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Capítulo VI PROCESSO DE EXECUÇÃO_09_29_15_14_01_04_PM

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Direito processual civil moderno
Capítulo VI. PROCESSO DE EXECUÇÃO
CAPÍTULO VI. PROCESSO
DE EXECUÇÃO
1. PERFIS GERAIS
1.1 Conceito de execução
A tutela jurisdicional executiva consiste na prática de atos jurisdicionais tendentes à
realização material do direito atual ou potencialmente violado.
Deste conceito depreende-se que a tutela jurisdicional executiva:
(a) realiza-se não só com o intuito de ver restaurado um direito violado, como também para
impedir a ocorrência de tal violação;
(b) abrange não apenas o resultado da execução forçada (= realização material do direito
do demandante), mas também os meios tendentes à sua obtenção.1
A tutela jurisdicional executiva não deve dizer respeito apenas a situações em que já houve
violação ao direito, mas, também, aos casos em que há ameaça de violação. Ou seja, deve
dizer respeito a direitos atual ou potencialmente violados.
Afirmava Enrico Tullio Liebman que, com a execução, busca-se obter “o resultado prático
a que tendia a regra jurídica que não foi obedecida”.2 Tal concepção de execução conduziria
ao entendimento de que, em relação aos deveres de não fazer, inexistiria tutela a ser prestada
pela Jurisdição através de medidas executivas, a não ser que tal dever negativo viesse a ser
descumprido – hipótese em que se estaria diante de um dever de “desfazer”, que, na verdade,
consubstancia-se em um “fazer”.
A lição do citado jurista italiano, no entanto, não era pacífica sequer entre os processualistas
de seu País. Giuseppe Chiovenda, p. ex., afirmava ser possível a execução para o fim de se
obter “bens que se conseguem com abstenção de certa atividade por parte de um obrigado”,3
o que envolve, necessariamente, o manejo do que o processualista citado denomina de meios
de coação. Posteriormente, essa também foi a opinião manifestada, dentre outros, por Andrea
Proto Pisani.4 Afirma este autor que a execução tem por finalidade a remoção do obstáculo
à fruição do bem jurídico, e também a de impedir que sejam colocados tais obstáculos ao
exercício do direito, o que se daria através da denominada execução indireta, consoante
exporemos adiante.
Usamos a expressão “execução” em sentido estrito, para designar a atividade realizada pelo
órgão jurisdicional com o intuito de forçar a observância do direito.5
1.2 Jurisdição e execução
Não mais se questiona, hoje, sobre o caráter jurisdicional da execução forçada, podendo-
se dizer que há, dentre as diversas modalidades de tutela jurisdicional, a tutela jurisdicional
executiva.
A concepção que temos de Jurisdição, como atividade do Estado voltada à realização do
Direito, restaurando a ordem jurídica violada ou evitando que tal violação ocorra,6 impõe que se
inclua a execução judicial como uma das manifestações essenciais de tutela jurisdicional.
Falar-se em Jurisdição estatal destituída de instrumentos que permitam realizar
materialmente o Direito, através de atos executivos, implicaria reduzir significativamente sua
importância e razão de ser, especialmente se se considerar que, na sociedade moderna, cada
vez maior tem sido a preocupação com a concretização dos direitos.
De outro lado, espera-se, com a tutela jurisdicional, a realização de atividade condizente
com o direito material ameaçado ou violado, não mais se admitindo que o direito se considere
realmente tutelado com a mera declaração de que houve violação ou há ameaça.
Pode-se dizer, diante de tais considerações, que é acertada a concepção de Jurisdição
como atividade destinada à identificação e imposição do Direito, solucionando conflitos a fim de
se alcançar a paz jurídica.
A Jurisdição, deste modo, é marcada por um fim, que identifica esta atividade estatal e,
de certo modo, a distingue das outras atividades realizadas pelo Estado. Como não basta
proclamarem-se direitos, o Poder Judiciário deve ter como proteger e realizar materialmente
tais direitos.7 Esta finalidade é alcançada pelos órgãos do Poder Judiciário através da prática
de atos executivos.
A compreensão da execução como atividade jurisdicional impõe sejam revistos alguns
conceitos elaborados à luz de uma concepção muito estreita de Jurisdição, que a vinculava ao
ius dicere.
Usa-se, habitualmente, o termo “tutela jurisdicional” para designar o resultado da atividade
desenvolvida pelos órgãos judiciários em favor daquele que está amparado pelo direito material.
Murillo Sapia Gutier
Realce
Em outras palavras, diz-se que só tem direito à tutela jurisdicional o litigante que tem razão.8 A
Jurisdição, é certo, manifesta-se também em atividades eminentemente declarativas de direito
ou obtidas através de operações meramente cognitivas. No entanto, nem sempre a decisão
judicial, por si só, gerará solução suficiente para o conflito submetido ao exame do Poder
Judiciário; este também deverá ter condições de forçar a observação do Direito.
A execução forçada tem por finalidade a realização material do direito e não a definição,
para o caso concreto, do direito de uma das partes. Isto é, não é objetivo da execução forçada
determinar quem tem razão.
Pode-se dizer, assim, que, visualizada a tutela jurisdicional como resultado, na execução
tal ocorrerá, normalmente, com a entrega do bem devido ao exequente. Essa concepção
de tutela jurisdicional, evidentemente, visualiza o processo apenas sob o ponto de vista do
demandante. Mas isso não exclui que se possa ver também o executado como merecedor da
tutela jurisdicional (cf., p. ex., art. 805 do CPC/2015, segundo o qual se deve, na execução,
satisfazer o direito pleiteado do modo que seja menos gravoso ao executado). Desse modo,
haverá o executado de suportar a execução, mas poderá empenhar-se no sentido de que
lhe seja tirado apenas àquilo que é efetivamente devido e pelo modo que lhe seja menos
prejudicial, podendo, deste modo, valer-se dos meios processuais colocados à sua disposição
para tanto.
Assim, tomada pelo resultado ou pelo meio a ser utilizado para a sua obtenção, a tutela
jurisdicional executiva deve ser examinada tanto sob o prisma do exequente quanto do
executado.
1.3 Ações de conhecimento e ações de execução
O CPC de 1973, em sua versão original, dividia os processos em três espécies autônomas:
de conhecimento, de execução e cautelar.9 O CPC/2015, ao menos em parte, também se refere
a essa separação, ao tratar processo de conhecimento e processo de execução em livros
distintos da parte especial.
No livro dedicado ao processo de conhecimento, contudo, há uma série de procedimentos
que não podem ser considerados “puros”, isso é, em que não se realizem atividades executivas.
Isso diz respeito não apenas a procedimentos especiais (como, p. ex., as ações possessórias),
como também nos casos em que o juiz profere decisão que reconhece dever de fazer, não
fazer e de entregar coisa: o cumprimento da sentença, nesses casos, dá-se na mesma ação.
O mesmo não ocorre com a sentença que reconhece dever de pagar soma em dinheiro, que
exige nova demanda para a execução, embora nos próprios autos.
Em ações de conhecimento “puras”, a tutela jurisdicional é realizada com a prolação de
decisão de mérito (p. ex., em caso de sentença declaratória, ou constitutiva). Há ações,
porém, em que a decisão que julga o pedido, dizendo que o direito afirmado pelo autor existe,
representa uma etapa do processo que, embora importante, talvez não seja considerada, sob o
ponto de vista da parte, o objetivo principal.
Pode-se mesmo dizer que, em ações (“de conhecimento”) em que se busca a tutela
específica de direito à prestação de fazer, a decisão que diz o direito não é seu fim último
(diversamente do que ocorre com ações de conhecimento “puras”).10
Dispensamos a essas ações, em que a sentença é executiva, atenção diversa da que
recebe a sentença condenatória.11 De todo modo, ainda que executiva a sentença, os passos
necessários à sua prolação são bastante uniformes, tal como sucede em ações de
conhecimento “puras”: realizam-se operações tendentes a fornecer ao juiz elementos para a
prolação de uma decisão sobre o mérito.
Algo diverso ocorreno processo de execução fundado em título executivo, que é um
procedimento “puro”, em que se realizam atos materiais tendentes à satisfação de um direito, e
a cognição judicial que se realiza em tal processo não diz respeito à declaração da existência
do direito, mas apenas à verificação da presença dos requisitos da execução, da validade e da
adequação dos atos executivos.
A tutela jurisdicional executiva, no entanto, não se manifesta apenas no processo de
execução previsto no Livro II da Parte Especial do CPC/2015.
A história do direito processual civil demonstra que sempre existiram outras formas
“híbridas” de tutela executiva, isto é, que não são marcadas pela “pureza” do processo de
execução. A expressão “pureza”, aqui, é utilizada no sentido de que, no processo de execução
não se permite a investigação do direito que está subjacente ao título executivo.
Essas figuras, no início da vigência do CPC/1973, eram excepcionais, no direito processual
civil brasileiro. Com o passar do tempo, e pode-se dizer, no contexto do CPC/2015, pode-se
dizer que tendem a tornar-se a regra. Nesses casos, “conhecimento e execução acham-se
misturados na mesma ação”.12 É o que ocorre, p. ex., com a sentença proferida na ação de
despejo. O mesmo, mutatis mutantis, se pode dizer em relação à atividade desenvolvida pelo
juiz, ao conceder tutela antecipada em ação de conhecimento condenatória, relativa à quantia
certa.
Foi superada a ideia de que os processos de conhecimento e de execução devem ser
absolutamente autônomos. A tutela jurisdicional executiva, de todo o modo, continua a
manifestar-se em sua forma mais genuína no processo de execução previsto no Livro II da
Parte Especial do CPC/2015.
O Código ainda regula, de modo diferenciado, outras ações de execução, como ocorre com
a execução de sentença que condena ao pagamento de soma em dinheiro que, embora seja
uma demanda autônoma em relação à condenatória (e, eventualmente, à de liquidação) que lhe
tenha precedido, desenvolve-se de modo diverso da execução de títulos extrajudiciais. Outras
formas de execução ocorrem nas ações em que a sentença é executiva, de que tratam os arts.
497, 498 e 536 a 538 do CPC/2015 (cuja execução não depende de nova demanda do titular
do direito reconhecido na sentença).
O Livro II da Parte Especial do CPC/2015 diz respeito, precipuamente, à execução de títulos
extrajudiciais. As regras processuais ali contidas, no entanto, aplicam-se subsidiariamente às
outras modalidades de ações de execução a que acima se referiu (cf. art. 771, caput do CPC/
2015).
Todas as ações de execução, de qualquer modo, têm por finalidade (em alguns casos,
exclusiva, em outros, principal) a realização material do direito do demandante. A ação de
execução de títulos extrajudiciais, tal como regulada no Livro II da Parte Especial do CPC/2015,
é totalmente voltada à realização de atos executivos, surgindo, se desenvolvendo e, se atinge
seu fim normal, também culminando com a prática de atos materiais executivos. A despeito
dessas diferenças, as disposições previstas no Livro I da Parte Especial do CPC/2015 aplicam-
se, subsidiariamente, ao processo de execução (cf. arts. 318, parágrafo único e 771, parágrafo
único, do CPC/2015).13
1.4 Princípios da execução
1.4.1 Princípios de organização técnica
A expressão “princípio” é utilizada em vários sentidos. No presente tópico, ao nos referirmos
aos princípios da execução, usamos o termo no sentido de princípios de organização técnica.14
Princípio, no sentido referido, não tem o mesmo significado que é empregado, p. ex., por
Alexy ou Dworkin,15 e nem, também, o mesmo sentido com que se costuma referir ao princípio
da menor onerosidade (art. 805 do CPC/2015), mais afeito ao critério da proporcionalidade
(embora comumente costume-se referir também à proporcionalidade como princípio).
Quando nos referimos, p. ex., a princípio da autonomia, ou princípio da nulla executivo sine
título, estamos a descrever a opção do sistema por um ou outro modelo para a construção de
soluções normativas.
É nesse sentido que se costuma referir, p. ex., a “princípio da nulla executio sine titulo”,
sendo usado o termo “princípio”, neste caso, como expressão de uma opção do legislador por
esse modelo (= condicionar a execução forçada à existência de um título executivo). Nesse
sentido, nulla executio sine titulo é uma regra incorporada pelo sistema, e não um princípio (ou,
com outras palavras, tendo o legislador optado pelo princípio segundo o qual a execução deve
depender de um título executivo, transformou isso em regra).
Nesse sentido é que nos referimos, nos tópicos que seguem, a princípios da autonomia (e
do sincretismo), da nulla executio sine titulo (e da execução sem título permitida), e da tipicidade
(e da atipicidade) das medidas executivas.
Os princípios de organização técnica antes tradicionalmente tidos como fundamentais da
execução foram sendo mitigados, à luz do CPC/1973, cedendo espaço a outros, que refletem a
maior participação do juiz na criação da solução jurídica.
Não é correto afirmar, de todo modo, que os novos princípios, que agora despontam à luz
da nova conformação da tutela jurisdicional executiva, tenham substituído, de modo absoluto,
os demais. Convivem no sistema jurídico princípios opostos e a correta compreensão da
medida de sua incidência é indispensável para a correta compreensão da configuração da tutela
jurisdicional executiva no processo civil brasileiro.
1.4.2 Princípios da autonomia e do sincretismo entre cognição e execução
O princípio da autonomia entre cognição e execução inspirou o CPC/1973 e, também, em
grande medida, o CPC/2015.
Em razão da adoção de tal princípio, positivam-se regras que exibem a concepção de que
os processos de conhecimento e de execução seriam “puros”, isso é, de que não se devem
se realizar atos executivos no curso do processo de conhecimento e não devem haver atos
cognitivos sobre a existência da obrigação no processo de execução.
Note-se que há cognição no processo de execução de título extrajudicial. Trata-se, porém,
cognição voltada à verificação da existência dos requisitos da execução e da validade e
adequação dos atos executivos (cf., a propósito, arts. 803, parágrafo único e 916, § 1.º, do CPC/
2015).16 Como observa Kazuo Watanabe que “inexiste ação em que o juiz não exerça qualquer
espécie de cognição”.17
Na doutrina, afirma-se, em defesa da adoção do princípio da autonomia, que as atividades
cognitiva (sobre a existência da dívida, p. ex.) e executiva são bastante distintas, o que
aconselha que se desenvolvam em processos diversos.18 Como consequência desse princípio,
tem-se que as eventuais defesas que o executado tenha a opor devem ser apresentadas em
processo distinto, no direito brasileiro chamado de embargos.19
O princípio da autonomia é adotado, no contexto do CPC/2015, em se tratando de execução
de título extrajudicial e, também, na execução de sentença que reconhece dever de pagar
quantia em dinheiro.
Na execução fundada em título extrajudicial, como se disse, a cognição é limitada ao exame
dos requisitos da execução e à validade e adequação dos atos executivos (arts. 802, parágrafo
único e 916, § 1.º, do CPC/2015), devendo outras matérias que o executado possa opor em
sua defesa ser arguidas através de ação de conhecimento (veiculada, como regra, através de
embargos do executado, cf. arts. 913 e ss. do CPC/2015).
Algo semelhante ocorre na execução de sentença que condena ao pagamento de soma em
dinheiro: a sentença não pode ser executada ex officio, dependendo de demanda do exequente
(cf. art. 513, § 1.º e 523 do CPC/2015), podendo o juiz conhecer, no curso da execução,
sobre temas atinentes aos seus requisitos, bem como sobre a validade e adequação dos atos
executivos (cf. arts. 518 e 525, § 11, do CPC/2015).
Há figuras híbridas, no entanto, que contemplam a realização, no curso da mesma ação, de
atividades cognitivas sobre a existência do direito e sobre sua execução. É o que ocorre, p. ex.,
na execução de sentença relativa adeveres de fazer, não fazer e entregar coisa (cf. arts. 536 a
538 do CPC/2015), bem como em ações em que se antecipam efeitos executivos da tutela (cf.
art. 297, parágrafo único, do CPC/2015).
Nesse caso, não incide o princípio da autonomia, mas o princípio do sincretismo entre
cognição e execução.
1.4.3 Princípios da nulla executio sine titulo e da execução sem título permitida
Título executivo é tradicionalmente definido como a condição estabelecida pela lei como
necessária e suficiente para a realização da tutela através do processo de execução, permitindo
que se satisfaçam os atos executivos independentemente de averiguação judicial quanto à
efetiva existência do direito que lhe é subjacente.20
Os títulos executivos são taxativamente estabelecidos pela norma jurídica (numerus
clausus) e “em nenhuma hipótese é lícito ao intérprete acrescer, sob pena de ilegítima violação
da esfera do (suposto) devedor”.21
Afirma-se, ainda, de modo unânime, que o título executivo é “causa necessária e suficiente
para autorizar o processo executivo”.22 Diante do título executivo, não se autoriza ao juiz
manifestar-se a respeito da existência do direito que subjaz ao título. Por isso, “ao juiz executivo
é vedado pronunciar-se sobre a existência ou inexistência desse direito”,23 de modo que “o que
foi discutido no processo e em geral a situação verdadeira de direito material, isto é, a existência
ou inexistência atual do crédito, não podem influir diretamente sobre o desenvolvimento da
execução, que recebe do título, como postulado indiscutível, a regra de sua disciplina formal,
desvinculada de qualquer dependência das relações de direito material”.24
Essa característica é denominada pela doutrina de abstração (ou eficácia abstrata) do título
executivo.25
A eficácia abstrata do título executivo depende do modo como o processo de execução é
organizado, ou seja, se a defesa do executado pode ser realizada no mesmo processo ou se
deve ser apresentada em ação autônoma.26 Em razão de tal abstração, pode-se dizer que a
cognição judicial no processo de execução é parcial, isto é, limitada no plano horizontal, pois
não se permite a discussão “do direito substancial das partes”.27 Por tal razão (limitação da
cognição judicial) é que eventuais matérias de defesa deverão ser opostas pelo executado
através de ação de conhecimento (veiculada, normalmente, em embargos do executado, cf. art.
914 ss. do CPC/2015).
O CPC/2015 admite execução fundada em título executivo, ou não.
Como dispõe o art. 771, caput, do CPC/2015, seu Livro II, da Parte Especial, destina-se à
execução fundada em título extrajudicial (que é, pois, requisito para a execução, nesse caso, cf.
art. 798, I, a c/c arts. 783 e 803, I, do CPC/2015). Mas aplica-se, também, “aos efeitos de atos
ou fatos processuais a que a lei atribuir força executiva”.
Esses “atos ou fatos processuais a que a lei atribuir força executiva” não se encartam na
definição de título executivo, a que acima nos referimos (que, fundamentalmente, baseia-se na
soma de tipicidade + abstração), mas, a despeito disso, autorizam a realização da execução.
É o que sucede, por exemplo, em relação à decisão que antecipa efeitos da tutela, em que
não há a abstração, nem a tipicidade que são características do título executivo. Ainda à luz
do art. 273 CPC/1973 (na redação da Lei 8.952/1994), a doutrina brasileira notou, não sem
alguma perplexidade, que o instituto referido não se ajustava, plenamente, ao conceito de título
executivo.28
Temos afirmado, nos estudos antes referidos, que essas situações apontam para o
surgimento e a consolidação de um princípio oposto, que vem sendo incorporado pelo sistema
jurídico em oposição ao da nulla executio sine titulo, que chamamos de princípio da execução
sem título permitida.
Algo similar ocorre com as sentenças executivas, que, diferentemente do que ocorre com as
sentenças condenatórias, não se constituem em título executivo, propriamente.29 Nestes casos,
proferida a sentença, seguir-se-á, na mesma ação, a sua execução, sendo desnecessário
o ajuizamento de demanda de execução autônoma. Referido pronunciamento jurisdicional
executivo, rigorosamente, não configura título executivo, pois, embora voltado à realização de
atos executivos, não abre ensejo ao ajuizamento de ação de execução típica.30
Há diferenças importantes, e não tão sutis, na execução condicionada à existência de título
executivo e na execução que dispensa tal requisito.
Em um sistema que observe, de modo absoluto, o princípio da nulla executio sine titulo,
nota-se o seguinte:
(a) é possível saber, de antemão, quais, dentre os diversos fatos jurídicos, são selecionados
pela norma jurídica como títulos executivos;
(b) só tem acesso ao processo de execução quem detiver título executivo, o que importa, em
certa medida, uma espécie de controle, pelo órgão jurisdicional, da juridicidade da pretensão
executiva deduzida pelo demandante;
(c) que alguém somente pode sofrer, sobre sua pessoa ou seus bens, atos executivos, se
estes estiverem autorizados pela existência de um título executivo que seja sua causa (é o título
executivo, assim, nos casos em que a lei o exige, como requisito para a execução, uma garantia
que presta o ordenamento jurídico de que, não por outra razão, mas somente em virtude de um
título executivo, é que alguém deve se sujeitar à execução);
(d) considerando esta sua função típica, só o título executivo habilita o exequente a ajuizar
a ação de execução, o que importa indiscutível situação de vantagem em relação ao credor
destituído de título executivo.
O princípio da nulla executio sine titulo, portanto, não é mera técnica processual, tendo
dimensão mais ampla.31
Diferentemente, os sistemas em que este princípio é atenuado, autorizando a execução sem
título, manifestam outras características:
(a) não há predefinição legal sobre quais fatos são capazes de autorizar a realização de
atos executivos, sendo que o juiz deverá avaliar, caso a caso, quais são as situações jurídicas
merecedoras de tutela executiva;
(b) mesmo aqueles que não tenham sido contemplados pela lei com um título executivo
podem ter acesso imediato à tutela jurisdicional executiva;
(c) aquele que pretende obter a tutela jurisdicional executiva deve argumentar e convencer
o juiz de que é merecedor da mesma, algo que não ocorre na execução fundada em título
executivo, pois nesse caso tal “merecimento” já terá sido avaliado pelo legislador;
(d) os atos tendentes à verificação judicial da existência do direito e à atuação executiva do
direito verificado podem realizar-se na mesma ação em que é pleiteada a execução.
Nos casos em que o sistema jurídico faz depender a execução de um título executivo
definido com antecedência pela norma jurídica, o papel do juiz consiste em apenas identificar
a existência do título, sendo neutro quanto à valoração da situação jurídica que lhe é
subjacente.32 Evidentemente, tais fenômenos se manifestam nos casos em que incide o
princípio da nulla executio sine titulo, e não na hipótese em que se dá a execução sem
título. Em casos assim, as “escolhas políticas” não são realizadas pelo legislador, e, em tais
situações, pode-se dizer que ocorre “uma pressão política mais acentuada sobre a justiça, pois
sua neutralidade política torna-se menos justificável na medida em que ela assume tarefas de
conformação do direito”.33
No caso da decisão que antecipa efeitos da tutela, a lei estabelece o objetivo a ser
alcançado, devendo ao juiz definir, em atenção às circunstâncias reais da causa, se o direito
pleiteado é ou não merecedor de tutela executiva.
Enfim, pode-se dizer que, quando incide o princípio da nulla executio sine titulo, impõe-
se ao juiz atuar de modo apolítico e neutro, e o sistema vale-se deste mecanismo quando
pretende reduzir o poder de atuação executiva do juiz; nos casos em que incide o princípio
oposto, ao contrário, requer-se um juiz “politizado”, no sentido de que é ele quem fará,
fundamentadamente, a definição daquilo que poderia ter decorrido de escolhado legislador.34
Diante dessas novas estruturas jurídicas, poder-se-ia sugerir a modificação do conceito de
título executivo, extraindo dele características que são tidas pela doutrina por essenciais (como
a eficácia abstrata e a tipicidade legal), para torná-lo mais amplo e capaz de abranger novas
situações jurídicas (presentes na antecipação dos efeitos executivos da tutela, na sentença
executiva, na ação monitória etc.).
Entendemos que o desprezo às diferenças apontadas não é aconselhável, pois em nada
contribui para o aperfeiçoamento e a correta compreensão dos institutos jurídicos.35 Um
conceito muito amplo de título executivo não teria um referencial preciso, a não ser o de permitir
a realização da execução. Analisando-se a questão sob um ponto de vista rigorosamente
científico, pode-se dizer que qualquer tentativa de fixar novo sentido ao princípio da nullla
executio sine titulo só poderia ser obra de invenção desvinculada da origem e de toda a sua
história.
O legislador, no entanto – a nosso ver, com razão –, optou por outro caminho: deixou claro,
no art. 771, caput, do CPC/2015, que, embora o título executivo possa ser requisito para a
obtenção de algumas das modalidades de tutela executiva, nem toda execução tem por base
um título executivo.36
O princípio da nulla executio sine titulo, assim, convive com um princípio que lhe é oposto,
já que há situações em que se autoriza a execução, embora inexistente título executivo que lhe
sirva de base.
1.4.4 Princípios da tipicidade e da atipicidade das medidas executivas
Sustentávamos, ainda na vigência do CPC/1973, que o princípio da atipicidade das medidas
executivas vinha, cada vez com mais veemência, ocupando o espaço do princípio que lhe
é oposto, o da tipicidade das medidas executivas.37 Essa tendência manteve-se, e mais,
consolidou-se no CPC/2015.
De acordo com o princípio da tipicidade das medidas executivas, a esfera jurídica do
executado somente poderá ser afetada por formas executivas taxativamente estipuladas pela
norma jurídica.
Trata-se de princípio que existe para satisfazer a exigência de garantir a intangibilidade
da esfera de autonomia do executado, que somente poderá ser invadida pelos mecanismos
executivos expressamente previstos em lei.
A adoção do princípio da tipicidade das medidas executivas dá ao executado algum grau de
previsibilidade acerca dos modos de atuação executiva admissíveis, já que a existência de um
rol expresso de medidas executivas permite antever de que modo a execução se realizará.
Diversamente ocorre quando adotado o princípio da atipicidade das medidas executivas.
A referida atipicidade – no sentido de ausência de modelo legalmente predefinido a ser
observado – se verifica (a) em relação à multiplicidade de medidas executivas diversas que
podem ser aplicadas e (b) quanto à forma de aplicação de tais medidas executivas.
Na medida em que, no sistema jurídico, se dá primazia ao princípio da atipicidade, nota-se
o seguinte:
(a) a participação do juiz na elaboração da solução jurídica dos litígios passa a ser mais
intensa, ante o abrandamento da tendência – veemente no Estado Liberal de outrora – de se
reduzir ao máximo os poderes do juiz;
(b) a atividade jurisdicional deve proporcionar aos demandantes respostas capazes de
propiciar uma tutela mais aproximada possível da pretensão violada, bem como de impedir que
a violação ocorra (cf., p. ex., art. 497 do CPC/2015), o que impõe sejam criados instrumentos
capazes de proporcionar à jurisdição o alcance de tal desiderato;
(c) ante a multiplicidade e a complexidade das situações litigiosas que podem ser levadas
a juízo, tais mecanismos não podem ser previstos num rol taxativo, numerus clausus, pois há
risco de se excluir direitos igualmente merecedores de tutela;
(d) as medidas executivas que podem ser postas em prática podem não ser aquelas
requeridas pelas partes, necessariamente, porque o juiz pode constatar a viabilidade de um
meio executivo mais adequado à satisfação (fim) da pretensão do exequente.38
No direito brasileiro, há manifestação dos dois princípios referidos.
Em relação à execução por quantia certa fundada em título extrajudicial, prepondera o
princípio da tipicidade das medidas executivas (cf. arts. 824 e 825 do CPC/2015).
Diversamente, em relação à execução de decisão que reconhece a existência de dever de
fazer, impera o princípio da atipicidade das medidas executivas (cf. art. 536, caput e § 1.º do
CPC/2015; assim já sucedia, a partir da entrada em vigor do art. 84 do CDC e, depois, em 1994,
com a modificação da redação do art. 461 do CPC/1973).
Como sustentamos nas obras antes referidas,39 é muito difícil estabelecer, a priori, o grau
de intensidade das medidas executivas que devem incidir, caso a caso.
Defendemos, nos trabalhos acima referidos, que as premissas iniciais a serem levadas
em consideração para a realização das medidas executivas podem ser representadas pela
seguinte equação:
Por “qualidade da cognição” deve-se levar em consideração os diversos matizes e escalas
com que pode ser distinguida a cognição judicial (completa/parcial, exauriente/sumária,
definitiva/não definitiva). O melhor estado, evidentemente, é o que consegue somar cognição
completa, exauriente e definitiva.
“Intensidade das medidas executivas” abrange tanto a dimensão dos bens jurídicos
atingidos (p. ex., liberdade do executado, patrimônio etc.) quanto à profundidade dos atos
executivos a serem realizados (p. ex., se os atos executivos alcançam ou não a alienação de
bens do executado).
Evidentemente, ao longo da execução podem somar-se aos elementos levados em
consideração pelo juiz outras circunstâncias, que poderão atenuar ou agravar a intensidade das
medidas executivas. Assim, p. ex., o comportamento do executado pode justificar a modificação
da medida executiva, como o aumento do valor da multa.
Observe-se que os fatores referidos na equação indicada supra não são idênticos, na
hipótese de fixação de medidas punitivas relacionadas ao descumprimento de decisões
judiciais ou litigância de má-fé (v.g., art. 77, § 2.º, do CPC/2015).
Nesse caso, deverão ser tomados em consideração o grau de persuasão e estabilidade
da decisão judicial e a possibilidade de cumprimento cômodo da decisão judicial pelo réu/
executado, sem sacrifício relevante. No primeiro ponto, entram em consideração o grau de
clareza da decisão judicial e a solidez do entendimento nela consagrado; no segundo, importa
saber se o executado descumpriu a decisão judicial de modo justificado ou não. Aqui, o
comportamento do réu/executado é o elemento que deverá ser tomado em consideração pelo
juiz.
1.5 Espécies de ações executivas
1.5.1 Execução fundada em título extrajudicial e outras modalidades de ação executiva
Na versão original do CPC de 1973, a tutela jurisdicional executiva realizava-se, quase
que exclusivamente, de acordo com um único modelo. Estabeleceu aquele Código, em sua
versão original, a unificação procedimental das ações executivas, tendo-se imposto o mesmo
procedimento para as ações de execução fundadas tanto em títulos executivos judiciais quanto
em extrajudiciais, distinguindo-se, apenas, as matérias que poderiam ser arguidas nos
embargos à execução fundada em título judicial e em título extrajudicial (CPC/1973, arts. 741 e
745, em suas redações originais, anteriores às Leis 11.232/2005 e 11.382/2006; as sentenças
executivas – que são executadas na mesma ação ex officio – ainda não tinham uma disciplina
geral para seu cumprimento, na lei). No item 21 da Exposição de Motivos do CPC/1973, se
ressaltava que “são evidentes as vantagens que resultam dessa unificação”. Esta modificação
foi considerada, então, um avanço, em relação ao CPC/1939, e, como se afirmou na doutrina,
“tirou o direito brasileiro, sob esse aspecto, de um atraso de séculos com relação aos sistemas
europeus”.40
O CPC/1973, no entanto, foi sendo reformado, abandonando a unificação procedimental das
ações executivas. De igual modo, no CPC/2015 há várias espécies de ações executivas quese
sujeitam a modelos procedimentais variados.
A distinção entre as espécies de ações executivas é relevante, dentre outras razões, porque
o legislador previu, de modo diferenciado, não só os requisitos e o procedimento de tais ações:
os poderes de execução do juiz são mais expressivos em certas modalidades de ação de
execução e igual variação é evidente também em relação aos mecanismos de oposição aos
atos executivos que podem ser manejados pelo executado.
Para Pontes de Miranda, todas as ações que têm em mira, mediata ou imediatamente, a
realização de atos executivos, são executivas lato sensu, que abrangem, segundo o referido
processualista, as seguintes espécies: “a) ação executiva, por antecipação ou adiantamento
da executividade, de que são exemplos as ações de títulos extrajudiciais, mas de cognição
incompleta ao tempo da eficácia executiva; b) ação executiva, sem antecipação ou
adiantamento da executividade, de modo que a sentença final é a ‘executiva’; c) ação executiva
de sentença (‘execução de sentenças’), que são títulos para se iniciar execução, já sem
a elaboração de cognição completa, porque a sentença exequenda deixou atrás aquela
elaboração e tende a explorar a cognição completa que traz em si”.41
Não se adequa a essa concepção o uso da expressão “ação executiva lato sensu” – que,
para Pontes de Miranda, dizia respeito ao gênero ao qual pertencem as várias espécies de
ações executivas – para designar a ação executiva em que, para o referido processualista,
“a sentença final é a ‘executiva’”. Adotamos, no presente trabalho, a expressão “sentença
executiva”, para designar a sentença que, além de reconhecer a violação (atual ou potencial)
do direito, determina, em seu bojo, a realização de atos de execução (direta ou indireta).
Pensamos que a classificação proposta por Pontes de Miranda, quanto a este aspecto,
revela-se atual. Com efeito, são executivas tanto as ações de execução fundadas em título
executivo extrajudicial, quanto à execução de sentença que reconhece obrigação de pagar
quantia (arts. 520 ss. do CPC/2015), quanto, ainda, execuções de sentença que reconhecem
dever de fazer, não fazer ou de entregar coisa (arts. 536 a 538 do CPC/2015).
Sob essa perspectiva, e inspirando-nos na classificação acima referida, pode-se dizer que
pertencem ao gênero ações executivas as seguintes espécies de ações de:
a) execução de títulos extrajudiciais (art. 784 do CPC/2015), cujo procedimento encontra-se
disciplinado no Livro II da Parte Especial do CPC/2015;
b) execução de decisões condenatórias e de outros títulos executivos judiciais, para o
recebimento de quantia em dinheiro, que se processam nos termos dos arts. 523 e ss. do CPC/
2015 e que têm por fundamento não só as decisões condenatórias, mas também outros títulos
considerados pela norma jurídica como judiciais (art. 513 do CPC/2015); e
c) execução em que a própria decisão judicial é executiva, isso é, a decisão, além de
reconhecer a existência de violação atual ou potencial ao direito da parte, determina,
independentemente de nova demanda, a realização imediata de atos executivos tendentes à
realização material de tal direito (p. ex., nos casos previstos nos arts. 536 a 538 do CPC/2015).
Dentro de cada um destes grupos, podem existir procedimentos específicos, em razão de
peculiaridades de um dos elementos da relação jurídica de direito material (p. ex., execução de
alimentos, execução contra a Fazenda Pública etc.). Há também variações tendentes a tornar
mais simples e menos formais os procedimentos executivos, tal como ocorre na execução nos
Juizados Especiais Cíveis (Lei 9.099/1995) e Federais (Lei 10.259/2001).
A sistemática das ações de execução prevista no CPC/2015 consolidou o abandono da
unificação procedimental, adotada na versão original do CPC de 1973.
No Livro II da Parte Especial, embora cuide das ações de execução de títulos extrajudiciais,
o Código regulou, exaustivamente, os atos executivos destinados à obtenção de quantia
em dinheiro (alienação, adjudicação etc.), ao recebimento de coisa e, também, embora de
modo menos minucioso, ao cumprimento de prestações de fazer e não fazer. O Livro II da
Parte Especial do CPC/2015, de todo modo, é fonte subsidiária em relação ao procedimento
das demais ações de execução, devendo incidir as normas ali referidas sempre que não
houver norma expressa e desde que não contrariem os princípios adotados por estas outras
modalidades de ações executivas.
1.5.2 Opções do demandante
De acordo com o art. 785 do CPC/2015, “a existência de título executivo extrajudicial não
impede a parte de optar pelo processo de conhecimento, a fim de obter título executivo judicial”.
A execução fundada em título executivo tem, para o exequente, a vantagem de dispensar
a averiguação judicial acerca da existência efetiva do direito que se encontra em sua base.
Assim, basta, para autorizar a prática de atos executivos, a existência do título apresentado
pelo exequente.
Se a suficiência do título executivo extrajudicial consiste, por um lado, em uma vantagem
para o exequente, o sistema processual habitualmente prevê, por outro lado, medidas
executivas mais rigorosas para execuções não fundadas em título executivo extrajudicial.
Ao constatar a existência do direito, levando em consideração a importância do bem jurídico
à luz do sistema, poderá o juiz impor medidas executivas que, em execução fundada em título
executivo (hipótese em que a apreciação da relevância do direito já foi feita pelo legislador), não
poderá, como regra, fazer.
Há que se ter em conta que, na execução fundada em título extrajudicial, inexiste cognição
judicial acerca da existência do direito a ser tutelado, bastando, para tanto, o título executivo.
A circunstância de não ter havido, ainda, cognição judicial acerca da existência do direito é
elemento que, se não elimina, pelo menos mitiga a amplitude do poder executivo do juiz. Afinal,
não tendo este tido oportunidade de constatar se o direito de fato existe, devendo contentar-se
com a existência do título executivo para realizar os atos executivos, naturalmente ficará menos
seguro quanto à intensidade das medidas executivas que poderão ser adotadas (a intensidade
da execução – que envolve a dimensão dos bens jurídicos atingidos e a profundidade do ato
executivo realizado – deve decorrer da conjugação entre a importância do bem jurídico tutelado
e a qualidade da cognição judicial realizada).
Pode-se dizer que a qualidade da tutela jurisdicional prestada tende a ser mais satisfatória,
em ações executivas que não se baseiem em título executivo extrajudicial.
Nada impede que, desprezando o título executivo, o autor veicule sua pretensão através
da ação em que a sentença é executiva, hipótese em que deverá demonstrar a existência
do direito, bem como a violação (atual ou potencial) ao mesmo. Nisso distinguem-se as
ações executivas fundadas ou não em título executivo. Nestas, embora seja necessária a
demonstração da existência do direito, pelo autor, terá o juiz à sua disposição um grau mais
variado de medidas executivas; naquelas, o título executivo confere a vantagem, ao exequente,
de tornar desnecessária a demonstração da existência do direito, mas limita os poderes de
execução do juiz.
O detentor de título executivo extrajudicial, assim, poderá optar entre um ou outro
procedimento. Assim, p. ex., caso o titular do direito opte pela ação fundada nos arts. 498 e 538
do CPC/2015, viabilizará ao juiz o uso de rol mais amplo de medidas executivas que aquele
disposto no art. 806 ss. do CPC/2015.
Semelhantemente, caso o credor, ao invés de ajuizar ação de execução por quantia certa
fundada em título extrajudicial, opte pela ação condenatória, poderá obter, em seu favor,
sentença cujo descumprimento acarretará a incidência da multa a que se refere o art. 523 do
CPC/2015.42
Pode-se dizer, diante disso, que a existência de título executivo extrajudicial não é óbice
ao ajuizamento de ação condenatória ou, conforme o caso, ao ajuizamento da ação em que
a sentença sejaexecutiva. Pode o credor, ainda, optar pelo ajuizamento de ação monitória, a
despeito da existência de título executivo (cf. art. 700 do CPC/2015).
No presente capítulo desta obra, ocupamo-nos, preponderantemente, da execução fundada
em título extrajudicial. Examinamos as demais espécies de ações executivas, a que acima nos
referimos, no capítulo precedente.43
1.6 Espécies de meios executivos. Execução direta (por sub-rogação) e indireta (por
coerção)
A tutela jurisdicional executiva deve ser estudada não apenas como resultado, mas também
sob o prisma dos meios tendentes à sua consecução.
Sob essa perspectiva, em um sentido amplo, podem ser consideradas modalidades de tutela
jurisdicional executiva tanto a execução direta (ou de sub-rogação) quanto a indireta (ou de
coação).44
Para parte da doutrina, somente haveria execução forçada propriamente dita quando
manifestada por meio de sub-rogação. As medidas coercitivas não poderiam ser consideradas
meios executivos, pois estes somente se realizariam através de atividade substitutiva do
Estado, algo que não seria obtido com as medidas coercitivas, pois neste caso o executado
cumpriria “voluntariamente” a obrigação.45
Rigorosamente, não se pode dizer que há cumprimento “voluntário” da obrigação, por parte
do devedor, quando este age compelido por uma medida coercitiva. Na realidade, não é
possível equiparar, p. ex., o devedor que cumpre no prazo a prestação de fazer àquele que
o faz em decorrência de multa judicial.46 Por isso, p. ex., nos casos em que é desejável o
cumprimento irrepreensível do dever pelo executado (p. ex., o médico que se nega a fazer
uma cirurgia), é duvidoso que isto seja satisfatoriamente alcançado com o manejo de uma
medida coercitiva. A rigor, neste caso o executado age porque constrangido a tanto, podendo-
se mesmo dizer que o executado age contra a sua própria vontade.
Desse modo, também no uso das medidas coercitivas, o juiz atua, forçando.
Mesmo se admitindo que a execução tenha por finalidade a aplicação da sanção – o que,
segundo parte da doutrina, significaria a realização dos atos executivos independentemente da
vontade do executado –, há de se ter em vista que o conceito de sanção compreende também
as medidas coercitivas.47
Por outro lado, não se pode afirmar, sem reservas, que na execução por sub-rogação (ou
execução direta) haveria efetiva substituição do executado pelo órgão judicial.48
Pensamos, assim, que mesmo os meios coercitivos também devem ser considerados
manifestação da tutela jurisdicional executiva, na medida em que visam, ainda que
mediatamente, à realização do direito do exequente. Pelo menos sob o prisma “funcional” as
medidas coercitivas devem ser consideradas executivas.49
Ao negar que a execução indireta (ou por coerção) possa ser considerada modalidade de
tutela jurisdicional executiva, poder-se-ia afirmar que, quando o juiz estabelece que algum dever
deve ser cumprido sob pena de uma medida coercitiva (p. ex., sob pena de multa), se estaria
diante de outra modalidade de tutela jurisdicional. Parte da doutrina afirma haver, em tal caso,
tutela mandamental.50 Tal concepção, no entanto, além de significar a alteração da definição
de tutela mandamental (que, segundo nosso entendimento, e de acordo com concepção
doutrinária tradicional, entre nós, materializa-se, pura e simplesmente, com a emissão de uma
ordem, pelo juiz),51 imporia que se acabasse por admitir ser mandamental, p. ex., a ação
fundada no art. 911 do CPC/2015 (que, para nós, é, simplesmente, executiva).
Por outro lado, ao se entender que a tutela mandamental teria por base a coerção (como
a multa ou a prisão, v.g.), haver-se-ia que admitir, ipso facto, que as ações em que o juiz
profere sentença que contém apenas ordem, pura e simplesmente (como, p. ex., pode ocorrer
no mandado de segurança), não acompanhada de imposição de medida coercitiva, se estaria
diante de pronunciamento judicial vazio.
Preferimos, diante disso, seguir a linha doutrinária que admite que a execução indireta (ou
por coerção) é, sim, espécie de execução, reservando a expressão tutela mandamental para as
hipóteses em que o juiz profere ordem judicial (sendo desnecessário, para tanto, que tal ordem
se faça acompanhar de uma medida coercitiva).52
1.7 Correlação entre a medida executiva (direta ou indireta) e o direito tutelado
A definição da medida executiva adequada para a tutela do direito deve, em princípio,
considerar os seguintes parâmetros:
a) saber se a satisfação do direito depende ou não da participação do executado;
b) identificar se a participação do executado é imprescindível, ou oportuna;
c) se a participação do executado é totalmente inconveniente; e
d) se, embora possível, a atuação do executado é irrelevante, ou está em segundo plano.
Em atenção a essas peculiaridades, deve o sistema jurídico comportar o manejo de medidas
coercitivas que possam compelir o executado a realizar a atividade devida, ou, conforme o
caso, estabelecer que os atos executivos sejam realizados diretamente, pelo juiz ou por seus
auxiliares, independentemente da participação do executado.
À luz destes parâmetros, a doutrina assim classifica as medidas executivas: a) Execução
direta (ou por sub-rogação): a.1 Por expropriação; a.2 Por desapossamento; a.3 Por
transformação; b) Execução indireta (ou por coerção); b.1 Coerção patrimonial; b.2 Coerção
pessoal.
A execução por quantia certa se realiza, ordinariamente, através da expropriação (cf. art.
825 do CPC/2015).
Após a realização da penhora – isto é, da definição judicial dos bens que se submeterão
aos atos executivos – autoriza-se a realização de atos de transferência forçada de tais bens,
que, de acordo com o novo modelo adotado pelo novo Código, poderá realizar-se de uma das
seguintes formas:
(a) transferência judicial do bem penhorado para o próprio exequente, denominada
adjudicação (art. 825, I, c/c art. 876 do CPC/2015);
(b) alienação, que pode se dar por iniciativa particular (art. 825, II c/c art. 879, I, do CPC/
2015) ou em leilão judicial (art. 825, II c/c 879, II, do CPC/2015);
(c) transferência judicial do direito de receber os frutos e rendimentos de empresa ou outro
bem produzir (art. 825, III c/c art. 866 ss. do CPC/2015).
Há, ainda, medidas executivas de expropriação previstas para o caso de execução de
alimentos, como o desconto em folha (cf. art. 529 do CPC/2015).
A natureza do dever de pagar quantia também pode autorizar o uso de medidas coercitivas,
tal como ocorre na execução de alimentos a que se refere o art. 528 do CPC/2015, em que se
permite a execução por coerção pessoal (prisão civil).53
O CPC/2015, inovando em relação ao CPC/1973, prevê, também, medidas que
classificamos como coercitivas (protesto, cf. art. 517 do CPC/2015; inclusão em cadastros de
inadimplentes, cf. art. 782, §§ 3.º a 5.º, do CPC/2015).54
No direito brasileiro, contudo, a previsão de medidas coercitivas em execuções movidas com
o intuito de se receber quantia em dinheiro é ainda considerada excepcional.
A execução para entrega de coisa, em regra, realiza-se por desapossamento, que se
concretiza através da identificação, localização, retirada do bem da posse do executado e
respectiva entrega ao exequente.55 A tais operações refere-se o CPC/2015 nos arts. 538 e
808, § 2.º: busca e apreensão, em se tratando de móveis; imissão na posse, em se tratando
de imóveis. Permite-se, contudo, o uso de medidas coercitivas também nesta hipótese, em se
tratando de execução fundada em título judicial (cf. art. 538, § 3.º, do CPC/2015; quanto à
execução para entrega de coisa fundada em título extrajudicial, cf. art. 806, § 1.º).
No caso das execuções de prestação de fazer e não fazer, tendo em vista que o sistema
dá primazia para a tutela específica (cf. arts. 497 e 536 do CPC/2015), a mesma se tornará
possível com a participação pessoal do executado, o que justifica o manejo de medidas
coercitivas (como a multa, p. ex.).
Há situações, contudo, em que o resultado esperado, embora possa ser alcançado com a
participaçãodo executado, poderá não ser obtido de modo qualitativamente pleno, na medida
em que, forçado a atuar em razão de uma medida coercitiva, poderá não cumprir a obrigação
com o mesmo apuro com que o faria, em caso de cumprimento espontâneo.
Pense-se, p. ex., na obrigação de um engenheiro civil em acompanhar a construção de um
edifício ou a obrigação de um cirurgião plástico etc. Em situações como as ora exemplificadas,
a vontade livre do devedor quando da realização da prestação é elemento imprescindível, razão
pela qual o emprego de mecanismos coercitivos talvez não seja medida recomendável.56 Tal
circunstância será mais importante, na medida do grau de indisponibilidade do direito a ser
tutelado.
Poderá mesmo ocorrer, neste caso, que o manejo de medidas coercitivas seja indesejável,
sendo mais adequada a execução direta, através de atos praticados pelo juiz ou por seus
auxiliares, com o intuito de se obter resultado prático equivalente ao do cumprimento pessoal,
pelo executado. Exemplo: o art. 102, caput, da Lei 12.529/2011 estabelece que “o juiz decretará
a intervenção na empresa quando necessária para permitir a execução específica, nomeando
o interventor”. Embora esta disposição diga respeito à execução das decisões do Cade –
Conselho Administrativo de Defesa Econômica, pode a intervenção judicial ser empregada
como medida executiva – sub-rogatória, no caso – nas ações fundadas nos arts. 536 ou 538 do
CPC/2015, se esta medida se fizer necessária (cf. art. 536, caput e § 1.º do CPC/2015).
Vê-se, assim, que, embora seja correto afirmar que, conforme o caso, o direito brasileiro dá
primazia à utilização de um ou outro mecanismo executivo, não há correlação necessária entre
a natureza da obrigação e a medida executiva a ser manejada.
Deve a solução jurídica ser construída de modo a se vislumbrar as espécies de medidas
executivas não como um fim em si mesmas, mas apenas como meios que devem ser
conjugados a fim de se proporcionar a tutela substancial do direito.57
Devem ser recusados, diante disso, modelos que, a pretexto de explicar o modo de
realização das variadas técnicas executivas, tornam-nas excessivamente requintadas e
obscuras. A classificação proposta por Chiovenda, que seguimos, além de extremamente
simples e funcional, ajusta-se, plenamente, ao sistema jurídico processual brasileiro, tal como
previsto no CPC/2015, e permite que se analise a atuação executiva dos direitos sem que,
para isso, seja necessária a alteração ou criação de novas figuras jurídico-processuais,
descompromissadas com a tutela substancial do direito.
1.8 Direção formal e material do processo de execução
1.8.1 Cognição judicial na execução
Na execução fundada em título extrajudicial a cognição judicial é limitada no plano
horizontal. No curso da ação de execução fundada em título extrajudicial, deve o magistrado
proferir decisões relativas não só à validade, mas também à adequação das medidas
executivas.58
Nesses casos, o executado poderá, no curso da própria ação executiva, opor-se à penhora
que se pretenda realizar sobre bens impenhoráveis (cf. art. 917, § 1.º, do CPC/2015), pleitear
sejam reavaliados os bens penhorados (cf. c art. 873, I, do CPC/2015), postular a declaração
de nulidade de arrematação realizada por preço vil (art. 903, § 1.º, I do CPC/2015) etc.
A amplitude da participação do juiz na criação da solução jurídica mais adequada é ainda
maior, nos casos em que incide o denominado princípio da atipicidade das medidas executivas.
Ao atuar no curso de uma ação de execução, assim, o juiz acaba por resolver diversas
questões relevantes que não dizem respeito, necessariamente, à averiguação da existência da
relação jurídica de direito material, mas à validade e adequação dos atos executivos, operação
esta que se reflete materialmente nas esferas jurídicas do exequente e do executado.
O que melhor exprime a confluência dos interesses indicados, segundo pensamos, é a
incidência do critério da proporcionalidade.
1.8.2 Poderes do juiz
O art. 772 do CPC/2015 é desdobramento do art. 139 do CPC/2015, que, de modo mais
amplo, dispõe sobre a direção formal e material do processo.
O inc. I do art. 772 reproduz, em parte, o inc. VIII do art. 139 do CPC/2015. O inc. II do art.
772, por sua vez, é reprodução, para o processo de execução, da regra geral prevista no art.
77, caput e § 1.º, do CPC/2015.
Também aqui há menção ao aspecto gerencial da atuação do juiz e à exigência de que
haja cooperação entre os sujeitos do processo, que, como temos sustentado, dá-se em dois
níveis (entre as partes; entre as partes e o magistrado). Assim, p. ex., em relação à exibição de
documentos e dados pelas pessoas indicadas pelo exequente (cf., a respeito, art. 773 do CPC/
2015).
1.8.3 Proporcionalidade. Menor onerosidade da medida executiva e máxima efetividade da
execução
Tanto melhor será o resultado da atividade jurisdicional, quanto mais celeremente se realizar
o direito do exequente, sem, contudo, sacrificar-se, de modo exorbitante e injustificável, a esfera
jurídica do executado.
Diante disso, as medidas executivas devem ser realizadas observando-se a menor
onerosidade (ou menor restrição possível) da medida executiva e a máxima efetividade (ou do
resultado) da execução, que nada mais são que elementos do critério da proporcionalidade.59
De acordo com esse critério, deve haver uma “relação adequada entre um ou vários fins
determinados e os meios com que são levados a cabo”. Destacam-se, pois, os seguintes
elementos: o meio escolhido deve ser adequado; ainda, deverá ser necessário, “não excedendo
os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja”; por fim, deve-se realizar
a ponderação entre os bens ou interesses em jogo, a fim de que o sacrifício imposto a um dos
interesses seja efetivamente necessário e justificável.60
A matéria não pertence à disciplina da tutela jurisdicional executiva, podendo se revelar em
todas as searas do direito,61 mas na execução o conflito revela-se de modo agudo, pois para a
realização de todos os atos executivos deverá o juiz, ao mesmo tempo em que busca realizar
eficazmente o direito do exequente, deve providenciar para que tais atos realizem-se do modo
menos prejudicial possível ao devedor.
A ideia de que o juiz, na execução, não realiza operações mentais lógicas e valorativas só
pode ser entendida quando se compreende a execução como espécie de tutela jurisdicional em
que o juiz apenas realiza atos materiais, quase que mecanicamente.
Se é certo que não é no curso da execução que o juiz deve declarar se há ou não direito a
ser executado – notadamente no processo de execução, ante a abstração do título executivo-
,62 não menos certo é dizer que é na execução que as expectativas das partes se encontram
em maior crise, e o juiz não pode ficar alheio a esta tensão.
Esta observação não diz respeito apenas àqueles casos em que o sistema opta pela
atipicidade das medidas executivas, em que o grau de participação do juiz na criação da
solução jurídica é visivelmente maior. Incide, também, nos casos em que as medidas executivas
são típicas, e também neste caso a aplicação dos mencionados princípios é visível.63
Na execução por quantia certa contra devedor solvente, um dos momentos em que tal crise
se revela é o da definição do bem a ser penhorado (cf. art. 835 do CPC/2015). Semelhantes
questões surgem em relação à admissibilidade da penhora sobre determinados bens.64
Em tais casos, à menor onerosidade deve conjugar-se a máxima efetividade, a fim de que
se norteie a realização da atividade executiva.65
Não basta ao executado, porém, invocar de modo genérico, em seu favor, a regra prevista
no caput do art. 805 do CPC/2015, pois, consoante dispõe o parágrafo único do mesmo
artigo, ao executado “incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos”. A
jurisprudência, ainda à luz do Código de Processo Civil de 1973, já era nesse sentido.66
O legislador também é influenciado por esses matizes, ora para autorizar, ora para restringir
medidas executivas.Por exemplo, o art. 835, § 1.º, do CPC/2015, dispõe que “é prioritária a
penhora em dinheiro” em relação aos demais bens ali indicados; por outro lado, a penhora de
faturamento de empresa é medida tratada pela lei como excepcional (cf. art. 866 do CPC/2015).
1.8.4 Órgão judicial e auxiliares da justiça
O grau de participação dos auxiliares da justiça na realização das funções do órgão
jurisdicional pode variar.67
No direito brasileiro, os auxiliares ocupam papel relevante, mas coadjuvante, em relação ao
do juiz, o que se revela também na execução.
É certo que o oficial de justiça poderá realizar, ex officio, o arresto de bens do executado,
presentes certas circunstâncias (cf. art. 830 do CPC/2015). No entanto, quanto ao controle
e realização dos atos executivos, o CPC/2015 não altera a estrutura antes estabelecida pelo
CPC/1973: é o próprio juiz quem realiza o controle inicial da admissibilidade da execução (art.
801 do CPC/2015) e determina a prática dos atos executivos, que serão cumpridos pelo oficial
de justiça (cf. art. 782 do CPC/2015).
Os auxiliares do juízo, assim, têm pouca autonomia, à luz da lei brasileira.68
Entre nós, é o juiz quem o faz o exame da petição inicial da execução (cf. art. 801 do CPC/
2015)69 e, também, quem determinada, ao menos como regra (salvo exceções como a prevista
no art. 830 do CPC/2015), os atos executivos a serem realizados pelos auxiliares.
1.9 Dever de cooperação
Incidem, no processo de execução, o que observamos anteriormente, em relação ao
comportamento dos sujeitos do processo em consonância com a boa-fé objetiva e ao dever de
cooperação.70
Os atos do executado passíveis de serem qualificados como atentatórios à dignidade da
justiça são arrolados no art. 774 do CPC/2015 – com o que não se exclui, se for o caso, a
incidência dos arts. 77 e 80 do CPC/2015, que estabelecem, de modo mais geral, os deveres
das partes e as condutas indicativas de litigância de má-fé, em qualquer modalidade de
processo.
Os incs. III e V do art. 774 do CPC/2015 tratam do dever do executado de (a) não impedir,
ilegitimamente, a realização da penhora, e (b) cooperar, ativamente, para com a realização da
penhora.
Ambas as hipóteses dizem respeito ao dever de cooperação ligado ao dever de cumprir a
obrigação, pelo devedor (dever principal), mas que diz respeito menos à obrigação em si que a
um dever geral de cooperação, mais relacionado àquilo que se convencionou chamar de dever
lateral (Nebenplichten).71
Os incs. III e V tratam, rigorosamente, de um mesmo fenômeno, mais amplo, mas que se
desdobra na exigência de condutas passiva e ativa: além de não dificultar ou embaraçar a
realização da penhora, deve a execução agir de modo a que a penhora se realize.
Ora, se o dever de pagar existe, a não facilitação de acesso aos bens necessários à
satisfação da execução é injustificável. Assim, p. ex., deve-se considerar atentatória à dignidade
da justiça tanto a atitude do executado que tenha bens, mas afirma não os ter, quanto à
do executado que, vendo ser realizada a penhora sobre bem de terceiro (que aparenta ser
dele, executado) não informa isso ao juízo – dando causa, com essa omissão injustificável, à
oposição de embargos de terceiro (cf. arts. 674 e ss. do CPC/2015).
Decidiu-se com acerto, à luz do CPC/1973, que “a parte exequente tem a faculdade de
indicar bens à penhora, enquanto a parte executada, intimada para tanto, tem o dever de indicar
bens penhoráveis”,72 orientação que deve ser mantida, à luz do art. 774 do CPC/2015.
Multas ou indenizações decorrentes de litigância de má-fé ou de prática de ato atentatório
à dignidade da justiça serão cobradas nos próprios autos do processo (cf. art. 777 do CPC/
2015).73
Para a realização da tutela executiva, poderá ser necessário o acesso a documentos ou a
dados que se encontrem em poder do executado ou de terceiros (cf. arts. 772, III e 773, do
CPC/2015). Assim, p. ex., para a realização de cálculo que deve instruir o pedido de execução
(cf. art. 524, §§ 3.º e 4.º, do CPC/2015).
Para a localização de bens penhoráveis (que podem ser indicados pelo exequente em
sua petição inicial, cf. art. 798, II, c, do CPC/2015), poderá ser necessária a quebra de sigilo
bancário ou fiscal, p. ex.74
1.10 Responsabilidade executiva
1.10.1 Fundamentos
Na doutrina, apontam-se vários fundamentos para a existência da responsabilidade
executiva.
Há várias teorias que procuram justificar o poder jurisdicional de se excutir o patrimônio
do executado, com o intuito de se satisfazerem suas dívidas. Para muitos, a responsabilidade
executiva seria exclusivamente patrimonial. Mas esse modo de pensar decorre de uma
concepção estreita do que seja a própria tutela jurisdicional executiva.75
Dentre todas as teorias – desde aquelas que distinguem o débito da responsabilidade,
passando pela ideia de que em favor do credor haveria um penhor legal sobre o patrimônio do
devedor, chegando até à concepção de que a execução é aplicação de sanção executiva –, é
uniforme a noção de que objeto da execução é o bem devido, não se admitindo, modernamente,
a orientação de que a execução somente seria possível na medida e de acordo com a
participação do executado.
É certo, de todo modo, que o sistema jurídico volta-se à realização material do direito, sendo
este o motivo pelo qual se autoriza a realização de atos executivos sobre a esfera jurídica do
executado (e não apenas sobre seu patrimônio).
Por isso, a responsabilidade executiva manifesta-se no sentido patrimonial e pessoal.
1.10.2 Responsabilidade pessoal
Examinar a questão apenas à luz da responsabilidade patrimonial implica desconsiderar
as diversas situações em que as medidas executivas extrapolam essa manifestação da esfera
jurídica do executado, para atingir outros direitos não patrimoniais.
É o que acontece, p. ex., em relação ao manejo de medidas coercitivas (execução indireta)
que limitam a liberdade do executado (CPC/2015, art. 528, em relação à execução de prestação
de alimentos).
Também ultrapassa o aspecto meramente patrimonial a intervenção judicial em empresa
(art. 102 da Lei 12.529/2011, que revogou o art. 69 da Lei 8.884/1994) para a realização de
prestação de fazer (cf. art. 536, caput e § 1.º do CPC/2015, que autoriza o juiz a tomar “medidas
necessárias” ao cumprimento da obrigação).
O direito volta-se também à tutela de bens jurídicos não patrimoniais, ou que não dizem
respeito, puramente, ao patrimônio. É o que acontece, p. ex., em relação à tutela do meio
ambiente, dos direitos dos idosos, das pessoas com deficiência etc. De igual modo, as medidas
tendentes à realização de direitos subjetivos também passam a afetar direitos não patrimoniais
do executado, como se disse.
1.10.3 Responsabilidade patrimonial
1.10.3.1 Conceito
Costuma-se afirmar, na doutrina, que a responsabilidade patrimonial é a “sanção que o
devedor irá sofrer pelo não cumprimento da obrigação”: “no plano das obrigações, o devedor
se obriga a realizar certa prestação (vínculo pessoal) e se não o faz seu patrimônio responde
perante o credor pela recomposição do prejuízo decorrente do inadimplemento (vínculo real)”.76
Esta modalidade de responsabilidade executiva vincula o patrimônio do executado, e
relaciona-se, sobretudo, à execução por sub-rogação (ou direta).
Pode-se afirmar, simplesmente, que responsabilidade patrimonial é a sujeição do patrimônio
do devedor ao cumprimento da obrigação.
Sob o prisma da responsabilidade patrimonial, diz-se que o executado responde com seus
bens para a satisfação da obrigação (CPC/2015, art. 789 do CPC/2015).
As medidas executivas de cunho patrimonial são limitadas, muitas vezes, por necessidades
não patrimoniais do executado, resguardadas pelo sistema jurídico. É o que acontece, p. ex.,
em relação à impenhorabilidade do bem de família (cf. Lei 8.009/1990).
A regra tem peculiaridades, nos planos objetivo e subjetivo.77
1.10.3.2 Responsabilidade patrimonial no plano objetivo
No plano objetivo, a responsabilidade patrimonial é restringida pelas regras que
estabelecema impenhorabilidade absoluta ou relativa de alguns bens (cf. arts. 832 a 834 do
CPC/2015, dentre outros).
Quando esses limites são estabelecidos em virtude de necessidades naturais do executado,
as regras respectivas devem ser interpretadas teleologicamente, de modo que as restrições às
medidas executivas amoldem-se adequadamente a tais necessidades.
Assim, não se deve permitir que a execução reduza o executado a situação indigna;
no entanto, não se autoriza que o executado abuse desse princípio, manejando-o para
indevidamente impedir a atuação executiva de um direito. Isso se aplica às limitações à
responsabilidade patrimonial estabelecidas pela impenhorabilidade. P. ex., o art. 833, V, do
CPC/2015 (art. 649, V do CPC/1973) estabelece que são absolutamente impenhoráveis os
objetos necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado, o que não autoriza que
o executado se escuse de pagar uma dívida investindo todo o seu patrimônio, p. ex., em um
automóvel extremamente luxuoso.
Semelhante raciocínio deve aplicar-se à impenhorabilidade do bem de família (Lei 8.009/
1990), que, a propósito do assunto em questão, não estabeleceu a impenhorabilidade deste
bem de modo absoluto. Assim, os bens que guarnecem a residência são impenhoráveis (art.
1.º, parágrafo único, da Lei), mas a impenhorabilidade não alcança os “adornos suntuosos”
(cf. art. 2.º, caput); se o executado possuir vários imóveis utilizados como residência, a
impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor (art. 5.º, parágrafo único). Além disso, a
impenhorabilidade não resguarda o bem de toda e qualquer dívida contraída pelo executado
(cf. hipóteses descritas nos incisos do art. 3.º da mesma Lei).
Pensamos, por isso, que a regra da impenhorabilidade do bem de família deve também
ceder, em situações específicas, sempre que o executado investir todo o seu patrimônio em
imóvel excessivamente luxuoso e supérfluo, impedindo, com isso, a realização do direito de
seus credores. Esse modo de pensar, no entanto, não vem encontrando ressonância na
jurisprudência. Decidiu-se, p. ex., que “ainda que valioso o imóvel, esse fato não retira sua
condição de serviente a habitação da família, pois o sistema legal repele a inserção de limites à
impenhorabilidade de imóvel residencial”.78
1.10.3.3 Responsabilidade patrimonial no plano subjetivo
1.10.3.3.1 Responsabilidade primária e secundária
A execução, no plano subjetivo, pode alcançar bens de terceiros que não integravam,
originariamente, a relação jurídico-processual – e, até, a relação obrigacional. Tais pessoas,
embora não sejam originariamente obrigadas, são considerados responsáveis.79
A lei processual conhece a distinção entre débito e responsabilidade, em razão da qual bens
de terceiro podem vir a ser objeto de execução sem que este integre o processo de execução
como parte, originariamente.80
Na doutrina, costuma-se distinguir a responsabilidade executiva em primária e secundária:
“A responsabilidade do devedor que assumiu a obrigação é primária, também chamada de
originária. Em alguns casos, a lei admite que bens de terceiro (não participante da relação
obrigacional) sejam atingidos pela execução, é a denominada responsabilidade secundária, ou
derivada. A responsabilidade secundária imputa o cumprimento da obrigação a alguém que
não era, originariamente, obrigado pelo débito. Assim sendo, os responsáveis secundários são
considerados terceiros, posto que não figuram originariamente no título executivo”.81
Esses terceiros devem incorporar-se ao processo, tornando-se parte. Aqueles que a lei
processual considera responsáveis não devem ser tratados como terceiros, no processo. Não
se pode dizer que se esteja diante de um mero terceiro já que é indubitável que de executado
se trata.82 Trata-se de solução que se impõe, à luz das garantias do contraditório e da ampla
defesa, que são manifestações do devido processo legal (CF/1988, art. 5.º, LIV e LV).
Caracterizando-se o responsável como parte, deverá ele opor-se através de embargos do
devedor (CPC/2015, arts. 914 e ss.), e não de embargos de terceiro (CPC/2015, arts. 674 e
ss.).
1.10.3.3.2 Responsabilidade do fiador
O art. 794 do CPC/2015 dispõe sobre o exercício do benefício de ordem previsto no art. 827,
parágrafo único do CC/2002 pelo fiador executado, mas, enquanto este refere-se à indicação
de bens do afiançado existentes no mesmo município, a lei processual autoriza a indicação de
bens existentes na comarca.83
Não tem o fiador tal direito, se presentes umas das situações previstas no art. 828 do CC/
2002, como, p. ex., se a ele houver renunciado (art. 828, I, do CC/2002 e art. 794, § 3.º, do CPC/
2015),84 se tiver se obrigado como devedor principal ou solidário (art. 828, II, do CC/2002).85
Tal benefício não alcança o avalista.86
Paga a dívida pelo fiador, fica ele sub-rogado nos direitos do credor (CC/2002, art. 831),
podendo executar o afiançado nos mesmos autos (CPC/2015, art. 794, § 2.º).87 O fiador deve
constar do título executivo, inclusive o título judicial (cf. § 5.º do art. 513).
1.10.3.3.3 Responsabilidade do sócio
Como regra, os bens dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade. Há situações,
no entanto, em que o sócio é considerado responsável, por força de lei (p. ex., quanto ao sócio,
quando considerado responsável tributário).88 A desconsideração da personalidade jurídica
deverá realizar-se em observância ao procedimento previsto nos arts. 133 a 137 do CPC/2015
(cf. § 4.º do art. 795 do CPC/2015).
Mesmo nos casos em que o sócio é considerado responsável, tem ele direito a que, antes,
sejam executados os bens da sociedade. Algo similar é previsto no art. 1.024 do CC/2002, em
relação às sociedades simples.89 Quanto à sociedade limitada, incide, como regra, o art. 1.052
do CC/2002 (“a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos
respondem solidariamente pela integralização do capital social”); porém, a regra prevista nesse
dispositivo não poderá ser invocada em caso de desconsideração da personalidade jurídica.90
O exercício do direito ao benefício de ordem pelo sócio em relação à sociedade segue
procedimento similar ao do fiador em relação ao afiançado (referido no art. 794 do CPC/2015),
seja quanto à nomeação de bens (cf. §§ 1.º e 2.º do art. 795 do CPC/2015), seja quanto ao
prosseguimento da execução no mesmo processo (cf. § 3.º do art. 795 do CPC/2015).
1.10.3.3.4 Responsabilidade do espólio e dos herdeiros
O art. 796 do CPC/2015 reproduz o disposto no art. 1.997 do CC/2002.91
Enquanto não partilhados os bens, os credores devem exercer sua pretensão contra o
espólio, observando o previsto no art. 642 do CPC/2015. Nesse caso, “pode a penhora ocorrer
diretamente sobre os bens do espólio”.92
Realizada a partilha, o credor poderá voltar-se contra o herdeiro, mas este terá sua
responsabilidade limitada às “forças da herança”, incumbindo ao herdeiro demonstrar que se
está a cobrar em excesso, isso é, além de tal limite (cf. art. 1.792 do CC/2002) ou da proporção
que lhe cabe (cf. art. 1.997 do CC/2002).
1.10.4 Fraude à execução
1.10.4.1 Alienação ou oneração do bem no curso da ação. Ineficácia, em relação ao
exequente
De acordo com o inc. V do art. 790 do CPC/2015, sujeitam-se à execução os bens
“alienados ou gravados com ônus real em fraude à execução” pelo executado.93
Há fraude à execução nos casos descritos no art. 792 do CPC/2015.94
As coisas se passam de modo semelhante, na fraude contra credores prevista nos arts. 158
e ss. do CC/2002 e na fraude à execução, mas há, neste caso, um plus: “Diferença marcante
entre a fraude contra credores e fraude de execução situa-se na categoria do interesse violado
com a prática do ato fraudulento. Com efeito, a primeira tem por violado interesse de natureza
privada, qual seja o interesse privado do credor. De sua vez, na fraude de execução o interesse
infringido é o da própria atividade jurisdicional, ou seja, macula-se o prestígio da própria
jurisdição ou do Estado-Juiz”.95
A alienação ou oneração em fraude à execuçãoé ineficaz, em relação ao exequente (cf. §
1.º do art. 792 do CPC/2015). O ato realizado em fraude contra credores, por sua vez, pode ser
anulado, cf. art. 158 do CC/2002.96
Não se descarta a ocorrência do crime previsto no art. 179 do CP, que ocorre quando
alguém “fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando
dívidas”.97
O terceiro adquirente deve ser intimado para manifestar-se, antes de declarada a fraude à
execução. Neste caso, poderá, querendo, opor embargos de terceiro, no prazo de quinze dias
(cf. § 4.º do art. 792 do CPC/2015).
Para o reconhecimento da fraude à execução há a exigência de existência de ação contra o
alienante, devendo este ter sido citado,98 como regra (cf., no entanto, itens seguintes).
O § 3.º do art. 792 do CPC/2015 confirma esse modo de pensar, em se tratando de
desconsideração de personalidade jurídica.
A citação referida no § 3.º do art. 792 é aquela prevista no art. 135 do CPC/2015: citado
o sócio ou a pessoa jurídica para manifestar-se sobre o pedido de desconsideração, o ato de
alienação ou oneração de bens poderá ser considerado em fraude à execução, observadas as
demais condições previstas no art. 792 do CPC/2015.
1.10.4.2 Bens sujeitos a registro público
Em se tratando de ação que deva recair ou de ato executivo que tenha incidido sobre bem
sujeito a registro, a pendência do processo ou o ato constritivo devem ser levados a registro
(cf. incs. I a III do art. 792 do CPC/2015). Essa regra coaduna-se com a prevista no art. 844 do
CPC/2015, segundo a qual, o arresto ou a penhora devem ser levados à averbação no registro
público competente, “para presunção absoluta de conhecimento por terceiros”.
O CPC/2015, no ponto, apenas reproduziu, em certos termos, parte do que já consta do
art. 54 da Lei 13.097/2015. De acordo com esse artigo, “os negócios jurídicos que tenham
por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a
atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas
na matrícula do imóvel” o registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias,
a averbação de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de
cumprimento de sentença, e, ainda, a “averbação, mediante decisão judicial, da existência
de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu
proprietário à insolvência” (cf. inc. IV do referido dispositivo), nos termos do inc. II do art. 593 do
CPC/1973, correspondente ao inc. IV do art. 792 do CPC/2015.
O parágrafo único do art. 54 da Lei 13.097/2015, por fim, estabelece que “não poderão ser
opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para
fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o
imóvel”.99
Vê-se que o art. 54 da Lei 13.097/2015, e, em alguma medida, também o art. 792 do
CPC/2015, adotam o princípio da concentração: “por ele, todos os atos ou fatos vinculados a
determinado objeto deveriam ser dados a conhecimento no mesmo órgão, com isso se evitando
deslocamentos das partes para diversos órgãos publicitários, quando tudo deveria convergir
para uma única repartição”.100
Sob esse prisma, como regra, só se reconhecerá a fraude à execução se realizada a
averbação a que se referem os arts. 54 da Lei 13.097/2015 e os incisos do art. 792 do CPC/
2015.
Ressalte-se que a necessidade de averbação, no caso do inc. IV do art. 792 do CPC/2015,
em se tratando de imóveis, decorre do previsto no art. 54, IV, da Lei 13.097/2015, e deve ser
realizada em consonância com o que dispõem os arts. 56 e 57 da mesma Lei.
O CPC/2015, assim, em consonância com a Lei 13.097/2015, optou por proteger os
interesses do terceiro que venha a adquirir bens do executado, exigindo, nos casos em que
o bem se sujeite a registro, a averbação da pendência do processo ou do ato constritivo para
que a alienação ou oneração do bem possa ser considerada em fraude à execução. Tais
disposições fazem com que se consolide, na lei, em parte, orientação firmada na jurisprudência
do STJ, à luz do CPC/1973.101
No caso, não se coloca a questão referente ao ônus de provar o conhecimento de terceiro,
em virtude do disposto no art. 844 do CPC/2015.
1.10.4.3 Ausência de averbação
A evidente primazia dada pela lei ao princípio da concentração, a que se referiu no item
precedente, não impõe que quaisquer atos praticados pelo executado em prejuízo do
exequente e da própria função jurisdicional devam ser necessariamente respeitados, se não
realizada a averbação de bens sujeitos a registro.
A leitura isolada dos incs. I a III do art. 792 do CPC/2015 poderia induzir o intérprete ao
entendimento de que, não realizada a averbação em registro público, não haveria como se opor
à alienação ou oneração de bem penhorado (o inc. III do art. 792 do CPC/2015, p. ex., é claro
ao dispor que há fraude à execução quando o ato constritivo tiver sido averbado no registro do
bem).
Ainda que tais dispositivos sejam interpretados de modo restritivo, a alienação de bem
penhorado, mesmo que não tenha havido averbação tal ato constritivo, não pode ser admitida,
se demonstrada a scientia fraudis do terceiro adquirente. O parágrafo único do art. 54 da Lei
13.097/2015 ressalva, textualmente, que ficam protegidos quanto a “situações jurídicas não
constantes da matrícula no Registro de Imóveis” apenas os terceiros de boa-fé. Assim, atos
praticados entre o executado e terceiro de má-fé não é amparado pela lei processual ou pela
disciplina prevista no art. 54 da Lei 13.097/2015.
A alienação de bem penhorado sujeito à averbação, ainda que esta não tenha sido
realizada, é ato atentatório à dignidade da justiça: No mínimo, o executado, no caso, está a
dificultar a realização da penhora, cf. inc. III do art. 774 do CPC/2015, mas não se exclui que
outros dos incisos previstos no referido dispositivo também incidam, no caso.
Demonstrada a ciência de terceiro quanto à penhora, deverá juiz declarar a ineficácia do ato
de alienação ou oneração do bem penhorado, reprimindo, ex vi do art. 139, III, do CPC/2015, o
ato atentatório à dignidade da justiça perpetrado.102
Tem-se, assim, que se pode configurar a fraude à execução quando ocorrer uma das
hipóteses referidas nos incs. I a III do art. 792 do CPC/2015, para as quais, de acordo com
o texto legal, faz-se necessário a averbação em registro público, mas isso não impede que
se reconheça haver ato atentatório à dignidade da justiça quando o executado aliena bem
penhorado, e o terceiro adquirente tem ciência da penhora.
Ainda que se diga que, no caso, não haveria fraude à execução em sentido estrito (isso
é, nos precisos termos da redação restritiva dos incs. I a III do art. 792 do CPC/2015), o
reconhecimento do vício deverá conduzir ao mesmo resultado. Semelhantemente, em relação
à hipótese prevista no inc. IV do art. 792 do CPC/2015 (que, em princípio, também depende
de averbação no registro de imóveis, nos termos do art. 54, IV e dos arts. 56 e 57 da Lei
13.097/2015), não se deverá deixar de reconhecer a ocorrência de ato atentatório à dignidade
da justiça, se verificada a scientia fraudis.
Além de o parágrafo único do art. 54 da Lei 13.097/2015 ser claro quanto à proteção de
terceiro de boa-fé (excluindo-se, ipso facto, o terceiro que tenha ciência da fraude), solução
diversa criaria grave incoerência sistêmica, já que, embora possível o reconhecimento da
fraude contra credores prevista no art. 158 do CC/2002 (que, em princípio, resguarda apenas
o interesse do credor), se estabeleceria condições mais severas para que se reconhecesse a
fraude à execução (em que está em jogo não apenas o interesse do exequente, mas, também,
o da própria atividade jurisdicional).
O conjunto de regras acima referidas conduz a que se entenda que, em princípio, o
exequente terá o ônus de provar a ausência de boa-fé do terceiro, caso não seja feito o registro
a que se referem os arts. 792 do CPC/2015 e 54 da

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