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Universidade Federal do Rio de Janeiro Metodologia da História Historiografia: da tradição greco-latina à Escola dos Annales. A relação temporal passado-presente na antiguidade se construía de forma cíclica, onde acontecimentos passados poderiam se encaixar no presente. Os gregos, por exemplo, dividiam o tempo em Idades, sendo a primeira a Idade do Ouro, onde os heróis da poesia viviam, e, após a Idade da Prata e a Idade do Bronze, a Idade do Ferro, onde a sociedade grega estaria localizada, acreditando que, ao fim da Idade do Ferro, a Idade do Ouro retornaria. Tendo em vista tal perspectiva temporal, era aceitável buscar no passado instrução para o presente, já que os ciclos se repetiriam. A história, então, nesse contexto, nasce como a narrativa de acontecimentos do passado, uma coletânea de exemplos, com a função de direcionar a sociedade presente. Tal seleção de acontecimentos carregava o peso da verdade grega (aletheia), ou seja, eram feitos considerados virtuosos, grandiosos, dignos de ser fixados na memória do povo, porém, incluía-se também os feitos considerados viciosos, aqueles que seriam exemplos do que não fazer, de como não agir, tal seleção de eventos, portanto, pressupõe um julgamento ético-moral destes. É de grande importância, entretanto, ressaltar que os eventos narrados eram considerados extraordinários, particulares, eram "histórias", não sendo, portanto, interligados entre si ou com os acontecimentos ordinários. A memória na tradição greco-latina é extremamente presente, visto que a função da História seria fixar acontecimentos para encontrar neles ensinamentos para o presente. Com o advento da modernidade, a partir das ideias iluministas, a humanidade sofre uma séria de mudanças em relação à seus conceitos, visões e mentalidade. Com a Revolução Francesa, por exemplo, o conceito de revolução se modifica: antes, revolução trazia a idéia de ciclo, retorno, estando em convergência com a temporalidade antiga, que permitia o espelhamento do passado, o que Koselleck chama de espaço de experiência, no presente, com a revolução de 1789, isso se transformou. Revolução seria, então, um processo de mudança, que não se religa ao passado, mas se constituiria de progresso, construindo algo novo, um futuro inédito, baseado no horizonte de expectativa, o que seria possível, ou seja, os movimentos, agora, não estariam mais repetindo o passado, mas construindo o futuro. Essa transformação explicita a mutabilidade da mentalidade humana, servindo de base para as contestações ao topos Historia Magistra Vitae. Sendo assim, a partir da mudança na experiência temporal da sociedade, a concepção de História se modifica. A temporalidade, agora linear, apontando para o futuro, está diretamente relacionada à narrativa histórica e suas funções. A História, na modernidade, se constrói, não como coletânea de eventos soltos, mas como processo uno, linear, composto por eventos que promovem mudanças consideráveis, o que Koselleck coloca como linearidade heterogênea, desprendendo, assim, moral e verdade pois agora a verdade não são “fatos exemplares” como na tradição arcaica, mas fatos que promovem mudanças e progresso, mantendo o foco em grandes feitos, grandes homens. Os acontecimentos antes vistos como extraordinários e descolados do presente na antiguidade, agora constituem uma cronologia, um processo, no qual o presente está inserido. O termo Historie, até então utilizado para designar a narrativa de fatos exemplares, é, portanto, substituído por Geschichte, que, por sua vez, significa a sequência de acontecimentos encadeados que constituem a dimensão temporal, esta que concebe passado, presente e futuro como parte do mesmo processo. Neste contexto, a memória dos acontecimentos é fundamental para construir a cronologia do processo histórico, se diferindo da utilização antiga, que era fixar acontecimentos como exemplo. Assim sendo, não é mais possível conceber a história como fonte de exemplos a serem copiados ou evitados, mas é preciso fixar, em primeiro momento, cada acontecimento dentro de seu contexto, este que se inclui num único processo, a História, para, então, construir a lógica sequencial da linearidade histórica, servindo, assim, para compreender o presente e construir o futuro, ou seja, a História se direciona para o horizonte de expectativa, não mais para o espaço de experiência. Frente à isso, a memória perde seu caráter de presença na sociedade, se corrompe pelo esquecimento, concebendo-se, então, o historiador como um especialista da memória, responsável por resgatar o passado. Nesse contexto, Ranke, o pai da historiografia positivista, afirma que existe um método para remontar o passado desviando do caráter interpretativo. Isso se daria pelo fato de que não existe interdependência entre o historiador e seu objeto, a separação entre estes possibilita a neutralidade axiológica, permitindo que o historiador não mais julgasse o passado, como ocorria com a verdade grega, mas apenas narrasse o que realmente aconteceu. Assim, Ranke coloca a história autossuficiente, não necessitando da visão daquele que a narra, a história tem forma e estrutura independente da percepção do historiador, a fonte fala por si só. Por isso, a função do historiador é apenas registrar os fatos históricos de forma passiva, imparcial, como um espelho do passado. Tal concepção, entretanto, vai ser fortemente contestada pela Escola dos Annales no início do século XX. Marc Bloch, um de seus fundadores, afirma que a fonte histórica não fala por si, mas que é de responsabilidade do historiador levantar questionamentos internos e externos à fonte, não admitindo que tudo o que os documentos falam é verdade. Partindo disso, propõe uma historiografia com o intuito de compreender os processos históricos, suas condições e mentalidades, trazendo a interdisciplinaridade como peça fundamental da produção histórica, que se utilizaria principalmente das ciências sociais. Além disso, Bloch se opõe ao modelo historiográfico já citado pois não propõe uma história baseada em grandes feitos ou grandes nomes, mas na visão holística dos aspectos que constroem os processos históricos. Bibliografia principal: TEIXEIRA, Felipe Charbel. “A história como arte da prudência”. In__. Timoneiros - retórica, prudência e história em Maquiavel e Guicciardini KOSELLECK, Reinhart. “História Magistra Vitae”. In:____. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto-Ed. PUC-Rio, 2006. FONSECA, Ricardo Marcelo. “O positivismo na história e seus pressupostos”. In__. O positivismo, historiografia positivista e história do direito. BLOCH, Marc. Apologia da história, o ofício do historiador.
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