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CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 3 FASCÍCULO Lílian Martins A LEITURA Literária Gratuito! 34 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE A leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente. Paulo Freire, em A Importância de Ler. Ao final, entenderá como esse gosto da leitura literária acompanha e estimula o desenvolvimento da prática leitora e como essas práticas podem criar condições para a formação de leitores mais críticos. Espero, sinceramente, que a partir de agora o seu olhar diante de uma obra literá- ria seja outro, muito mais afetivo e disposto à aventura da entrega e do deleite que so- mente a experiência com a linguagem lite- rária pode nos oferecer. Está preparado(a)? Advirto logo: Você pode se apaixonar... E se você ainda não se inscreveu em nosso curso gratuito, não perca tempo, to- das os módulos, mesmo o(s) que você per- deu, pode encontrar aqui: ava.fdr.org.br APRESENTAÇÃO Caro(a) leitor(a), por meio deste módulo você terá um breve conhecimento sobre a Leitura Literária. No decorrer dos estudos, aprenderá a diferenciar um texto literário de outro que não pode ser entendido como literatura. Conhecerá também as razões pela escolha do trabalho com a leitura literária e o que a diferencia de outros tipos textuais para que possa atuar melhor como media- dor(a) de leitura. Ao longo deste fascículo, você será capaz de identificar quais são os gêneros literários e a sua classificação. Em seguida, entenderá como funciona o ato de ler e as dimensões da leitura que perpassam muitos outros aspectos além do texto impresso. Desta forma, irá descobrir o porquê da leitura ser um instrumento de mudança social a partir da interação leitor-texto. Você compreenderá também a contri- buição da leitura literária para a formação leitora e o que faz esse tipo de texto ser tão especial e mais adequado para desenvol- ver o prazer de ler, o gosto pela leitura. Mágico, não é? CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 35 1. AFINAL, O QUE É MESMO ESSA LITERATURA? A pergunta aparentemente singela traz uma dúvida bastante antiga de filósofos, estetas, críticos e historiadores. É por essa razão que qualquer tentativa de res- pondê-la, de forma genérica, poderia nos fazer cair em erro, pois quando se fala em Literatura, ainda não há um consenso, portanto, mesmo os estudiosos preferem dizer somente sobre o seu conceito, evi- tando, assim, a armadilha de sua possível definição. Vejamos: Desde a Antiguidade Clássica, já se per- guntavam: o que é literatura? Esse vocábulo é originário do termo, em latim, littera que significa: “arte de escrever” e era utilizado para designar o ensino das primeiras letras. Ao escrever a Poética, Aristóteles diz: “a arte literária é mimese da realidade”. Posterior- mente, este conceito foi revisto por Alfonso Reyes que defende mimese ser uma “imita- ção de presença subjetiva, correspondente à coerência ou semelhança entre a casa que o arquiteto constrói e a que vislumbra em sua mente”. Desta forma, mimese não seria uma cópia, mas recriação em que o poeta (re-)cria, com seus próprios meios – a sua linguagem – um mundo à imagem e seme- lhança do mundo real, porém que só exis- te na experiência verbal. 36 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE É importante lembrar que o conceito aristotélico se refere apenas à poesia, uma vez que a prosa literária como conhecemos, hoje, (conto, romance, novela e crônica) ainda não era cultivada. A partir do século XX, se irradiou a im- portância da ficção como característica da Literatura por meio dos estudos de I. A. Richards, R. Ingarden, Günther Müller, W. Kayser, R. Wellek e Manfred Kridl. As origens desse conceito de Literatura como ficção remontam a Lessing e Goethe. Por isso, podemos dizer que Literatura é ficção se entendermos esses conteúdos como compostos das “imagens” deformadas e transfundidas do mundo real. Desta ma- neira, se admite a equivalência entre ima- ginação e ficção. Ficção: criação artística (teatral, literária, cinematográfica) em que o(a) autor(a) faz uma leitura particular e original da realidade; prosa literária construída a partir de elementos imaginários baseados na realidade e/ou de elementos da realidade inseridos em um contexto imaginário. CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 37 Metáfora: designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que designa outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança. A arte literária se define, portanto, como expressão dos conteúdos da imagi- nação, conforme um duplo movimento de representação em que essas imagens ora seriam representações objetivas, ora repre- sentações sensíveis da realidade expressas, muitas vezes, por meio de metáforas. Nas últimas décadas, esse conceito tem se consolidado com contribuições de im- portantes críticos como Tzvetan Todorov, Christopher Butler, Alvin B. Kernan e Stanley E. Fish. Assim, se entende que a literatura, e por extensão a arte literária, não se reduz a um mero texto de raso entretenimento, mas como bem exemplificou Massaud Moisés: A Literatura constitui uma forma de conhe- cer o mundo e os seres humanos: convicta de ser acionada por uma “missão”, ela co- labora para o desvendamento daquilo que todos nós, conscientemente ou não, perse- guimos durante a existência. E, portanto, se a vida de cada um corresponde a um esfor- ço persistente de conhecimento, superação e libertação, à Literatura cabe um lugar de relevo, como ficção expressa por meio de vocábulos polivalentes. (MOISÉS, 2012, p.28) 38 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Diante do que foi salientado, você pode ainda perguntar: mas por que especifica- mente o trabalho com a leitura literária é importante? Por que a escolha pelo texto literário e não outro? A resposta é: porque a leitura literária provoca e exige variados mecanismos de compreensão, podendo o texto literário dar vazão às mais variadas leituras, dependendo das potencialidades, características e gostos de cada indivíduo que o lê, justamente porque ele não apre- senta restrições ou finalidades definidas e, sobretudo, por ser a linguagem literária multisignificativa, dialógica, capaz de provocar emoções diferentes em um mesmo leitor, dependendo, por exemplo, da sua leitura e/ou releitura. Para Rangel, quanto mais produtivo for o diálogo provocado pelo texto no leitor, mas proficiente será a leitura. Essa carac- terística aplica-se diretamente à leitura lite- rária porque: [...] o texto comporta uma concepção que não se esgota nele mesmo, mas no diálogo que provoca com o leitor. O diálogo será tan- to mais produtivo quanto mais o texto puder possibilitar condições de identificação do leitor com ele, considerando que o autor, ao criar o texto, não tem objetivo de conformar o leitor, mas de tê-lo como coprodutor, par- ceiro, dando-lhe também possibilidades de criar outros textos. A obra, então, não é ape- nas um objeto que apresenta uma visão de mundo acabado, mas um espaço que pode contribuir na formação do leitor reflexivo (RANGEL, 2009, p. 27). Proficiente: competente, capaz, mais preparado, que tira maior proveito. CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 39 Outro aspecto relevante a se conside- rar é que a leitura literária sempre irá exigir mais do leitor, seja pela observação ao rit- mo de um poema ou aos traços psíquicos de determinada personagem, ou mesmo observando o que diz o narrador ou, ainda, percebendo o discurso semioculto conti- do nasentrelinhas da narrativa. É por isso que os mecanismos cognitivos utilizados ao se ler um texto literário são maiores e, por conseguinte, exigem maior compreensão por parte do leitor. Por essa razão, muitas pessoas não compreendem determinados textos ou autores por os considerarem difí- ceis ou, ainda, por não compreenderem sua mensagem. Dizem logo: “não gosto desse livro”, “não gosto desse autor!” Entretanto, essa opinião pode mudar a partir do instante em que esse(a) leitor(a) iniciar um esforço individual de compreen- são leitora ou quando puder contar com uma figura que pode fazer a diferença nesse processo de compreensão e reflexão tex- tual, que é o mediador de leitura. PUXANDO PROSA Literatura ou Bibliografia? Agora, atenção: se a obra literária pressupõe a leitura, nem todo texto escrito se classifica como literário. Em razão de um mal- entendido que passou a considerar literário todo e qualquer texto impresso que se destina à leitura, fala-se em “literatura médica”, “literatura política”, “literatura automobilística” etc. Entretanto, o que observamos com isso é um erro em razão da extensão do sentido da palavra “literatura”. Neste caso, o correto seria utilizar o termo “bibliografia” e deixar a Literatura para definir o tipo de texto em que, por meio da arte, a linguagem expressa seja pela palavra escrita, seja ela falada, não apenas um meio de comunicação, mas um objeto de admiração, como espaço da criatividade. 40 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE 2. OS GÊNEROS LITERÁRIOS Todos os gêneros são bons, afora o gênero tedioso. Voltaire Este é um tema que interessa não apenas para a Teoria da Literatura, mas também para a História e Filosofia. Isso, em parte, se deve ao fato de que as doutrinas acerca dos gêneros literários se confundem com o início da história da Estética, da Filosofia e da própria crítica literária. A estrutura clássica compreendia três gêneros (Lírico, Dramático e Épico). Hoje, entretanto, quando à sua classificação, podemos dizer que os gêneros se dividem em: Prosa e Poesia. Essa atual classificação dos gêneros literários marca a expressão de dois modos fundamentais de o escritor ver o mundo e nos situarmos perante a realidade. O primeiro, a prosa, voltado para fora e o segundo, a poesia, para dentro. Ao lado deles temos as espécies e as formas. Para entendermos melhor, vejamos o quadro explicativo abaixo: Gêneros Literários Espécies Formas Poesia Lírica Épica Soneto, ode, canção, elegia, vilancete, balada etc. Poema, poemeto, epopeia. Prosa ----------- Conto Novela Romance CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 41 Ao contrário do que este quadro pode parecer, os gêneros literários e as suas respectivas espécies e formas não são es- truturas fixas e estagnadas. Esta é apenas uma sugestão de organização, proposta por Massaud Moisés, em que não se exclui a ideia de que cada gênero pode incluir componentes de outro gênero, de uma de suas espécies ou formas. Ficaram de fora deste quadro, gêneros como o Teatro, a Crônica, o Ensaio, a Fábula, o Apólogo, entre outros, por se tratarem de formas híbridas ou paraliterárias. De nenhum modo, estas são consideradas menores e/ou menos literárias. Apenas, res- peitamos aqui os postulados da escolha teórica do crítico men- cionado anteriormente. É importante que, ao tra- balharmos com a leitura dos gêneros literários, possamos utilizá-los levando em consi- deração toda a sua poten- cialidade e não apenas trabalhar exclusivamente seus aspectos formais. É muito comum encontrar- mos os gêneros literários nos livros didáticos como sendo tex- tos narrativos desestruturados em que quando se trata, por exemplo, de poesia, são trabalhados apenas os aspectos que se referem ao conceito de estrofes, verso, rima, desprezando a men- sagem de seu conteúdo. Em outra circuns- tância, este mesmo gênero é usado apenas para fins ortográficos ou gramaticais, mais uma vez, levando os leitores ao esvaziamen- to do texto e se prendendo apenas aos as- pectos formais que rapidamente são deco- rados para, em seguida, serem esquecidos. Portanto, somente a partir do momento em que nós, leitores, estivermos prontos para uma transformação de nossa prática leitora no que diz respeito à leitura literária, quando nos sensibilizarmos e acreditarmos que a leitura é o caminho que nos leva a mundos infinitos, dentro e fora de cada um de nós, aí, sim, estaremos propiciando uma compreensão adequada da literatura seja ela em qualquer gênero. PUXANDO PROSA Durante a Antiguidade Clássica, a divisão feita por Aristóteles classificava as obras literárias pertencentes ao gênero lírico quando o “eu” interior do poeta nos passava uma emoção ou um estado de espírito com forte carga subjetiva. Considerando o gênero dramático tínhamos, fundamentalmente, os conflitos das relações humanas representados por atores por meio de palavras e gestos. Por fim, o gênero épico era uma narrativa de fundo histórico em que eram narrados os feitos históricos e os grandes ideais de um povo. A presença de um poeta observador voltado para o mundo exterior conferia a este gênero bastante objetividade. 42 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE sociais”. (2004, p.48) E isso ocorre por- que, historicamente, os livros são usados como ferramentas contra a alienação cultural, política e social. Outrora, também já fo- ram queimados, em razão do caráter insubmisso de seus conteúdos para as estruturas ditatoriais vigentes que, um dia, já consideraram obras como, por exemplo, Gabrie- la, Cravo e Canela, de Jorge Amado, subversiva. Percebemos, com isso, que a prática da leitura sofre modificações de acordo com as transformações da sociedade. A humanidade cresce, expande seus horizontes e os livros impulsionam esse avanço a depender da sua pro- posta educativa. Conforme Paviani, “ler é uma com- petência óbvia e necessária para qual- quer profissional, e a arte de ler demanda reflexão e uma certa dose de solidão, a fim de percorrer os segredos de um texto, que é capaz de oferecer o prazer de descobrir o ser das coisas ou as artimanhas da razão”. (2003, p. 113) Ele acrescenta ainda que os leitores de literatura são aqueles que sabem buscar a plenitude dos saberes, o conhecimento que ultrapassa as definições e as classificações da ciência e os minguados dados de uma informação objetiva. De fato, quem lê cria a possibilida- de de efetivar o ato de conhecer e, portanto, além de aprender, adquire consciência de que está 3. O ATO DE LER E AS DIMENSÕES DA LEITURA Nós sabemos que a leitura não se limita a uma simples decodificação de códigos e linguagens, ela vai além, pois o leitor preci- sa interagir com o que lê, atribuindo senti- do às coisas. Dessa maneira, a leitura é um ato abrangente que articula as várias di- mensões do ser humano: imaginativa, sen- sorial, afetiva, intuitiva, inteligível, cultural, lógica etc. Essas dimensões articuladas com o desenvolvimento cognitivo do pen- samento, a partir do ato de ler, faz descor- tinar um novo horizonte na vida do indiví- duo que, através do texto, se transforma em leitor(a) e amplia sua compreensão de mundo. Assim, a leitura promove também o desenvolvimento intelectual, podendo ressignificar a vida pessoal do sujeito, pos- sibilitando a abertura de novos caminhos e perspectivas, resultado das dimensões proporcionadas pelo verdadeiro papel da leitura e dos profissionais nela inseridos. Para Magda Soares, “o ato de ler tem sido ao longo da história uma prerrogativa das camadas dominadoras; sua assimila- ção pela camada de base popular denota avitória de um elemento indispensável não somente à preparação cultural, como ainda à modificação de suas categorias Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução; alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs as suas espécies. Machado de Assis, no conto “Primas de Sapucaia” CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 43 aprendendo. Em outras palavras, para Pa- viani, a pessoa que adquiriu a compe- tência da leitura tende a se tornar autô- noma em seu pensamento e, assim, não depende das opiniões dos outros para formular suas próprias ideias. A mediação da leitura literária se re- fere a diferentes práticas de aproxima- ção entre leitores e textos literários. Nas últimas décadas, ações e políticas públicas têm buscado garantir a consti- tuição de acervos literários em bibliote- cas, escolas e demais espaços públicos, a exemplo do Programa Nacional Bibliote- ca da Escola (PNBE) ou, ainda, do exito- so Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC). No entanto, diferentes estu- diosos têm apontado que a constituição de acervos bibliográficos não basta para a efetiva formação de leitores. Quando dedi- camos atenção aos contextos escolares, por exemplo, verificamos que, muitas vezes, como observa Magda Soares, desenvolve- -se uma “escolarização inadequada” da li- teratura, quando a mediação não é feita com propriedade. Com essa inadequa- ção, a escola acaba por distorcer a literatura e distanciar os alunos das práticas de leitura literária. Observamos isso quando professores utilizam o texto literário apenas para o ensino da gramática normativa ou em contextos transdisciplinares, de forma isolada. Por exemplo, utilizar o Iracema, de José de Alencar, nas aulas de Geogra- fia e História para tratar, somente, da pai- sagem e/ou da sociedade cearenses. Não quero, com isso, dizer que estas práticas escolares devem ser evitadas, pelo contrário, devem e merecem ser desenvolvi- das, mas não de formas isoladas sem envol- ver experiências que contribuam para o en- contro entre os leitores e a arte literária. Esse encontro se dá com a linguagem, as nuan- ces da narrativa e com o estilo do autor. 44 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE E se pensarmos o papel dos professores nesse processo como nossos primeiros mediadores de leitura, percebemos a im- portância dessa ação desempenhada por cada um deles na construção de uma socie- dade menos alienada e passiva diante de seus opressores. Mas, para que isso acon- teça, é fundamental que esses docentes também sejam leitores e não permaneçam distantes das experiências literárias. Afinal, aquele que desempenha a importante ta- refa de mediação da leitura literária, sendo professor, bibliotecário, educador social, agente voluntário, entre outros, se coloca no entre-lugar de aproximação do leitor e do livro e precisa dialogar intimamente com o texto literário seja na escola, na bibliote- ca, no clube de leitura, na associação, no grêmio estudantil, na igreja ou até mesmo em sindicatos. Através da leitura literária, o ato de ler tem dimensões e possibilidades muito mais profundas. Pois, se a leitura visa criar a consciência da realidade humana por meio da compreensão, interpretação e transformação do mundo, então, a leitura literária pode ser usada pelos mediadores de leitura como um instrumento de imagi- nação, afetividade e raciocínio para a for- mação crítica do indivíduo. 4. A LEITURA LITERÁRIA E A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A FORMAÇÃO LEITORA Os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas. Mário Quintana Como vimos, a leitura literária corrobora para a vida social por ser capaz de consti- tuir uma prática questionadora do mundo organizado, propondo outras direções de vida e de convivência cultural. Neste sen- tido, a leitura literária contribui para a for- mação leitora ao estabelecer com o texto lido uma interação prazerosa de criticidade através do emprego da literatura. O gosto da leitura acompanha o desenvolvi- mento da prática leitora do sujeito. Em sociedades ágrafas, circulam textos literá- rios orais, através de brincadeiras com sons das palavras, contações de histórias, além das criações de imagens desenhadas ou es- culpidas. Essas práticas ocorrem também, hoje, entre sujeitos alfabetizados ou não, o que permite que se amplie o universo da interação leitor-texto. Tais ações também podem servir de estímulos para a prática leitora, tendo como ponto de partida e che- gada o texto literário. Ágrafas: diz-se de cultura, povo e lín- gua que não têm registro escrito. PUXANDO PROSA O que é a literatura para você? Você se lembra de suas primeiras viagens literárias? Como foram? Seus professores obrigavam você a ler ou não? Como eles apresentaram os textos literários para você? O que lhe pediam: fichas de leitura, trabalhos sobre livros lidos, redações? Como isso lhe marcou? Se você já atua como mediador, como acredita que a leitura literária pode ser um instrumento de afetividade? CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 45 A leitura literária tem seu espaço bem marcado em nossa sociedade e, muitas ve- zes, aparece inicialmente vinculada ao es- paço escolar onde, infelizmente, nem sem- pre é praticada de forma satisfatória. Graça Paulino, refletindo sobre a leitura literária na escola, alerta: Como a leitura na escola é ensinada e aprendida de forma ligada a diversos dis- cursos e gêneros textuais, especificidades da leitura literária convivem com as de outros tipos de leitura, como a científica, a filosófica, a informativa. Essas leituras, embora diversas e requerendo estratégias diferentes dos leitores, têm pontos em co- mum, que podem ser trabalhados por pro- fessores e alunos. Leitura alguma sobrevive bem como prática cultural, quando censu- rada ou tolhida por autoridades do Estado, da família ou da escola. Especialmente a leitura literária requer liberdade, cujo único limite é o respeito pela leitura do ou- tro, que pode apresentar suas singularida- des. (PAULINO, p. 56, 2007) Nesse sentido, algumas questões po- dem ser abordadas quanto à importância do trabalhar-se com a leitura literária: • Quais as implicações desse tipo de texto que o fazem especial, ou mais adequado, para desenvolver o gosto pela leitura? • O que envolve o trabalho com o texto e a leitura literários? A leitura literária é capaz de capacitar o(a) leitor(a) a produzir inferências e ler o que está nas entrelinhas, nos intervalos entre as palavras, naquilo que não está es- crito. Assim, a leitura literária traz, para o universo do leitor, possibilidades novas de sentido, colocando em questão suas verdades, desestabilizando-o e levando-o a reestruturar-se. 46 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE O envolvimento com o texto e a leitura literários implica liberdade. Isso significa que não podemos ir direto ao texto com ideias pré-estabelecidas ou inalteráveis, pois ao invés de ir pensando junto com o au- tor, o(a) leitor(a) acaba se fechando, somen- te para aquilo que acredita, transformando a leitura numa atividade difícil. Se acreditar- mos que o mundo está absolutamente com- pleto, que nada mais pode ser feito, a leitura não nos faz sentido algum. É preciso, então, tornar a atividade da leitura significativa. Cabe, então, ao mediador da leitura literária criar condições para a formação de leitores capazes de experienciar toda a força huma- nizadora da literatura, não bastando ape- nas ler, até porque não existe uma leitura simples, assim como também não há uma que seja impossível. DESAFIO Baseado no que você aprendeu aqui, é preciso criar um estado deespírito ideal para se “receber” o que vem com o texto literário, de forma a usufruir ao máximo do que ele pode nos oferecer. Procure ler mais sobre o tema, converse com colegas e nos mande suas impressões. 5. ANTES DE VIRAR A PÁGINA... Assim, finalizamos este fascículo, acreditan- do que você, a partir de agora, dispõe de um conjunto de informações que pode ajudá-lo no melhor desenvolvimento da sua forma- ção como mediador de leitura. Não preten- demos fechar o leque das possibilidades para novas reflexões acerca deste tema, mas, sim, estimular seus estudos sobre a Leitura Literária. Desta forma, esperamos contribuir para a sua reflexão e para o seu exercício enquanto agente fomentador da prática leitora. Mas, atenção: a presença da leitura li- terária, por si só, nas práticas de mediação de leitura, não garante que os leitores vão ler com proficiência. Os leitores, seja por qualquer suporte (li- vro impresso, tablets, smartphones) ou em qualquer lugar (casa, escola, clube), familia- rizam-se com a leitura literária, ao mesmo tempo em que se encaminham para uma concepção ampla do fenômeno literário, a ponto de compreendê-lo de forma artística, mas também de maneira crítica e até polí- tica. Desse modo, acreditamos que cons- truindo uma sociedade leitora, teremos também uma sociedade mais justa, solidá- ria e participativa! CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 47 RANGEL, Jurema Nogueira Mendes. Leitura na escola: espaço para gostar de ler. Porto Alegre: Mediação, 2009. REYES, Alfonso. 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Maria Lílian Martins de Abreu (Autora) É graduada em Letras Português, Espanhol e suas Literaturas pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com especialização em Ensino de Língua Espanhola pela Faculdade Stella Maris e MBA em Jornalismo Político, Marketing e Comunicação Midiática pela Universidade do Parlamento Cearense. É mestre em Literatura Comparada pela UFC. É responsável pela apresentação e produção do programa literário semanal “Autores e Ideias” da Rádio FM Assembleia (96,7 MHz) vinculada à Assembleia Legislativa do Estado do Ceará desde 2007. Foi professora tutora do Instituto UFC/Virtual - UAB e, atualmente, trabalha no Núcleo de Educação a Distância do Centro Universitário Ateneu (UniAteneu). Rafael Limaverde (ilustrador) É ilustrador, chargista e cartunista (premiado internacionalmente) e xilogravurista. Formado em Artes Visuais pelo Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Ceará (IFCE). Escreve e possui livros ilustrados nas principais editoras do Ceará e em editoras paulistas. RealizaçãoApoio EXPEDIENTE: FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) João Dummar Neto Presidente André Avelino de Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro Raymundo Netto Gestor de Projetos Emanuela Fernandes Analista de Projetos Tainá Aquino Estagiária UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Viviane Pereira Gerente Pedagógica Luciola Vitorino Analista Pedagógica CURSO FORMAÇÃO DE MEDIADORES DE LEITURA Raymundo Netto Coordenador Geral e Editorial Lidia Eugenia Cavalcante Coordenador de Conteúdo Emanuela Fernandes Assistente Editorial Amaurício Cortez Editor de Design e Projeto Gráfico Marisa Marques de Melo Diagramadora Rafael Limaverde Ilustrador ISBN: 978-85-7529-893-0 (Coleção) ISBN: 978-85-7529-897-8 (Fascículo 3) Este fascículo é parte integrante do Programa Fortaleza Criativa, em decorrência do Termo de Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza, sob o nº 05/2018. Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. 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