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10 A HISTÓRIA CULTURAL

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INTRODUÇÃO 
AOS ESTUDOS 
HISTÓRICOS
Caroline Silveira Bauer
A história cultural
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Reconhecer a expansão historiográfica que permitiu o surgimento 
da história cultural.
  Identificar as diferentes abordagens e temas da história cultural.
  Analisar a contribuição de Roger Chartier para a história cultural.
Introdução
Como você sabe, existem diferentes formas de compreender e narrar 
o presente e o passado. As diferenças se assentam nas problemáticas 
com as quais se inquire o material de análise e no arcabouço concei-
tual, metodológico e teórico. Que tal aprender um pouco mais sobre a 
produção historiográfica dos historiadores que abordaram as práticas 
e representações culturais da sociedade em uma concepção bastante 
inovadora da cultura?
Neste capítulo, você vai ver como a expansão das abordagens e dos 
temas da historiografia configurou o surgimento da história cultural. 
Você também vai identificar as abordagens e os temas mais comuns 
dos historiadores engajados nessa leitura da realidade. Por fim, você vai 
conhecer a obra e as análises do historiador francês Roger Chartier, cujas 
contribuições foram inestimáveis para a história da historiografia.
Surgimento da história cultural
As análises históricas a partir do viés cultural estão presentes na história da 
historiografi a desde o século XIX. Contudo, foi a partir da década de 1990 que 
a expressão “história cultural” passou a ser utilizada para designar historia-
dores e abordagens que se preocupam com uma leitura peculiar da realidade.
Em linhas gerais, e guardando a variedade de abordagens e ênfases, os 
precursores da história cultural, em sintonia com as perspectivas do seu tempo, 
buscaram construir uma história alternativa à narrativa dos grandes fatos 
políticos. Essa história trouxe à tona os costumes, as expressões artísticas, 
a imaginação, entre outros aspectos simbólicos da experiência histórica, 
não como fenômenos de um espírito abstrato, mas como prática de sujeitos 
identificados no tempo e no espaço da história.
O contato com as ciências sociais agregou valor teórico e conceitual a 
essas abordagens. Houve primeiramente a aproximação com a sociologia da 
arte e, mais tarde, com a antropologia social, com a semiótica, entre outras 
disciplinas, o que mudaria os rumos da história cultural.
Como afirma Pesavento (2005, p. 9),
No início do século XX, os etnólogos Marcel Mauss e Émile Durkheim cha-
mavam a atenção para essa construção social da realidade, realizada por 
meio de um mundo paralelo de sinais, o qual era surpreendido entre os povos 
primitivos que então estudavam. Tal realidade representada colocava-se 
no lugar do real “concreto”, até mesmo substituindo-o. Conceito de que os 
historiadores se apropriaram, as representações deram a chave para a análise 
desse fenômeno presente em todas as culturas, ao longo do tempo: os homens 
elaboram ideias sobre o real, as quais se traduzem em imagens, discursos e 
práticas sociais que não somente qualificam o mundo como também orientam 
o olhar e a percepção sobre essa realidade. Ação humana de re-apresentar o 
mundo — pela linguagem, pelo discurso, pelo som, pelas imagens e, ainda, 
pela encenação dos gestos e pelas performances —, a representação dá a ver 
— e remete a — uma ausência. Ela é, em síntese, um “estar no lugar de”. Com 
isso, a representação é um conceito que se caracteriza por sua ambiguidade, 
de ser e não ser a coisa representada, compondo um enigma ou desafio [...].
A publicação do livro da historiadora norte-americana Hunt (1992) intitulado 
A Nova História Cultural, em 1989, pode ser considerada um marco na história 
da historiografia. Essa obra sintetiza diferentes análises de diversos historiadores, 
reunidos sob um mesmo paradigma. Dessa forma, a história cultural seria “nova” 
para se distinguir das abordagens anteriormente realizadas sobre a cultura, para 
se distinguir da história intelectual e da história social, bem como para dar conta 
da expansão do termo “cultura” pela sociedade ocidental (BURKE, 2005). De 
acordo com Burke (2005), quatro teóricos foram particularmente importantes para 
os praticantes da história cultural: Mikhail Bakhtin, Norbert Elias, Michel Foucault 
e Pierre Bourdieu. A classificação realizada por Burke (2005) também evidencia 
a importância que a interdisciplinaridade teve para esse campo historiográfico.
Em relação ao contexto cultural e intelectual, o surgimento da história 
cultural é tributário das mudanças ocorridas após 1968, principalmente da crise 
dos grandes paradigmas explicativos da realidade, que desafiaram os marcos 
A história cultural2
conceituais dominantes nas ciências humanas e provocaram uma mudança 
epistemológica na história. Em outras palavras, o mundo se mostrava muito 
mais complexo do que alguns sistemas explicativos poderiam supor.
De acordo com Pesavento (2005, p. 8), essa corrente historiográfica surge:
[...] com a crise de maio de 1968, com a guerra do Vietnã, a ascensão do 
feminismo, o surgimento da New Left, em termos de cultura, ou mesmo a 
derrocada dos sonhos de paz no mundo pós-guerra. Foi quando então se in-
sinuou a hoje tão comentada crise dos paradigmas explicativos da realidade, 
ocasionando rupturas epistemológicas profundas que puseram em xeque os 
marcos conceituais dominantes na História.
O intuito da história cultural seria, de acordo com Pesavento (2005), decifrar a realidade do 
passado a partir de suas representações. A ideia seria compreender as formas discursivas e 
imagéticas que os homens utilizavam para se expressar. Como você pode notar, esse é um 
processo complexo. Afinal, o historiador precisa ler códigos de outros períodos históricos. 
Muitas vezes, tais códigos são incompreensíveis, considerando os filtros que o passado 
interpõe. Este seria, então, o maior desafio da história cultural: atingir sensibilidades e 
noções de construção do real que não são as do presente. Em sua atuação, o historiador 
trabalha com uma temporalidade passada, com o que não conheceu, com o que não 
viu nem viveu. Para isso, como você sabe, ele precisa de registros e sinais do passado.
A história cultural é proveniente de preocupações de historiadores vincu-
lados ao marxismo britânico e ao movimento dos Annales. Para essa corrente 
historiográfica, a cultura não poderia ser vista como um mero reflexo da 
infraestrutura, nem existiria a dicotomia entre cultura erudita e cultura popular. 
Além disso, as manifestações culturais não seriam expressas unicamente por 
meio da literatura. Considere o seguinte:
Em síntese, historiadores franceses dos Annales e historiadores ingleses 
neomarxistas trabalhavam, do final dos anos 1960 aos anos 80, com uma 
história social que avançava para os domínios do cultural, buscando ver como 
as práticas e experiências, sobretudo dos homens comuns, traduziam-se em 
valores, ideias e conceitos sobre o mundo. Mesmo que seus membros marxis-
tas permanecessem marxistas e que os integrantes da agora chamada Nova 
História, herdeira dos Annales, não se definissem teoricamente, era possível 
distinguir algumas preocupações comuns, que perpassavam o trabalho dos 
historiadores (PESAVENTO, 2005).
3A história cultural
Para Cardoso e Vainfas (1997), a história cultural seria proveniente, em 
uma abordagem do campo historiográfico, do rechaço de alguns historiadores 
ao conceito de mentalidades, de modo que eles se assumiam como “histo-
riadores da cultura”. Porém, a prática historiográfica desenvolvida por esses 
profissionais não se identificava com as manifestações “oficiais” ou “formais” 
da cultura. Eles promoviam uma “nova história cultural”, que compreendia a 
cultura como “um conjunto de significados partilhados e construídos pelos 
homens para explicar o mundo” (PESAVENTO, 2005).
Nesse sentido, foi fundamental para esses autores romper com as fronteiras 
disciplinares que configuravam o campo das humanidades. Isso possibilitoucontatos intensificados com outras disciplinas, como a antropologia, para o 
debate sobre o conceito de cultura; a literatura, para reflexões sobre a escrita 
da história e a leitura dos textos literários; a história da arte, para a análise 
das imagens; e a arquitetura e o urbanismo, para o desenvolvimento da área 
da história das cidades. A seguir, você vai aprender um pouco mais sobre as 
abordagens e os temas da história cultural.
Abordagens e temas da história cultural
De acordo com Pesavento (2005), os principais conceitos e temas que envolvem 
a história cultural são: a representação e o imaginário, o retorno da narrativa, 
os debates sobre a fi ccionalidade da história, a ideia das sensibilidades, a 
leitura dos textos e a escrita da história. Como afi rma Burke (2005, p. 11), os 
historiadores culturais compartilhavam “[...] a preocupação com o simbólico 
e suas interpretações. Símbolos, conscientes ou não, podem ser encontrados 
em todos os lugares, da arte à vida cotidiana, mas a abordagem do passado 
em termos de simbolismo é apenas uma entre outras [...]”.
Pesavento (2005), por sua vez, afirma que os historiadores vinculados à 
história cultural se preocupavam com as seguintes questões:
[...] como as elaborações mentais, produtos da cultura, se articulavam com o 
mundo social, a realidade da vida cotidiana? Como era possível estabelecer 
correspondências entre todos esses níveis e também objetos de estudo? Como 
era possível descobrir os sentidos e significados que os homens atribuíam a 
si próprios e às coisas? Até onde iam os limites da História, se precisassem 
diálogos com outros campos de conhecimento ou outras ciências?
Já Chartier (1988), um dos expoentes da história cultural, assim definiu 
sua prática enquanto historiador da cultura:
A história cultural4
É preciso pensá-la como a análise do trabalho de representação, isto é, das 
classificações e das exclusões que constituem, na sua diferença radical, as 
configurações sociais e conceituais próprias de um tempo ou de um espaço. 
As estruturas do mundo social não são um dado objetivo, tal como não o são 
as categorias intelectuais e psicológicas: todas elas são historicamente produ-
zidas pelas práticas articuladas (políticas, sociais, discursivas), que constroem 
as suas figuras. São estas demarcações, e os esquemas que as modelam, que 
constituem o objeto de uma história cultural levada a repensar complemente 
a relação tradicionalmente postulada entre o social, identificado com um 
real bem real, existindo por si próprio, e as representações, supostas como 
refletindo-o ou dele se desviando (CHARTIER, 1988, p. 27).
Pesavento (2005) afirma que na história cultural existem diferentes 
abordagens:
  as que enfatizam o texto, pensando a escrita e a leitura e compreendendo 
a história como uma narrativa que constrói uma representação sobre 
o passado, levando a estudos sobre produção e recepção dos textos;
  a micro-história, que realiza uma redução da escala de análise, explo-
rando intensivamente um objeto circunscrito;
  a nova história política.
Essas correntes conformam campos temáticos de pesquisa, cujos temas de 
predileção são: as cidades, a relação da história com a literatura, as imagens, 
as identidades, a memória, etc.
Assim como outros movimentos historiográficos, a história cultural também 
é caracterizada por uma pluralidade de interesses. Hunt (1992), em sua obra 
A Nova História Cultural, dividiu quatro grupos, como você pode ver a seguir. 
As diferenças entre essas abordagens e esses autores demonstra o ecletismo 
que caracteriza a proposta.
a) a história da cultura, como escrita por Michel Foucault;
b) a história da cultura produzida por historiadores, analisando as produ-
ções de Edward Thompson e Natalie Davis;
c) a história da cultura de inspiração antropológica, desenvolvida por 
Clifford Geertz;
d) a história cultural e a sua interlocução com a crítica literária, apresen-
tando as contribuições de Hayden White e Dominick LaCapra.
Para Cardoso e Vainfas (1997), existem três características compartilhadas 
pelos historiadores da história cultural: “(1) recusa do conceito vago de menta-
5A história cultural
lidades; (2) preocupação com o popular; (3) valorização das estratificações e 
dos conflitos socioculturais como objeto de investigação”. Os autores sugerem 
ainda outra forma de classificar os historiadores, as obras e os interesses que 
se reivindicam como pertencentes a esse campo:
1. A história da cultura praticada pelo italiano Carlo Ginzburg, notadamente 
suas noções de cultura popular e de circularidade cultural presentes quer em 
trabalhos de reflexão teórica, quer nas suas pesquisas sobre religiosidade, 
feitiçaria e heresia na Europa quinhentista.
2. A história cultural de Roger Chartier, historiador vinculado, por origem e 
vocação, à historiografia francesa — particularmente os conceitos de repre-
sentação e de apropriação expostos em seus estudos sobre “leituras e leitores 
na França do Antigo Regime”.
3. A história da cultura produzida pelo inglês Edward Thompson, especialmen-
te na sua obra sobre movimentos sociais e cotidiano das “classes populares” 
na Inglaterra do século XVIII.
Nos últimos anos, novas correntes historiográficas vêm se formando a 
partir das considerações delineadas pela história cultural. Essas correntes 
são tributárias, em grande parte, dos diálogos interdisciplinares entre a 
história e outros campos do saber, como a antropologia, a ciência política 
e a linguística.
De acordo com Barros (2011, p. 60):
A História Cultural, enfim, tem permitido precisamente o estabelecimento 
de um novo olhar sobre objetos que habitualmente têm sido beneficiados 
por um tratamento historiográfico econômico, político ou demográfico. Sua 
expansão, por conseguinte, vai muito além dos objetos e processos habitual-
mente tidos por culturais, de modo que é sempre oportuno enfatizar como a 
História Cultural tem se oferecido cada vez mais como campo historiográfico 
aberto a novas conexões com outras modalidades historiográficas e campos 
de saber, ao mesmo tempo em que tem proporcionado aos historiadores um 
rico espaço para a formulação conceitual.
Nesse sentido, um dos objetivos do livro de Hunt (1992) era demonstrar 
como a delimitação de novos objetos e enfoques para o estudo da cultura exigiu 
que os historiadores fortalecessem os diálogos interdisciplinares.
Em relação à utilização das fontes pela história cultural, todos os vestígios 
podem ser utilizados para responder às problemáticas de pesquisa elaboradas 
pelo historiador. Assim, documentos oficiais, imprensa, livros didáticos, 
romances, músicas, cartazes, charges e filmes — ou seja, qualquer material 
A história cultural6
que traga consigo indícios de uma manifestação da cultura de uma época — 
podem ser utilizados como fonte histórica.
Uma das principais contribuições da história cultural para a historiografia 
foi chamar a atenção para a historicidade das práticas, representações e demais 
códigos chamados de “cultura”. Dessa forma, houve uma ampliação do universo 
temático e de objetos, propiciada também pela utilização de novas fontes 
documentais. Porém, a história cultural legou uma série de desafios para a 
prática historiográfica, enunciados em três tópicos por Pesavento (2005, p. 118):
1) o historiador, enquanto produtor de um texto, e também o público leitor, consu-
midor de História, devem assumir a dúvida como um princípio de conhecimento 
do mundo; 2) um outro aspecto a ser discutido como desafio para o historiador é 
esta espécie de nostalgia da totalidade ou dos modelos globais, que se sintetizaram 
em um texto harmônico e compreensível, em uma explicação acabada; 3) um 
outro desafio é aquele trazido pela incorporação da subjetividade no trabalho do 
historiador. Primeiro, o desafio dá-se pela consciência da própria subjetividade 
do historiador, com sua intuição, sua individualidade, sua trajetória de vida e 
sua inserção no mundo acadêmico e social. Depois, quando seleva em conta a 
subjetividade dos atores a resgatar no passado. Uma das características da Histó-
ria Cultural foi trazer à tona o indivíduo, como sujeito da História, recompondo 
histórias de vida, particularmente daqueles egressos das camadas populares.
Como legado da história cultural, você pode considerar não somente os 
novos enfoques e as novas temáticas, mas também algumas mudanças episte-
mológicas. Há uma reorientação em relação à percepção da realidade e, com 
isso, um questionamento sobre a função social da história e do historiador. 
Isso se deve, principalmente, aos debates acerca da ficção e da narrativa na 
história. Para alguns, tratava-se de uma contraposição irreconciliável entre 
modernos e pós-modernos.
No vídeo disponível no link a seguir, você pode aprender mais sobre a pós-modernidade 
e as suas implicações para o campo da historiografia.
https://goo.gl/sBzpnk
Devido à multiplicidade de temas abarcados pelos historiadores que 
se dedicaram ao estudo das manifestações culturais, é difícil elaborar 
7A história cultural
uma síntese de suas contribuições e obras. Contudo, é possível citar ao 
menos três pesquisadores que se destacaram na ampliação da concepção 
de cultura e romperam com certos esquematismos e falsas dicotomias. 
São eles: Michel de Certeau, Pierre Bourdieu e Roger Chartier. Para esses 
historiadores, a cultura extrapolaria a produção realizada nas “instâncias 
oficiais” de uma sociedade, mas também incorporaria os usos e os costu-
mes, as formas como as pessoas “[...] falam e se calam, comem e bebem, 
sentam e andam, conversam ou discutem, solidarizam-se ou hostilizam-se, 
morrem ou adoecem, tratam seus loucos ou recebem os estrangeiros [...]” 
(BARROS, 2004, p. 77).
A seguir, você vai conhecer melhor a obra de Chartier, pois suas análises 
e contribuições conceituais, metodológicas e teóricas marcaram a escrita da 
história de toda uma geração.
Obra de Roger Chartier
Roger Chartier dedicou parte de seus estudos à circulação cultural, relacionando 
a cultura oral e a cultura escrita. Entretanto, sua grande contribuição para o 
campo historiográfi co foi a elaboração das noções complementares de práticas 
e representações. Segundo o autor, as manifestações culturais de determinada 
sociedade em determinado espaço de tempo poderiam ser estudadas a partir 
da interação entre essas duas categorias. De acordo com Barros (2004, p. 76), 
“[...] tanto os objetos culturais seriam produzidos ‘entre práticas e represen-
tações’, como os sujeitos produtores e receptores de cultura circulariam entre 
estes dois polos, que de certo modo corresponderiam respectivamente aos 
‘modos de fazer’ e aos ‘modos de ver’ [...]”.
Roger Chartier é um historiador francês que desenvolveu suas interpretações 
da realidade a partir do viés cultural. Seus objetos de predileção foram as 
práticas de leitura, o livro enquanto objeto cultural e a disseminação de textos. 
Esses objetos foram trabalhados a partir de três conceitos e teorias, que são 
as ideias de apropriação, prática e representação. Sua principal contribuição 
do ponto de vista teórico foi pensar na articulação, na interdependência e 
na reciprocidade entre criação e consumo, produção e recepção, não sendo 
possível isolar uma prática de outra.
A história cultural8
Veja o que Chartier (1998, p. 16-17) afirma a respeito da leitura:
A leitura não é somente uma operação abstrata de intelecção; ela é 
engajamento do corpo, inscrição num espaço, relação consigo e com 
os outros. Eis por que deve-se voltar a atenção particularmente para as 
maneiras de ler que desapareceram em nosso mundo contemporâneo. 
Por exemplo, a leitura em voz alta, em sua dupla função: comunicar o 
texto aos que não o sabem decifrar, mas também cimentar as formas de 
sociabilidade imbricadas igualmente em símbolos de privacidade — a 
intimidade familiar, a convivência mundana, a convivência letrada. 
Uma história da leitura não deve, pois, limitar-se à genealogia única 
de nossa maneira contemporânea de ler em silêncio e com os olhos. Ela 
tem, também e sobretudo, a tarefa de encontrar os gestos esquecidos, 
os hábitos desaparecidos. Essa iniciativa é muito importante, pois 
revela, além da distante estranheza de práticas antigamente comuns, 
estruturas específicas de textos compostos para usos que não são mais 
os mesmos dos leitores de hoje.
No artigo O mundo como representação, Chartier explica como articula 
esses objetos e perspectivas metodologicamente:
a reflexão metodológica enraíza-se, com efeito, numa prática histórica parti-
cular, num espaço de trabalho específico. O meu organiza-se em torno de três 
polos, geralmente separados pelas tradições acadêmicas: de um lado, o estudo 
crítico dos textos, literários ou não, canônicos ou esquecidos, decifrados nos 
seus agenciamentos e estratégias; de outro lado, a história dos livros e, para 
além, de todos os objetos que contêm a comunicação do escrito; por fim, a 
análise das práticas que, diversamente, se apreendem dos bens simbólicos, pro-
duzindo assim usos e significações diferenciadas (CHARTIER, 1991, p. 178).
Ao propor a escrita de uma “história cultural do social” por meio das 
representações, Chartier tinha o intuito de escrever uma história que tomasse 
“[...] por objeto a compreensão das formas e dos motivos [...] que, à revelia dos 
atores sociais, traduzem as duas posições e interesses objetivamente confron-
tados e que, paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela 
é, ou como gostariam que fosse [...]” (CHARTIER, 1988, p. 19).
9A história cultural
Em relação à definição de cultura, há uma rejeição por parte de Chartier da 
dicotomia cultura popular e cultura erudita ou cultura letrada. O autor pensa 
uma noção mais abrangente de cultura, sem ignorar o componente de classe 
em suas análises, mas compreendendo a cultura enquanto prática, sugerindo 
os conceitos de apropriação e representação.
Para Chartier, a história cultural busca identificar o modo como, em 
lugares e momentos distintos, determinada realidade social é construída, 
pensada, apresentada. Tal tarefa envolve muitos afazeres. Ela implica clas-
sificações, divisões e delimitações. A ideia é, assim, organizar a apreensão 
do mundo social por meio de categorias fundamentais de percepção e de 
apreciação do real. Portanto, variáveis como as classes sociais ou os meios 
intelectuais surgem por meio de disposições estáveis e partilhadas, pró-
prias do grupo. Esses esquemas intelectuais incorporados dão origem às 
“[...] figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se 
inteligível e o espaço ser decifrado [...]” (CHARTIER, 1988, p. 17). Além 
disso, considere o seguinte:
As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem 
à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre deter-
minadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, 
o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de 
quem os utiliza.
As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem 
estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma 
autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto 
reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e 
condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como 
estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições, 
cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação. As lutas 
de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para 
compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a 
sua concepção de mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio. 
Ocupar-se dos conflitos de classificações ou de delimitações não é, portanto, 
afastar-se do social — como julgou durante muito tempo uma história de 
vistas demasiado curtas —, muito pelo contrário, consiste em localizar os 
pontos de afrontamento tanto mais decisivosquanto menos imediatamente 
materiais (CHARTIER, 1988, p. 16-17).
Na obra do historiador francês, a noção de representação possui grande 
importância. Para ele, como você viu, a história cultural visa a “[...] iden-
A história cultural10
tificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada 
realidade cultural é construída, pensada, dada a ler [...]” (CHARTIER, 
1988, p. 17). Nesse sentido, as representações inserem-se em um campo de 
disputas, “lutas de representação”, na conformação das relações de poder e 
dominação. Essas lutas geram diferentes apropriações das representações, 
de acordo com determinados interesses sociais, gerando imposições e, ao 
mesmo tempo, resistências.
As noções complementares de práticas e representações têm sido bastante 
úteis aos historiadores culturais. Isso ocorre principalmente porque por meio 
delas é possível examinar os objetos culturais produzidos, os sujeitos produtores 
e receptores de cultura e também os processos que envolvem a produção e a 
difusão cultural, os sistemas que dão suporte a esses processos e sujeitos e, por 
fim, as normas a que se conformam as sociedades por meio da consolidação 
de seus costumes.
Nesse sentido, diversos historiadores reconhecem a importância de Chartier 
para a prática historiográfica. Para Lima (2011, p. 188):
Roger Chartier ampliou o conceito de fonte histórica, ultrapassando os li-
mites do texto escrito para abordar também as práticas culturais que estes 
estabeleciam ou em que se inseriam, as formas de produção, reprodução e 
recepção dos textos. Assim, Chartier valoriza não somente a materialidade, 
mas também a oralidade, a forma de ler ou dizer, que, segundo ele, em alguns 
momentos da história, e em determinadas sociedades, foi utilizada para 
perpetuação do poder.
Segundo Cardoso e Vainfas (1997, p. 229), “[...] o modelo de Chartier 
possui, assim, o mérito de tentar livrar a história cultural de toda e qualquer 
conceituação esquemática, e isto sem cair na indeterminação interclas-
sista das mentalidades [...]”. Portanto, uma das principais contribuições de 
Chartier para a historiografia foi o estudo da produção das representações 
sociais, entendidas como a relação entre os sujeitos e o mundo que os cerca. 
Nessa perspectiva, a realidade é concebida por meio de representações ela-
boradas pelos sujeitos a partir de sua experiência. Nesse contínuo processo 
de apropriação da realidade, são elaboradas práticas e representações que 
se sucedem em uma dinâmica constante de produção de normas culturais 
e valores.
11A história cultural
BARROS, J. D. A nova história cultural: considerações sobre o seu universo conceitual 
e seus diálogos com outros campos históricos. Cadernos de História, Belo Horizonte, 
v.12, n. 16, p. 38-63, 1º sem. 2011.
BARROS, J. D. O campo da história: especialidades e abordagens. Rio de Janeiro: Vozes, 
2004.
BURKE, P. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R. (org.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. 
Rio de Janeiro: Campus, 1997.
CHARTIER, R. A aventura do livro: do leitor ao navegador: conversações com Jean Lebrun. 
São Paulo: Imprensa Oficial, 1998.
CHARTIER, R. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difusão Editora, 1988. 
CHARTIER, R. O mundo como representação. Estudos avançados, São Paulo, v. 5, n. 11, 
p. 173-191, jan./abr. 1991.
HUNT, L. A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
LIMA, J. C. R. Roger Chartier, o universo simbólico e a escrita da história. Nearco, Rio 
de Janeiro, v. 1, n. 8, p. 181-189, 2011. Disponível em: http://www.neauerj.com/Nearco/
arquivos/numero8/13.pdf. Acesso em: 2 fev. 2019.
PESAVENTO, S. J. História & história cultural. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 
Leituras recomendadas
BURKE, P. (org.). A Escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1991.
CHARTIER, R. Cultura escrita: literatura e história. Porto Alegre: Artmed, 2001.
DARNTON, R. O grande massacre dos gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
ENTREVISTA Roger Chatier. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 17, ago./
dez. 2014.
PESAVENTO, S. J. História & história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
SANTOS, D. V. C. Acerca do conceito de representação. Revista de Teoria da História, 
Goiânia, v. 6, n. 2, dez. 2011. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/
view/28974. Acesso em: 01 mar. 2019.
A história cultural12

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