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PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO Eliane Dalla Coletta Psicologia Educacional Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar as principais visões filosóficas dos autores que constituem os antecedentes históricos da Psicologia Educacional. Reconhecer as abordagens que caracterizam as principais estratégias de ensino no campo educacional. Avaliar traços e habilidades presentes nos educadores eficientes. Introdução A Psicologia Educacional é um campo de atuação da Psicologia, que tem como objetivo a investigação e a pesquisa sobre os mecanismos de aprendizagem em crianças e adultos, as táticas e estratégias educacionais e o funcionamento da instituição escolar. Os psicólogos educacionais, segundo a Resolução nº 13/2007 do CFP (Conselho Federal de Psicologia), estudam cientificamente o processo de ensino- aprendizagem, atuando na educação formal, no diagnóstico e na intervenção preventiva ou corretiva em grupo e individual. A análise e intervenção abrangem todos os segmentos do sistema educacional que se envolvem no processo de ensino-aprendizagem. Juntamente com os educadores, contribui na elaboração, implantação, avaliação e reformulação de currículos, projetos pedagógicos e políticas educacionais, na realização de novos procedimentos educacionais, alcançando, também, a parte de design instrucional e tecnologia educacional. Valida e utiliza instrumentos e testes psicológicos adequados e fidedignos para proporcionar subsídios para replanejamento e formulação do plano escolar, ajustes e orientações à equipe escolar e avaliação da eficiência dos programas educacionais. Neste capítulo, você conhecerá os antecedentes históricos da Psi- cologia Educacional com seus precursores e princípios teóricos ligados à educação e à aprendizagem, as principais abordagens psicológicas e suas estratégias de ensino no campo educacional e as competências requeridas dos educadores para este século XXI. Antecedentes históricos da Psicologia Educacional A Psicologia Educacional teve um longo processo de desenvolvimento até adquirir uma relevância e se tornar uma disciplina no campo da Psicologia. No desenvolvimento de suas concepções teóricas e defi nição de seu objeto de estudo, teve a infl uência principalmente da Filosofi a. Para entendermos os seus constructos, necessitamos conhecer os seus precursores e princípios teóricos ligados à educação e à aprendizagem. Desde Aristóteles e Platão, que abordaram questões transcendentais, como os fi ns da educação, a natureza da aprendizagem e a relação professor-aluno, a Descartes, que defendia as ideias inatas como base do conhecimento. Já no século XVI, destacou-se Juan Vives (1492–1540), que enfatizou a importância da percepção e memória no processo educativo. No século XVIII e XIX, tivemos a contribuição de Johann Pestalozzi (1745–1827) e Johann Herbart (1776–1841). Pestalozzi, infl uenciado por Rousseau, fundou numerosas escolas com a preocupação de “formar pessoas”, revolucionando os conceitos de sua época ao enfatizar a aprendiza- gem por observação e a aprendizagem experimental, dando menos ênfase à aprendizagem memorística, como também delineou a relação professor-aluno como um dos aspectos críticos na educação das crianças. Herbart, fi lósofo, psicólogo e pedagogo alemão, infl uenciado por Kant, propôs que, dentro do processo instrucional, deveriam ser apresentados os conhecimentos novos de maneira que cheguem a tomar parte do conteúdo mental, adotando a Psicologia Aplicada como eixo central da educação, tendo como princípio que a doutrina pedagógica, para ser científi ca, necessita ser comprovada experimentalmente (ARANCIBIA; HERRERA; STRASSER, 2008). O século XIX foi, sem dúvida, um dos mais importantes no desenvol- vimento da Psicologia como ciência, como também no início da Psicologia Educacional. Na Inglaterra, tivemos Francis Galton (1822–1911), que inventou os primeiros testes psicológicos para medição e avaliação da inteligência por meio da discriminação sensorial, mas foi Alfred Binet (1857–1920), psicólogo e pedagogo, que desenvolveu o primeiro teste de inteligência individual, em 1905, quando surge a Escala de Inteligência Binet-Simon. Para Arancibia, Herrera e Strasser (2008), Stanley Hall (1844–1924) fundou a primeiro la- boratório americano de Psicologia, o verdadeiro pioneiro da Psicologia da Educação foi aluno de Wilhelm Wundt (que fundou o primeiro laboratório experimental em Psicologia, em Leipizg, em 1879), Hall considerava que era Psicologia Educacional2 mais importante centrar-se no desenvolvimento dos professores para que estes pudessem conduzir melhor o processo de ensino-aprendizagem do que na aprendizagem das crianças. Para Santrock (2009), os três pioneiros da Psicologia Educacional foram Willian James, John Dewey e E. L. Thorndike. Willian James (1842–1910), considerado pai da Psicologia americana, também se dedicou à formação dos professores. De acordo com Santrock (2009, p. 2-3), James, em suas publicações: [...] discutia as aplicações da psicologia na educação das crianças [...] enfa- tizou a importância de observar o ensino e a aprendizagem em sala de aula para aprimorar a educação. Uma de suas recomendações era começar a aula em um ponto além do nível de conhecimento e compreensão da criança para expandir a mente dela. John Dewey (1859-1952), filósofo e pedagogo, revolucionou o sistema educacional norte-americano, que utilizava métodos educacionais com téc- nicas de memorização e transferência de conhecimento. As novas técnicas que propôs foram fundamentadas no pensamento liberal, surgindo, dessa forma, uma nova filosofia no cenário educacional, conhecida como a Escola Nova ou Escola Progressista, que considerava que a prática docente deveria se basear na liberdade do aluno para elaborar as próprias certezas, os próprios conhecimentos e as próprias regras morais. Segundo Pereira et al. (2009, p. 158), Dewey propôs que: [...] a aprendizagem seja instigada através de problemas ou situações que pro- curam de uma forma intencional gerar dúvidas, desequilíbrios ou perturbações intelectuais. O método “dos problemas” valoriza experiências concretas e problematizadoras, com forte motivação prática e estímulo cognitivo para possibilitar escolhas e soluções criativas. Que neste caso leva o aluno a uma aprendizagem significativa, pois o mesmo utiliza diferentes processos mentais (capacidade de levantar hipóteses, comprara, analisar, interpretar, avaliar), de desenvolver a capacidade de assumir responsabilidade por sua formação [...] A problematização requer do professor uma mudança de postura para o exercício de um trabalho reflexivo com o aluno, exigindo a disponibilidade do professor de pesquisar, de acompanhar e colaborar no aprendizado crítico do estudante, o que frequentemente coloca o professor diante de situações imprevistas, novas e desconhecidas, exigindo que professores e alunos com- partilhem de fato o processo de construção e não apenas o de reconstrução e reelaboração do conhecimento. 3Psicologia Educacional O conhecimento e o seu desenvolvimento eram considerados por Dewey como um processo social, integrando os conceitos de sociedade e indivíduo. Os princípios da escola progressista podem ser encontrados hoje no Construtivismo. E. L. Thorndike (1874–1949) destacou a avaliação e a medição da aprendi- zagem, introduzindo os princípios básicos científicos, sendo uma das principais tarefas da escola a de aprimorar as habilidades de raciocínio das crianças. Em 1903, publicou Educational Psychology, onde propôs um conjunto de leis da aprendizagem, e as mais importantes foram a lei do efeito e a lei do exercício. Iniciou uma tendência da Psicologia Educacional em direção da Psicologia Comportamental (behaviorista), sendo um dos primeiros psicólogos a com- patibilizar a teoria da aprendizagem, psicometria e pesquisa aplicada para disciplinas ligadas à escola. SegundoArancibia, Herrera e Strasser (2008, p. 18): Thorndike estudou a psicologia desde o comportamento animal, sob a influ- ência de James, aplicando os princípios da aprendizagem desenvolvidos em laboratório e as medidas quantitativas das diferenças individuais para criar a Psicologia Educacional [...] em 1910 publica seu artigo “The Contribution os Psychology to Education” no qual configura a psicologia da educação ao redor de três grandes temáticas: 1 - o papel do meio ambiente e da hereditariedade no comportamento; 2 - a aprendizagem e as leis que a regulam; e o 3 - estudo das diferenças individuais. Seu trabalho preparou o caminho para o behaviorismo, tendo sido contem- porâneo de J. B. Watson e Ivan Pavlov, fazendo experimentos inicialmente com animais, criando caixas de quebra-cabeças, utilizando gatos. A sua tese de doutorado, “Inteligência animal: um estudo experimental dos processos associativos em animais”, foi a primeira em Psicologia a utilizar animais. A partir da década de 1920, a Psicologia da Educação recebe a influência de outros movimentos da Psicologia, como o Behaviorismo (Skinner), a Gestalt, a Psicanálise (Freud) e a Psicologia Cognitiva (Piaget e Vygotsky), entre outras. Principais abordagens psicológicas e suas estratégias de ensino no campo educacional Abordaremos, neste tópico, as contribuições de várias teorias da aprendizagem e seus constructos, métodos e técnicas que constituem o objeto de estudo da Psicologia Educacional, desde a década de 1920, quando esta procurou diferenciar-se da Psicologia do Aconselhamento, até a década de 1980, quando surge a perspectiva cognitiva de Piaget e Vygotsky. Psicologia Educacional4 Na década de 1920 e 1930, a Psicologia Educacional, a partir do sucesso dos testes psicológicos com os recrutas do exército americano, populari- zando o interesse pela medição da inteligência, começa a se destacar como uma nova disciplina científica, com suas orientações teóricas, seus métodos e procedimentos com várias áreas de conhecimento, como aprendizagem, diferenças individuais, testes e medições, desenvolvimento humano, estudos de crianças excepcionais e estudo científico da criança na escola. Os aspectos determinantes da inteligência em torno da genética e do ambiente aprofundaram os estudos metodológicos e estatísticos, como um dos pilares da Psicologia Educacional. “O ponto de partida foi em 1918, com a aplicação das provas psicológicas aos recrutas do exército americano que serviu para popularizar o interesse pela medição da inteligência, a inauguração do “American Council in Education” e a publicação dos primeiros materiais de testes [...]” (ARAN- CIBIA; HERRERA; STRASSER, 2008, p. 21). A partir dos estudos de Binet, o conceito de inteligência se fortalece como um indicador de maturidade intelectual do estudante, ampliando e inten- sificando as testagens de rendimento, com o aparecimento do conceito de avaliação para medir o progresso do aluno, assim como os problemas educa- cionais despertaram um interesse específico de investigações com tratamentos estatísticos mais complexos. Nessa época, a Psicologia Educacional procurou diferenciar-se da Psicologia do Aconselhamento, por esta ser realizada com métodos mais informais, sendo a metodologia dominante na época a do rigor científico que levava em direção de estudos do desenvolvimento humano. No entanto, o crescimento da força de trabalho, da industrialização e da divisão do trabalho levou ao desenvolvimento da Psicologia do Aconselhamento em direção dos estudos vocacionais, havendo o desenvolvimento de técnicas e medições de aptidão e interesses. Com o movimento de saúde mental, lide- rado por Carl Rogers, com sua linha terapêutica diferenciada, centrada na pessoa e na forma de relacionamento entre terapeuta e “cliente”, fortificou-se a Psicologia de Aconselhamento como uma disciplina independente ligada a uma perspectiva existencial fenomenológica (ARANCIBIA; HERRERA; STRASSER, 2008). A partir das décadas de 40 e 50, Skinner (1904–1990) levou para a área educacional as ideias básicas do behaviorismo. A partir do seu estudo sobre o condicionamento operante, que consistia em um procedimento por meio do qual uma resposta é modelada por reforço diferencial e aproximações sucessivas, gerando uma consequência que afeta a sua probabilidade de ocorrer novamente; se a consequência for reforçadora, aumenta a probabilidade e, se for punitiva, além de diminuir a probabilidade de sua ocorrência futura, gera 5Psicologia Educacional outros efeitos colaterais. Skinner levou esse conceito para a aprendizagem em que o comportamento se modifica de acordo com as consequências e publicou, em 1954, o artigo The Science of learning and the art of Teaching, onde surgiu, pela primeira vez, o conceito de feedback, que era a resposta que o aluno poderia obter após a execução de uma tarefa, o que confirmaria imediatamente a correção de sua resposta, antevendo um reforço positivo com um contributo importante na concepção de ambientes instrutivos e sua influência nas primeiras aplicações dos computadores ao ensino, que era designado pelo ensino assistido por computador. Segundo Miranda (2008), o ensino programado se baseia em ambientes estruturados de forma que é monitorado pelo programa que controla os caminhos por onde a aprendizagem deve passar, com análise minuciosa das tarefas, em sucessivas aproximações ao resultado e no recurso a reforços externos. Ou seja, o aluno, ao entrar em contato com o programa, é conduzido para as respostas certas. Inicialmente, as sequências do ensino programado eram disponibilizadas por fichas e manuais e, posteriormente, foram transcritas para a linguagem dos computadores. O CAI (Computer Assisted Instruction) foi uma das primeiras tentativas de utilização do computador no ensino, tendo herdado os princípios do ensino programado. Essa abordagem foi dominante na Psicologia Educacional, durante a primeira metade do século XX. A abordagem behaviorista foi considerada, na época, um modismo, mas as aprendizagens reflexas (por condicionamento clássico ou reflexo) são conside- radas hoje, pelos neurocientistas, importantes mecanismos de aprendizagem (com um enfoque teórico diferente). Paralelamente a esse período do beha- viorismo, outros estudiosos prosseguiram os seus estudos da mente humana, como Piaget na Suíça, Vygotsky e Luria na antiga URSS (MIRANDA, 2008). Na década de 60, surge a revolução cognitiva, que suplantou a abordagem behaviorista. Inicialmente, a aprendizagem não foi objeto de estudos dos psicólogos cognitivistas, que iniciaram as suas investigações pela análise das realizações competentes e do conhecimento especializado, onde utilizavam o método de comparação do modo como os especialistas de um dado domínio de conhecimento e os não especialistas organizavam e processavam a informação, cujos resultados os levaram a apreciar as representações mentais e as estruturas de conhecimento além das estratégias para processar a informação. A partir desses achados, o problema da aquisição do conhecimento passou a ser uma preocupação da teoria cognitiva da aprendizagem. Não bastava memorizar os conhecimentos dos especialistas para ter a mesma capacidade de resolver determinado problema, pois a construção de um novo conhecimento dependerá Psicologia Educacional6 do que cada um já possui de conhecimento armazenado na sua memória, levando os estudiosos da cognição a realizar experiências com o objetivo de analisar o modo de adaptação da instrução aos conhecimentos prévios dos alunos (MIRANDA, 2008). Nessa perspectiva cognitiva, estudiosos como Piaget e Vygotsky, dentre outros, se destacaram. Piaget (1896-1980) estudou, inicialmente, biologia na Universidade de Neuchâtel, onde concluiu seu doutorado, e, posteriormente, se dedicou à área de Psicologia, Epistemologia e Educação. Foi professor de Psicologia na Universidade de Genebra, de 1929 a 1954, e se tornou mun- dialmente reconhecidopela sua revolução epistemológica. Durante sua vida, Piaget escreveu mais de cinquenta livros e diversas centenas de artigos. Para ele, o desenvolvimento humano ocorre por meio dos aspectos fisio-motor, intelectual, afetivo-emocional e social —somente por meio desses aspectos é possível entender como e por que o indivíduo se comporta de determinada maneira, em certa situação, em determinado momento de sua vida. Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2001, p. 129): [...] os estudos e pesquisas de Piaget demonstraram que existem formas de perceber, compreender e se comportar diante do mundo, próprias de cada faixa etária, isto é, existe uma assimilação progressiva do meio ambiente, que implica uma acomodação das estruturas mentais a este novo dado do mundo exterior. Para Santrock (2009, p. 37-38): [...] enquanto a criança procura construir um entendimento sobre o mundo, o cérebro em desenvolvimento cria esquemas. Os esquemas são representações mentais ou ações que organizam o conhecimento [...] a motivação para mudan- ças é uma busca interna por equilíbrio. À medida que os esquemas antigos são ajustados e novos esquemas se desenvolvem, a criança organiza e reorganiza os novos e os velhos esquemas. Finalmente, a organização é fundamentalmente diferente da organização antiga, é um novo modo de pensar. Dessa forma, o resultado desses processos, é que os indivíduos passam por quatro estágios de desenvolvimento. Um modo diferente de entender o mundo torna um estágio mais avançado do que outro. A cognição é qualitativamente diferente em um estágio, comparada a outro [...] Cada estágio está relacionado com a idade e consiste em modos diferentes de pensar. Os quatros estágios, sintetizados no Quadro 1, propostos por Piaget na década de 1950–1960, são: 7Psicologia Educacional de 1 a 2 anos — sensório-motor; de 2 a 7 anos — pré-operatório; de 7 a 12 anos — operações concretas; de 12 anos em diante — operações formais. Fonte: Santrock (2009, p. 39). Estágio sensório-motor Estágio pré- operacional Estágio operacional concreto Estágio lógico- formal A criança constrói uma compreensão de mundo, coordenando suas experiências sensoriais com suas ações motoras. Uma criança passa de ações reflexivas instintivas, ao nascimento, para o começo do pensamento simbólico até o fim deste estágio. A criança começa a representar o mundo com palavras e imagens, que refletem o aumento do pensamento simbólico e vão além da conexão de informações sensoriais e ações motoras. A criança consegue raciocinar logicamente sobre eventos concretos e classificar objetos em diferentes conjuntos. O adolescente raciocina de forma mais abstrata, idealista e lógica. Do nascimento aos 2 anos de idade. Dos 2 aos 7 anos de idade. Dos 7 aos 11 anos de idade. Dos 11 aos 15 anos de idade até a maturidade. Quadro 1. Os quatro estágios de desenvolvimento cognitivo de Piaget Essa teoria foi amplamente utilizada na educação, possibilitando aos pais e professores uma maior compreensão da criança e do adolescente, bem como embasar teoricamente o currículo escolar, apropriado a cada faixa de desen- volvimento. Segundo Papalia e Feldman (2013, p. 66): [...] a pesquisa com adultos indica que o foco de Piaget na lógica formal como o ápice do desenvolvimento cognitivo é por demais estreito. Não explica a emergência de habilidades maduras como a resolução de problemas práticos, a sabedoria e a capacidade de lidar com situações ambíguas. Psicologia Educacional8 Vygotsky (1896-1934) é o grande fundador da escola soviética de Psico- logia Histórico-cultural e tem por foco o desenvolvimento humano com os processos sociais e culturais do desenvolvimento cognitivo. O autor defende que o processo cognitivo ocorre pela interação social, com colaboração — as pessoas adquirem as habilidades cognitivas por meio da linguagem, ao exer- cerem atividades compartilhadas cujos hábitos passam a ser seus. Os adultos devem ajudar a criança a transpor a zona de desenvolvimento proximal - ZDP (Figura 1), que é o intervalo entre o que já faz sozinha e o que pode realizar com a ajuda dos adultos (PAPALIA; FELDMAN, 2013). A corrente cognitiva mais atual é a perspectiva do processamento da informação, a qual estuda o desenvolvimento cognitivo, os processos mentais envolvidos na percepção e no tratamento da informação, investigando o pro- cesso da compreensão da informação recebida e de desenvolvimento eficaz das tarefas: processo da atenção, memória, estratégias de planejamento, tomadas de decisão e estabelecimento de metas (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Desse modo, o desenvolvimento humano é constante e cumulativo, acontecendo conforme a idade, prontidão, complexidade e efetividade do processo mental, capacidade e diversidade do que pode ser armazenado na memória. A atenção e a memória são integradoras do comportamento, mantido pelos processos cerebrais centrais. Assim, Eysenck e Keane (2017, p. 1) define: [...] psicologia cognitiva aquela que estuda os processos internos (atenção, percepção, aprendizagem, memória, linguagem resolução de problemas, raciocínio e pensamento) envolvidos em extrair sentido do ambiente e de- cidir que ação deve ser apropriada. Visa a compreender a cognição humana por meio da observação do comportamento das pessoas enquanto executam várias tarefas cognitivas. Competências dos educadores A sociedade do século XXI, denominada “sociedade da informação” ou “so- ciedade do conhecimento”, se transformou com uma velocidade nunca vista antes a partir da globalização e do desenvolvimento de novas tecnologias, principalmente da Internet. As tecnologias de informação e comunicação (TIC) estão no cotidiano de todas as pessoas, em todas as esferas, e a sua utilização no mundo do trabalho e em âmbito social requer um novo pensar sobre a área educacional. A sobrevivência sem smartphones, celulares, computadores e redes sociais parece impossível, e a sua utilização adequada é o grande desafi o do mundo moderno. Ao mesmo tempo, os processos de produção requerem 9Psicologia Educacional um novo perfi l profi ssional das pessoas que estão no mercado de trabalho, que necessitam estar em constante aperfeiçoamento e atualização para enfrentar um mercado altamente competitivo e garantir a sua empregabilidade. Figura 1. Zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky). Fonte: Adaptada de Garcia e Prearo (2015, p. 123). Zona de desenvolvimento proximal Zona de desenvolvimento real Zona de desenvolvimento potencial Distância entre Se resolve o problema de forma individual Se resolve o problema com ajuda Os cidadãos também passam por significativas mudanças no seu cotidiano. Os jovens conectados aos seus smartphones, tablets, iPhones são descritos por Prensky (2001, p. 2) como: Nativos Digitais estão acostumados a receber informações muito rapidamente, gostam de processar mais de uma coisa por vez e realizar múltiplas tarefas, preferem os seus gráficos antes do texto ao invés do oposto, preferem acesso aleatório (como hipertexto), trabalham melhor quando ligados a uma rede de contatos, têm sucesso com gratificações instantâneas e recompensas frequentes e preferem jogos a trabalhar “sério”. Esses nativos digitais se defrontam com os imigrantes digitais, adultos assim chamados por Prensky (2001), que aprenderam a lidar com a informática, tentando incluir-se na era digital. Segundo Prensky (2001), estão também se adaptando a esse novo ambiente tecnológico onde podemos encontrar a figura do professor como seu representante, porém ainda com muitos “sotaques”. Ainda conforme Prensky (2001, p. 2), o sotaque: Psicologia Educacional10 [...] pode ser percebido pela necessidade de imprimir um e-mail, ou a leitura de um manual para um programa ao invés de assumir que o programa os ensinará como utilizá-lo. Atualmente, os mais velhos foram socializados de forma diferente das suas crianças, e estão em um processo de aprendizagemde uma nova linguagem. E uma língua aprendida posteriormente na vida, os cientistas nos dizem, vai para uma parte diferente do cérebro. Dentro desse contexto, observa-se uma situação em que os profissionais com mais experiência no campo educacional têm que se adaptar e se atualizar por meio das mesmas condições dos mais jovens, dentro de um mercado de trabalho cada vez mais competitivo. E isso não é somente no caso dos profes- sores, mas, também, dos estudantes “imigrantes digitais”. Um dos grandes problemas da educação neste século é o desenvolvimento dos professores para atender alunos completamente diferentes de anos atrás — a linguagem utilizada pelos professores está ultrapassada (era pré-digital) para atingir um público que fala uma linguagem totalmente nova. Para serem eficientes, os professores e educadores necessitarão dar conta de dois tipos de metodologia: uma ainda pautada no currículo tradicional (ler, escrever, matemática, raciocínio lógico, entre outros), que ainda será conside- rado importante, e uma com o currículo voltado para a “era da informação”, que inclui software, hardware, robótica, nanotecnologia, genoma e, também, ética, política, sociologia, línguas, entre outros. Prensky (2001) questiona quantos professores estão preparados e capacitados para fazer essa inclusão das TIC no currículo e falar a língua dos nativos digitais. Para Correia e Dias (1998, p. 10), neste século há um novo paradigma educacional: (1) a criação de ambientes de aprendizagem interativos e estimulantes capazes de promover no aluno a capacidade de “aprender a aprender” (que poderão ser protagonizados pelas tecnologias de informação e comunicação quando aplicadas no domínio da educação); (2) a organização de um curriculum que se adeque à mudança operada nos papéis do professor e do aluno (o processo ensino/aprendizagem decorrerá num ambiente de partilha entre os alunos e entre os alunos e os professores capaz de produzir experiências ricas e esti- mulantes, típicas de um cenário onde se aprende colaborativamente); e (3) a organização do próprio conhecimento no sentido de uma maior integração dos saberes e de uma supremacia da interdisciplinaridade. 11Psicologia Educacional Perrenoud (2000), sociólogo suíço que é uma referência para os educadores quanto ao desenvolvimento das competências dos professores e dos processos avaliativos dos alunos, define competência como a capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para solucionar uma série de situações. Sardo (2010) organizou as 10 competências (família de competências) dos educadores listadas por Perrenoud (2000), conforme Quadro 2, a seguir. Competências de referência Competências específicas 1 - Organizar e dirigir situações de aprendizagem - Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e a sua tradução em objetivos de aprendizagem. - Trabalhar a partir das representações dos alunos. - Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem. - Construir e planejar dispositivos e sequências didáticas. - Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento. 2 - Administrar a progressão das aprendizagens - Conceber e administrar situações-problema ajustadas ao nível e às possibilidades dos alunos. - Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino. - Estabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades de aprendizagem. - Observar e avaliar os alunos em situação de aprendizagem, de acordo com a avaliação formativa. - Fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão. 3 - Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação - Administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma. - Abrir, ampliar a gestão da classe para um espaço mais vasto. - Fornecer apoio integrado, trabalhar com alunos portadores de grandes dificuldades. - Desenvolver a cooperação entre alunos e certas formas simples de ensino mútuo. Quadro 2. As 10 competências dos educadores (Continua) Psicologia Educacional12 Quadro 2. As 10 competências dos educadores Competências de referência Competências específicas 4 - Envolver os alunos na sua aprendizagem e no seu trabalho - Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber. O sentido do trabalho escolar é desenvolver na criança a atividade de autoavaliação. - Instituir e fazer funcionar um conselho de alunos (conselho de classe ou de escola) e negociar com eles diversos tipos de regras e contratos. - Oferecer atividades opcionais de formação. - Favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno. 5 - Trabalhar em equipe - Elaborar um projeto de equipe, representações de alunos. - Dirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniões. - Formar e renovar uma equipe pedagógica. - Enfrentar e analisar em conjunto de situações complexas, práticas e problemas profissionais. - Administrar conflitos interpessoais. 6 - Participar na administração da escola - Elaborar, negociar um projeto da instituição. - Administrar os recursos da escola. - Coordenar, dirigir uma escola com todos os seus parceiros (serviços, associações de pais, professores de língua e cultura de origem). - Organizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a participação dos alunos. 7 - Informar e envolver os pais - Dirigir reuniões de informação e debate. - Fazer entrevistas. - Envolver os pais na construção do saber. 8 - Utilizar novas tecnologias - Utilizar editores de textos. - Explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos de ensino. - Comunicar a distância por meio das TICs (tecnologia da informação e comunicação). - Utilizar ferramentas multimídia no ensino. (Continua) (Continuação) 13Psicologia Educacional Fonte: Sardo (2010, documento on-line). Quadro 2. As 10 competências dos educadores Competências de referência Competências específicas 9 - Enfrentar os deveres e os dilemas da profissão - Prevenir a violência na escola e fora dela. - Lutar contra preconceitos e discriminações sexuais, étnicas e sociais. - Participar na criação de regras de vida referentes à disciplina da escola, às sanções e à apreciação da conduta. - Analisar a relação pedagógica, a autoridade, a comunicação em aula. - Desenvolver o senso da responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça. 10 - Administrar a sua própria formação contínua - Saber explicitar as próprias práticas. - Estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação contínua. - Negociar um projeto de formação comum com os colegas (equipe, escola, rede). - Envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de ensino ou um sistema educativo. - Acolher a formação dos colegas e participar dela. (Continuação) Ensino a distância O ensino a distância está sendo uma modalidade de com grande potencial de desenvolvimento, sendo considerada por alguns especialistas como a educação do futuro, pois está possibilitando o acesso à educação de pessoas que estavam excluídas desse processo tão importante para o desenvolvimento humano, da sociedade e do país. Além de aspectos tecnológicos, plataformas virtuais de aprendizagem, chats e redes sociais, a mediação pedagógica dessa modalidade se concretiza na relação tutor-aluno. Nesse cenário da EAD, o papel do professor no ensino tradicional se transforma no de tutoria no ensino a distância, que tem como função básica a responsabilidade de conduzir o processo de ensino-aprendizagem por meio Psicologia Educacional14 do acompanhamento das atividades, incentivando a leitura, motivando para o desenvolvimento do autodesenvolvimento dos estudantes, orientando quanto à forma de estudo, apontando melhorias necessárias mediante feedbacks, sanando dúvidas tanto dos conteúdos quanto da navegação no ambiente de aprendizagem e buscando a excelência no desempenho dos estudantes. É uma função de mediação no processo ensino-aprendizagem. Schinitman (2011) refere que, no sistema EAD, sendoas interações por interfaces digitais, a mediação pedagógica poderá ser um fator de sucesso se o tutor tiver a consciência e a pró-atividade de se fazer presente, estar motivado, conhecer e saber trabalhar com tecnologias sofisticadas. Nesse estudo, o autor analisa a EAD como um processo interacionista, onde a aprendizagem é entendida como social, e o processo de ensinar envolve várias relações interativas. A qualidade da interação tutor-aluno ficará prejudicada se o tutor não tiver a consciência e o saber do quanto necessita de uma expertise para estimular/motivar os estudantes para serem interativos. Caso não se consiga despertar esta motivação, a evasão se torna iminente. Para ter sucesso nessa função de tutoria, as interações passam por questões como dar um feedback adequado, ter uma relação afetiva, ter empatia, saber acolher os estudantes visando à permanência dos mesmos no curso e o seu real desenvolvimento. Como diz Vedove e Camargo (2008), para suprir a ausência do contato físico, o tutor pode criar meios de comunicação com a utilização das tecnologias e, por meio da sua escrita, estabelecer uma relação de acolhimento, afetividade e empatia, para que se obtenha um aprendizado efetivo. Por meio das interações oportunizadas pelos ambientes virtuais de apren- dizagem (AVA) e das TICs é que o EAD vem ampliando as possibilidades de relacionamento, seja entre tutor-estudante, estudante-estudante, estudante- -AVA, ou seja, um “[...] processo de comunicação que se ampliou e se trans- formou num processo em espiral emissor-receptor-emissor-receptor-emissor, e assim sucessivamente, e esta forma comunicacional está sendo denominada de interatividade [...]” (MARINHO; PESSANHA, 2011, p. 2). Ainda existem muitas barreiras a serem ultrapassadas: entre elas incluem- -se as limitações tecnológicas, os ambientes virtuais de aprendizagem com baixa acessibilidade por não serem amigáveis o suficiente para atender a uma demanda de estudantes mais carente e menos integrada às mídias disponíveis. A contextualização e a problematização também necessitam avançar, tanto na elaboração das atividades como nos feedbacks. 15Psicologia Educacional Acesse o link ou o código a seguir para ler o texto “Co- nheça as competências para o século 21”. https://goo.gl/mnUZcq ARANCIBIA, V.; HERRERA, P.; STRASSER, K. Manual de psicologia educacional. 6. ed. Santiago: Universidade Católica do Chile, 2008. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2001. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução CFP nº 013/2007. Institui a Consolidação das Resoluções relativas ao Título Profissional de Especialista em Psicologia e dispõe sobre normas e procedimentos para seu registro. 2007. Disponível em: <http://site.cfp. org.br/wp-content/uploads/2007/09/resolucao2007_13.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2018. CORREIA, A. P. S.; DIAS, P. A Evolução dos paradigmas educacionais à luz das teorias curriculares. 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