate. Revista Interín (Curitiba), v. 10, p.45-58, 2011. 9 EDWARDS, Elizabeth. Antropologia e Fotografia. Cadernos de Antropologia e Imagem, 2: 11-28, 1996, p.11. 10 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. 18 o propósito de recompor a trajetória desse fotógrafo a partir da fala de pessoas que conviveram junto a ele. Albertina Lacerda, filha do fotógrafo, concedeu duas entrevistas, uma em janeiro e outra em dezembro de 2014. Na família Lacerda, Albertina tornou-se a principal mediadora e articuladora da trajetória do pai. Devido também a sua formação universitária em História e seu trabalho na Fundação Joaquim Nabuco, junto aos acervos iconográficos dessa instituição. Acreditamos que esse papel seja reforçado pelo entendimento da produção documental fotográfica enquanto artefatos de memória e conhecimento. As entrevistas realizadas com ela narram parte da história de sua família, desde a infância de seu pai até o seu casamento. Contam também sobre a relação estabelecida por Lacerda com a praia de Tamandaré e de modo geral esboçam sua dedicação a fotografia documental. A Acê Filmes, a agência que por muito tempo mobilizou as atenções do fotógrafo também foi tema nos depoimentos, bem como alguns dos trabalhos agenciados para os órgãos de governo a nível estadual e federal. A outra entrevista, realizada com Ivanildo Sampaio, jornalista e atual diretor da redação do Jornal do Commercio, enfatiza o período em que Alcir Lacerda atuou como fotojornalista na revista Manchete. Sampaio esteve junto com o fotógrafo na sucursal da revista em Recife durante alguns anos, de maneira que a sua entrevista possibilitou compreender um pouco da dinâmica e da atuação dessa revista. Tanto a nível regional, pensando a abrangência que a sucursal tinha em todo Nordeste, e a nível nacional, já que a revista circulava em todo território. Esta entrevista ajuda-nos ainda a caracterizar a atuação de Lacerda como profissional da fotografia no fotojornalismo, além de reafirmar seu papel de formador de gerações de fotógrafos que passaram pela Acê Filmes. As fontes visuais evidenciam os percursos do próprio fotógrafo. Do fotojornalismo produzido para uma revista ilustrada na década de 1960 no Brasil a projetos de documentação fotográfica geridos a partir de engajamentos pessoais e estreitados por laços sociais de afeto e identidade. Há ainda, o conjunto documental produzido pela Acê Filmes, e o trabalho executado por Lacerda para a Companhia Hidroelétrica do São Francisco, em 2004. Para discorrer sobre esses múltiplos espaços de sociabilidade e esta produção diversificada, deslocamos a atenção das fontes visuais para o campo da visualidade como plataforma de observação do social. 11 De certo, que trabalhando com um conjunto documental fotográfico amplo, não nos atemos a pensá-los enquanto objetos de pesquisa. Estes são, no 11 MENESES, Ulpiano Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, história visual. Balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História, Rio de Janeiro, v.23, n.45, jul.2003. 19 entanto, tomados para problematizar questões mais amplas colocadas pela formulação de problemas históricos. Trata-se, portanto, de trabalhar com a fotografia enquanto elemento da experiência histórica na contemporaneidade. Para tal, a experiência social de Alcir Lacerda através de uma prática fotográfica múltipla fornece importantes elementos de compreensão à questão posta. Decorre do entendimento que são os problemas visuais que devem orientar a pesquisa, o encaminhamento dado ao uso das séries fotográficas estabelecidas no decorrer do terceiro capítulo. Igualmente a produção da Acê Filmes e as fotorreportagens discutidas no capítulo dois caracterizam um esforço em apontar caminhos de pesquisa e interpretação sobre o conteúdo visual elaborado como investimento de sentido nos processos sociais que os engendraram. Menezes (2003) corrobora no entendimento já estabelecido pela historiografia sobre o tema, que “trabalhar historicamente com imagens obriga, por óbvio, a percorrer o ciclo completo de sua produção, circulação e consumo.” 12 Implica este fato na ideia que é preciso situar as imagens em contextos específicos e ainda que as fotografias não produzem sentido em si mesmas. Mas, constroem significados a partir da interação social estabelecida em tempos, lugares e circunstâncias a depender da intervenção dos sujeitos que por elas se deixam afetar. Certamente, deste processo participa também o historiador que atravessado por questões da pesquisa, carrega em suas experiências de vida elementos que também fornecem sentido as suas escolhas e trajetória intelectual. Nesse sentido, esse percurso que procurou apresentar o processo de concepção e realização da pesquisa, retorna nesse ponto ao meu encontro com Alcir Lacerda, e o meu interesse anterior pela fotografia. Desse modo, pensar a trajetória desse fotógrafo tomou forma como projeto de pesquisa e construção de conhecimento histórico. Assim, esse processo de feitura do trabalho que segue, remete ao contexto de relações sociais e ao conjunto de descobertas próprias vivenciadas durante a pesquisa. Constitui-se como uma dupla tarefa: procura tecer uma narrativa em diálogo com as fontes, suas lacunas e possibilidades, e por outro lado apresenta um processo de reflexão, ainda em construção, que sinaliza questões sobre a experiência visual como elemento da História. 12 Idem, 28. 20 *** A dissertação divide-se em três capítulos. O primeiro procura esboçar a inserção de Alcir Lacerda nos espaços de sociabilidade onde “aprendeu” a fotografar, bem como as condições sociais e técnicas desse aprendizado. Investe-se também numa reflexão que procura apresentar a produção desse fotógrafo a partir de um espaço de reconhecimento e afirmação social, ao mesmo tempo em que inventaria os processos de rememoração contemporâneos entorno da obra de “seu Alcir”. O segundo capítulo procura traçar um panorama e analisar as fotografias realizadas por Lacerda agenciadas para órgãos governamentais e para a grande imprensa, tal qual é o caso da revista Manchete. Na documentação agenciada para instituições públicas destaca-se o papel da Acê Filmes como agência produtora de imagens no Estado de Pernambuco. Em seguida, o terceiro capítulo propõe uma reflexão sobre a fotografia documental de Lacerda e as experiências tecidas no contexto de relações sociais calcadas em comunidades de afeto e engajamento com temas de interesse na trajetória do sujeito. As séries escolhidas para encaminhar essa proposta foram as séries fotográficas sobre Tamandaré, e outra sobre a cidade do Recife, ambas produzidas entre as décadas de 1960-1980. Pretende-se que o corpus documental apresentado seja discutido de modo a pensar como a experiência desse sujeito a partir de uma prática social situada historicamente nos permita compreender a visualidade como dimensão da experiência histórica. 21 Capítulo 1 - Alcir Lacerda, um esboço biográfico Em 2004, aos 77 anos de idade, o fotógrafo Alcir Lacerda foi convidado a chefiar uma expedição fotográfica ao rio São Francisco. No contexto do projeto Opará dos Caetés: as cores do São Francisco em preto e branco, idealizado pelos fotógrafos Severino Silva e Teresa Branco, o percurso ao longo do rio de 3,2 mil quilômetrosdurou um mês e meio, e foi percorrido em caminhonetes, embarcações e helicóptero. Com financiamento da Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) e de extenso alcance, o projeto realizou uma ampla documentação sobre o Velho Chico, nome pelo qual o Rio São Francisco é popularmente conhecido. Alcir Lacerda foi o único da equipe a fotografar em película, tendo constituído um acervo de cerca de 1200 negativos, 120mm, em preto e branco 13 . Em entrevista concedida ao jornal Diario de Pernambuco na época da expedição, a fotógrafa Teresa Branco, umas das integrantes da equipe, comentou que as fotografias documentariam “a parte esplendorosa do rio” 14 , mas também seus problemas seriam expostos ainda que a intenção não fosse a denúncia. Tal projeto tinha diversos enfoques, como a documentação para uso turístico, jornalístico, artístico e ainda técnico já que o material fotografado seria utilizado em pesquisas da Chesf, dentre as quais poderíamos mencionar a possibilidade de revitalização do rio. Ainda segundo os fotógrafos do departamento de fotografia da Chesf, o enfoque de seus olhares, no decorrer da expedição, estaria dirigido para o ser humano: “registraremos como ele vive em função do rio”, segundo a fala de Alcir Lacerda. Outra questão importante é que essa documentação fotográfica também chegou ao circuito público através de uma exposição organizada no ano posterior. Este trabalho foi o último grande projeto em que Lacerda esteve envolvido durante sua larga trajetória na fotografia. Acreditamos que o corpus documental dessa coleção nos permita afirmar inicialmente a construção de um olhar analítico, marcado por uma expressão pessoal, delineada no apuro da técnica, na composição dos quadros e na escolha marcante do preto e branco. Para além de uma marca pessoal inscrita nas imagens, igualmente interessante seria perceber as singularidades que constituem esse acervo. Em 2004, a fotografia digital 13 Atualmente esta série encontra-se sumariamente organizada sob a guarda de Albertina Lacerda Malta, filha do referido fotógrafo. Sendo ainda necessário seu correto acondicionamento e o levantamento de informações referentes à numeração dos negativos. 14 CAVANI, Júlio. “Imagens que revelam todo o esplendor do Rio São Francisco.” Diario de Pernambuco, Pernambuco, p.6, 7 de set. de 2004. 22 caracterizava uma experiência ainda em desenvolvimento para a geração de fotógrafos então atuantes, simbolizada por uma maior agilidade e facilidade na produção da imagem. Porém, Lacerda insistia na película fotográfica como suporte de uma linguagem que atravessaria o tempo. A escolha por esse suporte, em específico, diz do seu pertencimento a outra geração 15 de fotógrafos, onde a película fílmica era o único para o registro fotográfico. Formados em meados do século passado, a partir da década de 1940, estes sujeitos acompanharam o desenvolvimento da tecnologia fotográfica com muita proximidade, na medida em que os novos avanços caracterizavam também novidades na execução de seus trabalhos. Embora esta não seja um atributo específico dessa geração apenas, se considerarmos que desde o surgimento da fotografia, ainda no século XIX, o domínio da técnica esteve em relação com os fotógrafos que dela dependiam na execução de seu trabalho. Lacerda, ao optar pelo filme fotográfico, afirma sua opção pela durabilidade e precisão na imagem possível com este suporte. Tal posicionamento não se encontra diluído em preferências simplistas ou contemporâneas à produção do acervo, mas é historicamente datado se pensarmos que ele tem sua formação em um contexto anterior, acima mencionado. Diferentemente dos outros dois fotógrafos participantes da expedição, que utilizaram a digital, Lacerda relaciona e inscreve sua produção como marca de outra experiência em que passado, presente e futuro articulam novos sentidos para a narrativa visual. A intenção em iniciar o texto ressaltando a série Rio São Francisco está na compreensão que o olhar do fotógrafo foi gestado no decorrer de um percurso em que a experiência social desse sujeito, a partir de um saber fazer específico, se mescla a uma experiência histórica enredada por imagens. Desse modo, desde que a fotografia, e posteriormente o cinema, revolucionaram a forma de nos relacionar com o mundo visível, os horizontes da vida social ampliaram-se. A experiência fotográfica brasileira se fez múltipla em meados do século XX: foi o período em que a fotografia assumiu um lugar de destaque nas narrativas veiculadas pela imprensa ilustrada; que a experiência fotoclubista também permeava as ações de sujeitos interessados em discutir a prática fotográfica amadora vinculada a uma perspectiva artística. Fenômenos que tornaram possível discutir a experiência moderna na fotografia contemporânea como arte 15 Partimos das análises de Sirinelli que compreende o conceito como uma escola móvel no tempo que varia conforme os períodos e setores abordados pelo pesquisador. Nesse sentido, as gerações são de geometrias variáveis e estabelecidas a partir de um evento fundador. Ver SIRINELLI, Jean-François. A geração. In AMADO, Janaína. FERREIRA, Marieta (coord.). Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2006. 23 esteticamente autônoma, além da prática documental, gênero que incorporou as tensões do tecido social na construção de imagens marcantes. A análise da trajetória de Lacerda possibilita que se perceba a fotografia como atividade múltipla, que percorre distintas áreas do fazer fotográfico. 16 Nesse sentido, este primeiro capítulo volta-se para a análise da trajetória de Alcir Lacerda a partir da sua inserção na atividade fotográfica. Um percurso que é a um só tempo distinto, pois segue o itinerário de um indivíduo na trama social, mas também diverso. Uma vez que o fio de uma vida particular se entrelaça com múltiplos espaços e tempos, e uma rede de relações que se modifica de acordo com contextos específicos. O esboço biográfico não se pretende extenso, ao mesmo tempo em que não assume uma cronologia linear, procurando assim privilegiar o(s) encontro(s) do sujeito com a fotografia em suas variadas possibilidades de atuação na esfera profissional, documental ou amadora. Ora contextualizando pequenas informações recolhidas em textos de revistas, boletins ou jornais, ao longo da carreira do fotógrafo, ora apresentando imagens que nos permitam avançar na compreensão da trajetória desse sujeito, ou ainda recorrendo aos depoimentos orais da pesquisa. O interesse não é adotar Alcir Lacerda como um exemplo, enquanto fotógrafo atuante em sua geração. Não se trata de torná-lo ilustrativo de uma realidade ampliada do social. Por outro lado não há a intenção de demarcar a trajetória desse fotógrafo em um quadro sintetizador de várias outras vidas, ou seja, que a biografia aqui delineada seja um meio privilegiado de acesso a outras experiências sociais balizadas pela visualidade. A ideia é pensar este sujeito não como uma evidência, mas uma interrogação sobre a prática fotográfica como elemento da experiência histórica. 1.1 Cartografia de uma experiência Alcir Lacerda nasceu no Engenho Concórdia, em São Lourenço da Mata 17 , em 1927. Filho de Emília e Francelino foi o penúltimo de dez filhos. Seu pai era contador do engenho onde residiram durante boa parte da infância de Lacerda. Este estudou até o segundo ano primário ainda na cidade de São Lourenço da Mata, não dando continuidade aos estudos 16 Segundo Costa e Rodrigues, com a expansão do mercado o nível de especialização do fotógrafo foi sendo cada vez mais necessário o que resultou na necessidade de profissionalização. COSTA, Helouise. RODRIGUES,Renato. A fotografia moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ: IPHAM: FUNARTE, 1995. 17 Município pernambucano distante 19,7 km do Recife. 24 posteriormente. Mudaram-se toda a família para o Recife onde alguns de seus irmãos prosseguiram nos estudos, e apenas o mais novo dos irmãos Lacerda cursou o ensino superior em medicina veterinária. 18 A nova casa no bairro de Caxangá localizava-se na várzea do rio Capibaribe, o que aproximou Lacerda do rio e da pesca. Essa área, conhecida como Sertãozinho de Caxangá, abrigava uma vegetação verde, onde o rio corria perto, e havia também um campo de futebol onde Lacerda empregava parte do seu tempo. Tendo inclusive cogitado se tornar jogador de futebol amador. Nesse contexto, do futebol e pescarias na vizinhança, foi que a fotografia atravessou o percurso de Alcir Lacerda. De modo informal, aos 15 anos, ele começou a registrar imagens com uma Rolleiflex emprestada de uma vizinha. Assim, os jogos de futebol e a pesca foram os temas principais de seus primeiros registros. Contudo, o que começou sem maior pretensão ao campo profissional acabou assumindo uma feição produtiva quando ele passou a ser requerido a fotografar eventos sociais a convite de amigos. Em pouco tempo, Lacerda percebeu que a fotografia podia ser mais que uma atividade corriqueira e passou a incursionar pela esfera fotográfica. O trabalho na JM Monteiro, empresa que fazia fotoestáticas e cópias heliográficas, em 1949, foi profissionalmente seu primeiro contanto com um laboratório de fotografia. As informações são escassas sobre esse período inicial da carreira de Lacerda, mas conforme pudemos inquerir em uma reportagem encontrada na Revista Pro-Novas 19 , a JM Monteiro abrigava arquitetos com os quais o fotógrafo conviveu durante seu tempo de trabalho nessa empresa. Esse primeiro espaço de sociabilidade possibilitou um aprofundamento e uma verdadeira imersão na fotografia e firmou a decisão do sujeito em especializar-se na profissão. Para Lacerda, a experiência com o laboratório e a revelação de filmes fotográficos constituiu-se como primeiro campo de possibilidades que o projetou numa rede de relações que permitiu seu aperfeiçoamento. Com os arquitetos da JM, segundo a narrativa na Pro- Novas, Lacerda “aprendeu muito como, por exemplo, distinguir o melhor ângulo de uma foto” 20 . 18 Não ficamos sabendo o nome de todos os seus dez irmãos. Porém, o que se formou em veterinária chamava-se Ari. Havia também Alcêdo que era fotógrafo como o irmão. Assis, que trabalhou na Acê Filmes administrando a empresa durante um tempo que não identificamos. E também Alcindo que era dono de um negócio no interior do Estado próximo ao Recife e faleceu recentemente. Apesar de apenas um ter realizado a formação acadêmica, soubemos que outros concluíram o segundo grau completo. 19 Revista Pro-Novas. E com Acê Filmes. Kodak, p.6-9, n° 27,1982. 20 Revista Pro-Novas. Op. cit., 6. 25 Nesse mesmo período conheceu a Praia de Tamandaré, apresentada por um amigo de nome Nilo Gouveia. Dessa visita nasceu uma paixão particular por Tamandaré que se perpetuou durante toda sua vida, mesclando-se assim com uma prática fotográfica documental atuante. As discussões do terceiro capítulo pretendem analisar parte dessas imagens, produzidas entre as décadas de 1970-1980, tomadas como referência no contexto dessa ampla documentação que acompanha a transformação de um vilarejo em cidade ao longo de cinquenta anos. Tamandaré surgiu no horizonte de perspectivas de Lacerda a partir da dinâmica do processo social e tornou-se um projeto individual no qual o sujeito se inseriu pela sua autonomia e subjetividade. Um engajamento gerido por laços afetivos construídos nas imagens e por meio delas e que teve na percepção dos interesses do fotógrafo um espaço de desenvolvimento do seu olhar. Ainda na década de 1950, quando do seu encontro com Tamandaré, sua carreira ainda estava em ascensão, e a liberdade encontrada nos registros desse espaço foi importante no exercício de uma fotografia de expressividade pessoal que começava a se delinear como amostra sensível e intelectual sobre um campo de saber profissional. Na vida pessoal, no ano de 1952, Lacerda casou-se com Maria da Conceição Alencastro Almeida, que havia conhecido a partir de amigos em comum entre os bairros de Caxangá e Graças, que se localiza na zona norte do Recife. Tiveram cinco filhos: Emília (1953), Albertina (1955), Virgínia (1957), Alcir Filho (1960) e Cristiane (1962). Na década de 1960 a família chegou a residir no mesmo logradouro da infância de Lacerda. Porém, após a cheia de 1966, quando o Capibaribe inundou boa parte da cidade, a família mudou-se para o Bairro das Graças. Uma experiência diversificada começou a ser formulada quando iniciou o trabalho na Faculdade de Medicina do Recife, 21 em 1957, no bairro do Derby. Sua entrada na fotografia científica 22 , onde assumiu o ofício de fotografar cadáveres, doentes, micróbios, operações e 21 Atual Curso de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco, instalado no Hospital das Clínicas no Campus Recife. 22 A fotografia científica pode ser compreendida pela obtenção e utilização de imagens no processo de produção científica. Sua prática é associada a diversas formas de pesquisa, de forma bastante usual e em larga escala, não se limitando apenas a ciência, mas sendo utilizada em operações militares, na educação, nas artes, entre outros usos. Segundo Belz, “em termos gerais, a fotografia científica trata sobre o registro fotográfico de temas que são muito pequenos, muito distantes, muito rápidos ou muito difíceis de ver a olho nu, registro de aspectos físicos e ecológicos de ambientes naturais e seres vivos e para registros antropológicos.” BELZ, C. E. 2011. “A fotografia científica”. Site Fotografia Científica. Disponível em http://www.fotocientifica.com/2011/08/fotografia- cientifica.html. Acesso em 19/04/2014. http://www.fotocientifica.com/2011/08/fotografia-cientifica.html http://www.fotocientifica.com/2011/08/fotografia-cientifica.html 26 uma gama de serviços ligados também a fotomicrografia 23 . As imagens serviam aos estudos de histologia e ontologia. O trabalho que era inteiramente distinto do realizado junto aos arquitetos acabou ganhando a empatia de Lacerda após um começo difícil no laboratório: “quase desisti, porque o trabalho era completamente diferente daquele que eu fazia na arquitetura. Mas depois, eu comecei a ler sobre o assunto e acabei gostando muito. É incrível presenciar uma operação. Fotografar lâminas vivas é a coisa mais linda do mundo” 24 . A fotografia abaixo nos ajuda a caracterizar este trabalho, a imagem embora visivelmente posada e sem a presença do aparelho de fotomicrografia, apresenta Lacerda documentando um cadáver para fins de estudo científico. Figura 01 – Alcir Lacerda no laboratório da Faculdade de Medicina do Recife, s/d, sem autor identificado. Como fotógrafo científico esteve vinculado por 20 anos à Faculdade de Medicina do Recife. Dado o fato de este trabalho ser semi-integral, Lacerda pôde desenvolver projetos paralelos. De modo que em 1957, fundou a Acê Filmes, cujo nome é a junção das iniciais do seu nome e do seu sócio, Clodomir Bezerra (1932-1998) 25 . 23 Reprodução fotográfica de obtenção de imagens ampliadas a partir de lentes ópticas que possibilitam a visualização de estruturas não visíveis a um olhar desarmado, tais como células e micróbios. O corpo da câmera é conectado ao microscópio ao invés de lentes normais. 24 Revista Pro-Novas. Op. cit., 6. 25 Fotografou para o Jornal do Commercio, na década de 1950, especialmente para o “suplemento feminino”.Tendo trabalhado também no jornal Ultima Hora, edição de Pernambuco, e nas sucursais da Revista Veja e Placar ainda em Pernambuco. Foi associado ao Foto Cine Clube do Recife, em 1952, participando do 8° curso 27 A Acê Filmes iniciou os trabalhos com uma Rolleiflex e um ampliador que Lacerda recebera como indenização no fechamento da JM Monteiro. Nesse momento a empresa trabalhava necessariamente revelando filmes para amadores, como aqueles que encontramos no Foto Cine Clube do Recife. O próprio Lacerda esteve inserido nesse circulo de relações da prática fotográfica amadora, ainda que não siga a mesma trajetória de grande parte dos fotógrafos envolvidos nessa experiência. No que diz respeito à agência esta foi aos poucos se modernizando com a aquisição de novas câmeras e aparelhos fotográficos. Simultaneamente a isso, Lacerda recebia cada vez mais solicitações para registrar eventos sociais, tais como casamentos e aniversários. Em pouco tempo, a reportagem social assumiu um lugar de destaque na produção da Acê Filmes. Uma análise do inventário realizado sobre o acervo dessa instituição nos mostra que inicialmente em 1957, quando a Acê estreou no mercado, foram realizadas cerca de 50 reportagens sociais entre aniversários, casamentos e bodas. Em 1967, 10 anos depois, vemos uma produção estimada em 185 eventos registrados no ano. Essa análise não é realizada com valores absolutos, dado ao fato que a contagem dos arquivos apresenta muitas lacunas. 26 Porém, afora esses registros da sociedade pernambucana, ainda em 1966, vemos também a inserção da Acê Filmes no mercado da fotografia comercial. Contabilizamos a execução de seis trabalhos para empresas privadas e também do governo, sendo eles a construção e instalações das Tintas Coral; fotos de crianças para a Lemos Comercial; inauguração da fábrica Caio Norte; registros da fábrica Rayovac, vistas aéreas e produtos; além da instalação da Canesa – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) 27 (fotos de alojamentos) 28 . de fotografia dessa instituição em 1953. Foi presidente e sócio fundador da Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos da Imprensa de Pernambuco (ARFPE). Informações obtidas in BRUCE, Fabiana. Caminhando numa cidade de luz e sombras – a fotografia moderna no Recife na década de 1950. (Tese de doutorado). Recife: Programa de Pós-Graduação em História, 2005. 26 Entre 2012-2013 foi iniciado um projeto de organização do Acervo de Alcir Lacerda, do qual faz parte a coleção da Acê Filmes. Um inventário dos negativos e da produção dessa agência de fotografias esteve em processo na Fundação Joaquim Nabuco que recebeu a doação desse importante acervo em 2012. Muitos negativos encontram-se desgastados e a espera de um processo de higienização e conservação correta, dada à fragilidade do material fílmico. 27 Criada em 15 de dezembro de 1959, pela Lei n°3.692, com o objetivo de promover e dirigir o desenvolvimento da região Nordeste. A Sudene foi estabelecida como autarquia subordinada à Presidência da República, com a secretaria executiva coordenada por Celso Furtado, entre 1959-1964. 28 Não conseguimos informações sobre a Lemos Comercial, assim como não foi possível checar do que se trataria essas fotografias de instalações da Canesa na Sudene. Mas sabemos que a Acê Filmes realizou diversos trabalhos pontuais para a Sudene ao longo dos anos no material já catalogado no acervo dessa agência. A empresa Coral atua no mercado de tintas e foi fundada em 1954. A fábrica Caio Norte foi um braço da empresa paulista CAIO – Cia Americana Industrial de Ônibus. Fundada em Recife - PE em 1966. A empresa recebeu subsídios da Sudene e teve por trás de sua construção um pedido de Miguel Arraes ao responsável pela empresa na época. A Rayovac é um marca de pilhas e baterias que possui uma filial em Recife. 28 Esse mercado tornou-se promissor para a Acê durante as próximas décadas de sua existência, principalmente entre o período de 1970-1980. Já na primeira década do século XXI, com a introdução da fotografia digital e a modernização do mercado de imagens, a Acê não adere completamente a esse novo modelo de veiculação de fotografias no contexto da reportagem social. O modelo do qual falamos diz respeito à produção da imagem fotográfica atrelada a outros produtos que podemos considerar enquanto serviços de consumo. Como exemplo, seria possível mencionar empresas responsáveis pela criação, planejamento e execução em seus mínimos detalhes de eventos sociais, como formaturas acadêmicas. Contudo, e apesar desse quadro, a Acê Filmes permaneceu no mercado até 2011, realizando trabalhos de maneira mais pontual, especialmente de reportagem social para clientes de longa data, como algumas famílias tradicionais de Pernambuco 29 . Nesse momento, Alcir Lacerda era o único diretor da Acê 30 , acompanhado de dois fotógrafos, Josenildo Freire e Ronaldo Oliveira. O período principal de atuação da Acê Filmes se situa entre os anos de 1970-1980, como mencionado acima, sendo possível traçar algumas considerações importantes sobre a atuação de Lacerda junto a essa agência, assim como das especificidades da Acê em relação a outras agências de imagens nesse período. Segundo Velho (1994), os projetos assumem “uma dimensão mais racional e consciente, com as circunstâncias expressas no campo de possibilidades” 31 , assim acreditamos que a Acê Filmes se configura como um projeto do nosso fotógrafo pensado a medida que a fotografia marca sua trajetória existencial. Como os projetos não operam no vazio, sem um conjunto de referências culturais e na dinâmica do mundo social, Lacerda foi construindo uma carreira como fotógrafo diante de alternativas, convicções e projetos formulados e vivenciados nos espaços de sociabilidade, tal qual a Acê Filmes. Com um investimento financeiro que pretendia aumentar o porte da Acê, ao mesmo tempo em que a modernizava, Lacerda conseguiu conquistar um mercado de consumo de imagens significativo na cidade do Recife na década de 1960. Como sua experiência com a fotografia tornava-se mais diversificada este procurou solidificá-la a partir de leituras de conteúdos sobre a imagem fotográfica. Sobre a teoria e a prática no exercício da profissão de fotógrafo, Lacerda comentava que: “é necessário ler um pouco e praticar bastante. O ideal é 29 A família Santos, do Grupo Industrial João Santos, produtores do cimento Nassau, foi cliente da Acê Filmes durante mais de duas décadas, sendo responsável por registrar parte da história dessa família em imagens. 30 Clodomir Bezerra, seu antigo sócio, havia deixado a empresa desde a década de 1970. 31 Velho, PROJETO E METAMORFOSE, op. cit., p.8. 29 conciliar as duas coisas, porque às vezes não dá pra entender a teoria, antes de colocá-la em prática.” 32 Para Lacerda, como para muitos outros fotógrafos de sua geração, que “estudaram” a fotografia no aprendizado cotidiano, das ruas e do laboratório, sem passar por um conhecimento mais metódico ou acadêmico, a fotografia foi substancialmente o espaço da prática. Poderíamos ainda afirmar que este ambiente oferecia possibilidades diversificadas e também uma formação múltipla, o que nos ajuda a entender a trajetória de Alcir Lacerda por entre repertórios distintos na produção fotográfica. Percebe-se esse movimento, ou melhor, esse trânsito entre províncias distintas na fotografia, como próprio da existência de experiências múltiplas em que a prática fotográfica assume diferentes usos e funções. Esse potencial de metamorfose permite que os sujeitos se reconstruam permanentemente no processosocial, para Velho, “a diversificação de papéis e domínios, associada à possibilidade de trânsito entre estes, possibilitam e produzem identidades multifacetadas e de estabilidade relativa” 33 . O interessante é notar que as relações sociais não são lineares, e a identidade, como aponta Velho, é sempre plural. Assim, a identidade de Lacerda enquanto fotógrafo perfaz diferentes caminhos e agendas na fotografia. Quando em 1958, numa eleição para governo do Estado de Pernambuco, um candidato da oposição precisou de uma imagem para a campanha publicitária que pretendia elegê-lo, Lacerda foi chamado para fotografar. Esse evento foi o passaporte do fotógrafo e da Acê Filmes para a fotografia publicitária. Segundo Alzira Abreu, foi apenas na transição democrática, com a candidatura de Tancredo Neves a presidência, que as agências publicitárias se efetivaram na promoção das campanhas eleitorais. O Comitê Nacional de Publicitários Pró-Tancredo Neves reuniu a época 19 agências de todo país que trabalharam unidas para conseguir promover as Diretas já 34 e a figura de Tancredo. Esse fato se encontra na década de 1980, contudo em Recife, Lacerda havia dado início a essa experiência nos anos finais de 1950. A partir de meados dessa década a fotografia foi gradualmente valorizada na imagem publicitária. Essa transformação poderia ser explicada, do ponto de vista tecnológico, devido ao barateamento do custo das técnicas de impressão, principalmente em cores, no entanto, a explicação estritamente técnica não é suficiente. Há de se reconhecer a capacidade da fotografia em apresentar e 32 Revista Pro-Novas. Op. cit., 8. 33 Velho, PROJETO E METAMORFOSE, op. cit., p.79. 34 Movimento iniciado ainda em 1983, no Governo de João Batista Figueiredo, propunha que houvesse eleições diretas para o cargo de Presidente da República, dado o fato do país está sob o autoritarismo do regime militar desde 1964. 30 representar ao mesmo tempo, traduzindo fielmente, as formas imaginadas de um mundo moderno35. O governo JK foi um período proveitoso para a publicidade. Houve mudanças expressivas na estrutura de produção do país, devido a alterações no mercado consumidor, assim como, um notável crescimento das áreas urbanas, resultado direto do processo de industrialização pelo qual passava o Brasil. Nesse período, o jornal constituía a principal mídia com investimento publicitário, seguida do rádio, revistas ilustradas e a televisão. Esta última só alcançaria o patamar de maior veículo de propaganda no final da década de 1960 36 . Nesse momento, segundo a Revista Pro-novas, não havia no Estado de Pernambuco nenhum fotógrafo especializado em fotopublicidade, o que colocou Lacerda na demanda de mercado das principais empresas de propaganda instaladas no Recife e noutras capitais do Brasil. Percorrendo o inventário do acervo da Acê Filmes percebemos um conjunto de empresas que se tornaram clientes dessa agência ainda na década de 1960, dentre elas poderíamos citar a Standard Publicidade, MPM, Abaeté Propaganda, Alcântara Publicidade, Ítalo Biachi, entre outras 37 . A partir da fala de Lacerda, na revista acima citada, ficamos sabendo como se desenvolvia a atividade do fotógrafo: “as agências criam a ideia de como devem ser as fotos e a partir desse projeto fotografamos indústrias, hotéis, empresas de turismo, etc. Com esse material, são feitos os folhetos de propaganda, pôsteres e painéis de rua.” Os fotógrafos trabalham, nesse contexto, com as noções de briefing e layout. O objetivo e função principal da fotopublicitária seria vender uma ideia ou produto específico aos consumidores. Porém, mesmo permanecendo condicionado a produzir o que foi idealizado pela empresa, o fotógrafo tinha uma responsabilidade já que precisava conhecer o assunto para que conseguisse definir as características do produto. Além disso, também precisava ter o domínio da técnica – luz, foco, composição, ângulo, plano de fundo – e dos equipamentos para que pudesse fornecer visibilidade ao observador alvo da publicidade. 35 MAUAD, Ana. Embrulhado para presente? Fotografia, consumo e cultura visual no Brasil (1930-1940). ANPUH – XXIV Simpósio Nacional de História. São Leopoldo, 2007, p.8. Disponível: http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S24.0171.pdf.c. Acesso em 19 de maio de 2014. 36 ABREU, Alzira Alves. Dicionário histórico-biográfico da Propaganda no Brasil. Rio de Janeiro/. FGV, 2007. 37 Vemos algumas dessas agências listadas no Dicionário histórico-biográfico da propaganda no Brasil, referenciado acima. É interessante notar que essas empresas constituíam importantes companhias de agenciamento de imagens a nível nacional, como a publicidade da indústria automobilística e de eletrodomésticos, consumidos pela classe média urbana em ascensão. A Acê Filmes, em 1969 realizou diversos serviços para empresas de propaganda: um trabalho de documentação da fábrica da Willys Overland do Brasil; registros para a Standard Propaganda com imagens da fábrica Springer; a cobertura para a MPM de uma visita do corpo de bombeiros a Tinta Coral do Nordeste S/A, apenas para exemplificar um quadro muito mais amplo de inserção no mercado publicitário. 31 Uma campanha do Ítalo Bianchi Publicitários Associados 38 , divulgada na Revista Visão 39 , em dezembro de 1977, trouxe uma fotografia de Lacerda, intitulada “E o amanhã?”, em um apelo solidário às crianças carentes durante os festejos natalinos (figura 2). Diferente de grande parte das campanhas publicitárias no mercado, dispostas a comercializar um produto, essa propaganda propunha uma ideia aos consumidores. Ensejava uma reflexão social, tão característica de momentos como as celebrações de natal e passagem de ano, sobre as condições de vida de parcela da sociedade civil. A fotografia em especial, veiculada nessa publicidade tem uma biografia própria. Feita ainda na década de 1960, quando Lacerda acompanhou o médico pesquisador Nelson Chaves a Zona da Mata de Pernambuco para uma prospecção da desnutrição infantil. Esse tema fazia parte dos estudos desse pesquisador que ajudou a desenvolver nutrientes com o objetivo de combater as carências alimentares em crianças desnutridas. Lacerda destrincha um pouco da imagem ao narrar à história que envolveu o ato fotográfico: (...) essa foto foi tirada em Ribeirão, no Engenho Covas, durante um trabalho realizado pelo professor Nelson Chaves, sobre nutrição. A menina era uma das trezes crianças que moravam naquele barraco de barro e que nem se moviam, de tanta fome, e hoje quase nada mudou.40 O registro fotográfico visualizado é bastante simples em sua composição, visualizamos apenas uma menina vestida em roupas desgastadas, na entrada de sua casa de paredes barreadas, olhando para o fotógrafo. A imagem não é posada, podemos inquirir este fato observando o olhar da criança, um misto de carência e assombro diante das lentes do fotógrafo. Pode-se notar, entretanto, que embora a imagem caracterize uma condição precária da existência humana, a fome, ela não se enquadra nos usuais registros do tema, muitas vezes marcados pela tragédia e miséria que envolve a condição de vida dos fotografados. O registro elaborado por Lacerda não deixa de ser comovente na mesma medida em que atribui dignidade a criança na imagem. Contribuem nesse sentido, o modo pelo qual Lacerda compõe a imagem, destacando a pose da menina, seus pés cruzados e sua expressão quando olha a câmera, que denotam a preocupação do fotógrafo na construção de uma imagem comovedora. 38 Essa empresa, fundada em 1971, por Ítalo Bianchi juntamente com Alfrízio Melo. Rapidamente a Ítalo Bianchi Publicitários Associados alçou umlugar de destaque a nível nacional com cases para marcas de destaque, como o Banco do Nordeste, Bandepe e Indústrias Pilar, construindo campanhas premiadas nacionalmente como a feita para o Bompreço, de João Carlos Paes de Mendonça, “Faça bonito, faça melhor, faça Bompreço”. Lacerda trabalhou conjuntamente com esta e outras agências do Estado, ainda com recursos rudimentares, contribuindo para a profissionalização da fotopublicidade em Pernambuco. 39 Revista Visão. Editora Visão, 26 de dezembro de 1977. Foi uma publicação semanal de informação geral brasileira que circulou entre 1952-1993, passando por vários proprietários e distintas orientações editoriais. 40 Cronologia biográfica Alcir Lacerda impressa pela Acê Filmes. 32 Figura 02 – À esquerda a fotografia “E o amanhã?” de Alcir Lacerda na campanha natalina do Ítalo Bianchi Publicitários Associados, 1977. Do lado direito, reprodução da imagem original, s/d. Entretanto, este registro da década de 1960, para além dos estudos empreendidos na pesquisa científica do professor Nelson Chaves, viria a ser utilizado novamente em um concurso fotográfico nacional em 1973, oferecido pela revista Realidade 41 . A fotografia foi então premiada na ocasião e chegou a ser publicada em vários meios de comunicação, inclusive na Revista Time 42 . Na campanha contra fome, formulada por Ítalo Bianchi Publicitários Associados, a fotografia é acompanhada dos dizeres “Papai Noel não existe”, “neste natal faça essa criança mudar de opinião”, que ajudam a dar o tom social pretendido: um apelo humanístico a que imagem apresentada fornece visibilidade. Interessante notar que esta campanha aconteceu em 1977 apenas, cerca de uma década após da produção do negativo original dessa imagem, e se trata de uma terceira utilização da fotografia para fins distintos. Seguindo os rastros deixados nos documentos podemos traçar o circuito social dessa imagem, de modo a percebê-la em uma cartografia demarcada historicamente pelos usos e funções que adquire no circuito social. 41 Lançada em 1966 pela Editora Abril, a revista inaugurou um novo formato de reportagem na imprensa brasileira da época, com importante apelo visual. Uma das principais contribuições da revista foi o jornalismo de texto, além de alçar o profissional da imprensa a uma posição reflexiva importante nas questões colocadas pela época. De tal modo que ficou conhecida enquanto símbolo do jornalismo engajado. Teve também uma equipe de fotógrafos importantes como Jean Solari, Walter Firmo e Claudia Andujar. 42 Não encontramos informações mais detalhadas da circulação dessa imagem a nível nacional, nem de sua publicação na Revista Time. Reunimos as informações aqui discutidas a partir de recortes sobre a trajetória de Alcir Lacerda em jornais, revistas e cronologias biográficas reunidas em um dossiê organizado por Albertina Lacerda, filha do fotógrafo. 33 Analisando, especificamente, a última abordagem dessa imagem aqui mencionada, percebemos que apesar da fotografia não ter sido produzida para os fins exclusivos da campanha publicitária, como acontece em grande parte dos trabalhos feitos nesse campo, ela adquire uma eficácia bastante significativa no resultado proposto. Sua força comunicativa ultrapassa o arranjo estético e provoca emoções no observador que faz a leitura da propaganda. Nesse sentido, o clique feito por Lacerda ganha sentido na campanha da Ítalo Bianchi Publicitários Associados, ao falar da situação precária da existência de uma menina carente em meio a fome. Ainda que o assunto não seja destrinchado, e nem mesmo as condições de produção da fotografia, o leitor é capaz de imaginar e fazer associações que o instigam a perceber a imagem como um símbolo do mundo social - da miséria e da fome. A importância do olhar do fotógrafo, a maneira como este decidiu realizar a imagem, a forma como compôs a cena, o ângulo e o enquadramento, como enfatizou a menina na ombreira da porta de sua casa, todos esses aspectos, constroem a imagem em seus detalhes mais precisos. Ou ainda o olhar da menina, que desconhece o fotógrafo ou o que se passa, também são questões pertinentes ao ato fotográfico. São essas escolhas, assumidas por Lacerda, que sugerem respostas às interpretações possíveis sobre essa fotografia. A experiência de Lacerda, no contexto apresentado, se mescla com o funcionamento da Acê Filmes desde o período de sua fundação. A fotografia publicitária se tornou o mote principal da agência entre os anos de 1970-1980. Ainda nesse campo a Acê realizou dois trabalhos importantes, para a Secretaria de Planejamento do Estado de Pernambuco, válidos de menção. Um deles, chamado Asa Branca, lançado em 1979, sobre o qual encontramos negativos no acervo da Acê Filmes, visava o fortalecimento da economia agrícola do sertão e agreste, em especial do semiárido. A partir do financiamento dado a comunidades rurais de instrumentos que impulsionassem a atividade econômica e consequentemente a permanência da população no campo. A Acê teve a incumbência de realizar fotografias, inclusive aéreas, para a constituição de um relatório fotográfico de prestação de contas da Secretaria de Planejamento ao Ministério do Interior. As imagens acompanhavam o andamento de obras que eram executadas dentro do projeto mencionado. A outra atividade, o Projeto Viver, dos anos de 1980, tinha também por objetivo o incentivo a permanência do homem do campo a terra, através de ações como o plantio de outras culturas além da cana de açúcar. Encontramos no acervo da Acê Filmes, alguns 34 registros desse projeto de documentação para o governo, com fins de propaganda institucional, como negativos sobre a entrega de sementes a população rural, e a cobertura fotográfica da zona da mata sul e norte, onde o cultivo da cana de açúcar predominava na produção econômica da região. Esses são dois exemplos, que envolvem a atuação de Lacerda à frente da Acê Filmes, nos permitem avançar na compreensão tanto do papel do fotógrafo como principal responsável por essa agência, como também a especificidade da Acê em analogia com outras agências de produção de imagens atuantes nesse período. Figura 03 – Alcir Lacerda (segundo à esquerda) e Clodomir Bezerra (terceiro à esquerda) entre os fotógrafos da Acê Filmes, s/d, autor não identificado. Para essa pesquisa não foi possível historiar e elaborar um panorama das contratações por parte dos órgãos governamentais e privados para os quais a Acê Filmes atuou. Para tal seria necessário o término da catalogação do acervo na Fundaj e uma extensa pesquisa que envolveria também as propostas e o contexto de atuação dessas instituições. No entanto, podemos esboçar que a Acê Filmes possuía um relevante desempenho na sociedade recifense daquele período, e que este reconhecimento tenha chegado por vias diversas ao domínio do Estado. O nome de Lacerda como fotógrafo e também o da Acê Filmes já se encontravam firmados no mercado fotográfico e de agenciamento da imagem enquanto produto publicitário já na década de 1960. Com o aumento do número de eventos e atividades a serem fotografadas a empresa foi galgando novos espaços na cena pernambucana, o que nos leva a 35 apontar a legitimação por disposição do governo estadual em requerer os serviços dessa empresa. A Acê surgiu nos fins dos anos de 1950, e esteve atuante no mercado até 2011, como já mencionado. A fotopublicidade e a reportagem social foram as atividades de maior destaque nessa empresa, que chegou a ter, entre 1970-1980, 25 fotógrafos de carteira assinada, 4 laboratoristas, e 1 contador, no seu corpo funcional. Esse quantitativo, significativo em números, torna-se bem mais interessante quando pensamos na importância desse efetivo de indivíduos envolvidos na produção fotográfica
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