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Capítulo 1 Conceitos Básicos e Postulados Thermodynamics - H.B. Callen (1960) 1.1 A Natureza da Termodinâmica Mecânica, eletricidade e magnetismo e termodinâmica são três divisões paralelas da física clássica macroscópica. A maneira pela qual esta divisão natural se origina pode ser avaliada, considerando-se a natureza das observações macroscópicas e suas relações com a estrutura atômica básica da matéria. Do ponto de vista atômico, uma amostra macroscópica de matéria é um aglomerado de um grande número de elétrons e núcleos. Consequentemente, uma completa descrição matemática da amostra consiste na especificação de um número adequado de coordenadas para cada elétron e núcleo. São portanto necessárias 1024 ou 1025 coordenadas para descrever o estado de uma pinta de álcool ! [Obs: 1 pinta 0, 5 litro.] Sem dúvidas, este tipo de descrição é válido num certo sentido, mas com certeza não é uma boa descrição para o operário que rotula as garrafas. Poucos parâmetros, apenas, são necessários para descrever o sistema macroscopicamente em constraste com o número relativamente grande exigido para uma descrição atomística. Na transição do nível de descrição atomístico para o macroscópico existe uma enorme simplificacção e uma drástica redução no número de variáveis relevantes. Os indícios para a simplicidade do tratamento macroscópico está na lentidão das medidas macroscópicas em comparação com a velocidade dos movimentos atômicos. Duante o longo tempo em que uma medida é processada, os átomos do sistema deslocam-se com enorme rapidez e em movimentos complexos. Uma medida macroscópica de comprimento pode ser feita colocando-se uma régua ao lado da amostra tirando-se uma fotografia instantânea. O tempo de medida é determinado pela velocidade do obturador da câmera, que tem valores típicos da ordem de centésimos de segundo. Mas o período característico do movimento atômico é 1015 segundos! Mesmo durante uma medida “rápida”, da ordem de 1 microssegundo, os átomos de um sólido típico realizam dez milhões de vibrações. Consequentemente, medidas macroscópicas tomam apenas médias das coordenadas atômicas. Evidentemente, o processo matemático de calcular sobre uma coordenada elimina-a da formulação matemática, tal que podemos ver, em princípio, como o número de coordenadas relevantes é reduzida ao passarmos do nível de descrição atômico para o macroscópico. Embora a média estatística reduza significativamente o número de variáveis relevantes, ela não elimina todas as varáveis. Dos 1024 parâmetros originais, alguns parâmetros muito especiais sobrevivem ao processo de cálculo de média e permanecem como parâmetros apropriados para uma descrição macroscópica de um sistema. Ou, colocado de outra forma, de um número muito grande de coordenadas atômicas, existem algumas com propriedades especiais que são macroscopicamente observáveis. O critério formal para estas poucas coordenadas é bastante sutil, mas a idéia geral pode Capítulo 1: Conceitos Básicos e Postulados 1 ser representada por uma analogia simples. Suponha que nosso sistema macroscópico seja aquele representado na Figura 1.1, consistindo não em 1024 átomos mas em apenas onze. O sistema contém um átomo pesado central e dez átomos leves de igual massa colocados simetricamente. O átomo central tem uma carga positiva igual duas unidades e dad um dos dois átomos leves, em lados opostos do átomo central, tem uma carga negativa de uma unidade. Cada átomo é ligado ao seu vizinho através de forças lineares simples, representadas por molas na Figura 1.1. Os movimentos dos átomos individuais são fortemente acoplados tal que cada átomo tende a se mover em padrões organizados, chamados de modos normais. Três desses modos normais de movimento são indicados esquematicamente na Figura 1.2. Na Figura 1.2a, os dois átomos leves carregados permanecem imóveis enquanto os átomos leves descarregados vibram fora de fase aos pares ao longo da direção tangencial. Na Figura 1.2b todos os átomos leves vibram em fase nas direções radiais. Na Figura 1.2c, átomos leves vizinhos vibram fora de fase ao longo da direção tangencial. Existem muitos outros modos normais de movimento simples, mas esses três modos normais particulares são suficiente para nossa discussão. Ao invés de descrevermos o estado atômico do sistema através da especificação da posição de cada Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 2 átomo, é mais conveniente (e matematicamente equivalente) especificar a amplitude instantânea de cada modo normal. Essas amplitudes são chamadas de coordenadas normais, e o número delas é exatamente igual ao número de coordenadas atômicas. Estamos interessados aqui em entender qualitativamente como a maioria dessas coordenadas normais são perdidas no cálculo da média estatística, enquanto apenas algumas dessas coordenadas sobrevivem. No sistema macroscópico composto por onze átomos, não existe nenhuma distinção precisa entre observações macroscópicas e atômicas. Porém, para fins de ilustração podemos imaginar numa observação macroscópica como uma espécie de visão “embaçada” capaz de distinguir apenas os aspectos grosseiros, mas não os finos detalhes. Uma observação mecânica macroscópica é realizada olhando o sistema através de uma lente embaçada, e uma observação elétrica macroscópica é feita sondando grosseiramente os campos elétricos ao redor do sistema. Em cada caso, a insensibilidade aos finos detalhes representa uma maneira qualitativa da média estatística que está implícita nas observações macroscópicas verdadeiras. Quando visto através de uma lente embaçada o modo de movimento na Figura 1.2a torna-se inobservável; isto representa o tipo de modo normal que é eliminada pela média estatística. O modo de movimento da Figura 1.2b, porém, está associado com a mudança grosseira no tamanho do sistema – ela é basicamente a dilatação volumétrica. Este modo é observável mesmo através de uma lente embaçada e, dessa maneira é preservado pela média estatística. Uma vez que este tipo de modo sobrevive, o volume é um parâmetro válido na descrição de um sistema macroscópico. Finalmente, embora o modo de movimento da Figura 1.2c seja inobservável através de uma lente embaçada, observa-se que ele está associado com um momento de dipolo elétrico grosseiro. A carga negativa sobre um deslocamento resultante relativamente à carga positiva. Na Figura 1.2c este deslocamento relativo é mostrado como para cima; na outra metade do ciclo o deslocamento relativo seria seria para baixo e o momento de dipole se iverteria. Para uma visão “embaçada” eletricamente sensitiva, o mode da Figura 1.2c seria observável. Portanto, o modo da Figura 1.2c sobreviveria à média estatística, de modo que o dipolo elétrico torna-se um parâmetro válido para a descrição de um sistema macroscópico. Dos nossos três modos de movimento atômico, um é perdido no processo da média, um sobreve como parâmetro mecânico (o volume) e o outro sobrevive como um parâmetro elétrico (o momento de dipolo) do sistema macroscópico. O exemplo que discutimos ilustra um resultado muito geral. Da enorme quantidade de coordenadas atômicas, muito poucas, como propriedades especiais de simetria, sobrevivem à média estatística associada com a transição para uma descrição macroscópica. Das coordenadas que sobrevivem, algumas têm natureza mecânica – ou seja, volume, parâmetros descritivos da forma, componentes de tensões elásticas etc. Outras têm natureza elétrica – dipolo elétrico, vários momentos de multipolos etc. O assunto da mecânica (incluindo elasticity, hydrodynamics e reologia) é o estudo de um conjunto de coordenadas que sobreviveram. O assunto da eletricidade (incluindo eletrostática, magnetostática e ferromagnetismo) é o estudo de outro conjunto de coordenadas que resistiram à média. Nesta perspectiva, estamos agora preparados para colocar a questão: “O que é a termodinâmica?” Termodinâmica é o estudo das consequências macroscópicas da numerosas coordenadas atômicas que, em virtude da média estatística, não aparecem explicitamentenuma descrição macroscópica de Capítulo 1: Conceitos Básicos e Postulados 3 um sistema. Agora, quais são as conseqüências principais da existência de modos de movimento atômicos “ocultos” com os quais a termodinâmica está interessada? Existe uma consequência importante que podemos perceber, de imediato, de forma qualitativa e que ilustra a natureza do problema com o qual trataremos daqui pra frente. Primeiro, lembre-se que tanto na mecânica, como na eletricidade estamos interessados com o conceito de energia. A energia pode ser transferida de um sistema, por um modo mecânico, tal que o fluxo de energia é chamado de trabalho mecânico. De forma similar, a energia pode ser transferida por um modo elétrico. O trabalho mecânico é caracterizadado pelo termo PdV (P é a pressão, V é o volume) e o trabalho elétrico EdP (E é o campo elétrico e P é o momento de dipolo elétrico). Esses termos de energia e os vários outros termos de trabalho elétrico e mecânico são inteiramente tratados nas referências típicas de mecânica e eletricidade. Mas é igualmente possível transferir energia para modos de movimento atômicos ocultos como também para aqueles que são macroscopicamente observáveis. Uma transferência de energia para modos atômicos ocultos é chamada de calor. A existência de um termo calor além dos termos trabalo mecânico e trabalho elétrico é uma consequência extraordinária da existência de coordenadas atômicas ocultas. Então, a termodinâmica se preocupa com processos de transferência de calor. Com esta introdução qualitativa, procedemos a certas definições e convenções necessárias ao desenvolvimento teórico. 1.2 A Composição dos Sistemas Termodinâmicos A termodinâmica é um assunto de grande generalidade, aplicável a sistemas de estrutura complicada com propriedades mecânicas, elétricas e térmicas complexas. Vamos focalizar nossa atenção nas propriedades térmicas. Portanto, é conveniente idealizar e simplificar inicialmente as propriedades mecânicas e elétricas do sistema que desejamos estudar. De maneira similar, consideramos em mecânica sistemas não carregados e não polarizados, enquanto que em eletricidade consideramos sistemas sem compressibilidade elástica ou outros atributos mecânicos. A generalidade de cada assunto não é reduzido por esta idealização e, após estudarmos cada assunto em separado, basta combinar as teorias para tratar simultaneamente sistemas com propriedades elétricas e mecânicas complicadas. Da mesma forma, em nosso estudo da termodinânica, idealizamos nossos sistemas tal que suas propriedades mecânicas e elétricas sejam muito simples. Quando o essencial da termodinâmica tiver sido desenvolvido, é muito simples estendê-lo para analisar sistemas com estruturas mecânicas e elétricas relativamente complexas. O ponto essencial que desejam enfatizar é que as restrições sobre os tipos de sistemas considerados nos vários capítulos seguintes não são limitações básicas das generalidade da teoria termodinâmica, mas são adotadas meramente por simplicidade de exposição. Vamos restringir nossa atenção a sistemas simples, definidos como sistemas que são macroscopicamente homogêneos, isotrópicos, sem cargas e quimicamente inertes, que são suficientemente grandes para que os efeitos superficiais possam ser ignorados e que sobre eles não atuem campos elétricos, magnéticos e gravitacionais. Para esses sistemas simples não existem coordenadas elétricas macroscópicas. O sistema não tem carga elétrica, nem dipolos elétricos ou magnéticos, quadrupolos ou momentos de ordens mais elevadas. Todas as componentes de deformações elásticas e outros parâmetros mecânicos Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 4 relacionados são nulos. Embora os vários parâmetros mencionados não se apliquem a um sistema simples, o volume V é um parâmetro mecânico importante. Além disso, um sistema simples tem uma composição química definida, que deve ser descrita por um conjunto apropriado de parâmetros. Um conjunto razoável de parâmetros de composição seria o número de moléculas em cada um dos constituintes quimicamente puros que formam o sistema. Alternativamente, para obtermos números com valores mais convenientes, adotamos o número de mols, definido como o número de cada tipo de molécula dividido pelo número de Avogadro (6, 024 1023). O número de mols Nk do k ésima constituinte químico de um sistema, pode ser calculado convenientemente como a razão entre a massa daquele componente e a sua massa molar. A massa molar é a massa de 6, 024 1023 moléculas. Na descrição da composição de um sistema termodinâmico através dos números de mols de seus constituintes químicos, adotamos implicitamente a concepção de que os componentes químicos puros são permanentes e indivisíveis. Subsequentemente, consideramos reações químicas nas quais as espécies moleculares podem mudar. Mas, mesmo as reações químicas mantém a integridade das espécies atômicas individuais. É claro que tais tratamentos são inadequados para descrever o interior de uma estrela quente, onde os neutrons, prótons e elétrons individuais são as componentes fundamentais que podem entrar numa combinação transitória para formar íons atômicos. Nesses casos, consideramos os “números de mols” Nk como sendo proporcionais ao número de nêutrons, prótons e elétrons. Porém, para nossos presentes propósitos ignoramos a possibilidade de separação molecular ou atômica e descrevemos a composição de um sistema pelo número de mols de seus componentes químicos. Os parâmetros macroscópicos V,N1N2, ,Nr têm uma propriedade em comum que demonstraremos ser muito siginificativa. Suponha que sejam dados dois sistemas idênticos e que consideramos esses dois sistemas formando um único sistema. Os valor do volume do sistema composto é evidentemente o dobro do volume de cada subsistema. Similarmente, cada um dos números de mols do sistema composto é o dobro daquele do subsistema. Parâmetros que têm valores num sistema composto igual à soma dos valores em cada um dos subsistemas são chamados de parâmetros extensivos. Parâmetros extensivos têm um papel importante na teoria termodinâmica. Várias razões entre parâmetros extensivos terão uso frequente em nossas discussões posteriores. Se um sistema é uma mistura de r constituintes químicos, as r razões do tipo Nk/ j1 r Nj k 1, 2, r são chamadas de frações de mols. A soma de todas as r frações molares vale um. A quantidade V/ j1 r Nj é chamado de volume molar. Problemas – Seção 1.2 1.2-1 Dez gramas de NaCl e 15 g de açúcar (C12H22O11) são dissolvidos em 50 g de água pura. O volume do sistema termodinâmico resultante é de 55 cm3. Quais são os números de mols dos três constituintes do sistema? Quais são as frações de mols? Qual é o volume molar do sistema? 1.2-2 Misturam-se 20 cm3 de cada uma das susbtâncias, álcool etílico (C2H5OH; densidade 0,79 g/cm3), álcool Capítulo 1: Conceitos Básicos e Postulados 5 metílico (CH3OH; densidade 0,81 g/cm3) e água (H2O; densidade 1,0 g/cm3) . Quais os números de mols dos três constituintes do sistema? 1.2-3 A maioria dos elementos encontrados naturalmente são misturas de vários isótopos, e os pesos atômicos dados nas tabelas químicas representam o peso atômico médio da mistura. Se a análise termodinâmica não se aplica a problemas de separação isotópica, a mistura isotópica pode ser considerada com uma única substância e o peso atômico médio pode ser usado para calcular o número de mol. Porém, se a separação isotópica for de interesse, cada isótopo deve ser considerado como um constituinte independente e separado com seu próprio (e único) peso atômico. A composição de ocorrência natural do lítio é de 7,5% de átomos de Li6 (massa atômica 6,01697) e 92,2% de átomos de Li7 (massa atômica 7.01822). Determine os números de mols de cada um dos isótopos numa amostra de massa igual a 1 kg. (Resp: NLi6 10,8). 1.2-4 Uma amostra de massa igual a 10 g tem composição molecular formada por 70% de H2, 20% de HD (hidrogênio deuterídio) e 10% de D2. Que massa adicional de D2 deveser adicionada se a fração de mol de D2 na mistura final desejada é de 0,2? 1.3 Energia Interna O desenvolvimento do princípio de conservação da energia foi um dos maiores sucessos da evolução da física. A forma atual do princípio não foi descoberta como num passe de mágica, mas lentamente e com muito trabalho ao longo de mais de dois séculos. A primeira identificação de um princípio de conservação, feita por Leibinitz em 1693, referia-se apenas à soma da energia cinética 12 mv 2 com a energia potencial mgh de uma massa puntiforme no campo gravitacional terrestre. À medida que novos tipos de sistemas eram considerados, a forma estabelecida do princípio de conservação naão funcionava, mas em cada caso foi sempre possível restaurá-lo com a adição de um novo termo matemático – uma “nova espécie de energia.” Assim, para considerar sistemas carregados necessitava a adição da energia de interação de Coulomb Q1Q2/r e eventualmente da energia do campo eletromagnético. Em 1905, Einstein estendeu o princípio para a região relativística, adicionando termos como a energia relativística da massa de repouso. Em 1930, Enrico Fermi postulou a existência de um nova partícula, chamada neutrino, apenas com o propósito de manter o princípio da conservação da energia em reações nucleares. Pesquisadores contemporâneos em física nuclear procuram a forma da interação entre núcleons dentro de um núcleo para que o princípio de conservação possa ser formulado explicitamente em nível subnuclear. A despeito do fato de que existem problemas deste tipo pendentes, o princípio de conservarvação da energia é agora aceito como um dos princípios mais fundamentais, gerais e significativos da física teórica. Visualizando um sistema macroscópico como um aglomerado de um grande número de elétrons e núcleos, interagindo através de forças complexas, mas definidas, para as quais se aplica o princípio de conservação da energia, concluímos que sistemas macroscópicos têm energias precisas e definidas, sujeitas a um princípio de conservação conhecido. Isto é, agora aceitamos a existência de uma energia bem definida de um sistema termodinâmico como uma manifestação macroscópica de uma lei de conservação, altamente desenvolvida, testada com extrema precisão e aparentemente de completa generalidade em nível atômico. A justificativa anterior para a existência de uma função energia termodinâmica é muito diferente do método histórico termodinâmico. Uma vez que a termodinâmica foi largamente desenvolvida antes que a hipótese atômica fosse aceita, a existência de uma função energia macroscópica conservativa tinha sido demonstrada por meios puramente macroscópicos. Um passo significativo naquela direção foi dado pelo Conde Rumford em 1798, ao observar certos efeitos térmicos associados com a perfuraração de canhões de metal. Sir Humphry Davy, Sadi Carnot, Robert Mayer e finalmente (entre 1840 e 1850), James Joule continuou o esforço inicial de Rumford para sua conclusão lógica. Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 6 A história do conceito de calor como uma forma de transferência de energia é insuperável sob o ponto de vista do desenvolvimento indireto da teoria científica, servindo como uma ilustração da inércia quase insuperável apresentada pela doutrina física estabelecida, e como uma excelente história da ingenuidade humana aplicada a um problema sutil e abstrato. Embora não se tenha recorrido explicitamente aos experimentos de Rumford e Joule no sentido de justificar nosso postulado da existência de uma função energia, fazemos referência a eles na seção 1.6 em nossa discussão da mensurabilidade da energia termodinâmica. Apenas diferenças de energia, ao invés dos valores absolutos da energia, têm significado físico, tanto em nível atômico como em sistemas macroscópicos. Portanto, é uma convenção adotar algum estado particular de um sistema como estado de referência, sendo sua energia considerada arbitrariamente como sendo nula. A energia de um sistema em qualquer outro estado, relativa à energia do sistema no estado de referência, é então chamada de energia interna termodinâmica do sistema naquele estado e é representada pelo símbolo U. Da mesma forma como o volume e os números de mols, a energia interna é um parâmetro extensivo. 1.4 Equilíbrio Termodinâmico É puramente uma questão de conveniência que escolhemos temporariamente restringir nossa teoria a sistemas simples. Mais fundamental em sua natureza, é a restrição da teoria a certos estados simples de qualquer dado sistema. Os particulares estados simples ao quais se aplicam a termodinâmica são os chamados estados de equilíbrio. Mesmo uma consideração superficial dos vários estados de um dado sistema, torna-se aparente que alguns estados são relativamente simples, enquanto outros são relativamente complicados. Assim, um fluido em repouso está obviamente num estado mais simples do que o fluido em movimento laminar. E, por sua vez, um fluido em movimento laminar está num estado mais simples do que um fluido em movimento turbulento. Além disso, observa-se experimentalmente que sistemas isolados geralmente tendem a evoluir espontaneamente para estados finais simples. (...) É natural que uma teoria física primeiro tente tratar as propriedades associadas com os estados mais simples de um sistema, ao invés de atacar todos os estados complicados de um forma completamente geral. Uma teoria limitada dos relativamente complicados estados de não-equilíbrio foi desenvolvida com o nome de termodinâmica irreversível, mas a termostática trata apenas as propridades dos sistemas em equilíbrio. A discussão anterior é qualitativa e sugestiva e não formal ou precisa. Consequentemente, procuramos reformular a descrição do equilíbrio de uma maneira que nos fornecerá uma base para futuro desenvolvimento teórico. Agora, um critério formal de simplicidade é a possibilidade da descrição em termos de um pequeno número de variáveis. Portanto, parece plausível adotar o seguinte postulado, sugerido pela observação experimental e simplicidade formal, e para ser verificado finalmente pelo sucesso da teoria: Postulado I. Existem estados particulares de sistemas simples (chamados estados de equilíbrio) que, macroscopicamente, caracterizam-se completamente pela energia interna U, pelo volume V e pelos números de mols N1,N2, ,Nr de seus constituintes químicos. Capítulo 1: Conceitos Básicos e Postulados 7 À medida que expandirmos a generalidade dos sistemas considerados, permitindo tratar as propriedades elétricas e mecânicas mais complicadas, o número de parâmetros necessário para caracterizar um estado de equilíbrio será aumentado para possibiliar a inclusão de parâmetros como o momento de dipolo elétrico e certas propriedades elásticas. Essas novas variáveis têm um papel no formalismo completamente análogo ao papel do volume V para um sistema simples. Um problema que persiste para os experimentais é determinar de alguma forma se um dado sistema está realmente num estado de equilíbrio, ao qual se pode aplicar a análise termodinâmica. É claro que eles podem observar se o sistema está estático e inerte e, do contrário, rejeitá-lo como estado de equilíbrio etc. Mas isso não é suficiente. Como por hipótese o estado é completamente caracterizado pelos parâmetros extensivos U,V,N1,N2,Nr, segue-se que as propriedades do sistema devem ser independentes de sua história. Isto é raramente uma prescrição operacional para o reconhecimento de um estado de equilíbrio, mas em certos casos esta idependência da história não é obviamente satisfeita, e esses casos dão alguma visão para o significado do equilíbrio. Deste modo, dois pedaços de aço comercial quimicamente idênticos podem ter propriedades muito diferentes transmitidas pela deformação, tratamento térmico, resfriamento rápido (quenching) e têmpera (annealing) no processo de fabricação. Tais sistemas não estão claramente em equilíbrio. Similarmente, as características físicas do vidro dependem da taxa de resfriamento e de outros detalhes de sua fabricação,tal que o vidro não está em equilíbrio. Se um sistema que não está em equilíbrio é analisado com base no formalismo termodinâmico baseado na suposição de equilíbrio, aparecem inconsistências no formalismo, e os resultados previstos estão em discordância com as observações experimentais. Este erro da teoria é usada pelos experimentais como um critério a posteriori para a percepção de estados de não-equilíbrio. Naqueles casos em que aparecem uma inscosistência inesperada no formalismo da termodinâmica, uma teoria estatística quântica mais eficaz geralmente fornece razões válidas para a incapacidade do sistema alcançar o equilíbrio. As discrepâncias teóricas ocasionais que se originam são portanto de grande valor heurístico, chamando a atenção para alguma complicação insuspeita nos mecanismos moleculares do sistema. Tais circunstâncias levaram à descoberta do ortoidrogênio (spins do próton e elétron paralelos) e do paraidrogênio (spins opostos), assim como a entender o mecanismo molecular de conversão entre as duas formas. Do ponto de vista atômico, o estado de equilíbrio macroscópico está associado com as incessantes e rápidas transições entre todos os estados atômicos consistentes com as dadas condições de contorno. Se o mecanismo de transição entre os estados atômicos é suficientemente eficiente, o sistema passa rapidamente através de todos os estados atômicos representativos durante uma observação macroscópica; tal sistema está em equilíbrio. Porém, sob certas condições específicas, o mecanismo da transição atômica pode não ser eficiente e o sistema pode ficar contido num pequeno subconjunto de estados atômicos atípicos. Ou, mesmo se o sistema não ficar completamente limitado a esses estados, a taxa de transição pode ser tão lenta que uma medida macroscópica não resulta numa média apropriada sobre todos os estados atômicos. Nesses casos o sistema não está em equilíbrio. É imediatamente aparente que tais situações são mais prováveis de ocorrer em sistemas sólidos do que em fluidos, pois a alta mobilidade atômica nos sistemas fluidos, comparadas com os sólidos, e a natureza randômica das interações interatômica contribuem fortemente contra qualquer restrições das probabilidades de transição atômicas. Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 8 Na realidade, poucos sistemas estão em equilíbrio absoluto e verdadeiro, mas muitos estão em equilíbrio metaestável. No equilíbrio absoluto todos os materiais radioativos teriam decaído completamente, todas as reações nucleares, terminadas e o sistema teria pouca semelhança com os sistemas terrestres. Essas reações, que levariam tempos cósmicos, são ignoradas quando dizemos que o sistema está em equilíbrio metaestável. Retornamos ao critério, reconhecidamente um círculo vicioso, de que um sistema está efetivamente em equilíbrio (i.e, em equilíbrio metaestável) se suas propriedades são consistentes com a teoria termodinâmica. 1.5 Paredes e Vínculos Uma descrição de um sistema termodinâmico requer a especificação das “paredes” que o separam da vizinhança e que fornecem suas condições de contorno. É por meio das manipulações das paredes que os parâmetros extensivos do sitema são alterados e os processos são iniciados. Os processos que se originam pelas manipulações das paredes geralmente estão associados com uma redistribuição de alguma quantidade entre os vários sistemas ou entre as várias partes de um único sistema. Uma classificação formal das paredes termodinâmicas pode ser baseada na propriedade que essas paredes possam ter de permitir ou impedir tais redistribuições. Como um exemplo particular, considere dois sistemas contidos num cilindro rígido, fechado, mas separados por um pistão interno. Se a posição do pistão é rigidamente fixa, as paredes impedem a redistribuição do volume entre os dois sistemas, mas se o pistão estiver livre essa redistribuição é permitida. O cilindro e o pistão fixo podem ser dito constituir uma parede restritiva com relação ao volume, enquanto que o cilindro e o pistão móvel podem ser dito constituir uma parede não-restritiva com relação ao volume. Em geral, uma parede que limita o valor de um parâmetro extensivo de um sistema é dito ser restritiva com relação àquele parâmetro, enquanto que paredes que permitem que o parâmetro varie livremente é dita ser não-restritiva em relação àquele parâmetro. Uma parede que é impermeável a um componente químico particular é restritiva com relação ao correspondente número molar, enquanto que uma membrana permeável é não-restritiva com respeito ao número molar. Membranas semipermeáveis são restritivas com relação a certos números molares e não-restritivas a outros. Uma parede com furos é não-restritiva com relação a todos os números molares. A existência de paredes que são restritivas com relação à energia está associada com um problema mais amplo da mensurabilidade da energia, para o qual voltamos agora nossa atenção. 1.6 Mensurabilidade da Energia Com base em considerações atômicas, fomos levados a postular a existência de uma função energia conservativa macroscópica. Porém, para que esta função energia possa ter significado num sentido prático, devemos nos convencer de que ela é macroscopicamente controlável e mensurável. Mostraremos agora que existem métodos práticos de medida da energia; ao fazermos isto, seremos levados a uma definição operacional do calor. Uma característica essencial na nossa demonstração da mensurabilidade da energia é o reconhecimento da existência de paredes que não permitem a transferência de energia na forma de calor. Examinaremos brevemente uma situação experimental simples que sugere que tais paredes Capítulo 1: Conceitos Básicos e Postulados 9 existem. Considere um sistema de gelo e água dentro de um recipiente. Sabemos que o gelo pode derreter rapidamente agitando-se o sistema vigorosamente. Ao agitarmos o sistema, estamos transferindo energia, mecanicamente, para ele, tal que podemos inferir que a fusão do gelo está associada com a entrada de energia no sistema. Colocando o sistema agora sobre uma mesa num dia de quente de verão, observa-se que o gelo funde espontaneamente a despeito do fato de que não estamos realizando trabalho sobre o sistema. Portanto, parece plausível que a energia está sendo transferida para o sistema na forma de calor. Agora observamos ainda que, mudando as paredes do sistema de uma fina folha metálica para uma grossa parede de vidro e posteriormente para paredes de Dewar (consistindo em duas camadas de vidro prateadas separadas por uma região de vácuo), a taxa de fusão do gelo decresce progressivamente. Esta observação sugere fortemente que o metal, o vidro e as paredes de Dewar são progressivamente menos permeável ao fluxo do calor. A engenhosidade dos experimentais produziu paredes que são capazes de reduzir a taxa de fusão do gelo para valores desprezíveis, e tais paredes são excelentes aproximações de uma parede ideal que é verdadeiramente impermeável ao fluxo do calor. Convencionalmente refere-se a uma parede que é impermeável ao fluxo de calor como adiabática, enquanto aquela que permite esse fluxo é chamada de diatérmica. Se a parede não permite o fluxo nem de calor, nem de trabalho ela é restritiva com relação à energia. Um sistema limitado por uma parede que é restritiva com relação à energia, volume e todos os números molares é dito ser um sistema fechado. A existência desses vários tipos de paredes resolve a nosso primeiro ponto de interesse com a energia termodinâmica. Isto é, essas paredes demonstram que a energia é macroscopicamente controlável. Pode ser mantida por paredes restritivas e manipulada por paredes diatérmicas. Se a energia de um sistem for medida hoje, e se o sistema for confinado por parede restritiva com relação à energia, podemos ter certeza da energia do sistema amanhã. Sem tais paredes, o conceito de uma energia termodinâmica macroscópica seria puramente acadêmico. Podemos agora prosseguir com nosso segundo objetivo – o da mensurabilidade da energia. Mas precisamente, estamos interessadoscom a mensurabilidade das diferenças de energia, que é o que tem significado físico. Novamente, invocamos a existência de paredes adiabáticas, e notamos que para um sistema simples confinado por uma parede impermeável adiabática o único tipo possível de transferência de energia é na forma de trabalho. A mecânica nos fornece fórmulas quantitativas para sua medida. Se o trabalho é feito por compressão, deslocando-se um pistão num cilindro, o trabalho é o produto da força pelo deslocamento, ou, se o trabalho é feito por agitação em movimentos circulares, é o produto do torque pelo deslocamento angular do mexedor. Em qualquer caso, o trabalho é bem definido e mensurável pela teoria da mecânica. Concluimos que estamos aptos a medir a diferença de energia de dois estados desde que um estado possa ser obtido a partir do outro por algum processo mecânico enquanto o sistema está confinado por uma parede adiabática impermeável. Toda a questão da controlabilidade e da mensurabilidade da energia pode ser resumida no seguinte: Existem paredes, chamadas adiabáticas, com a propriedade de que o trabalho realizado para levar um sistema, adiabaticamente confinado, entre dois dados estados é determinado inteiramente pelos estados, independente de todas as condições externas. O trabalho realizado é a diferença da energia interna nos dois estados. Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 10 Em discussão posterior, determinaremos quão séria é a limitação imposta na escolha dos dois estados pela condição anterior. Porém, mesmo que nossa escolha dos dois estados possa ser limitada, agora sabemos que pelo menos para tais pares de estados a diferença de energia é mensurável, e consideraremos um exemplo específico. Suponha que seja dado um sistema formado por gelo e água num estado definido. Confinamos o sistema com uma parede adiabática impermeável rígida. Através de um pequeno orifício nesta parede passamos um eixo com uma pequena pá na extremidade interna ligado a uma manivela do lado de fora. Ao girarmos o eixo realizamos trabalho sobre o sistema. O trabalho realizado é igual ao deslocamento angular da pá multiplicado pelo torque viscoso. Após girarmos o eixo por um dado tempo deixa-se o sistema evoluir para um novo estado de equilíbrio no qual alguma quantidade de gelo foi derretido. A diferença entre as energias dos estados final e inicial é igual ao trabalho que foi realizado para girarmos a pá. Queremos agora saber sobre a possibilidade de começarmos com algum estado arbitrário de um sistema, isolado adiabaticamente por paredes impermeáveis, e então poder inventar algum processo mecânico que levará o sistema a outro estado arbitrariamente especificado. Para determinarmos a existência de um tal processo, devemos recorrer à observação experimental, e é aqui que as clássicas experiências de Joule são importantes. Seu trabalho pode ser interpretado como uma demonstração de que para a um sistema confinado por paredes adiabáticas impermeáveis quaisquer dois estados de equilíbrio com o mesmo conjunto de números de mols N1,N2, ,Nr podem estar ligados por algum possível processo mecânico. Joule descobriu que, se dois estados (digamos A e B) são especificados, pode não ser possível encontrar um processo mecânico (consistente com uma parede adiabática impermeável) para levar o sistema de A para B, mas que é sempre possível encontrar ou um processo que leve o sistema de A para B, ou um que o leve de B para A. Isto é, para quaisquer dois estados A e B com igual número de mols existe sempre um processo mecânico adiabático A B ou B A. Para nossos objetivos qualquer um desses processos é igualmente satisfatório. Então, a experiência mostra que os métodos da mecânica permitem-nos medir a diferença de energia de qualquer dois estados com igual número de mols. A observação de Joule de que apenas um dos processos A B ou B A pode existir é de significado profundo. Esta assimetria entre dois dados estados está associada com o conceito de irreversibilidade, que veremos mais adiante. A única limitação que permanece para a mensurabilidade da diferença da energia de quaisquer dois estados é a necessidade de que os dois estados devam ter o mesmo número de mols. Esta restrição é facilmente eliminada pela seguinte observação. Considere dois subsistemas simples separados por uma parede impermeável e considere que a energia de cada subsistema seja conhecida (obviamente, em relação a algum estado de referência). Se a parede impermeável for removida, os subsistemas irão se misturar, mas a energia total do sistema composto permanecerá constante. Portanto, a energia do sistema final combinado é a soma das energias dos subsistemas originais. Esta técnica permite-nos relacionar as energias dos estados com diferentes números de mols. Em resumo, vimos que, usando paredes adiabáticas e medindo-se apenas o trabalho mecânico, a energia de qualquer sistema termodinâmico pode ser medida em relação a um estado de referência. 1.7 Definição Quantitativa de Calor - Unidades Capítulo 1: Conceitos Básicos e Postulados 11 O fato de que a diferença de energia de quaisquer dois estados é mensurável fornece-nos diretamente uma definição quantitativa de calor. O fluxo de calor para um sistema em qualquer processo (mantendo constante o número de mols) é simplesmente a diferença da energia interna dos estados final e inicial, menos o trabalho realizado naquele processo. Considere algum processo especificado que leva o sistema do estado inicial A para o estado final B. Queremos saber a quantidade de energia transferida para o sistema na forma de trabalho e a quantidade transferida na forma de calor naquele processo particular. O trabalho é facilmente medido pelos métodos da mecânica. Além disto, a diferença da energia total UB UA pode ser medida pelos procedimentos discutidos última seção. Subtraindo o trabalho da diferença da energia total obtemos o fluxo de calor neste processo. Devemos observar que o trabalho associado com diferentes processos pode ser diferente, mesmo que cada um dos processos inicie no mesmo estado A e termine no mesmo estado B. Da mesma forma, o fluxo de calor pode ser diferente para cada um dos processos. Mas a soma do trabalho com os fluxos de calor é justamente a diferença da energia total UB UA e é a mesma para cada um dos processos. Ao referir-nos ao fluxo da energia total devemos especificar apenas os estados inicial e terminal, mas referindo-nos aos fluxos de calor ou trabalho devemos especificar com detalhes o processo considerado. Voltando nossa atenção para sistemas termodinâmicos simples, o trabalho quase-estático está associado com uma mudança no volume e é dado quantitativamente por đWM PdV (1.1) onde P é a pressão. Enfatizamos que esta equação só se aplica a processos quase-estáticos. Na seção 4.1, daremos uma definição precisa de processos quase-estáticos, mas agora destacamos apenas a idéia qualitativa essencial de tais processos. Vamos supor que estamos discutindo, como sistema particular, um gás mantido no cilindro com um pistão bem ajustado. Se o pístão é empurrado muito rapidamente, o gás imediatamente atrás do pistão adquire energia cinética, entrando em movimento turbulento e a pressão não é bem definida. Neste caso, o trabalho realizado sobre o sistema não é quase-estático e não é dado pela Eq. (1.1). Porém, se o pistão é empurrado lentamente (quase-estaticamente) o sistema a qualquer momento está num estado de equilíbrio quiescente, e então a Eq. (1.1) pode ser aplicada. A “infinita lentidão” do processo é, grosso modo, a característica essencial de um processo quase-estático, embora iremos nos referir novamente a ele na seção 4.1 para um enunciado mais preciso. Uma segunda observação da Eq. (1.1) é a convenção de sinal. O trabalho é considerado positivo se ele aumenta a energia do sistema. Se o volume do sistema diminiu, o trabalho é realizado sobre o sistema, aumentando sua energia; daí o sinal negativo na Eq. (1.1). Com a expressão quantitativa đWM PdV para o trabalho quase-estático,podemos agora dar uma expressão quantitativa para o fluxo de calor. Num processo infinitesimal quase-estático com o número de mols constante o calor quase-estático đQ é definido pela equação đQ dU đWM, número de mols constante (1.2) ou đQ dU P dV, número de mols constante (1.3) Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 12 Observe que usamos indistintamente os termos calor e fluxo de calor. Calor, tal como trabalho, é apenas uma forma de transferência de energia. Uma vez que a energia é transferida para uma sistema, como calor ou como trabalho, ela é indistinguível da energia que pode ter sido transferida de uma forma diferente. Então, embora đQ e đWM se somem para dar dU, não existem quantidades WM e nem Q que tenham qualquer significado isoladamente. A quantidade infinitesimal đWM não é um diferencial de nenhuma função hipotética WM, e para evitar esta confusão colocamos um traço no símbolo d. đ Isto também vale para a quantidade đQ. Matematicamente, quantidades infinitesimais tais como đWM e đQ são chamadas de diferenciais inexatas. Os conceitos de calor, trabalho e energia talvez possam ser esclarecidos em termos de uma analogia simples. Uma pessoa possui uma pequena lagoa que é alimentada e drenada através de canais. A lagoa também pode receber água através da chuva e perdê-la por evaporação, que consideraremos como “chuva negativa”. Na analogia que queremos seguir, a lagoa é o nosso sistema, a água dentro dela é a energia interna, a água transferida pelos canais é o trabalho e a água transferida como chuva é o calor. A primeira coisa que devemos observar é que nenhuma inspeção na lagoa pode indicar, em qualquer momento, o quanto da água que está dentro dela veio por meio do canal, ou por meio da chuva. O termo chuva refere-se ao método de transferência de água. Vamos supor que o proprietário queira medir a quantidade de água na lagoa. Ele pode adquir medidores de vazão (hidrômetros) para colocar nos canais e, com esses medidores, pode medir as quantidades de água que entram e saem da lagoa. Mas ele não pode comprar um medidor de chuva. Porém, pode cobrir a lagoa com uma lona (uma parede adiabática). O proprietário coloca então uma haste vertical na lagoa, cobre a lagoa com a lona e coloca os medidores de vazão nos canais. Represando um dos canais e, em seguida, o outro, pode variar à vontade o nível da lagoa e, consultando os medidores, pode calibrar o nível da lagoa, através da marcação na vareta, com a quantidade total de água (U). Então, conduzindo os processos sobre o sistema limitado por paredes adiabáticas, ele é capaz de medir a quantidade total de água de qualquer estado desta lagoa. Então, o proprietário retira a lona para permitir que, tanto a água da chuva, quanto a água do canal entrem e saem da lagoa. Então, deseja saber qual a quantidade de água de chuva que caiu na lagoa durante um determinado dia. Para isto, basta proceder da seguinte forma: lê a diferença na quantidade de água através da vareta e, desta quantidade, subtrai o fluxo total de água do canal, que foi registrado pelos medidores. A direfença é uma medida quantitativa da chuva. A completa analogia de cada um desses procedimentos com os equivalentes da termodinâmica é evidente. Uma vez que trabalho e calor referem-se a modos particulares de transferência de energia, cada um é medido em unidades de energia. No sistema CGS a unidade de energia, e consequentemente de trabalho e calor, é o erg. No sistema MKS a unidade de energia é o Joule (J), ou 107 ergs. Uma unidade prática de energia é a caloria, ou 4, 1858 J. Historicamente, a caloria foi introduzida para a medida do fluxo de calor antes de se tornar clara a relação entre calor e trabalho, e o uso da caloria para calor e Joule para trabalho ainda persiste até hoje. Porém, do nosso ponto de vista, a caloria e o Joule são simplesmente unidades alternativas de energia, que deve ser usada de acordo com a conveniência, indepedente de ser fluxo de trabalho, calor ou alguma combinação inseparável de Capítulo 1: Conceitos Básicos e Postulados 13 ambos. Outras unidades comuns de energia são o BTU (British thermal unit), atmosfera-litro, libra-pé e watt-hora. Problemas – Seção 1.7 1.7-1 Um cilindro com pistão contém um gás a uma pressão P. A seção transversal do pistão é 10 cm2. O pistão é empurrado por uma distância de 1 mm. O trabalho necessário para deslocar o pistão é 0,025 cal. Determine a pressão P em atmosfera. 1.7-2 Qual é o custo da energia necessária para elevar 1 t de material até o topo do edifício Empire State (1.250 ft de altura) se a energia for comprada da companhia elétrica a uma taxa de R$ 0,25/kW-h? 1.7-3 Uma variação adiabática quase-estática no volume de um dado sistema, com o número de mols constante, está relacionada com a variação na pressão, de acordo com a equação, P constante V5/3 Determine o trabalho quase-estático realizado sobre o sistema e o fluxo líquido de calor para o sistema em cada um dos três processos indicados na figura. Cada processo inicia-se no estado A, com uma pressão de 32 atm e volume de 1 l, e cada um deles termina no estado B, com uma pressão de 1 atm e volume de 8 l. Processo a: O sistema é expandido do volume inicial para o volume final, absorvendo calor para manter a pressão constante. O volume é então mantido constante e extrai-se calor do sistema para reduzir a pressão para 1 atm. (Resp.:W 224 atm-litro, Q 188 atm-litro) Processo b: O volume é aumentado e o sistema absorve calor para causar um decréscimo linear da pressão em função do volume. Processo c: Invertem-se os dois passos do processo a. A B 32 1 1 8 Processo b Processo a Processo c P (a tm ) V (litros) 5/3 constanteP V−= × Processo adiabático 1.7-4 Uma pequena hélice é introduzida no sistema do problema 1.7-3. Suas pás podem girar a 240 rps conectada a um motor externo. O torque viscoso sobre as pás é de 104 cm-dyn. Permitindo-se que o motor realize trabalho sobre o sistema, enquanto o volume é mantido constante e o sistema é adiabaticamente isolado, a pressão aumenta a uma taxa de dP dt 2 3V T onde T é o torque viscoso e é a velocidade angular da hélice. Usando o processo anterior e o processo de expansão adiabática descrito no problema 1.7-3, determine a energia interna de qualquer estado de equilíbrio com pressão P e volume V arbitrários. Escolha o estado A P 32 atm, V 1 litro como estado de referência. Quais são os fluxos de calor em cada etapa separada do processo (a) no problema 1.7-3? Em cada etapa do processo (c)? 1.7-5 Dois mols de um dado sistema de um único constituinte tem sua energia interna U dependente da pressão e do volume de acordo com a expressão U APV2, N 2 Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 14 onde A 10 cm3. Sabendo-se que para um sistema duplo, duplica-se o volume, energia e número de mols, mantendo a pressão inalterada, encontre a dependência funcional de U sobre P, V e N para um número de mols arbitrário. 1.7-6 Admitindo que o sistema dos problemas 1.7-3 e 1.7-4 sejam sistemas de um único constituinte, mostre que a completa dependência funcional de U com P,V e N é, de fato, independente de N. 1.7-7 Um dado sistema de um único constituinte de um mol, tem adiabatas da forma PV5/3 constante. Ela é ajustada com um agitador. Quando o agitador realiza uma quantidade de trabalho đW , a pressão aumenta dP (a volume constante) através da expressão đW 32 V V 5/3 dP Encontre a energia interna em função de P,V e N. 1.7-8 Mostre que, se um sistema de um constituinte é tal que PVk é constante num processo adiabático (k é uma constante positiva) a energia é U 1k 1 PV NfPV k/Nk onde f é uma função arbitrária. (Dica: Mostre inicialmente que U 1k 1 PV é constante em cada adiabata). 1.8 O Problema Básico da Termodinâmica Estamos prontos para formular o problema básico da termodinâmica em termos das definições e discussões das seções anteriores. Veremos que a mera colocação do problema sugere os postulados que fornecem sua solução.Vamos supor que dois sistemas simples estão contidos num cilindro fechado, separados um do outro por um pistão interno. Considere que as paredes do cilindro e o pistão sejam rígidos, impermeável à matéria e adiabática, e que a posição do pistão seja fixa. Cada um dos sistemas é fechado. Se liberarmos o pistão, de um modo geral ele irá procurar um nova posição. Da mesma forma, (1) (1) (1) 1, , ,...U V N (2) (2) (2) 1, , ,...U V N Pistão Cilindro retirando-se o recobrimento adiabático do pistão, tal que o calor possa fluir entre os dois sistemas, a energia se redistribuirá entre eles. E, se ainda abrirmos orifícios no pistão, haverá uma redistribuição de matéria (e também de energia) entre os dois sistemas. Logo, a remoção de um vínculo em cada caso resulta no início de algum processo espontâneo, e, finalmente, quando os sistemas se ajustam aos novos estados de equilíbrio, isto se dará para novos valores dos parâmetros U1,V1,N1 1, e U2,V2,N1 2, O problema básico da termodinâmica é o cálculo dos valores de equilíbrio desses parâmetros. Antes de enunciarmos o postulado, que vai nos fornecer o meio para a solução deste problema, vamos reformular o problema num forma um pouco mais geral sem referências a tais aparelhos especiais como cilindros e pistões. Dado dois ou mais sistemas simples, eles podem ser considerados como partes de um único sistema composto. O sistema composto é fechado se for confinado por uma parede restritiva em relação à Capítulo 1: Conceitos Básicos e Postulados 15 energia total, ao volume total, e ao número total de mols de cada constituinte do sistema composto. Os sistemas simples individuais que pertencem a um sistema composto fechado, por si só não precisam ser sistemas fechados. Então, no exemplo particular em questão, o sistema composto é fechado mesmo que o pistão interno possa se mover livremente ou que haja orifícios nele. Os vínculos que impedem o fluxo de energia, volume ou matéria entre os subsistemas são conhecidos como vínculos internos. Se o sistema composto fechado está em equilíbrio com relação a certos vínculos internos e se alguns desses vínculos são removidos, então o sistema pode evoluir para um novo estado de equilíbrio. Isto é, certos processos, que antes eram proibidos, tornam-se agora permitidos ou, na terminologia da mecânica, tornam-se processos virtuais. O problema básico da termodinâmica é a determinação do estado de equilíbrio que pode resultar depois da remoção dos vínculos internos de um sistema composto fechado. 1.9 Postulado da Entropia Máxima A indução da observação experimental do princípio fundamental que fornece a solução de nosso problema básico não é imediata. A desvio lógico do método histórico é combinado com a sutileza da elegante formulação da mecânica estatística quântica. Melhor do que tentar induzir a solução a partir da experiência ou derivá-la da teoria quântica estatística, a adotaremos como um postulado, sujeita a uma justificativa a posteriori, ao invés de a priori. Mas, mesmo por este método, veremos que nosso postulado não perde a motivação; ele mostra-se como a suposição mais natural e plausível que podemos fazer. Isto é, os postulados que adotamos agora fornecem-nos a solução formal mais simples concebível para o nosso problema básico. Apenas com este procedimento o problema pode ter sido resolvido; a postulação provisória da solução formal mais simples de um problema é uma maneira convencional e freqüentemente bem sucedida do procedimento em física teórica. Então, qual é o critério mais simples que podemos imaginar para a determinação do estado de equílibrio final? De nossa experiência com muitas teorias físicas, podemos esperar que a forma mais econômica para o critério de equilíbrio é em termos de máximos e mínimos. Isto é, podemos esperar que os valores dos parâmetros extensivos no estado de equilíbrio final são simplesmente aqueles que maximizam (ou minimizam) alguma função. E, com muita sorte, podemos esperar que esta função hipotética tenha várias propriedades matemáticas simples, necessárias para garantir a simplicidade da teoria obtida. Desenvolveremos esta solução proposta numa série de postulados. Postulado II Existe uma função (chamada entropia S) dos parâmetros extensivos de qualquer sistema composto, definida para todos os estados de equilíbrio e que tem as seguintes propriedades: Os valores dos parâmetros extensivos, na ausência de vínculos internos, são aqueles que maximizam a entropia sobre os múltiplos estados de equilíbrio. Devemos enfatizar que postulamos a existência da entropia apenas para estados de equilíbrio, e que nosso postulado não faz nenhuma referência aos estados de não-equilíbrio, idependente do que sejam. Na ausência de um vínculo, o sistema é livre para selecionar qualquer um dentre vários estados, cada um dos quais pode também ser concretizado na presença de vínculos adequados. A entropia de cada um desses estados de equilíbrio com vínculos é definida, e a entropia é maior para algum estado particular do conjunto. Na ausência de vínculo é este estado de entropia máxima que é selecionado pelo sistema. No caso de dois sistemas separados por uma parede diatérmica, poderemos querer predizer a Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 16 maneira pela qual a energia total U se distribui entre os dois sistemas. Considera-se então o sistema composto com a parede diatérmica interna substituída por uma parede adiabática e com valores particulares de U1 e U2 (obviamente, consistente com a condição U1 U2 U). Para cada um dos estados de equilíbrio com vínculo existe uma entropia do sistema composto, e para alguns valores particulares de U1 e U2 esta entropia é máxima. Então, esses são os valores de U1 e U2 que obtém-se na presença de uma parede diatérmica, ou na ausência de um vínculo adiabático. Todos os problemas da termodinâmica são essencialmente equivalentes ao problema básico que formulamos na seção 1.8. Mas, o problema básico pode ser completamente resolvido com a ajuda do princípio de valores extremos (máximos e mínimos) se a entropia do sistema, em função dos parâmetros extensivos, for conhecida. A relação que dá a entropia como função dos parâmetros extensivos é conhecida como relação fundamental. Portanto, segue-se que, se a relação fundamental de um sistema particular é conhecida podemos obter a partir daí todas as informações termodinâmicas possíveis sobre o sistema. A importância da afirmação anterior não pode ser superestimada. A informação contida na relação fundamental é muito abrangente – ela é equivalente a todos os dados numéricos possíveis, a todos os diagramas e a todos os tipos de descrição das propriedades termodinâmicas. Se a relação fundamental de um sistema é conhecida, não existe um único atributo termodinâmico que não seja completa e precisamente determinado. Postulado III A entropia de um sistema composto é aditiva sobre os subsistemas constituintes. A entropia é uma função contínua, diferenciável e monotonicamente crescente da energia. Seguem-se imediatamente deste postulado, várias consequências matemáticas. A propriedade da aditividade expressa que a entropia S do sistema composto é a soma das entropias S dos subsistemas: S Sa (1.4) A entropia de cada subsistema é uma função dos parâmetros extensivos apenas daquela subsistema S S U,V,N1 ,N2 Nr (1.5) A propriedade da aditividade, quando aplicada a sistemas conceitualmente distintos (em vez de fisicamente distintos) requer a seguinte propriedade. A entropia de um sistema simples é uma função homogênea de primeira ordem nos parâmetros extensivos. Isto é, se todos os parâmetros extensivos de um sistema são multiplicados por uma constante , a entropia é multiplicada pela mesma constante. Ou, omitindo o superescrito SU,V,N1, ,Nr SU,V,N1, ,Nr (1.6) A propriedade monotônica postulada implica que a derivada parcial S/UV,N1,,Nr é uma quantidade positiva, S U V,N 1,Nr 0 (1.7) À medidaque a teoria for sendo desenvolvida nas seções subsequentes, veremos que o inverso desta Capítulo 1: Conceitos Básicos e Postulados 17 derivada parcial é tomada como a definição da temperatura. Então, a temperatura é postulada ser não-negativa. As propriedades de continuidade, diferenciabilidade e monotonicidade implicam que a função entropia pode ser invertida com relação à energia e que a energia é uma função unívoca, contínua e deferenciável de S,V,N1, ,Nr. A função S SU,V,N1, ,Nr (1.8) pode ser resolvida de modo único para U na forma U US,V,N1, ,Nr (1.9) As Eqs. (1.8) e (1.9) são formas alternativas da relação fundamental, e cada uma contém toda a informação termodinâmica sobre o sistema. Devemos observar que a extensividade da entropia, permite-nos relacionar as propriedades de um sistema de N mols com as correspondentes propriedades de um sistema de 1 mol. A equação fundamental está sujeita à identidade SU,V,N1,N2 ,Nr NSU/N,V/N,N1/N,N2/N ,Nr/N (1.10) na qual podemos tomar o fator de escala igual a 1/N 1/ k Nk. Para um sistema simples de um único constituinte, em particular, SU,V,N NSU/N,V/N, 1 (1.11) Mas, U/N é a energia por mol, que simbolizamos por u, u U/N (1.12) Também, V/N é o volume por mol, que simbolizamos por v, v V/N (1.13) Então, SU/N,V/N, 1 Su,v, 1 é a entropia de um sistema de um único mol, que representaremos por su,v, su,v Su,v, 1 (1.14) A Eq. (1.11) torna-se agora SU,V,N Nsu,v (1.15) Postulado IV A entropia de qualquer sistema se anula no estado para o qual U/SV,N1,,N2 0 (isto é, quando a temperatura se anula). Este postulado é uma extensão, devido a Planck, do assim chamado postulado de Nernst ou terceira lei da termodinâmica. Historicamente, este foi o último dos postulados a ser desenvolvido, sendo inconsistente com a mecânica estatística clássica e exigindo a priori a criação da estatística quântica para que pudesse ser adequadamente avaliado. Grande parte das aplicações da termodinâmica não faz uso deste postulado, e não faremos nenhuma referência a ele até o Capítulo 10. Apesar disso, foi apresentado aqui para que completássemos a base de postulados. Os postulados anteriores formam a base lógica do nosso desenvolvimento da termodinâmica. Então, à luz desses postulados, podemos repetir rapidamente o método de solução do tipo padrão de Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 18 problemas da termodinâmica, como formulado na seção 1.8. Damos um sistema composto e admitimos, em princípio, que a equação fundamental de cada um dos sistemas constituintes seja conhecida. Essas equações fundamentais determinam as entropias individuais dos subsistemas, quando estes sistemas estão em equilíbrio. Se o sistema total está num estado de equilíbrio vinculado, com valores particulares dos parâmetros extensivos de cada sistema constituinte, a entropia total é obtida somando-se as entropias individuais. A entropia total é uma função conhecida de vários parâmetros extensivos dos subsistemas. Por diferenciação direta, calculamos o extremo da função entropia total, e então com base no sinal da segunda derivada, classificamos esse extremo como mínimo, máximo ou um ponto de inflexão. Numa terminologia física apropriada, primeiro encontramos os estados de equilíbrio e então os classificamos com base na estabilidade. Devemos observar que na adoção desta terminologia convencional ampliamos nossa definição anterior de equilíbrio; o que chamamos anteriormente de equilíbrio, agora estamos denominando de equilíbrio estável, enquanto que os estados de equilíbrio instável são agora definidos em termos de outros extremos (que não o máximo). Talvez agora seja apropriado admitir que, embora todas as aplicações da termodinâmica sejam em princípio equivalentes ao procedimento descrito, existem muitos procedimentos alternativos que muitas vezes se mostram mais convenientes. Esses procedimentos alternativos são desenvolvidos nos capítulos subsequentes. Então, mostraremos que, sob condições apropriadas, a energia US,V,N1, pode ser minimizada ao invés de maximizarmos a entropia. O argumento de que esses dois procedimetos determinam o mesmo estado final é análogo àquele em que o círculo pode ser caracterizado, ou como uma curva fechada de perímetro mínimo para uma dada área, ou como uma curva fechada de área máxima para um dado perímetro. Nos próximos capítulos, também vamos introduzir várias novas funções, cujas minimizações são evidentente equivalentes à minimização da energia ou à maximização da entropia. A inversão da equação fundamental e a proposição alternativa do princípio básico de valores extremos em termos de um mínimo da energia em substituição ao máximo da entropia, sugere um outro ponto de vista, do qual o postulado de valores extremos talvez possa se mostrar plausível. Em mecânica e eletricidade, ignorando os efeitos térmicos, a energia é uma função de vários parâmetros mecânicos e a condição de equilíbrio é que a energia seja um mínimo. Assim, um cone está em equilíbrio estável sobre sua superfície lateral, diferente de estar sobre seu vértice, uma vez que a primeira posição tem menor energia. Se os efeitos térmicos forem incluídos, a energia deixa de ser uma função apenas dos parâmetros mecânicos. Porém, de acordo com o equação fundamental inversa a energia é uma função de parâmetros mecânicos e de um parâmetro adicional (a entropia). Introduzindo-se este parâmetro adicional, a forma do princípio de energia mínima é estendido ao domínio dos efeitos térmicos, como se fosse um fenômeno mecânico puro. Desta maneira, obtém-se uma espécie de princípio de correspondência entre a termodinânica e a mecânica – garantindo que o princípio de equilíbrio termodinâmico reduz-se ao princípio de equilíbrio mecânico quando os efeitos térmico puderem ser desprezados. Veremos que a condição matemática de que um máximo de SU,V,N1, implica um mínimo de US,V,N1, é que a derivada S/UV,N1,,N2 seja positiva. A motivação para a introdução desta proposição no postulado III pode ser entendido em termos da nosso desejo de assegurar que o Capítulo 1: Conceitos Básicos e Postulados 19 princípio da entropia máxima seja substituído por um princípio de mínima energia para a equação fundamental inversa. Chama-se a atenção do leitor para o Apêndice B, no qual se dá à entropia um significado atomístico em termos dos conceitos da mecânica estatística. Nossas futuras considerações não dependem desse material no Apêndice. Porém, o leitor que se sentir incomodado com a questão "Mas o que é a entropia?" pode satisfazer sua curiosidade lendo agora o Apêndice B. Problemas – Seção 1.9 1.9-1 As dez seguintes equações são supostamente equações fundamentais de vários sistemas termodinâmicos. Porém, cinco são inconsistentes com um ou mais dos postulados II, III e IV e, consequentemente, não são fisicamente aceitáveis. Encontre essas equações que não são permitidas fisicamente e indique qual o postulado que é violado por cada uma delas. (As quantidades v0, e R são constantes positivas e, em todos o casos nos quais aparecem expoentes fracionários, considere apenas a raiz real positiva). (a) S R 2 v0 1/3 NVU1/3; (b) S R 2 1/3 NU V 2/3 ; (c) S R 1/2 NU RV 2 v02 1/2 ; (d) S R 2 v03 V3 NU ; (e) S R 3 v02 N2VU2 1/5; (f) S NR ln UV N2Rv0 ; (g) S R 1/2 NU1/2e V 2 2N2v02 ; (h) S R 1/2 NU1/2e UVNRv0 ; (i) U v0R S2 V e S NR (j) U Rv0 NV 1 S NR e SNR 1.9-2 Para cada uma das cinco equações fundamentais fisicamente aceitáveis no problema 1.9-1 encontre U como função de S, V e N. 1.9-3 A equação fundamental do sistema A é SA R 2 v0 1/3 NAVAUA 1/3 e a do sistema B é SB R 2 v0 1/3 NBVBUB 1/3. Qual é a equação fundamental do sistema composto A B ? 1.9-4 Considere que a parede interna entre os subsistemas A e B no problema 1.9-3 seja restritiva com relação ao volume e ao número de mols, mas que seja não-restritivacom relação à energia; isto é, é uma parede rígida, impermeável e diatérmica. Admita que o sistema A tenha um volume de 9 cm3 e um número de mols igual a 3 mols. O sistema B tem volume de 4 cm3 e o número de mols igual a 2 mols. A energia total no sistema composto é de 20 cal. Faça um gráfico da energia U versus fração UAUA UB da energia no subsistema A. Quando o sistema atinge o equilíbrio, quais são as energias internas de cada um dos subsistemas individuais ? Termodinâmica / Prof. Abraham Moysés Cohen 20
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